A Praxeologia foi uma ciência originalmente proposta pelo economista Ludwig von Mises como o estudo das leis que regem a ação humana através de um método baseado puramente em dedução lógica.
O objetivo do presente texto é o de, através da consulta de textos tanto de Mises quanto de cientistas e pensadores que seguiram com suas ideias e estudos, apresentar a base da teoria praxeológica, os principais conceitos, suas definições, premissas e mais, da melhor, mais detalhada e mais inteligível forma que consigo, apresentando, assim, as fundações da ação humana.
Em Busca de Propósito
Primeiro, para que se possa entender os estudos praxeológicos, é necessário entender o que é a ação da qual Mises e os outros cientistas da ação humana falam, e, para isso, um conceito essencial é necessário, propósito (também chamado de fim, ou de objetivo, na literatura austríaca, aqui utilizarei o termo “propósito” por questão de preferência própria).
“A praxeologia, como as ciências históricas da razão humana, lida com a ação propositada do homem. Se mencionar fins, o que tem em vista são os fins que o agente homem procura atingir. Falar de significado, referir-se ao significado que o agente homem atribui às suas ações.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
A ação humana é um comportamento, porém não qualquer tipo de comportamento, o que está por trás da ideia chamada por Mises de ação é o conceito de um propósito, ação é o comportamento propositado.
“A característica distintiva e crucial no estudo do homem é o conceito de ação. A ação humana é definida simplesmente como um comportamento propositado.” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)
E o que isso quer dizer é que o ser que age está sendo consciente de futuros possíveis, ou pelo menos futuros que ele acredita serem possíveis, e escolhendo tentar tornar um deles real. Ação é uma manifestação dessa vontade, consciente, de tentar tornar real algum cenário futuro possível (ou, pelo menos, que a pessoa acredita ser possível), e a escolha dele em detrimento de outros, tornando-o o propósito (ou fim, ou objetivo) da ação.
Dentro de uma dada situação existem futuros que a pessoa é capaz de conceber como possíveis. Cada um destes futuros pode ser o propósito de sua ação, porém, enquanto a escolha não for feita, ainda não é.
Por exemplo, suponha que você esteja vendo televisão e então seu telefone toca, você pode conceber alguns futuros possíveis em sua mente:
- O futuro no qual você parou de ver televisão e foi atender ao telefone.
- O futuro no qual você não atendeu o telefone e continuou vendo TV.
- O futuro no qual não fez nenhum dos dois, porque começou a mexer no seu celular.
Estes, e outros, constituem uma série de futuros possíveis que poderiam ser concebidos na situação, a única coisa que qualifica eles como capazes de serem o propósito da ação ou não, é o fato de a pessoa acreditar ou não ter alguma influência sobre a realização daquele futuro e capacidade de torná-lo real (um futuro no qual você é morto por um meteoro, por exemplo, poderia até ser possível, mas não poderia se tornar um propósito por você não ter controle sobre os meteoros).
Então a pessoa escolhe entre um destes possíveis futuros. Por exemplo, vamos supor que você escolha ir atender ao telefone.
A partir do momento no qual há a escolha de tentar tornar aquele futuro real a pessoa está buscando tornar ele uma realidade, ela irá desempenhar um comportamento (uma sequencia planejada de comportamento) que ela acredita que tornará, ou terá chances de tornar, aquele futuro real. E esta é uma ação, e este futuro possível se torna o propósito (o fim, o objetivo) da ação. Voltando ao exemplo: se você escolheu ir atender ao telefone, atender o telefone é seu propósito, e seu ato de interromper o que estava fazendo para se levantar e ir atender, é uma ação.
Observação: quando digo “uma sequência planejada de comportamento” não quero dizer que a pessoa planejou tudo minuciosamente, o “planejado” aqui, simplesmente significa que ela pensou a respeito de como irá buscar aquilo, ou seja, de qual forma agirá, mesmo que apenas intuitivamente ou inconscientemente. Ela não necessariamente gastou muito tempo pensando no que iria fazer, é perfeitamente possível que a pessoa tenha agido de forma mais rápida e talvez até intuitiva, como muitos fazem.
Observação 2: a pessoa não precisa literalmente pensar em cada um dos cenários futuros com cuidado e detalhe, ela precisa apenas ter noção destes futuros possíveis.
