Deduzindo a Ética Argumentativa com a Lógica Proposicional 2.0. - Uma Resposta à Resposta do Zap

Tempo de Leitura: 20 minutos

O presente texto é uma resposta à resposta do Zap ao meu texto anterior de respostas aos seus argumentos contra a Ética Argumentativa Hoppeana, assim como uma nova, e melhor, tentativa de formalização do argumento de Hoppe com o uso da Lógica Proposicional (O texto de resposta do Zap pode ser encontrado aqui).

Introdução

Há algum tempo tentei responder o argumento de Nicholas Ferreira sobre a validade do método do argumento pela contradição performativa utilizado por Hoppe para sua teoria da Ética Argumentativa. Minha teoria central nesta resposta é que o argumento pela contradição performativa pode ser expresso pelo uso da Lógica Proposicional como a identificação de que determinada proporção (P) existe de tal forma que sua negação (¬P) implica em P, o que faz com que esta negação não seja logicamente defensável.

Apel renova o modo da fundamentação transcendental com os meios fornecidos pela pragmática linguística. Ao fazer isso, utiliza o conceito de contradição performativa, que surge quando um ato de fala constatativo ‘Cp’ se baseia em pressuposições não-contingentes cujo conteúdo proposicional contradiz o enunciado asserido ‘p’. Partindo de uma reflexão de Hintikka, Apel ilustra o significado das contradições performativas para a compreensão de argumentos clássicos da filosofia da consciência com base no exemplo do ‘Cogito ergo sum’. Se exprimirmos o juízo de um oponente sobre a forma do ato de fala: ‘Duvido que eu exista’, o argumento de Descartes poderá ser reconstruído com a ajuda de uma contradição performativa. Para o enunciado:
(1) Eu não existo (aqui e agora)
o falante ergue uma pretensão de verdade; ao mesmo tempo, ao proferi-la, ele faz uma inevitável predisposição de existência cujo conteúdo proporcional pode ser expresso pelo enunciado:
(2) Eu existo (aqui e agora)
(sendo que, em ambas proposições, o pronome pessoal refere-se à mesma pessoa). (HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo.)

Acredito que este exemplo enunciado por Habermas possa ser bem explicado pelo uso da Lógica Proposicional. Sendo a proposição P “eu existo” a proposição ¬P tem uma implicação clara, que é a proposição “eu propus ¬P”, que, por sua vez, implica na proposição “eu fiz uma proposição”, que implica na proposição P “eu existo”. Ou seja, como uma proposição implica na outra a partir do momento em que o indivíduo aceita a veracidade de ¬P, ele, necessariamente, mesmo que apenas implicitamente, aceita também a veracidade de suas implicações (pois este é o significado de uma implicação lógica, uma proposição implica na outra se ela não pode ser verdadeira sem que a implicada também o seja), e como ¬P⇒P, pelo uso de uma tabela verdade, pode ser provado que ¬P não pode ser verdadeira. Parafrasear-me-ei aqui em minha demonstração disso pelo uso da tabela verdade no último texto (para facilitar a organização do argumento deste e a sua leitura):

Primeiro deve-se eliminar todos os casos nos quais a implicação não é verdadeira de nossa tabela verdade, afinal está sendo aqui analisado o caso no qual ela é verdadeira:

Em segundo lugar é necessário eliminar todos os casos nos quais ¬P é verdadeiro sem que P também seja, pois este é o resultado da implicação:

E, por fim, trato de eliminar todos os casos nos quais ambos são falsos ou verdadeiros simultaneamente, pois um é a negação do outro:

Por fim chegamos à conclusão de que ¬P não pode ser verdadeiro. No caso do exemplo, isso mostra que a proposição “eu não existo” não é logicamente defensável.

A partir deste ponto tentei formalizar, com o uso da Lógica Proposicional, o argumento de Hoppe.

Nicholas Ferreira em sua resposta questionou alguns pontos de minha argumentação, assim como da de Hoppe, e identificou vários erros e ambiguidades (assim como uma mal organização em minha formalização). Agradeço ao Nicholas Ferreira pela identificação destes erros, tentei revisar e aperfeiçoar a formalização no artigo original, até mesmo substituindo algumas das letras que denotavam minhas proposições por letras gregas (para suprir o problema da ausência de letras no alfabeto para todas as proposições que usei), mas não consegui reorganizar corretamente minha formalização e cheguei à conclusão de que deveria refazê-la inteiramente.

