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O Argumento Cosmológico de Kalam: Uma Evidência Válida para a Existência de Deus?

Tempo de Leitura: 25 minutos

Por José Adairtes Silva Lima e Edivaldo Simão Freitas. Publicado originalmente na Revista de Filosofia Polymatheia.

INTRODUÇÃO

O argumento cosmológico Kalam, cuja tradução do árabe para o português é “teologia medieval”, é bem antigo e tem suas raízes históricas fincadas na teologia islâmica medieval, e, devido a sua popularidade crescente, foi alvo de constantes críticas. Atualmente este argumento, em grande medida esquecido desde as críticas kantianas, voltou a ser o centro das atenções. Al-Gazali, um teólogo muçulmano da Pérsia — ou Irã atual — no século XII, foi o responsável pela primeira formulação do argumento. Em vida, o referido filósofo preocupou-se com a influência que a filosofia grega antiga exercia em seu meio acadêmico, sendo esta balizada na negação da criação do universo por Deus. Depois de estudar minuciosamente os ensinamentos desses filósofos, Gazali escreveu uma crítica destruidora da visão destes com o título “A incoerência dos filósofos”.

Nesta obra, ele argumenta que a ideia de um universo sem começo é absurda. O universo deve ter um começo e, uma vez que nada começa a existir sem uma causa, deve haver um criador transcendente do universo. Gazali formula seu argumento com base na afirmação de que “todo ser que começa tem uma causa para seu começo”. Dito isso, ele continua: “o mundo é um ser que começa”. Logo, ele conclui: o mundo possui uma causa para seu começo”. Em suma, o raciocínio de Gazali envolve três passos simples que sintetizam a forma como o argumento cosmológico Kalam tem sido defendido atualmente:

  1. Tudo que começa a existir tem uma causa.
  2. O universo começou a existir.
  3. Logo, o universo tem uma causa.

Ao se analisar, atentamente, cada passo de seu argumento, é possível observar que sequer é preciso uma premissa tão forte quanto (1) para que seu argumento obtenha êxito. A primeira premissa pode ser afirmada de forma mais modesta e, ainda assim, preservar a sua força. Abaixo, é possível observar uma reformulação alternativa e logicamente válida da mesma.

(1’) Se o universo começou a existir, o universo tem uma causa para o seu começo.

Esta versão mais modesta da primeira premissa, por si só, aparentemente permite evitar distrações sobre a possibilidade de partículas subatômicas, que são o resultado de processos de decaimento quântico, virem a existir sem uma causa. Esta suposta exceção a (1) é irrelevante a, de modo que o universo compreende toda realidade contígua de espaço-tempo. Logo, o universo vir a existir sem uma causa significa vir a existir a partir do nada, o que é absurdo. Nos eventos de decaimento quântico, as partículas não vêm a existir a partir do nada, mas sem causa aparente. Assim, essa suposta exceção a (1) não é exceção a (1’). Nesse sentido, há, no mínimo, três pontos a favor da premissa (1’):

  1. Algo não pode vir do nada. Alegar que algo pode vir a existir do nada é uma impossibilidade metafísica. Todavia, se a premissa (1’) é negada, é preciso pensar que o universo inteiro apenas apareceu em algum ponto no passado por nenhuma razão e, literalmente, a partir de algo que não existe. Ninguém, porém, pode racionalmente aceitar que coisas como animais ou casas podem aparecer sem uma causa.
  2. Se algo pode vir à existência do nada, torna-se inexplicável porque nada ou coisa alguma não vem a existir do nada. Em suma, o nada não pode ter coisa alguma que favoreça universos, pois o nada não tem nenhuma propriedade. E coisa alguma pode limitar o nada, pois não há coisa alguma a ser limitada.
  3. A experiência comum e as informações científicas confirmam a verdade da premissa, e, na ausência de um defeater para nossas crenças, estamos justificados em aceita-las.(1’). A ciência da cosmogonia se baseia no pressuposto de que existem condições causais para a origem do universo. Torna- se, portanto, especialmente difícil entender como alguém comprometido com a ciência conseguiria negar que (1’) tem mais plausibilidade de ser verdadeiro do que falso. Em conclusão,nota-se que a primeira premissa do Argumento

Cosmológico Kalam se sustenta no princípio básico da metafísica: ex nihilo nihil fit1.