Observação 3: a Praxeologia não necessariamente afirma que todos estes futuros são realmente possíveis, alguém pode defender o determinismo, e acreditar que há apenas um real futuro ao qual a pessoa estará destinada, e ainda estará de acordo com o conceito de ação da Praxeologia. O cerne da questão é o fato de os futuros serem concebidos pela pessoa que fará a escolha, mesmo se na realidade tudo estivesse determinado a um destino, a pessoa ainda não teria noção de qual é o futuro, e ao se deparar com a situação, ela iria ser capaz de imaginar várias possibilidades de futuros, e escolheria tentar tornar uma real em detrimento das outras, ou seja, agiria.
Observação 4: se você é familiarizado com a teoria psicológica de Jordan Peterson e notou alguma semelhança entre os esquemas utilizados por ele e o que eu desenhei isso não é uma coincidência, o fato é que Peterson e a tradição seguida por ele utilizam muitos conceitos similares aos da Praxeologia e eu achei a explicação da ação dada por ele tão boa que ela me inspirou a fazer essa minha.
“Os homens encontram-se em um determinado ambiente, ou situação. É nessa situação que o indivíduo decide realizar algo em ordem de atingir seus fins. Mas o homem só pode trabalhar com os numerosos elementos que encontra em seu ambiente, reorganizando-os a fim de alcançar a satisfação de seus fins. Com referência a qualquer ação dada, o ambiente externo ao indivíduo pode ser dividido em duas partes: aqueles elementos que ele acredita que não pode controlar e deve deixar inalterados, e aqueles que ele pode alterar (ou melhor, pensa que pode alterar) para chegar em seus fins. O primeiro pode ser denominado as condições gerais da ação; o último, os meios usados. Assim, o agente individual se depara com um ambiente que gostaria de mudar para atingir seus fins.” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)
Existe uma clara diferenciação entre dois tipos de ação na Praxeologia, a ação ativa, e a ação passiva. A ação ativa, no exemplo dado, seria como a escolha de ir atender ao telefone, enquanto a passiva, seria uma ação que envolve a ausência de uma tentativa de altera a situação atual, seria como continuar vendo TV e não fazer mais nada. Alguém que não move seu corpo, nem tenta alterar o presente não está deixando de agir, ou a ação não é o movimento, mas sim a escolha, ele está agindo passivamente, pois continua constantemente escolhendo continuar na situação atual, ao invés de tentar tornar real algum outro futuro possível, e causar alguma mudança.
“Outra lição a ser aprendida é que a ação não significa necessariamente que o indivíduo é “ativo” em oposição a “passivo”, no sentido coloquial. Ação não significa necessariamente que um indivíduo deve parar de fazer o que está fazendo e fazer outra coisa. Ele também atua, como no caso acima, quem opta por continuar em seu curso anterior, embora a oportunidade de mudança estivesse aberta para ele. Continuar a assistir ao jogo é tanta ação quanto sair para um passeio.” (ROTHBARD, Murray. Homem, Economia e Estado.)
Ao mesmo tempo, é importante notar que muitos destes futuros possíveis podem ser incompatíveis, ou seja, alcançar eles simultaneamente pode ser logicamente impossível; assim, o agente não está simplesmente escolhendo um possível futuro, mas ao escolher este, está renunciando outros. No exemplo dado, o futuro possível de atender o telefone e o de assistir televisão (naquele momento) seriam incompatíveis, e ao escolher atender à ligação você estaria renunciando à possibilidade de continuar, naquele momento, assistindo àquele programa. Poderiam haver duas coisas que poderiam ser buscadas simultaneamente, porém a busca de ambas ao mesmo tempo seria considerada uma única escolha, e uma única ação; essas escolhas, as entre possíveis futuros que são incompatíveis entre si, são as que interessam à Paxeologia.
