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Capitalismo, Ética e a Clássica Doutrina Social Católica

Tempo de Leitura: 18 minutos

Retirado e traduzido de This World, outono 1983, pp. 115-125

O texto original pode também ser encontrato aqui

Capitalismo, Ética e a Clássica Doutrina Social Católica

 

Escrito por James A. Sadowsky, S.J.

O que eu chamo de doutrina social clássica é aquela que prevaleceu entre os pensadores católicos romanos desde o tempo da Rerum Novarum(1891) até o meio do século XX. Rerum Novarum é o título do que é chamado de uma “encíclica”, uma carta papal endereçada aos bispos, que articula a posição de um papa sobre alguma questão de importância para a Igreja Católica. Embora o que é desenvolvido nas encíclicas possua grande autoridade, as encíclicas não possuem, em e de si mesmas, a força de doutrina. Em outras palavras, posições podem e mudam conforme a passagem do tempo. Ainda mais que qualquer outro único documento, a Rerum Novarum guiou o pensamento de católicos romanos sobre questões socio-econômicas durante a primeira metade de nosso século.

A Encíclica foi escrita em 1891. Marx morreu em 1883, e Engels estava para morrer em 1895. Os importantes tratados sobre economia clássica já haviam sido completados, e a era da economia Austríaca começara com a publicação do Principles de Menger em 1871. Ainda assim a Rerum Novarum revela nenhuma quantia significativa de atenção para escrito algum dos grandes economistas––apesar de que se alguém deseja entender o funcionamento do mercado, isso é exatamente o que se tem de fazer.

Leão XIII estava lutando para melhorar as condições de vida do trabalhador, e muito bem. Aqui está o sumário feito pelo Papa Leão acerca do problema que ele considerou que precisava de sua atenção:

 

Depois de as guildas comerciais terem sido destruídas no último século, e nenhuma proteção ter sido substituída em seu lugar, e quando as instituições públicas e a legislação rejeitaram o ensinamento religioso tradicional, gradualmente veio à tona que a presente era entregou os trabalhadores, cada qual sozinho e indefeso, à in-humanidade dos empregadores e à desenfreada ganância dos competidores [. . .] e, em acréscimo, todo o progresso de produção bem como o comércio de todo tipo de bem fora trazido quase totalmente sob o poder de uma minoria, de modo que os pouquíssimos homens extremamente ricos colocaram um jugo de quase escravidão sobre as inúmeras massas de trabalhadores não-proprietários.”

 

Nenhum socialista, nenhum teólogo da libertação, poderia ter apresentado uma acusação mais forte. Mas se está se esperando que o papa proponha um remédio socialista como seu, está-se indo em direção a um grande desapontamento:

 

Para curar esse mal, os Socialistas, incitando a inveja dos pobres rumo aos ricos, afirmam que é necessário acabar com a posse privada de bens e em seu lugar fazer os bens dos indivíduos comuns a todos, e que os homens que presidem um município ou que dirigem todo o Estado deveriam agir como administradores desses bens. Eles sustentam que, por tal transferência de bens privados de indivíduos privados para a comunidade, eles podem curar o mal presente dividindo a riqueza e os benefícios igualmente entre os cidadãos.

Mas o programa deles é tão impróprio para terminar o conflito que ele em verdade injuria os próprios trabalhadores. Ademais, é altamente injusto, porque viola os direitos dos proprietários legítimos, perverte as funções do Estado, e lança os governos em total confusão.

Se o trabalhador não pode usar seu salário para comprar propriedade, o que sob o socialismo ele não poderia fazer, seu direito de dispor seu salário do modo que ele achar adequado é tomado dele. Suas propriedades são “nada além de seus salários em uma forma diferente”. Em outras palavras, o socialismo condena o trabalhador a permanecer no próprio sistema de salário que o deplora [. . .] na medida em que os socialistas buscam transferir os bens das pessoas privadas à comunidade em geral, eles tornam ainda pior a condição de todos os assalariados, porque ao abolir a liberdade de dispor dos salários eles tomam deles por esse mesmíssimo ato a esperança e a oportunidade de aumentar sua propriedade e de assegurar vantagens para eles mesmos“.