De modo a mensurar a força do argumento, faz-se necessária uma análise fragmentada de suas premissas.

Primeira premissa: Tudo que passa a existir deve ter uma causa

A primeira premissa afirma que tudo o que começa a existir tem uma causa. Esta premissa é praticamente inegável por parte de quem quer que busca sinceramente a verdade, na medida em que algo vir a existir sem quaisquer condições causais seria vir à existência a partir do nada, o que é, como se viu anteriormente, metafisicamente impossível. Todavia, a primeira premissa parece ser a mais atacada por seus objetores. Craig, após publicar seu trabalho sobre o Argumento Cosmológico Kalam como conclusão de seu estudo na Universidade de Birmingham, na Inglaterra, suspeitou que ateus atacariam a segunda premissa do argumento (“O universo começou a existir”), porque parecia ser claramente mais controversa. Porém, ele nunca sonhou com a possibilidade de que ateus se voltariam contra a primeira premissa. Em suas próprias palavras:

Quando publiquei pela primeira vez meu trabalho sobre o argumento cosmológico kalam como conclusão de meu estudo na Universidade de Birmingham, na Inglaterra, suspeitei que ateus atacariam a segunda premissa do argumento (“O universo começou a existir”), porque me parecia ser claramente mais controversa. Nunca sonhei que ateus se voltariam contra a primeira premissa. Parecia-me que atacar a  primeira premissa simplesmente exporia o indivíduo como alguém  que não é realmente sincero quanto à busca pela verdade sobre a realidade, mas simplesmente procura uma refutação acadêmica do argumento — alguém que apenas procura por algum tipo de brecha para tentar escapar à conclusão. Você deve imaginar minha surpresa, então, ao me deparar com ateus negando a premissa 1 com o intuito de evitar a conclusão do argumento! (CRAIG, 2012, s/d)

Ao longo do tempo, inúmeras críticas contra a primeira premissa do argumento cosmológico Kalam têm sido levantadas. Todavia, estas têm sido devidamente respondidas por Craig e outros filósofos. Em função das objeções apresentadas, seção seguinte do artigo sobre o Argumento Cosmológico Kalam visa analisar uma lista contendo as mais recorrentes objeções levantadas contra a primeira premissa do argumento, bem como o estudo das respostas a elas dadas pelos seus defensores.

Objeções à primeira premissa

A física quântica e o nada

A crítica mais comum à primeira premissa do Argumento Cosmológico Kalam vem dos estudos na área de física quântica. Alguns desses críticos comumente afirmam que a física quântica apresenta algumas exceções à primeira premissa, já que, segundo os mesmos, certos eventos ao nível quântico são incausados, de modo que partículas virtuais passam a existir “do nada”2, ou que a emissão de fótons por certos átomos também ocorre do nada.Tal objeção, porém, aparenta ser completamente infundada. Em primeiro lugar, nem todos os cientistas endossam a ideia de que eventos subatômicos não tenham causa. Atualmente, um grande número de físicos se diz insatisfeito com  essa interpretação (conhecida como Interpretação de Copenhague) da física quântica e recorre a teorias deterministas como a de David Bohm.

Em segundo lugar, por mais que eventos quânticos, sejam eventos não determinados, ainda assim partículas virtuais têm uma causa, haja vista que se relacionam em flutuações da energia no vácuo. O filósofo da ciência alemão Bernulf Kanitscheider enfatiza que nos chamados eventos de criação quântica, físicos e filósofos lidam com:

Um processo causal vindo de um substrato primordial, com uma rica estrutura física, para um substrato materializado do vácuo. Admitidamente este processo não é determinista, ele inclui aquele tipo fraco de dependência causal peculiar a todos os processos mecânicos quânticos.”(CRAIG, 2012, p.114)

Portanto, a primeira premissa do argumento é totalmente consistente com eventos quânticos serem causalmente indeterminados. O que seria incoerente é que, substâncias que possuem propriedades, possam vir à existência sem causa alguma.

Não obstante, comumente os objetores têm afirmado que “o universo surgiu do nada” sugerindo que este surgiu do vácuo quântico. Todavia, o que os mesmos falham em notar é que o vácuo quântico é um ente cheio de características, ou seja, ele não é um “nada”, mas um mar de energia flutuante dotada de uma rica estrutura e sujeita às leis físicas de diversas espécies. O próprio fato do vácuo quântico ser estudado pela ciência empírica demonstra que ele tem um caráter ontológico, pois assim como a ciência não pode estudar o “não-cachorro” ou “não-humano”, ela não pode estudar o “não-ser”. Nesse caso, absolutamente coisa alguma positiva poderia se falar acerca do nada, restringindo-se apenas a negar as suas características.