E é isso que fiz no presente texto. Para resolver o problema da ausência de letras no alfabeto separei a formalização por sessões identificadas pela proposição mais essencial da Ética Argumentativa, que esta sendo tratada em cada parte, e cada uma destas sessões tem suas próprias proposições denotadas por letras que, muitas vezes, se repetem em diferentes sessões com significados diferentes. Em uma sessão a letra Q pode representar uma proposição e em outra sessão outra proposição, assim resolvo o problema da ausência de letras; mas não se preocupe, em cada sessão identificarei corretamente qual proposição é tratada por cada letra, até mesmo se for a mesma proposição que foi tratada pela mesma letra em uma sessão anterior.

Também introduzirei algumas análises de trechos da resposta do Nicholas durante esta formalização, quando forem relacionadas ao trecho tratado, e tomarei cuidado para destacá-las, deixando-as em negrito, para facilitar a sua identificação e localização pelo leitor.

Tendo isto estabelecido procedo para a formalização.

Formalização

Humanos buscam fins usando meios

Ação := Escolha, dentre os possíveis fins (objetivos), de qual será buscado.

P := Humanos agem

Q := Humanos buscam fins

A proposição Q na praxeologia pode ser demonstrada como verdadeira por sua equivalência com P.

Se P é “humanos agem” e agir é “escolher qual fim buscará”, então P⇔Q, pois dizer que a pessoa escolhe qual fim buscará é equivalente a dizer que ela busca o fim.

A próxima proposição que deverá ser provada aqui é W, sendo que…

W := humanos usam meios para buscar fins

E que…

Meio := um bem escasso

Escassez := impossibilidade de se utilizar o bem para atingir todos os fins possíveis

Ou seja, a proposição W afirma que há uma impossibilidade de que uma pessoa atinja todos os possíveis fins com uma ação, o que é o mesmo que dizer que ela enfrenta escassez, ou seja, usa meios.

P⇒W, e esta implicação pode ser demonstrada de forma contrapositiva, ou seja, pelo fato de que ¬W⇒¬P.

Assuma que haja uma pessoa que não use meios para agir (ou seja, assuma ¬W), isso significa que esta pessoa pode atingir todos os possíveis fins instantaneamente, porém, se ela pudesse fazê-lo já teria atingido todos os fins que deseja, logo não agiria mais, ou seja, se isso fosse verdade implicaria que ela não age, ¬P.

Como (¬W⇒¬P)⇔(P⇒W), sabemos que W é uma implicação de P, assim como Q. Assim, se P é verdadeiro, Q e W também devem ser, e estas 3 proposições, embora possam parecer simples, levam Hoppe a deduções muito mais complexas.

Normas devem evitar conflitos

Outra proposição que deve ser provada para que possa ser deduzida a Ética Argumentativa é a de que normas devem evitar conflitos. Sendo que…

Conflito := Quando humanos tentam usar um mesmo meio para fins excludentes (ou seja, que não podem ser buscados mutuamente)

Norma := regra que diz como humanos devem ou não devem agir.

Resolver conflitos := dizer quem tem o direito de usar o meio quando surge um conflito.

Evitar conflitos := não gerar conflito nenhum caso (a regra) seja seguida por todos

Pela prova anterior sabemos que a proposição P (humanos agem) é equivalente à outra proposição Q (humanos buscam fins usando meios) (obs.: aqui a chamarei de Q, mas não deve ser confundida com a proposição Q da prova anterior).

Se P⇒Q então a definição de norma (normas são regras que dizem como humanos devem ou não devem agir) é equivalente à definição “normas são regras que dizem como humanos devem ou não devem usar meios para buscar fins”.

Agora o objetivo da presente argumentação é demonstrar que a definição de normas implica que normas existem para resolver conflitos, e, depois, que isso implica que elas devem evitar conflitos.

Irei fazer a primeira demonstração por contradição, comecemos com a proposição W, sendo que…

W := normas existem para resolver conflitos

Agora, se ¬W fosse verdadeira isso significaria que existe uma norma que não existe para resolver conflitos, ou seja…

¬W = existe uma norma que resolve algo que não é um conflito

Sendo um conflito definido como “quando humanos tentam usar um mesmo meio para fins excludentes (ou seja, que não podem ser buscados mutuamente)”, uma norma que não resolva um conflito seria uma norma que “não dissesse quem tem o direito de usar o meio quando duas pessoas tentam usá-lo para fins excludentes”. Porém, conforme sabemos pela definição de norma, normas são regras que dizem como humanos devem ou não devem usar meios para buscar fins, se uma norma busca resolver algo que não seja um conflito, ela deverá dizer o que uma pessoa deve fazer com um meio quando não existem fins excludentes sendo buscados com ele. Então…