 

Propriedade Privada e Natureza Humana

Ainda mais importante, um regime de propriedade privada é demandado pela própria natureza humana. Ao contrário dos animais, o homem precisa planejar para o futuro. Mas ele pode fazer isso somente se ele pode possuir o fruto de seu trabalho de um modo permanente e estável. Está a poder do homem, escreveu Leão, 


“escolher as coisas que ele considera melhor adaptadas para beneficiá-los não somente no presente mas também no futuro. Donde se segue que o domínio não só sobre os frutos da terra mas sobre a própria terra deve residir no homem, visto que ele vê que as coisas necessárias para o futuro são fornecidas a ele fora do produto da terra. As necessidades de todo homem são sujeitas, por assim dizer, a constantes recorrências, de modo que, satisfeito hoje, elas fazem novas demandas amanhã. Portanto a natureza necessariamente deu ao homem algo estável e perpetuamente duradouro sobre o qual ele pode contar para suporte contínuo. Mas nada pode dar o suporte contínuo desse tipo salvo a terra, com sua grande abundância.”

 

A propriedade da terra pelo homem em geral significa somente que Deus não assinalou nenhuma parte particular da terra a pessoa alguma, mas deixou os limites das possessões privadas a serem fixados pela industriosidade do homem e às instituições dos povos. Para usar a frase técnica, a propriedade no estado original era negativamente, em vez de positivamente, comum: possuída por ninguém, mas capaz de ser convertida em propriedade por qualquer um.

Como se converte o que não tem dono em propriedade? Ao trabalhar sobre o que até aquele momento estava sem dono. Ao fazer isso “ele apropria aquela parte da natureza física que ele cultivou para ele mesmo”. Ele estampa sua própria imagem no trabalho de suas mãos de tal maneira que “ninguém de modo algum deveria ser permitido a violar esse direito”. Ademais, aqueles que negariam ao indivíduo a propriedade do solo que ele cultiva, enquanto concedendo a ele o produto que resulta dessa atividade, esquecem que as modificações que o homem introduz no solo são inseparáveis dele. Um homem não pode ser dono de um sem ser dono de outro.

Em suma, aqui está a acusação de Leão ao socialismo:

 

De todas essas conversações, é percebido que o princípio fundamental do socialismo de tornar todas as posses em propriedade pública deve ser totalmente rejeitado porque injuria os mesmos que busca ajudar, contraria os direitos naturais das pessoas individuais, e lança as funções do Estado e da paz pública em confusão. Que seja considerado como estabelecido, portanto, que, ao buscar auxílio para as massas, este princípio deve ser considerado antes de tudo como básico, a saber, que a propriedade privada precisa ser mantida inviolada.”

 

No decorrer da encíclica está o tema de que o direito natural do homem de possuir e transmitir propriedade por herança precisa permanecer intacto e não pode ser tomado pelo Estado, “pois o homem precede o Estado” e, “a família doméstica é antecedente, tanto em ideia quanto em fato, ao ajuntamento dos homens em uma comunidade”.

No máximo, o Estado poderia modificar o uso de propriedade privada, mas ele não poderia nunca tomar com razão o direito básico a propriedade de alguém e a seu uso ordinário.

Quarenta anos depois da Rerum Novarum, o Papa Pio XI indicou sua concordância com esse ensinamento em outra encíclica, Quadragesimo Anno:

 

Portanto, o prudente Pontífice já declarou ser ilegítimo para o estado exaurir os meios dos indivíduos através de pesados impostos e tributos. “O direito de possuir propriedade privada é derivado da natureza, não do homem; e o estado não tem por meio algum o direito de abolí-la, mas somente para controlar seu uso e trazê-la em harmonia com o interesse do bem público.” Porém, quando a autoridade civil ajusta a propriedade para ir de acordo com as necessidades do bem público ela age não como inimiga, mas como amiga dos donos privados; pois assim ela previne que as posses da propriedade privada, feita pelo Autor da Natureza em Sua Sabedoria para o sustento da vida humana, crie fardos intoleráveis e assim arroje para sua própria destruição. Ela, portanto, não bole, mas protege, a propriedade privada, e, longe de enfraquecer o direito a propriedade privada, ela dá nova força.”

 

Assim, parece que tanto para Leão XIII quanto para Pio XI, o socialismo no sentido da propriedade generalizada dos meios de produção está fora de questão. Eles permitem intervenção estatal, entretanto. A questão é, quanto?