“Ação não é simplesmente uma manifestação de preferência. O homem também manifesta preferência em situações nas quais eventos e coisas são inevitáveis ou se acredita que o sejam. Assim sendo, o homem pode preferir bom tempo a chuva e pode desejar que o sol dispersasse as nuvens. Aquele que apenas almeja ou deseja não interfere ativamente no curso dos acontecimentos nem na formação de seu destino. Por outro lado, o agente homem escolhe, determina e tenta alcançar um fim. Entre duas coisas, não podendo ter ambas, seleciona uma e desiste da outra. Ação, portanto, sempre implica tanto obter como renunciar.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
O que diferencia fundamentalmente agentes de seres que não se comportam de maneira propositada é o fato de estarem conscientes do futuro que estão buscando tornar real e dos outros futuros possíveis que imaginaram mas não buscaram. Um ser que se comporte apenas de maneira automática e instintiva também está exercendo influência sobre os acontecimentos futuros, a diferença é que ele não compreende, conscientemente, os futuros possíveis, e não busca conscientemente tornar algum deles real, e é aqui que a ação se separa do comportamento não propositado.
Aqui vale a pena fazer uma crítica a muitos ataques infundados feitos à Praxeologia, que alegam que Mises e outros praxeologistas afirmam que o ser humano é um ser perfeitamente racional que se comporta unicamente de forma consciente e perfeitamente lógica; isso é falso, e está longe de ser o que Mises diz. Não há a negação do fato de que existem comportamentos automáticos do corpo, como reflexos, o batimento cardíaco, e vários outros que são completamente incontroláveis (pelo menos com meios normais conhecidos), porém estes comportamentos do corpo não se configuram como ação. Também não há, na Praxeologia, a afirmação de que agentesnão possam deixar se levar por emoções, agir impulsivamente, e etc., a Praxeologia está longe de negar isso; a única coisa que é dita é que, dentro daqueles impulsos e instintos que podem ser controlados, uma pessoa pode escolher tentar lutar contra eles (claro, desde que possam ser controlados) ou não, isso pode ser difícil, e pode exigir mais vontade (lutar contra a raiva, por exemplo, pode ser algo muito difícil, dependendo da situação e pessoa), mas a escolha de não lutar conta o impulso ainda se configura como uma ação (embora o impulso em si não seja uma ação.).
“O comportamento inconsciente dos órgãos e células do organismo, para o nosso ego, é um dado como qualquer outro do mundo exterior. O homem, ao agir, tem que levar tudo em conta: tanto o que se passa no seu próprio corpo quanto outros dados externos, como por exemplo, as condições meteorológicas ou as atitudes de seus vizinhos. Existe, é claro, certa margem dentro da qual o comportamento propositado pode neutralizar o funcionamento do organismo. Se torna factível, dentro de certos limites, manter o corpo sob controle. Às vezes o homem pode conseguir, pela sua força de vontade, superar a doença, compensar insuficiências inatas ou adquiridas de sua constituição física, ou suprimir reflexos. Até onde isto seja possível, estende-se o campo de ação propositada. Se um homem se abstém de controlar reações involuntárias de suas células e centros nervosos, embora pudesse fazê-lo, seu comportamento, do nosso ponto de vista, é propositado.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
Até agora apenas foi estabelecida a denotação do que se fala, do que é a “ação” estudada pela Praxeologia, não foi feito argumento algum, apenas um estabelecimento de classificações e definições, ou seja, não há como discordar do conteúdo exposto de forma lógica. O que poderia sim ser feito por uma pessoa, seria dizer que não existe ação (no sentido misesiano), que não existem seres que se comportam da forma descrita, e afirmar isso seria uma forma de tentar negar a validade científica da Praxeologia. Porém tal afirmação seria incorreta. Para provar que existem sim agentes, seres que agem, é utilizado na ciência da ação um argumento por redução ao absurdo que funciona da seguinte forma:
A pessoa, para que pudesse afirmar que não existem agentes, teria que agir, ou seja, estaria se contradizendo.
Essa é uma forma simplificada do argumento geralmente utilizada na literatura, porém, destrinchando ele é possível perceber como ele segue de forma perfeitamente lógica. Ao afirmar que não existem agentes a pessoa estaria fazendo uma proposição, proposições são, por definição, afirmações que poderiam ser verdadeiras ou falsas, isso significa que, ao fazer a proposição, a pessoa teria de contemplar as duas possibilidades, a de no futuro ser revelado que ela estava certa, e a de no futuro ser revelado que ela estava errada, ou seja, ela agiu. Qualquer um que diga que agentes não existem estará agindo e portanto entrando numa contradição.