¬W = existe uma norma que diz o que uma pessoa deve fazer com um meio quando não existem fins sendo buscados com ele

Porém ¬W certamente implicaria numa contradição, explico:

Se a pessoa defende que outra siga a norma que ela identifica com a proposição ¬W, isso implica que há, pelo menos, o conflito entre ela e a pessoa que ela deseja que siga sua norma. Afinal, se não houvesse, não haveria como a pessoa ser obrigada ou coagida de qualquer forma a seguir a norma proposta, pois o fim daquele que propôs a norma (que a pessoa siga a norma) não teria como excluir a outra pessoa de buscar seu fim (qualquer fim que ela tenha que vá contra a norma).

A próxima fase da argumentação consiste em demonstrar que W⇒E, sendo que…

E := normas devem evitar conflitos

Isso pode ser demonstrado facilmente por uma prova contrapositiva.

Se assumíssemos que ¬E é verdadeiro, sendo que…

¬E := existe uma norma que não deve evitar conflitos

…então, pela definição de evitar conflitos, haveria uma norma que não deva ser de tal forma que, caso seja seguida por todos, não gere conflito algum. Se esta norma existisse, então, ao ser seguida por todos, ainda surgiriam conflitos. O problema desta norma é que ela implicaria em ¬W, pois se conflitos surgem mesmo com todas as pessoas seguindo a norma, então eles não estão sendo resolvidos, ou seja, a norma não está resolvendo conflitos.

Por isso ¬E⇒¬W, o que é equivalente a dizer que W⇒E.

Normas devem estabelecer direitos de propriedade

Sendo que…

Direito de propriedade := direito de uso exclusivo e definitivo de um meio

O próximo objetivo da presente argumentação é de demonstrar que a proposição P, sendo…

P := normas devem evitar conflitos

…, implica em Q e W, sendo que…

Q := normas devem estabelecer quem tem o direito de uso exclusivo de um meio

W := normas devem estabelecer quem tem o direito de uso definitivo de um meio

E sendo E (a proposição destacada que queremos provar) := Q∧W

A prova, para ambas, pode ser feita pelo método da contraposição.

Primeiro para Q. Se assumíssemos ¬Q estaríamos dizendo que existe uma norma que garante direitos de uso não-exclusivos.

¬Q := existe uma norma que garante direitos de uso não-exclusivos

Se existe tal norma então esta norma diz que o direito de uma pessoa de uso de um meio não excluí o direito da outra de usá-lo. Porém se não há essa exclusão, e se os fins das pessoas em relação ao uso do meio forem excludentes, então está havendo um conflito, ou seja, a norma não está evitando conflitos.

Ou seja, ¬Q⇒¬P, o que é equivalente a dizer que P⇒Q.

Agora para a proposição W.

Se ¬W fosse verdadeira isso significaria que existe uma norma que garante direitos de uso não-definitivos.

¬W := existe uma norma que garante direitos de uso não-definitivos

Ou seja, existe uma norma que garante a uma pessoa o direito de uso de determinado meio a partir do momento no qual ele o usa, porém tal direito não é definitivo, acaba a partir de determinado momento, ou seja, a partir deste momento se outra pessoa quiser usar este meio, mesmo que contra a vontade do primeiro usuário, ela terá este direito, segundo a norma.

Primeiro, sabemos pela primeira proposição destacada que foi provada (lá em cima) que se o primeiro usuário não deseja que o meio seja usado então ele ainda destina o meio a algum fim (no mínimo o fim de “continuar onde está e não ser usado pelo outro”) o que significa que se outra pessoa tentar usar este meio o seu fim estará entrando em conflito com o do primeiro usuário. Logo uma norma que garanta direitos não definitivos não evita conflitos e…

¬W⇒¬P

O que é equivalente a dizer que P⇒W.

Se (P⇒Q)∧(P⇒W) é verdadeira e E= Q∧W, então…

P⇒E

Provado por contraposição.

Apenas normas que evitem conflitos são logicamente defensáveis

Aqui temos o começo do uso da pragmática e do argumento pela contradição performativa de Hoppe. Esta proposição será extremamente importante.

Peguemos uma nova proporção chamada de P, sendo a proposição P denotada como qualquer proposição normativa que um indivíduo tente justificar.