Leão XIII não discutiu a extensão da nacionalização legítima de propriedade, mas Michael Cronin––um intérprete da ética católica altamente estimado––estabeleceu os limites da propriedade do Estado de um modo que considero que poderia ganhar a concordância de ambos Leão XIII e Pio XI:

 

Se a nacionalização do Estado deveria chegar a um ponto onde a pressão da restrição do Estado começa a ser sentida por pessoas privadas, de modo que não pode mais ser dito que essas pessoas possuem ampla e total oportunidade para empreendimento e investimento privado, ou se tal ponto tenha sido definitivamente aproximado de modo que há perigo para o direito da pessoa privada de livre empreendimento e investimento, então o Estado já passou dos limites do monopólio legítimo. Também, se houver algo que é de tanta importância fundamental para a vida econômica da comunidade que nacionalizar isso daria ao Estado um tipo de propriedade modificada sobre toda a riqueza, dificulta gravemente a liberdade dos donos privados em todo serviço de comércio, e assim introduz condições quase equivalentes àquelas do socialismo, então a nacionalização em tal caso pareceria ser proibida por colocar em perigo a liberdade e bem-estar da comunidade.”

 

Cronin permitiria ao estado estabelecer um monopólio somente para razões muito graves e somente depois de compensação total ter sido feita aos donos existentes. Ele diz que:

 

Há toda a diferença do mundo entre monopólios cujos proprietários são indivíduos privados e monopólios estabelecidos pelo Estado. O indivíduo ou companhia privada que estabelece um monopólio é bem-sucedido ao fazer isso não por proibir uma linha de negócios para outros, mas como um resultado de competição aberta e pela utilização de expedientes legítimos que a competição traz em jogo; e supondo que somente expedientes legítimos são utilizados, uma companhia privada tem muito bem um direito a adquirir um monopólio em competição aberta com outros, como um indivíduo tem de ganhar uma corrida ou assegurar um prêmio por exame. Mas, por outro lado, quando o Estado contempla estabelecer um monopólio em qualquer linha de negócios, ele proíbe todos os outros de entrar nessa linha de negócios, e assim resulta em uma séria invasão na liberdade do sujeito. Tal invasão pode ser justificada somente pelas razões gravíssimas de política pública e necessidade.

 

Deveres de Monopólio

O pensamento de Cronin sobre a questão dos monopólios representa um alto grau de esclarecimento. Poucos se mostraram conscientes da distinção entre o tipo de monopólio que resulta dos consumidores recusando a fazer acordos com mais de um produtor de um bem e o monopólio que resulta quando o Estado usa a força para banir todos menos um produtor do bem. Se o banimento do Estado traz a tona um resultado que de outro modo não teria acontecido, isso acontece que esses consumidores que teriam preferido comprar de alguma outra firma estão agora privados de fazer isso. A injúria é feita tanto a essas firmas que teriam entrado no mercado e aos consumidores que teriam preferido uma alternativa. Na ausência de interferência do governo, consumidores podem escolher entre um único vendedor e uma pluralidade de vendedores. É bom notar que contrário ao que muitos pensam, o monopólio que Adam Smith deplorou era precisamente o tipo que foi trazido à tona e mantido pelo poder do Estado. De fato, o termo “monopólio” em sua época nunca era usado para designar o único produto de uma mercadoria exceto quando a singularidade era devido a intervenção estatal.

Muito se ouve que o livre mercado imaginado por Smith e seus contemporâneos não existe mais. Se isso significa que há muito mais intervenção do governo na economia do que Smith teria aceito, então, é claro, a afirmação é verdadeira. Mas isso não é o que a acusação geralmente quer dizer. Em vez disso, o mercado é dito como sendo não-livre porque o tamanho das firmas é maior do que Smith supôs que deveriam ser. De acordo com essa queixa, Smith pensou que para que o mercado fosse livre e para os preços serem “competitivos” o mercado tinha de consistir de firmas tão pequenas que a retirada de uma delas do mercado não poderia ter efeito sobre o preço de um dado produto.

