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Lógica dos Predicados

Tempo de Leitura: 7 minutos

Introdução

Em Teoria dos Conceitos falei a respeito dos conjuntos de existentes semelhantes que são a unidade básica de nosso pensamento, os chamados conceitos, falei de sua definição, e como definições em si são baseadas em conceitos, além dos tipos de conceitos e mais.

Em Lógica Proposicional falei a respeito de proposições, conjuntos de conceitos que se relacionam, formando afirmações que podem ser verdadeiras ou falsas — elementos do pensamento necessários para se refletir a respeito do que é verdade e do que é falsidade — , e também de como representar elas e suas conexões lógicas (que permitem a formação de argumentos) através do uso da lógica simbólica, além das leis que regem os argumentos e as proposições. Caso não tenha lido estes textos, recomendo fortemente que antes de continuar leia estes outros dois, a não ser que já tenha conhecimentos sobre teoria dos conceitos e lógica simbólica, pois os temas discutidos neles serão importantes para a construção deste texto.

A lógica proposicional, conforme foi visto, se baseia em proposições como seu elemento mais básico, representando cada uma delas através de uma letra; a lógica dos predicados, por outro lado, é capaz de ter uma visão mais detalhada acerca de uma proposição e de um argumento, pois ela tem símbolos que são utilizados para representar as partes da proposição. Estas partes são o sujeito e o predicado.

Sujeito e Predicado

O sujeito é aquilo a respeito do qual algo é afirmado na proposição (lembre-se que proposições são sempre afirmações, embora o contrário não seja necessariamente verdade) enquanto o predicado é aquilo que é afirmado a respeito do sujeito, seja este algo afirmado uma característica dele, uma relação dele com alguma outra coisa… Etc.. Por exemplo:

Rapadura é doce

Na afirmação anterior o sujeito é “rapadura” e o predicado é “é doce”, com isso temos a proposição “Rapadura é doce”.

Na lógica dos predicados os mesmos operadores da lógica proposicional (implicação, conjunção…) são utilizados, além de dois quantificadores (que serão abordados mais à frente) e de letras maiúsculas e minúsculas; porém nela as letras maiúsculas não são utilizadas para representar proposições, mas sim predicados, e as minúsculas, para representar o sujeito, a frase do exemplo, portanto, ficaria assim:

D(r)

Sendo r o sujeito (rapadura) e D o predicado (ser doce), e a proposição, ao invés de ser representada por uma letra, é a sentença inteira (ou seja a proposição é “D(r)”). Observação: a notação pode variar, geralmente é considerado como convenção colocar o predicado antes do sujeito (D(r)), porém, embora isso seja muito menos comum e pouco utilizado, ainda é possível escrever com o sujeito sendo colocado antes (rD), desde que a pessoa que escreve seja consistente na ordem dos dois; além disso, ao se juntar o predicado e o sujeito na proposição a notação a respeito do uso de parênteses (D(r)) ou do não uso (Dr) também é opcional, desde que a pessoa seja consistente.

Além disso os mesmos operadores da lógica proposicional e as mesmas leis aplicadas a ela (todas aquelas que listei no texto passado) também valem para a lógica dos predicados, e as proposições da lógica dos predicados podem ser combinadas com os mesmos símbolos, exemplo:

Rapadura é doce e não é mole

Essa proposição poderia ser escrita da seguinte forma na lógica dos predicados:

(Dr)∧(¬Mr)

Ou seja, rapadura (r) é doce (D) e ()não é (¬) mole (M).

Sobre o Predicado

O predicado pode ser de diferentes tipos, unário, binário, triário…

Um predicado unário é aquele que se aplica a apenas um sujeito, por exemplo:

Rapadura é doce

D(r)

Já um binário é um que se aplica a dois sujeitos, por exemplo:

Pleriosvaldo gosta de rapadura

G(p,r)

Pleriosvaldo (p), gosta (G) de rapadura (r).

Que são geralmente relações entre os sujeitos.

Obs.: o uso de vírgulas aqui é opcional, mas prefiro utilizar para melhor organização.

Obs2.: observe que neste caso a ordem dos sujeitos importa, se eu escrevesse G(r,p) eu estaria dizendo que “rapadura gosta de Pleriosvaldo” o que no mínimo é diferente do que eu desejo realmente dizer; agora, existem casos nos quais a ordem não importa, e tudo isso depende do predicado, por exemplo, se eu dissesse “Pleriosvaldo é irmão de Gorgisnaldo” (I(p,g)) a ordem não tem importância, pois é a mesma coisa que dizer que “Gorgisnaldo é irmão de Pleriosvaldo” (I(g,p)).