Se um indivíduo propõe P, isso implica que a proposição Q (estou tentando justificar uma proposição normativa) é verdadeira.

Ou seja, P⇒Q.

Porém, conforme o que já foi provado, Q também implica em outra proposição, a proposição W (estou tentando justificar uma proposição sobre a validade de uma regra que evite conflitos).

Ou seja, Q⇒W.

Porém esta proposição, por sua vez, implica em E (normas devem evitar conflitos).

Ou seja, W⇒E.

Naturalmente, o indivíduo que propusesse P não poderia negar que ele fez uma proposição sobre normas; também não poderia negar que sua proposição sobre normas deve evitar conflitos, pois, pela definição de normas, ao fazer uma proposição normativa, ele está propondo uma proposição que assume que seres que agem, caso existam, devem agir de certa forma, o que, pela definição de ação (conforme fora demonstrado) implica em W. E W, por sua vez, de forma simples, implica em E.

Ou seja, P⇒E. Lembrando que P é qualquer proposição normativa que um indivíduo tente justificar.

E aqui vale um comentário sobre a natureza da contradição performativa e a resposta de Nicholas Ferreira. Deixarei este trecho destacado para que a sua localização fique mais fácil para quem lê o texto. Conforme ele argumenta:

“…é possível reconhecer algo como válido mesmo sem que este algo seja válido. Claro, “para o indivíduo que reconheceu”, R’ será tomada como verdadeira, mas não estou falando sobre o que o indivíduo assume como verdadeiro, mas sim com o que é verdadeiro, e é justamente este o meu ponto. Ser tomado como verdadeiro é diferente de ser verdadeiro, e, para os fins do meu artigo, pouco importa o que o indivíduo toma como verdadeiro.

Isso, porém, não coloca a predisposição R fora do âmbito das preferências subjetivas, justamente porque o ato de argumentar foi preferido pelo indivíduo. Isto é, dentre todas as possíveis formas de agir, o indivíduo optou por entrar numa argumentação, e, consequentemente, por reconhecer como válido todos os pressupostos necessários para se argumentar. Porém, as coisas poderiam ter sido de outro jeito. Ele poderia ter optado por não argumentar, e não precisaria reconhecer a norma de propriedade como válida. É por isso que o reconhecimento é subjetivo e contingente, e falarei melhor sobre isso a seguir.”

Aqui chegamos a um ponto importante que tentei explicar em meu último texto, mas que acredito não ter feito da melhor forma. Conforme é demonstrado pela Ética Argumentativa, o ato de uma pessoa de justificar proposições normativas faz com que ela faça certas pressuposições sobre normas. Porém, tais pressuposições têm conteúdo proposicional, ou seja, qualquer proposição normativa que tente se justificar implica em determinadas outras proposições normativas (as pressuposições), a proposição E sobre a qual falei acima, por exemplo.

Agora, é fato que esta implicação existe apenas enquanto o indivíduo justifica a proposição, e que ela se dá apenas no momento no qual ele decida subjetivamente fazer esta proposição; sim, nunca discordei disso, porém isto não invalida, de forma alguma, a conclusão da Ética Argumentativa, pois a conclusão da Ética Argumentativa é simplesmente “A única norma logicamente defensável é a Ética Libertária”. Ou seja, a conclusão diz simplesmente que se um indivíduo tentar justificar uma norma ele só será capaz de justificar logicamente a Ética Libertária, e esta conclusão segue perfeitamente das premissas.

De fato, alguém poderia não justificar norma alguma? Sim, poderia, mas ele simplesmente não estaria buscando nenhuma verdade sobre normas, a partir do momento no qual buscasse, tentando justificar alguma, seria obrigado a justificar a Ética Libertária caso desejasse permanecer respeitando a lógica em sua dedução, o que torna ela, a Ética Libertária, por exclusão, a única opção defensável.

Apenas normas que garantam direitos de propriedade são logicamente defensáveis

Esta é mais uma parte importante (será importantíssima mais para a frente), e sua prova, embora dependa do que já foi provado, é simples.

Sendo P uma proposição normativa que um indivíduo tenta justificar e E a proposição “normas devem evitar conflitos”, já sabemos que P⇒E.

Porém, conforme foi provado anteriormente, E implica na proposição “normas devem estabelecer direitos de propriedade” (aqui ela será chamada de Z).

Se P⇒E, e se E⇒Z, então…

P⇒Z

Apenas justificações intersubjetivas sobre normas são logicamente defensáveis

Esta é a primeira parte do princípio da universalização de Habermas que Hoppe defende e usa em sua Ética Argumentativa, e que é de extrema importância para ela.