Não importa que seja uma possibilidade lógica para uma firma ser tão pequena. A coisa toda é história criativa. Em nenhum lugar Smith atribui o sucesso e a liberdade dos mercados à pequenez das firmas que constroem uma dada indústria. Para ele a liberdade do mercado consistia senão de uma coisa: a ausência da interferência do governo. Enquanto que para o tamanho da firma que resultaria da liberdade do mercado, ele desejava perfeitamente que as folhas caíssem onde pudessem. Segundo sua mente, a competição existia sempre que havia liberdade legal no mercado. Enquanto o mercado estiver livre nesse sentido, todos os preços são eo ipso competitivos. Em qualquer caso, enquanto os governos permitem livres negociações para além das fronteiras nacionais, não se é o único vendedor de um bem a não ser que alguém seja o único vendedor desse bem em todo o mundo. Enquanto houver dois no mundo inteiro, o diferencial de preços dificilmente irá exceder os custos de transporte. O ponto é esse: para permanecer um monopólio, uma companhia num livre mercado precisa vender seus bens a um preço menor do que o preço com o qual seus potenciais competidores poderiam arcar. Uma vez que ele parar de fazer isso, os competidores em potência se tornam competidores em ato.

A maioria dos críticos do capitalismo em nossos próprios dias tendem a tomar a competição como uma força benéfica. Eles reconhecem que ela contribui para preços menores, melhor qualidade, e mais proteção para empregadores. Se alguma coisa, a queixa deles é a de que os negócios não são suficientemente competitivos. à luz disso, parece estranho ver pensadores de outra era culpando a competição pelos males econômicos de seus dias. Leão XIII, por exemplo, disse que “a presente era entregou os trabalhadores, cada qual sozinho e indefeso, à in-humanidade dos empregadores e à desenfreada ganância dos competidores.” E Pio XI escreveu o seguinte:

Em primeiro lugar, então, é manifesto que em nossos dias não somente é a riqueza acumulada, mas imenso poder e dominação econômica despótica é concentrada nas mãos de uma minoria, e que essa minoria frequentemente não são os donos, mas somente os curadores e diretores de fundos investidos que os administram à seu bel prazer.

Esse poder se torna particularmente irresistível quando exercido por aqueles que, porque eles mantém e controlam dinheiro, são hábeis para governar o crédito e controlar sua alocação, por essa razão fornecendo, por assim dizer, o sangue vital de todo o corpo econômico, e agarrando em suas mãos, como era, a própria alma da produção, de modo que ninguém ouse respirar contra sua vontade.”

O acúmulo de poder, a nota característica da ordem econômica moderna, é um resultado natural da competição livre sem limites, o que permite a sobrevivência somente daqueles que são os mais fortes, o que frequentemente significa aqueles que lutam de forma mais implacável, que menos respondem aos ditados da consciência.

 

Capitalismo e “Capitalismo de Estado”

Um dos grandes problemas que encontramos ao lidar com críticas ao “capitalismo” é descobrindo exatamente que tipo de arranjo está sendo criticado. Pois nossas propostas nós podemos distinguir entre dois tipos de capitalismo: capitalismo laissez-faire e capitalismo de Estado. os defensores do capitalismo laissez-faire desejam uma situação de mercado que seja tal que as atividades do Estado sejam restritas a punição de fraude e violência às pessoas e suas posses pacificamente adquiridas. (Violência contra pessoas e propriedade podem muito bem incluir poluição). Assim, o Estado, como tal, não é um participante na economia exceto, talvez, como um consumidor. Isso implica em nenhuma intervenção seja em nome de ou contra qualquer interesse de negócios. De acordo com esse credo, as únicas coisas que o Estado é capaz de fazer para os negócios em geral é sair do caminho, e seguir uma política de estrita não-interferência. O que Leão XIII e Pio XI, e tanto outros, falharam em ver era que as concentrações econômicas que eles deploraram muitas vezes poderiam não ter existido sem o benefício da interferência do Estado. À medida que o estado de coisas existe em virtude de intervenção governamental, como podemos propriamente chamá-la de uma função do capitalismo? Onde quer que haja miséria econômica, sempre devemos perguntar a nós mesmos se a miséria é devida à falta de intervenção na economia ou a própria intervenção. Em países tais como os Estados Unidos, o que se obtém na economia é considerado como capitalismo, e, portanto as pessoas imaginam que a cura para as enfermidades intervencionistas é mais intervenção.

É claro, há aqueles que pensam que intervenção “pró-negócios” é em si mesma parte da imanente lógica do capitalismo, que a galinha do capitalismo de Estado automaticamente se desenvolve do ovo do laissez-faire. Pio XI parece ter algo desse tipo em mente quando ele escreveu que:

 

Essa concentração de poder levou a uma luta tripla por dominação. Primeiro, há a luta pela ditadura na própria esfera econômica; então a batalha ardente para adquirir controle do Estado, de modo que seus recursos e autoridades podem ser abusadas nos conflitos econômicos; finalmente a luta entre os próprios estados. Esta última surge de duas causas: porque as nações aplicam seus poderes e influência política, independente de circunstâncias para promover as vantagens econômicas de seus cidadãos; e porque, vice versa, forças econômicas e dominação econômica são usadas para decidir controvérsias políticas entre pessoas.”