Não pretendo formalizar tal argumento nem a Praxeologia como um todo no momento pois este texto tem como objetivo não ser tão formal e sim o de explicar os conceitos da melhor e mais detalhada forma possível, e porque ainda não sinto que sou capaz de formalizar algo complexo como a Praxeologia.
Não é exagero quando se diz que negar a Praxeologia é negar que age, qualquer um que negue a Praxeologia estará no fundo dizendo que não age, pois todas as conclusões descobertas por esta ciência são simplesmente implicações do conceito de ação, e, conforme foi observado, qualquer um que diga que não existe ação estará agindo, e refutando a si mesmo.
E este é aquele que é chamado do “axioma fundamental da ação humana”.
Sabendo que existem agentes a Praxeologia, portanto, tem como objetivo o estudo deles, de nós, de mim e de você, o estudo da ação; o que a Praxeoloiga pretende é, com base em lógica, deduzir quais são as implicações da ação, quais são as leis universais que regem qualquer ação. A Praxeologia, diferentemente do que muitas críticas infundadas afirmam, não parte de pressupostos, ela não tem hipóteses, é uma ciência puramente baseada no raciocínio lógico, como a matemática, ela parte apenas da definição do que é uma ação, da noção de que existem agentes, e de que eles agem, e com base em lógica demonstra o que pode ser afirmado a respeito da ação humana.
“A praxeologia se baseia no axioma fundamental de que indivíduos agem, ou seja, no fato primordial de que indivíduos participam de ações conscientes visando objetivos escolhidos. Esse conceito de ação contrasta com o comportamento puramente reflexivo, ou automático, que não é dirigido para objetivos. O método praxeológico estende, por dedução verbal, as implicações lógicas desse fato primordial. Em resumo, a economia praxeológica é a estrutura de implicações lógicas do fato de que indivíduos agem. Essa estrutura é construída sobre o axioma fundamental da ação, e tem alguns axiomas auxiliares, tais como os indivíduos são diferentes e que seres humanos consideram lazer como um bem valioso. Para qualquer cético em relação a se deduzir de tal base simples um sistema inteiro de economia, eu recomendo o livro Ação Humana de Mises. Além disso, uma vez que a praxeologia inicia com um axioma verdadeiro, A, todas as proposições que podem ser deduzidas desse axioma têm que ser verdadeiras, pois se A implica B, e A é verdadeiro, então B tem também que ser verdadeiro.” (ROTHBARD, Murray. Praxeologia: o método dos economistas austríacos.)
Condições da Ação
Para que a ação, ou pelo menos a ação ativa, possa ocorrer, algumas condições são necessárias.
Consciência
Aqui não me refiro a qualquer consciência, mas à consciência de futuros possíveis. Conforme dito anteriormente, o que define um comportamento como ação, é a consciência de futuros possíveis, e a tentativa de tornar algum real.
Insatisfação
“Chamamos contentamento ou satisfação aquele estado de um ser humano que não resulta, nem pode resultar, em alguma ação. O agente homem está ansioso para substituir uma situação menos satisfatória, por outra mais satisfatória. Sua mente imagina situações que lhe são mais propícias, e sua ação procura realizar esta situação desejada. O incentivo que impele o homem à ação é sempre algum desconforto.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
Conforme é explicado por Mises, o que gera a ação é a insatisfação, também chamada de desconforto, a insatisfação é como o combustível da ação, que impele o agente a escolher tornar novas cosias reais. Um agente completamente satisfeito é um agente que deixará de tentar alterar a situação atual, ele continuaria em um estado de êxtase constante e permaneceria apenas agindo passivamente. Se um agente faz uma nova escolha, é porque há um futuro possível diferente da situação atual que ele está tentando tornar real, e isso, pela definição, significa que há uma insatisfação com a situação atual.
Dessa definição vêm uma das premissas mais básicas da Praxeologia, a de que agentes agem para reduzir insatisfações (desconfortos), pelo menos ativamente, ou seja, que agem para sair de um estado de menor satisfação, para entrar em um estado de maior satisfação.