Primeiro comecemos com a proposição P, sendo ela qualquer proposição sobre normas que o indivíduo tente justificar. P tem uma clara implicação, que é a de que “o indivíduo tenta justificar proposições” (Q).

Ou seja, P⇒Q.

Pela definição de justificação, sabemos que justificar é dar razões para, assim, um indivíduo que justifica algo “está tentando resolver uma questão” (W), pois está dando razões pelas quais uma das possíveis respostas para uma questão deva ser aceita.

Ou seja, Q⇒W.

Dessa forma sabemos que P⇒W.

A proposição P ainda tem outra implicação, que aqui chamarei de R, sendo…

R := “tento justificar proposições sobre normas”

Ou seja, P⇒(W∧R), sendo W∧R (passarei a denotar esta proposição como “T”) “tento resolver uma questão sobre normas”.

Agora, já sabemos que normas existem para evitar conflitos, o que significa que…

T⇒Y, sendo que…

Y := estou tentando justificar normas para evitar conflitos

Ou seja, P⇒Y.

Agora a proposição U (apenas justificações intersubjetivas sobre normas são logicamente defensáveis) é uma implicação lógica da proposição Y, e buscarei demonstrar isso de forma contrapositiva.

Se assumíssemos ¬U como verdadeira estaríamos dizendo que existe pelo menos uma norma justificável de forma não-intersubjetiva (i.e. monológica), o que implicaria que os envolvidos em qualquer conflito que se relacionasse a esta norma não seriam capazes de ter qualquer conhecimento sobre sua resolução (sobre a resolução da questão que se tenta fazer com a justificação de proposições normativas), ou seja, o conflito não seria evitado.

Logo ¬U⇒¬Y, o que nos leva a crer que Y⇒U.

E, como P⇒Y, P⇒U.

Assim, o indivíduo não será capaz de fazer a sua proposição P sem que também aceite U, a não ser que desrespeite a lógica. Lembrando aqui que as justificações intersubjetivas de proposições são denotadas pela palavra “argumentação”.

Aqui valem mais alguns comentários sobre os trechos do texto de Nicholas. Primeiro:

“Assim, voltando aos trechos em que a contradição ocorre, Hoppe diz que apenas dentro de argumentações algo pode ser justificado/decidido, ou seja, se algo é justificado, então este algo é justificado argumentativamente. Como mostrei anteriormente, esta sentença, bem como qualquer outra sentença universal, será falsa se, e somente se, houver um contraexemplo a ela. Neste caso, o contraexemplo seria a existência de algo que é justificado, mas que não é justificado argumentativamente. Ora, mas não é precisamente isto o que podemos concluir da afirmação de que o direito de propriedade é justificado a priori? Se ele é justificado a priori, então não é necessária a argumentação em sua justificação, do que segue que há pelo menos uma coisa que é justificada, mas que não é justificada argumentativamente. Concluímos, assim, que há uma clara contradição na afirmação de ambas as sentenças como sendo verdadeiras.”

Se as definições utilizadas por Hoppe e Nicholas de “a priori” forem a mesma concordo, porém não vejo como isso invalidaria a Ética Argumentativa inteira, muito pelo contrário, invalidada apenas a afirmação de que ela é deduzida a priori, e isso se as definições utilizadas forem a mesma.

“Esta duvidosa narrativa, que também é assumida por Hoppe, nos traz alguns problemas de ordem ontológica. É dito que tem-se mais de uma pessoa envolvida “neste processo”, mas que processo? Nunca foi claramente delimitado exatamente o âmbito da argumentação no caso de um livro sendo escrito/lido. A argumentação ocorre no momento em que eu leio o texto escrito ou no momento em que o autor escreve? Seria estranho dizer que é no momento em que o autor escreve, porque isso seria dizer que ele está argumentando com leitores em potencial, que ainda não leram sua obra, e mesmo com leitores que ainda nem nasceram.