 

Não há dúvidas que isso descreve a história dos assim chamados regimes capitalistas. Certamente muitos homens de negócios tiveram dificuldades para alcançar a dominação do Estado e em muitos momentos tiveram sucesso. Não somente eles assim cometeram agressão contra seu próprio povo, eles influenciaram seus governos a cometer agressão contra outros também. O ponto a ser feito é que nenhuma dessas monstruosidades resultam do capitalismo per se. Em vez disso, o capitalismo é o único sistema econômico que pode ser concebido como existente sem um Estado.

Por outro lado, os abusos com muita razão deplorados por Pio XI requerem a existência do Estado se eles devem ser institucionalizados. Só se pode lamentar que ele e tantos outros (compreensivelmente) culparam o capitalismo pelo que resulta de intervencionismo despercebido.

 

Trabalho, Igualdade e Contratos

Agora voltamo-nos ao que as encíclicas têm a dizer a respeito do trabalho. Primeiro, os documentos papais rejeitam o ideal de que a riqueza e posições deveriam ser igualmente distribuídas. Sobre isso, ouçamos Leão XIII:

 

“Portanto, que seja posto em primeiro lugar que uma condição de existência humana precisa ser inata, a saber, que na sociedade civil o menor não pode ser feito igual ao maior. Os socialistas, é claro, agitam o contrário, mas toda a luta contra a natureza é em vão. Há verdadeiramente muitas grandes diferenças naturais entre os homens. Nem os talentos, nem a habilidade, nem a saúde, nem as capacidades são todas as mesmas, e fortunas desiguais seguem de si mesmas sob desigualdade necessária no que diz respeito a esses endossamentos. E claramente essa condição de coisas é adaptada para beneficiar ambos os indivíduos e a comunidade; para prosseguir com suas atividades a vida em comunidade requer variadas aptidões e diversos serviços, e para performar esses diversos serviços os homens são impelidos na maior parte por diferenças de propriedades individuais.”

 

Em segundo lugar, há a rejeição de qualquer noção de guerra de classes:

 

É um male capital no que diz respeito a questão que estamos discutindo tomar por garantido que uma classe da sociedade é em si mesma hostil a outra, como se a natureza tivesse colocado ricos e pobres uns contra os outros para lutarem ferozmente em implacável guerra. Isso é tão abominável à razão e à verdade que o exato oposto é verdade; pois assim como o corpo humano cujos diferentes membros se harmonizam uns com os outros, do mesmo modo surge essa disposição de partes e proporção na figura humana chamada com razão de simetria, assim também a natureza comandou no caso do Estado que as duas classes mencionadas devessem concordar harmoniosamente e deveriam propriamente formar contrapartes igualmente balanceadas uma a outra. Cada uma precisa da outra completamente: nem o capital pode ser feito sem trabalho, nem trabalho sem capital. [. . .]”

 

Os próprios trabalhadores são precisos, escreveu Leão XIII:

 

[. . .] para desempenhar totalmente e conscientemente qualquer trabalho sobre o qual tenha sido voluntariamente e equitativamente acordado; que de nenhum modo injurie a propriedade ou danifique a pessoa dos empregadores; em proteger seus próprios interesses, que reprima a violência e nunca engaje em vandalismo; não associe com homens viciosos que astutamente prometem esperanças exageradas e que fazem grandes promessas, um percurso que geralmente acaba em vão arrependimento e na destruição da riqueza.”