Uma insatisfação é um desejo de mudar algo no estado atual das coisas (desde o desejo de comer, e mudar o fato de estar com fome, o de atender o telefone, e mudar o fato de não estar atendendo uma ligação, até coisas mais complexas que podem influenciar até mesmo sociedades inteiras). Portanto, de forma direta, e pela definição, percebe-se que, sempre que um ser age ativamente, ele está buscando sair de um situação presente na qual existe este desejo por mudança (a insatisfação, também chamada de desconforto), para ir a um futuro possível e um estado no qual não existe mais tal desejo de mudança, pois a mudança já ocorreu e portanto não é mais necessária (se ele tiver sucesso, podem existir outras insatisfações, porém não esta).
Isso não significa necessariamente que pessoas sempre irão atingir sua satisfação. Pessoas podem errar, pessoas se enganam, elas cometem erros, e podem acreditar que algo trará satisfação, e depois se arrepender; a questão aqui é a crença, a crença que cada um tem e a intenção de sair de um estado e ir para o outro. A Escola Austríaca de Economia é uma escola muito realista nesse sentido, ela tem a noção de que existe tal desejo de se satisfazer, porém, ao mesmo tempo, não afirma que ele sempre será bem sucedido.
Expectativa
“Mas, para fazer um homem agir não bastam o desconforto e a imagem de uma situação melhor. Uma terceira condição é necessária: a expectativa de que um comportamento propositado tenha o poder de afastar ou pelo menos aliviar o seu desconforto. Na ausência desta condição, nenhuma ação é viável. O homem tem de se conformar com o inevitável. Tem de se submeter a sua sina.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
Há, além da consciência de possíveis futuros e da insatisfação, uma terceira condição para que um ser aja ativamente, e esta é a expectativa. Conforme já abordado de forma breve anteriormente, é necessário que o agente acredite que ele tenha a capacidade de interferir no futuro e de, pelo menos talvez, tornar algum futuro possível real. Pois, se um agente age para eliminar uma insatisfação, então ele não terá como agir sem a expectativa de, pelo menos talvez, ter sucesso, pois estará agindo para alcançar algo que conscientemente acha impossível de ser alcançado, ou seja, sabendo que alcançará algo que não irá eliminar sua insatisfação.
Um agente perfeitamente satisfeito, assim como um agente sem expectativa alguma, irá ser um agente passivo eterno, incapaz de ingressar em novas ações, eternamente estático, sem tentar causar mudança alguma nem no mundo ao seu redor, nem mesmo em si próprio.
“Além do mais, que um homem age implica que ele acredita que a ação fará alguma diferença; em outras palavras, que ele prefere a situação resultante da ação àquela de nenhuma ação. Portanto, ação implica que o homem não tem conhecimento onisciente do futuro; pois se tivesse tal conhecimento, nenhuma ação de sua parte faria qualquer diferença. Assim, ação implica que nós vivemos em um mundo de um futuro incerto, ou não totalmente certo. Assim, nós podemos retificar a nossa análise da ação e dizer que o homem decide empregar meios de acordo com o seu plano tecnológico no presente porque ele espera atingir seus objetivos em algum tempo futuro.” (ROTHBARD, Murray. Praxeologia: o método dos economistas austríacos.)
Implicações da Ação
Existem diversas implicações do fato de um ser agir. Ele usa determinados meios para buscar seu propósito, ele tem uma escala de valores, ele age num ambiente de incerteza… Essas implicações são demonstradas por meio da dedução.
Meios
“Os meios são, necessariamente, sempre escassos, isto é, insuficientes para alcançar todos os objetivos pretendidos pelo homem. Se não fosse assim, seria desnecessária qualquer ação humana para obtê-los. Se não houvesse a insuficiência de meios, não haveria necessidade de ação.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
Uma primeira implicação é o uso de meios. Existe sempre algo que é empregado, alocado, ou seja, usado, para se desempenhar uma ação, pois ao menos o tempo é necessário para a ação é empregado (e isso se torna evidente quando lembramos que toda a ação, pela sua própria definição, é uma tentativa de realizar um futuro, ou seja, ocorre ao longo do tempo). O tempo também é um meio, também é empregável para se agir, e sempre, em qualquer ação, meios são usados, pois ao menos o tempo é.