Por outro lado, Hoppe não escreveu seu livro em português. Isso quer dizer que aquilo que lemos no Democracia, o Deus que falhou, por exemplo, não é exatamente ele que escreveu, porque o livro foi escrito originalmente em inglês e só depois foi traduzido para português. Neste caso, eu argumento com o tradutor ou com o Hoppe? E quando o Hoppe morrer, se eu ler seu livro, estarei argumentando com um morto ou não haverá argumentação, já que ele deixou e existir como indivíduo? Podemos dizer que argumentamos com Platão ao ler “seus” livros, mesmo ele não estando vivo há milênios, e mesmo os livros a que temos acesso hoje em dia serem transcrições da tradição oral da época? Neste caso, argumentamos com o tradutor das obras e com cada uma das pessoas que passou adiante aquele conteúdo? Como podemos argumentar com alguém que sequer sabe que existimos — e, neste caso, como o autor do livro poderia reconhecer minha autopropriedade se ele nem sabe da minha existência? Inúmeros são os questionamentos que podem ser feitos sobre a estranha assunção de que a leitura de um texto é uma argumentação, que me parece ser bastante artificial.”

Aqui temos outro trecho que vale a pena comentar. É importante lembrar que a “argumentação” é simplesmente uma justificação intersubjetiva de proposições, se o indivíduo apresenta razões para que a proposição seja tomada como verdadeira, e se estas razões são apresentadas de tal forma que sejam perceptíveis e entendíveis subjetivamente por outros indivíduos então, sim, é uma argumentação, e o mesmo vale para o livro de Hoppe escrito em inglês, somos capazes de perceber e entender a justificação presente nele. Mesmo que para isso seja necessária alguma tradução, a capacidade existe.

Apenas normas universalizáveis para todos os agentes são logicamente defensáveis

Esta é mais uma importante parte do argumento que Hoppe pega de Habermas.

Ela segue da seguinte forma:

Comecemos com a proposição U, sendo…

U := apenas justificações intersubjetivas sobre normas são logicamente defensáveis

Temos também a proposição P, sendo P, novamente, qualquer proposição que o indivíduo faz tentando justificar uma norma.

Sabemos que P⇒U, com o correto exame lógico podemos também chegar à conclusão de que (P∧U) implicam uma terceira proposição (I), sendo…

I := estou argumentando com oponentes sobre normas

Naturalmente, se o indivíduo justifica uma proposição normativa ele assume que a proposição (estou justificando uma proposição normativa) é verdadeira. Ao mesmo tempo, se assume que apenas justificações intersubjetivas de proposições são logicamente defensáveis, a sua justificação de proposições normativas deve ser intersubjetiva. Ou seja, ele deve assumir que “estou tentando justificar proposições de forma intersubjetiva” é verdadeira, e esta afirmação é equivalente a I, pois uma justificação de forma intersubjetiva é, por definição, uma argumentação, e os oponentes são, pela definição do termo, os agentes que participam de uma argumentação com o proponente (aquele que fez a proposição).

Assim, como U é apenas uma implicação de P, P⇒I.

Voltemos à justificação da proposição destacada. Se I é aceita, então outra proposição (O) também deve ser, sendo…

O := estou argumentando com oponentes sobre a resolução de conflitos

Assim I⇒O.

Porém há mais uma implicação de I, e ela é a proposição A, sendo…

A := busco dar aos meus oponentes razões para aceitar minha proposição normativa

Ou seja, indivíduo busca dar razões para que eles aceitem a norma, não apenas fazê-los aceitar com qualquer método possível (por exemplo, forçando-os com o uso da força ou da ameaça) mas dando razões para que eles subjetivamente aceitem a norma. É por isso que justificar é, conforme Hoppe diz, sim, justificar sem o uso da força. Se a força é usada a pessoa não está dando razões para que o outro aceite, não no sentido que o termo “dar razões” é utilizado nesta argumentação, de comunicar algo que seja aceito subjetivamente pelo outro.

Ou seja A⇒S, sendo…

S := busco fazer meus oponentes aceitarem minhas proposições normativas sem o uso da força contra eles

Porém O e S implicam em mais uma terceira proposição, a proposição D, sendo…

D := ninguém pode, por meio de coerção, impedir um agente de exercer sua participação na argumentação ou de introduzir ou questionar qualquer asserção

A implicação se dá da seguinte forma: se estou argumentando com oponentes (O) e se não posso usar a força contra eles nesta justificação (S), assim como se não posso usar a força contra qualquer novo oponente que tente entrar na argumentação, então a proposição D é verdadeira.

Ou seja, (O∧S)⇒D.

Logo P⇒D.

E D tem uma implicação clara, a de que “justificações sobre proporções normativas devem ser capazes de dar razões a todos os possíveis participantes da argumentação sem o uso da força”, o que, novamente, implica (com base no que já foi demonstrado anteriormente) que “justificações sobre proporções normativas devem ser capazes de dar razões a todos os possíveis participantes da argumentação para aceitar a resolução do conflito sobre o qual se argumenta sem o uso da força”, o que é equivalente à proposição destacada “Apenas normas universalizáveis para todos os agentes são logicamente defensáveis”, que chamarei de J.