 

A noção de “acordos voluntários e equitáveis” tem tradicionalmente causado problemas para pensadores católicos, e faz o mesmo para muitos outros em nossos próprios dias. Pio XI objetou o entendimento “liberal” da liberdade de contrato (“liberal” aqui sendo entendido como era no século XIX). Os defensores do laissez-faire consideraram um contrato como sendo livre na medida em que ninguém estivesse usando força física ou ameaçando-a para fazer cumprir o contrato. O fato de que uma das partes teve um desejo irresistível pelo que o outro contratante oferecera não era considerado um impasse a liberdade de contrato na medida em que a outra parte não fizer cumprir essa necessidade por meio de roubo, fraude ou violência. Os liberais aplicaram esses princípios a todos os contratos, até mesmo os assim chamados necessitados. Parte do problema pode ser estimado de uma recusa a apreender que num regime capitalista não-capitalistas podem se tornar capitalistas. Para fazer isso, o que é essencial é que não-capitalistas reduzam seu consumo presente e comecem a investir. Em resposta, é às vezes dito que trabalhadores não podem reduzir seus consumos. Ainda assim temos de tomar cuidado para não definir  “trabalhador” como “alguém que precisa consumir todos os seus ganhos”.

O fato de que no século XIX, quando os trabalhadores tinham bem menos renda a disposição do que suas contrapartes hoje, um notável número deles se tornou capitalista. Muitas vezes é também a falta de vontade de restringir o consumo, uma atitude de gafanhoto, que impede trabalhadores como eu de se tornarem capitalistas. Em nossos dias vemos especialmente entre imigrantes da Ásia o que é, para nós, uma incrível disposição de adiar o consumo presente. Vemos essas pessoas vivendo inicialmente em condições que deveríamos julgar como sendo absolutamente impossíveis. Ainda assim, antes de sabermos, eles estão operando negócios de sucesso.

Qual foi a resposta das encíclicas à teoria liberal da liberdade de contratos e à teoria dos salários? Leão XIII fez uma distinção entre o contrato de trabalho e outros contratos. Ele faz o ponto que, ao contrário de outros produtos, o trabalho não pode ser separado da pessoa que o performa:

 

“[. . .] no homem o trabalho tem duas marcas, por assim dizer, implantado por natureza, de modo que isso é verdadeiramente pessoal, porque a energia de trabalho é inerente à pessoa e pertence totalmente a quem a gasta e a cujo uso é destinada pela natureza; e em segundo lugar, que é necessário, porque o homem precisa do fruto de seu trabalho para preservar sua vida, e a própria natureza, que deve ser obedecida com o máximo rigor, ordena que a preserve. Se o trabalho deve ser considerado apenas sob o aspecto de que é pessoal, não há dúvida de que estaria inteiramente no poder do trabalhador fixar o valor do salário acordado em um nível muito baixo. [. . .] Mas essa questão precisa ser julgada de forma muito diferente, se com o fator de personalidade nós combinamos o fator de necessidade, a partir do qual o último é distinguido em razão mas não realmente. De fato, preservar a vida de alguém é um dever comum a todos os indivíduos, e negligenciar esse dever é um crime. Assim surge necessariamente o direito de assegurar as coisas para sustentar a vida, e somente um salário ganho por seu trabalho da a um homem pobre os meios para adquirir essas coisas.”

 

Talvez Cronin torne mais claro ao que Leão XIII está chegando:

 

“[. . .] O homem que desiste de todo o seu trabalho de um dia para o outro, coloca à disposição desse outro todas as energias com as quais a natureza o equipou para suprir suas próprias necessidades. Portanto, o salário justo pagável em retorno pelo uso daquelas energias, o único salário que pode ser justamente representado como o equivalente daquelas energias, é um salário capaz de suprir as mesmas necessidades as quais as energias humanas são ditas a suprir. E o mínimo salário justo será um salário capaz de suprir os mínimos essenciais a essas necessidades, os essenciais da vida humana, é uma medida que é baseada na natureza do próprio trabalho e sua função essencial.”

 

Isso sugere a ideia do que os economistas chamam de “custos de oportunidade”. Presumivelmente, o trabalhador deve esperar de seu empregador ao menos o que ele poderia ter obtido por gastar suas energias em seu próprio nome em vez de em nome de um empregador. Tudo bem e bom. Mas não é isso o que está acontecendo? Por que nosso homem não é auto-empregado antes de tudo? Não o é porque ele pensa que seu empregador está lhe dando mais do que ele teria recebido se engajasse nos negócios ele mesmo? Obtém-se a ideia de Cronin de que as ofertas de emprego tornam as pessoas mais pobres do que seriam na ausência de tais ofertas.

Para ter certeza, nosso trabalhador está em terrível necessidade. E é certo de um ponto de vista cristão que devemos ajudá-lo a alcançar suas necessidades. Por que, entretanto, deveria ser precisamente sobre empregador que essa obrigação recaia, se, de fato, o empregador não está piorando, mas sim melhorando a condição de seu empregado?