Um predicado triário trata de três sujeitos.

E assim por diante.

Sobre o Sujeito

Os sujeitos também são conceitos e devem ser formalmente definidos ao se fazer um argumento, caso o contrário a pessoa pode estar falando que o predicado se relaciona literalmente a qualquer coisa. Existem dois tipos de sujeitos, constantes individuais e variáveis individuais.

Constantes individuais

Constantes individuais são sujeitos específicos que representam apenas um elemento, por exemplo, se eu digo que s é meu sujeito e ele significa “Sócrates” então posso dizer:

F(s)

Sócrates é um filósofo, sendo que neste caso o meu sujeito é um conceito que contém apenas um elemento, o Sócrates.

Variáveis individuais

As variáveis individuais, por outro lado, são sujeitos que são conceitos com múltiplos elementos, por exemplo, se digo que x é uma variável individual que representa gregos então ao dizer:

F(x)

O meu predicado (é filósofo) se relaciona aos gregos.

No caso de variáveis individuais é mais comum o uso de quantificadores, que serão abordados a seguir.

Obs.: é mais comum utilizar as últimas letras do alfabeto (x, y, z…) para as variáveis individuais e as primeiras (a, b, c…) para as constantes individuais, mas não é algo obrigatório. Aliás, caso seja necessário, números podem ser utilizados ao lado das letras, ou seja, x1, x2, x3… etc..

Quantificadores

Os quantificadores são símbolos utilizados para indicar de quantos elementos do conceito que uma variável individual representa algo é falado, eles são dois, o quantificador existencial e o quantificador universal.

Universal “∀”

O quantificador universal (∀) é utilizado para se referir a todos os elementos do conceito, ou seja, a todas as coisas que podem ser representadas pela variável individual. Ou seja, se eu escrevo:

∀x[F(x)]

Então estou dizendo que todos os x, todos os gregos, são filósofos. Neste caso se lê “para todo o x x é um filósofo”.

Obs.: a separação do quantificador não é necessariamente feita com um colchete, pode ser feita também com parênteses, eu pessoalmente prefiro usar o colchete para facilitar a identificação e leitura.

De maneira formal o quantificador universal pode ser definido da seguinte forma:

Se x é algum elemento do conjunto {x1, x2, x3,…, xn} então…

∀x[P(x)]:= P(x1)P(x2)∧P(x3)∧…∧P(xn)

Ou seja, ∀x[P(x)] só será verdade se o predicado P for verdadeiro para todos os elementos do conjunto, x1, x2, x3

Existencial “∃”

Já o existencial (∃) é utilizado para se referir a ao menos um dos elementos do conceito, ou seja, a ao menos uma das coisas que pode ser representada pela variável individual.

Por exemplo, se eu escrevo:

∃x[F(x)]

Significa que existe ao menos um elemento que tem o predicado F, ou seja, ao menos um grego que é filósofo, não interessa se é um, se são dois, três, ou até mesmo todos, se houver pelo menos 1 a afirmação já é verdadeira.

De maneira formal eu posso defini-lo assim:

∃x[P(x)]:= P(x1)∨P(x2)∨P(x3)∨…∨P(xn)

Leis Lógicas

No texto passado abordei uma série de leis lógicas, aquelas que eram referentes aos operadores de negação, conjunção, disjunção, implicação e equivalência; agora, com os dois quantificadores como novos elementos, irei apresentar novas leis lógicas que são representadas através do uso deles, e demonstrar porque são válidas.

As quatro leis apresentadas serão:

Negação do Universal

Por exemplo, suponha que eu diga que, sendo x uma variável individual utilizada para representar gregos…

∀x[F(x)]

Ou seja, que todos os gregos são filósofos.

Negar isso é o mesmo que dizer:

∃x[¬F(x)]

Ou seja, que existe ao menos um grego que não é filósofo. A lei, de maneira formal, é a seguinte:

¬∀x[P(x)]⇔∃x[¬P(x)]

Parece ser uma afirmação bem intuitiva, ainda assim, uma prova da validade dela é necessária para que seja possível ter certeza. Eu, com base nas definições utilizadas, fiz e coloco aqui uma prova desta afirmação…

Pela definição do quantificador universal, sabemos que a definição de ¬∀x[P(x)] é ¬(P(x1)∧P(x2)∧P(x3)∧…∧P(xn)), ou seja:

¬∀x[P(x)] ⇔ ¬(P(x1)∧P(x2)∧P(x3)∧…∧P(xn))

Pelas leis de De Morgan isso é equivalente a dizer que (¬P(x1))∨(¬P(x2))∨(¬P(x3))∨…∨(¬P(xn)).