Assim P⇒J.

Apenas normas que respeitem o direito de autopropriedade são logicamente defensáveis

Aqui temos mais uma proposição a ser provada, a proposição destacada.

H := todos os agentes têm o direito de autopropriedade

Autopropriedade := direito de uso exclusivo do meio primário para a ação

Primeiro comecemos com a proposição S, sendo…

S := busco fazer meus oponentes aceitarem minhas proposições normativas sem o uso da força contra eles

Para que um oponente aceite a proposição ele deve ser capaz de agir, pois aceitar é, por definição, uma escolha, ou seja, uma ação. Naturalmente sem o uso do meio primário para a ação isso não seria possível, o que leva quem aceita S, a aceitar a proposição “meus oponentes têm o direito de usar seus meios primários da ação”. chamarei-a aqui de proposição Q.

Logo, como P⇒S, e como S⇒Q, P⇒Q.

Lembrando que a proposição Q é aceita como verdadeira por qualquer indivíduo que faça uma proposição normativa, e apenas isso; porém o argumento de Hoppe não para por aí.

Porém, ao mesmo tempo, é conhecido que P implica na proposição “normas devem estabelecer direitos de propriedade” (chamá-la-ei de Z novamente nesta dedução).

Assim, P⇒(Q∧Z)

E, se…

W := meus oponentes têm o direito de uso exclusivo e definitivo de seus meios primários da ação

Que é o mesmo que dizer que “meus oponentes têm o direito de autopropriedade”.

Então (Q∧Z)⇔W.

Sendo que W = meus oponentes têm o direito de autopropriedade

Mais uma vez, uma proposição que qualquer um que faz alguma proposição sobre normas deve aceitar caso não queira violar a lógica.

Tomemos J como “apenas normas universalizáveis para todos os agentes são logicamente defensáveis”, já sabemos que P⇒J, assim como que P⇒W.

Porém (W∧J)⇒H, que era a proposição que desejávamos provar.

Assim P⇒H.

Aqui temos um caso claro de uma contradição performativa, sendo P qualquer proposição normativa, ¬H também é P, assim, ¬H⇒H, o que, conforme pode ser provado por meio de uma tabela verdade, demonstra que ¬H é necessariamente logicamente indefensável, é por isso que qualquer um que argumente contra o direito de autopropriedade será, necessariamente, pego numa contradição performativa.

Apenas normas que garantam o direito de propriedade sobre um meio ao seu primeiro usuário são logicamente defensáveis

Partindo das proposições H e Z, sendo que…

H := todos os agentes têm o direito de autopropriedade

E…

Z := normas devem estabelecer direitos de propriedade

Podemos provar a proposição destacada.

Primeiro temos a proposição Q (agentes têm o direito de usar meios sem uso do ambiente), sendo que a proposição Q pode ser provada de forma contrapositiva…

¬Q pode ser expressa como “ao menos um agente tem o direito de impedir outro de usar um meio do ambiente ainda sem uso”. Se ¬Q fosse verdadeira, sabendo que para usar um meio do ambiente sem uso o agente deve usar seu meio primário para a ação, isso implicaria que quem está impedindo teria o direito de usar o meio primário para a ação do outro para um fim que exclua o seu, ou seja, violar seu direito de autopropriedade.

Assim ¬Q⇒¬H, o que é equivalente a dizer que H⇒Q.

Conforme foi provado anteriormente, sendo P qualquer proposição normativa, P⇒H, ou seja…

P⇒Q

Além disso temos a proposição W (o primeiro uso de um meio garante o direito de propriedade do agente sobre ele).

Sendo W simplesmente uma implicação de Z, e sendo que P⇒Z…

P⇒W

Agora a proposição L (agentes têm o direito de propriedade sobre os meios do ambiente sem uso que usaram pela primeira vez) (obs.: vale lembrar aqui que o termo “uso” se refere a “destinar o meio a algum fim”, ou seja, se o indivíduo não quer que usem o meio que ele já empregou para algum fim, isso implica que ele está o destinando a algum fim, usando-o).

L não é nada mais que Q∧W.

Assim P⇒L.