“Não é evidente e nem observável que a fim de alcançar seu objetivo mais valorizado, uma ação deve interferir ou decidir deixar de interferir (o que, logicamente, também é uma interferência) em um momento anterior para produzir algum resultado posterior; nem que estas interferências implicam invariavelmente no uso de algum meio escasso (pelo menos, o corpo dos agentes, o local em que eles estão e o tempo consumido pela interferência).” (HOPPE, Hans Hermann. A Ciência Econômica e o Método Austríaco.)
Também, conforme explicitado anteriormente pela frase de Mises, meios são escassos. Escassez, da forma como é usada na Praxeologia, significa uma impossibilidade de se atingir todos os futuros desejados ou seja, aqueles que ele escolheria em detrimento da ação passiva), se algo é escasso, é porque não pode ser utilizado para se atingir todos os futuros possíveis que são concebidos e desejados. Se um ser continua a agir é porque ele usa meios escassos, se ele conseguisse, ao menos uma vez, agir usando meios não-escassos, conseguiria atingir todos os possíveis propósitos desejados por ele, ou seja, não haveria mais nada preferível à ação passiva, ele se tornaria um agente passivo eterno, continuando sempre na escolha da ação passiva, sem nunca fazer mais nada, não faria escolhas novas. Ação ativa e escolhas novas só são possíveis caso não haja um meio não-escasso para ser usado.
Valor
“Valor é a importância que o agente homem atribui aos seus objetivos finais. Somente a objetivos finais é que se atribui um valor primário, original. Os meios são valorados de forma derivativa, segundo sua utilidade e contribuição para alcançar o objetivo final. Sua valoração deriva do valor atribuído ao respectivo objetivo. Só têm importância na medida em que tornam possível atingir algum objetivo, algum fim. Valor não é algo intrínseco à natureza das coisas. Só existe em nós; é a maneira pela qual o homem reage às condições de seu meio ambiente.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
Valor é a importância que o agente da a um propósito ou meio em relação aos outros disponíveis. Valor pode ser entendido como uma ideia de preferência. Se um agente tem x possíveis futuros em uma dada situação que ele entenda como capazes de serem escolhidos como o propósito de sua ação, aquele que ele escolhe tentar tornar real, é o que prefere em relação aos outros, é o mais importante para ele, diz-se que esse é o que ele mais valoriza.
A Praxeologia afirma ser possível estabelecer uma escala (ou hierarquia) de valores, do que ele mais valoriza até o que menos valoriza (obs.: ela não diz que necessariamente sempre poderemos saber a hierarquia de valores de cada um ao nosso redor, apenas que é possível provar que cada agente tem uma hierarquia). E como? Se tirássemos aquele futuro possível que foi escolhido pelo agente na situação, e ele não estivesse mais disponível, haveria um segundo que ele escolheria, este é o segundo mais valorizado, se tirássemos o segundo, haveria um terceiro que ele escolheria, e este é o terceiro mais valorizado, e assim por diante.
De certa forma ele valoriza o primeiro mais que o terceiro, assim como mais que o segundo, caso o contrário não teria o escolhido, e portanto é possível colocar estes propósitos em uma hierarquia, do que ele mais valoriza até o que menos valoriza.
Por exemplo, suponha que certa pessoa tenha uma folha de papel, e algumas coisas que pensa ser capaz de fazer com ela: Fazer o trabalho da faculdade, fazer um desenho, fazer um avião de papel, e não fazer nada.
Dentre estes possíveis propósitos a pessoa escolherá um, suponha que ela escolha o trabalho da faculdade, por achar ele mais importante; então este é o propósito mais valioso para ela. Se ela não pudesse escolher fazer o trabalho da faculdade, teria de escolher outra coisa; neste exemplo a pessoa não gosta de aviões de papel, mas adora desenhar, portanto escolheria fazer o desenho, o segundo propósito mais valorizado por ela na situação. E se ela não pudesse fazer o desenho também, haveria outra coisa que escolheria. Ela tem uma hierarquia de valores:
- Fazer o trabalho da faculdade.
- Fazer um desenho.
- Não fazer nada.
- Fazer um avião de papel.