¬(P(x1)∧P(x2)∧P(x3)∧…∧P(xn)) ⇔ (¬P(x1)∨¬P(x2)∨¬P(x3)∨…∨¬P(xn))

O que é, pela própria definição do quantificador existencial, o mesmo que ∃x[¬P(x)].

(¬P(x1)∨¬P(x2)∨¬P(x3)∨…∨¬P(xn)) ⇔ (∃x[¬P(x)])

O que, pela lei do silogismo hipotético, significa que…

¬∀x[P(x)]⇔∃x[¬P(x)]

Negação do Existencial

A negação do existencial é semelhante à negação do universal, e a demonstração dela também.

Suponha que eu digas que ao menos um grego é um filósofo, ou seja, ∃x[F(x)], a lei diz que para negar isso eu teria que afirmar que não há nenhum grego que seja filósofo, ou seja, que todos os gregos são não-filósofos, ∀x[¬P(x)].

¬∃x[P(x)]⇔∀x[¬P(x)]

Como eu disse, a prova é semelhante, irei escrevê-la a seguir, porém com menos explicações que a anterior, por causa do fato de serem muito parecidas.

¬∃x[P(x)] ⇔ ¬(P(x1)∨P(x2)∨P(x3)∨…∨P(xn))

¬(P(x1)∨P(x2)∨P(x3)∨…∨P(xn)) ⇔ (¬P(x1)∧¬P(x2)∧¬P(x3)∧…∧¬P(xn)) aqui foram utilizadas as leis de De Morgan

(¬P(x1)∧¬P(x2)∧¬P(x3)∧…∧¬P(xn)) ⇔ (∀x[¬P(x)])

Então, pela lei do silogismo hipotético:

¬∃x[P(x)]⇔∀x[¬P(x)]

Instanciação do Universal

A lei da instanciação do universal diz que se um predicado é verdadeiro para todos os elementos que podem corresponder a uma variável individual, então ele é verdadeiro para alguma constante individual.

∀x[P(x)]⇒P(c)

Obs.: aqui c se refere a alguma constante individual.

Como que é possível provar isso?

Se P(c) for falso então P(x1) também é falso, assim como P(x2), P(x3) e etc., pois x1, x2, x3 e todos os outros x são constantes individuais.

¬P(c) ⇒ (¬P(x1)∧¬P(x2)∧…∧¬P(xn))

E isso implica que ao menos um deles é falso:

(¬P(x1)∧¬P(x2)∧…∧¬P(xn)) ⇒ (¬P(x1)∨¬P(x2)∨…∨¬P(xn))

Conforme foi visto anteriormente, dizer isso, é o mesmo que dizer que ∃x[¬P(x)].

(¬P(x1)∨¬P(x2)∨…∨¬P(xn)) ⇒ ∃x[¬P(x)]

E ∃x[¬P(x)] é a negação de ∀x[P(x)], portanto, pela lei do silogismo hipotético…

¬P(c)⇒¬∀x[P(x)]

O que, pela lei da contraposição, significa que:

∀x[P(x)]⇒P(c)

Instanciação do Existencial

A instanciação do existencial é semelhante à do universal, afirma que se um predicado é verdadeiro para ao menos um elemento que pode corresponder a uma variável individual, então ele é verdadeiro para uma constante individual.

∃x[P(x)]⇒P(c)

A prova é muito semelhante à da instanciação do universal, colocá-la-ei a seguir:

¬P(c) ⇒ (¬P(x1)∧¬P(x2)∧…∧¬P(xn))

(¬P(x1)∧¬P(x2)∧…∧¬P(xn)) ⇔ ∀x[¬P(x)]

Porém já sabemos que ∀x[¬P(x)] é a negação de ∃x[P(x)].

∀x[¬P(x)]⇔¬∃x[P(x)]

Portanto:

¬P(c)⇒¬∃x[P(x)]

E pela lei da contraposição:

∃x[P(x)]⇒P(c)

Conclusão

Com isso temos 18 leis lógicas, considerando estas e as do texto anterior, que podem ser utilizadas para a construção de um bom argumento.

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Referências

David Kelley — The Art of Reasoning

Cezar Mortari — Introdução à Lógica

Harry Gensler — Introduction to Logic

Richard Hammack — Book of Proof

P. D. Magnus — Forall X: Introductory Textbook in Formal Logic

Proof Wiki:

Introduction to Discrete Structures

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