Apenas direitos de propriedade adquiridos com ações específicas que criem um elo objetivo com o meio podem ser logicamente justificados

V := direitos de propriedade podem ser adquiridos apenas com ações específicas que criem um elo objetivo com o meio

Sendo que…

Elo objetivo := elo intersubjetivamente verificável e determinável (que possa ser determinado e verificado por qualquer agente)

A proposição V é a última parte da Ética Libertária que falta ser analisada, e, utilizando-se o argumento pela contradição performativa, é provado que P⇒V, sendo P qualquer proposição normativa que o indivíduo tente justificar.

A implicação pode ser provada de forma contrapositiva da seguinte forma:

Se assumíssemos ¬V estaríamos dizendo que ao menos um indivíduo teria o direito de se apropriar de meios ainda não utilizados sem a criação do elo objetivo (é o que é denotado como “apropriação por declaração”), porém isso significaria que ele teria o direito de se apropriar dos meios primários para a ação de indivíduos que ainda não tenham começado a agir, o que negaria o direito de autopropriedade.

Ou seja, se…

H := todos os agentes têm o direito de autopropriedade

Então ¬V⇒¬H, o que é equivalente a dizer que H⇒V.

E como P⇒H…

P⇒V.

Conclusão

A Ética Libertária nada mais é que H∧L∧V, ou seja, se denotarmos a proposição de defesa da Ética Libertária pela letra “M”, então M⇔(H∧L∧V), sendo que…

H := todos os agentes têm o direito de autopropriedade

L := agentes têm o direito de propriedade sobre os meios do ambiente sem uso que usaram pela primeira vez

V := direitos de propriedade podem ser adquiridos apenas com ações específicas que criem um elo objetivo com o meio

A conclusão da Ética Argumentativa, por sua vez, nada mais é que a afirmação de que a Ética Libertária é a única logicamente defensável, através de P⇒M (o que é verdade pelo fato de que P⇒H, de que P⇒L, de que P⇒V, e de que M⇔(H∧L∧V)), sendo P qualquer proposição normativa. Assim sendo ¬M, por ser uma proposição que trata de normas, implica em M, ou seja…

¬M⇒M

E esta é a conclusão essencial da Ética Argumentativa Hoppeana.

O que, se colocarmos numa tabela verdade, mostra que ¬M não é logicamente defensável pelo indivíduo.

Agora, alguém poderia dizer que isso ocorre apenas enquanto o indivíduo faz uma proposição normativa, ou seja, enquanto ele apresenta uma preferência subjetiva por fazer proposições normativas. Sim, porém isso não ocorre com apenas um indivíduo, e sim com qualquer possível proponente, qualquer possível indivíduo que faça qualquer possível proposição normativa. O fato é que qualquer possível indivíduo que tente justificar alguma norma, ou seja, que tente ter razões para aceitar qualquer norma, deverá aceitar a Ética Libertária, ou cairá numa contradição; se uma norma for aceita, e se houverem razões para aceitar ela, então é logicamente impossível que ela não seja a libertária; um indivíduo poderia até mesmo não aceitar a norma libertária e agir contra ela no mundo, afinal, isso não é fisicamente impossível (ela é uma norma, e normas são, por definição, violáveis), porém será fato que ou ele não terá razões para aceitar esta norma, ou as suas razões não serão lógicas, e a única norma que um indivíduo será capaz de aceitar como verdadeira será a Ética Libertária.

Referências

Richard Hammack — The Book of Proof

P.D. Magnus — Forall X: Introductory Textbook in Formal Logic

Aristóteles — Organom

Hans Hermann Hoppe — A Ciência Econômica e o Método Austríaco

Murray Rothbard — Praxeologia: o Método dos Economistas Austríacos

Murray Rothbard — Man, Economy and State

Ludwig von Mises — Ação Humana

Jürgen Habermas — Notas Pragmáticas para a Fundamentação de uma Ética do Discurso

Karl-Otto Apel — The Problem of Philosophical Foundations in Light of a Transcendental Pragmatics of Language

Robert Alexy — Teoria da Argumentação Jurídica

Hans Hermann Hoppe — Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo

Hans Hermann Hoppe — A Ética e a Economia da Propriedade Privada

Hans Hermann Hoppe — Argumentation Ethics (PFS 2016)

Hans Hermann Hoppe — The Ethics of Entrepreneurship and Profit

Hans Hermann Hoppe — Propriedade, Causalidade e Responsabilidade Legal

Marian Eabrasu — Uma Respostas às Críticas Correntes Formuladas Contra a Ética Argumentativa Hoppeana

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