Ao mesmo tempo, há também uma hierarquia de valores entre meios. Dentre os meios disponíveis existem aqueles que ela vê como úteis para atingir cada um dos possíveis futuros, e a preferência dela em possuir um deles é tão importante quanto a preferência em atingir o propósito para o qual ele estaria destinado.
Voltando ao exemplo: Para fazer o trabalho da faculdade a pessoa precisa de uma caneta, pois é exigido pelo professor que o trabalho seja feito a tinta. Para desenhar ela precisa de um lápis, e não desejaria desenhar com caneta. Já sabemos que ela prefere fazer o trabalho a desenhar, e que se não puder fazer nenhum dos dois escolherá pela ação passiva e não fará nada com o papel. Se a pessoa tiver que escolher entre estes meios (caneta e lápis) — por exemplo, se ela tiver de comprar um dos dois e tiver dinheiro apenas para um deles — ela escolherá o mais valorizado, a caneta, pois ela irá buscar tornar real aquele possível futuro que vê como mais valioso (entregar o trabalho). Assim é possível, da mesma forma, fazer uma hierarquia entre os meios disponíveis:
- Caneta
- Lápis
Porém, é importante notar que a preferência não é necessariamente em relação aos tipos de bens. Um mesmo tipo de bem pode ter uma de suas unidades em um ponto mais alto na hierarquia de valores, e outra em um ponto mais baixo. Por exemplo: um trabalhador do campo precisa de um cavalo para arar a terra, precisa de uma galinha para botar ovos e vender, de outra galinha para vender a carne, e de um outro cavalo para se locomover mais rapidamente pela fazenda e economizar tempo, e, neste exemplo, a hierarquia de valorização que ele da a estes propósitos é essa:
- Arar o campo.
- Vender carne de frango.
- Vender ovos.
- Se locomover a cavalo.
Neste caso, embora para ele ter um cavalo seja mais valioso que ter uma ou duas galinhas, ter sequer uma delas é mais valioso que ter o segundo cavalo. Sua hierarquia de valorização dos meios é esta:
- O primeiro cavalo.
- A primeira galinha.
- A segunda galinha.
- Segundo cavalo.
Apesar de valorizar mais ter um cavalo inicialmente, a partir do momento que ele já tem um, o agente da mais valor a ter uma galinha que a ter mais um cavalo, e isso é perfeitamente possível pro conta da hierarquia de valores.
Um segundo exemplo, vamos supor que haja outro fazendeiro, e ele tenha alguns objetivos diferentes: ele precisa de dois cavalos para puxar uma carroça (apenas um não será o suficiente), de um porco para vender carne, e de mais um cavalo, para locomoção mais rápida pela fazenda também. Neste exemplo, a hierarquia de valorização dele dos propósitos é:
- Puxar a carroça.
- Vender a carne.
- Se locomover a cavalo.
Neste caso o fazendeiro preferirá um porco a um cavalo, porém preferirá dois cavalos a dum ou dois porcos. Isso ocorre por ele necessitar de dois cavalos para seu propósito mais importante (valorizado).
“A ação não lida com unidades físicas ou metafísicas avaliadas de maneira abstrata e acadêmica; a ação é sempre uma escolha entre alternativas. Esta escolha tem que ser feita, necessariamente, entre quantidades específicas de meios. Podemos chamar de unidade a menor quantidade que possa ser objeto de uma escolha. Mas devemos estar prevenidos para não incorrermos no erro de considerar que o valor de uma soma de tais unidades deriva do valor das unidades; o valor da soma não coincide com a adição do valor atribuído a cada unidade.
Suponhamos que um homem possua cinco unidades do bem a e três unidades do bem b, e que atribua às unidades de a as seguintes posições na hierarquia de satisfação: 1, 2, 4, 7 e 8; e às unidades de b, as posições 3, 5 e 6. Isto significa: se tiver que escolher entre duas unidades de a e duas unidades de b, preferirá perder duas unidades de a a duas unidades de b.