Mas talvez será dito que a condição necessária desses salários baixos é a incapacidade do trabalhador de obter uma renda adequada noutro lugar. Agora é certamente verdade que alguém não irá ordinariamente conseguir um emprego que paga pouco se a renda alternativa é suficientemente alta. Isso é de fato a razão porquê todos os tipos de empregos servis não são aceitos hoje. O bem-estar é uma poderosa força de desemprego voluntário: isso providenciou renda alternativa a muitas pessoas. Mas se a teoria que estamos discutindo está correta, o fato de que essas pessoas têm essa alternativa deve causar os empregadores a oferecer um salário mais alto correspondentemente para induzir as pessoas a conseguir os empregos. Por que elas não estão se apressando para superar o bem-estar? A resposta é simples. Os consumidores que, em última análise, pagam os custos de fazer o negócio, não pagarão os preços mais altos resultantes na medida em que houver uma alternativa de baixo custo––o que, numa economia mundial, sempre há.

Poucos percebem que é o consumidor que estabelece o teto dos salários. Nesse aspecto, o empregador é um intermediário. Ao comprar em outro lugar ou ao não comprar, o consumidor veta a escolha do empregador excessivamente generoso ou extravagante. A menos que o governo force o consumidor a comprar o bem pelo preço mais alto, não há como os empregadores aumentarem esses salários e ainda continuarem no negócio.

Dado um entendimento do mercado, o debate sobre o salário mínimo (living wage) nunca deveria ter ocorrido. O fato é que se os empregadores puderem pagar um salário mínimo, o próprio mercado os forçará a fazê-lo. E se não puderem, não são obrigados a fazê-lo. É claro que é impossível permanecer no negócio por qualquer período de tempo e pagar um salário mínimo a não ser que se tenha lucro. Suponhamos agora que é possível obter lucro pagando um salário mínimo, mas que as empresas existentes não o fazem, ou seja, não pagam o salário mínimo. Isso significa que será lucrativo para outras firmas entrar nesse mercado e atrair os trabalhadores das recalcitrantes firmas ao oferecer pagar um salário mais alto. Esse processo ocorrerá até que o salário aumente para o nível do salário mínimo. O único modo de manter esses potenciais participantes fora do mercado é as firmas que já estão dentro do mercado oferecerem o salário mínimo antes de tudo. O melhor aliado do trabalhador será a competição por trabalhadores que existe entre homens de negócios. É claro, você pode tentar sabotar o mercado e forçar algumas firmas a pagar o salário mínimo quando isso não é produzido por condições de mercado. Mas nesse caso aqueles que estão recebendo-o estão o fazendo à custa daqueles que por causa de seu desemprego não estão recebendo salário nenhum. Deveria entender-se que quando estamos falando sobre o salário mínimo, estamos falando sobre um salário real. O único modo de trazer a tona um aumento geral em salários reais é aumentar a produtividade. Nenhum modo foi achado para fazer isso além do mercado sem amarras. Ele faz os ricos mais ricos e os pobres mais ricos.

 

O Que Estava Errado?

O que estava errado com o pensamento social católico no século XIX não era muito sua ética quanto sua falta de entendimento de como o livre mercado pode funcionar. A preocupação pelo trabalhador era totalmente legítima, mas a preocupação pode conseguir pouco a não ser que saibamos as causas e curas para a doença.

Assim como muitos outros, os pensadores católicos não estavam alertas da quantidade de intervenção do governo em seus dias. Embora consideravelmente menos do que em nossos próprios dias, era considerável. Esse fato os impediu de perguntar se os problemas que eles viram eram devido à intervenção ou à falta dela. A tendência, portanto, era jogar a culpa do que quer que tivesse ido errado sobre o mercado. E quando isso acontece, a tentação é demandar mais e mais intervenção––a própria causa do problema em primeiro lugar.

Frequentemente nossos juízos éticos de uma ação são baseados sobre que efeitos dessa ação são percebidas como sendo. A maioria das pessoas, por exemplo, será a favor ou contra a intervenção do governo dependendo sobre o que eleas pensam que esse tipo de coisa alcançará. Mas isso faz disso muito mais importante o fato de que deveríamos conhecer o que esses efeitos são. Eu duvido que pensadores católicos teriam julgado o mercado tal como fizeram se eles conhecessem melhor seu funcionamento.

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