Mas, se tiver que escolher entre três unidades de a e duas unidades de b, preferirá perder as duas unidades de b às três unidades de a. Ao valorar um conjunto de diversas unidades, o que importa sempre e somente é a utilidade do conjunto como um todo — isto é, o incremento de bem estar que dele depende ou, o que é o mesmo, a redução de bem estar que sua perda provocaria. Não é necessário recorrer a processos aritméticos, nem a somas, nem a multiplicações; trata-se tão somente de estimar a utilidade decorrente de possuir o conjunto, ou uma parte dele.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
Incerteza
“Podemos supor que o resultado de todos os eventos e mudanças seja determinado unicamente por leis eternas e imutáveis que regulam a evolução e o desenvolvimento do universo. Podemos considerar a interconexão e interdependência de todos os fenômenos, isto é, sua concatenação causal, como uma realidade fundamental e suprema. Podemos rejeitar completamente a noção de acaso. Mas, por mais que assim seja, ou pareça ser para uma mente dotada de uma inteligência perfeita, permanece indubitável que para o agente homem o futuro é desconhecido. Se o homem pudesse conhecer o futuro, não teria que escolher e, portanto, não agiria. Seria um autômato, reagindo aos estímulos, sem vontade própria.
Alguns filósofos procuram desacreditar a noção de vontade humana, considerando-a uma ilusão, ou autoilusão, porque o homem tem fatalmente que obedecer às inevitáveis leis da causalidade. Podem ou não ter razão, se estão referindo-se a uma força motriz fundamental ou a sua causa. Entretanto, no que diz respeito ao homem, a ação é algo definitivo. Não estamos afirmando que o homem seja “livre” para escolher e agir. Simplesmente estamos enunciando o fato de que o homem escolhe e age, e de que os métodos das ciências naturais para explicar por que ele age de uma maneira e não de outra não são aplicáveis.” (MISES, Ludwig von. Ação Humana.)
Uma terceira implicação da ação humana é a incerteza. Mesmo se houver um futuro certo, o agente é incapaz de conhecê-lo.
Se fosse possível para o agente ter certeza de qual é o futuro, ele não iria escolher entre futuros que acredita serem possíveis, não escolheria tentar tornar um real em detrimento dos outros, optaria pela única opção que conhece, pois, conforme foi estabelecido anteriormente, para que algo possa ser escolhido, é necessário que haja expectativa de poder ter sucesso nessa escolha, e se ele tivesse certeza do futuro, qualquer outra escolha seria uma opção sem expectativa alguma. Portanto, um ser que conhecesse o futuro não agiria, pois ele não escolheria um futuro, tendo conhecimento de outras possibilidades, apenas seguiria a única opção.
Mais uma vez, o determinismo, embora eu não o defenda, não é incompatível com a Praxeologia, seria possível defender que existe apenas um futuro certo e ainda não entrar em conflito com os conhecimentos praxeológicos, porém este futuro certo nunca poderia ser conhecido, e o agente teria apenas a noção de vários futuros para ele igualmente possíveis, e escolheria tentar tornar um deles reais.
Isso significa que o agente não conhece o futuro, que ele pode errar, que pode tentar alcançar seu propósito, mas falhar, por conta de fatores imprevisíveis, no mundo não há certeza alguma em relação ao futuro, pois o futuro é sempre o caos.
Ainda assim, há esperança, pois agimos, portanto temos expectativa, expectativa de talvez ter sucesso em nossas decisões, e a capacidade de continuar em frente caso não tenhamos.
Conclusão
A Praxeologia, portanto, se mostra capaz de nos elucidar fator fundamentais a respeito da ação, graças a ela sabemos que ao agirmos ativamente no mundo, buscando mudanças, em busca de propósito, o fazemos por termos consciência de estarmos escolhendo tentar tornar algo real, porque acreditamos que ao tornar este algo real encontraremos mais satisfação, com a expectativa, a esperança, de termos sucesso, porém sob um futuro incerto, tendo sempre a possibilidade de falharmos, mas fazendo o melhor para atingir nosso propósito, usando os meios que acreditamos serem os melhores, e seguindo nossos valores, em busca de propósito.
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Referências
Ludwig von Mises — Ação Humana
Ludwig von Mises — The Ultimate Foundation of Economic Science
Murray Rothbard — Homem, Economia e Estado (deixo aqui um agradecimento especial à equipe da Universidade Libertária pro ter traduzido esta obra maravilhosa)
Murray Rothbard— Praxeologia: o método dos economistas austríacos
Hans Hermann Hoppe — A Ciência Econômica e o Método Austríaco