Em suma, quando há afirmação, a título de exemplo, que a lei da gravidade criou o universo, admite-se, na realidade, que alguma substância ontológica é o estado do qual emergiu o universo, somente havendo discordâncias acerca da natureza dessa substância. Igualar a lei da gravidade ou o vácuo quântico com o “nada” é, portanto, um equívoco filosófico. Explicado o erro e entendido o que é o nada, é possível argumentar contra a criação a partir do nada se partindo de três objeções:

  1. Se o nada criou algo, então, segue-se que ele tem ao menos uma propriedade positiva, i.e., a de ser a substância que deu origem a um outro estado de coisas. Todavia, se ele deu origem, é a explicação ou razão, a um estado de coisas seguinte, então, ele possui ao menos um predicado ontológico. Nesse caso, ele seria um ser, i.e., algo ontológico, e não mais seria o nada, que é justamente aquilo que nega qualquer predicado do ser. Dito isso, qualquer coisa que seja a explicação ou razão para algo posterior não pode ser o nada, sob pena de incorrer-se em uma autocontradição lógica.
  2. Se não existia nenhuma entidade ontológica e o nada não criou o Universo, significa que o próprio universo, que não existia, é o responsável por sua passagem à existência. Todavia, a referida visão é evidente e logicamente incoerente. Para o universo ser sua causa, ele deve ser ou logicamente ou temporalmente anterior a si mesmo. Obviamente, é impossível que algo seja anterior a si mesmo, pois nesse caso ele já existiria. Logo, a autocriação é lógica e metafisicamente impossível. Demonstrado o segundo equívoco, é possível refutar seguramente a ideia do “nada criador”.
  3. Ainda assim, alguns objetores afirmam que a física quântica ensina que as coisas podem surgir do nada. Todavia, essa objeção é baseada em uma confusão filosófica. Como foi explicado anteriormente, não é possível atribuir o estado de “surgir do nada” nesses casos. O vácuo quântico, em si, não é um “nada”, mas um mar de energia estruturado e sujeito às leis da física. Dizer que as partículas virtuais surgem do nada no meio do Universo é um erro fundamental, pois, se elas surgem dentro do universo, elas surgem dentro do ser. O ser quis dizer, talvez, é que essas partículas deveriam surgir sem uma causa específica ou “aleatoriamente”, mas não a partir do “nada”. Todavia, na verdade, o que existe na física quântica é o princípio do indeterminismo, pelo qual não conseguimos saber ou prever de forma “fixa” o comportamento das partículas pela alteração do observador, e o fato de os seres humanos serem impedidos por uma barreira epistemológica de encontrar uma causa para um determinado evento não significa que ele tenha surgido aleatoriamente. O que existe a partir daí seriam, portanto, interpretações indeterministas ou deterministas desses dados. De qualquer maneira, a objeção está devidamente superada.
Causa além do universo

Alguns outros críticos argumentam que a primeira premissa é verdadeira somente no que se refere às coisas no universo, mas não em relação ao universo propriamente. Esses críticos baseiam-se inteiramente numa interpretação errônea da natureza do princípio causal. A primeira premissa não afirma a existência de uma lei meramente física, como a lei da gravidade ou as leis da termodinâmica, que são validadas por coisas que fazem parte do universo. A primeira premissa não é um princípio físico, mas, antes de tudo, trata-se de um princípio metafísico intuitivo confirmado a posteriori pela ciência. Portanto, no que diz respeito essa objeção, não há motivo para supor que o princípio de causalidade contido na primeira premissa seja restrito às coisas das quais o universo é feito, em especial tendo em vista que se trata de um princípio metafísico que se aplica a qualquer coisa, sejam às partes do universo, a outros possíveis universos ou ao próprio Deus, i.e., se Deus tivesse começado a existir, ele também, necessariamente, teria que ter uma causa.

Quem causou Deus?

Daniel Dennett, filósofo ateu norte-americano, ao comentar sobre a primeira premissa, deu-lhe a seguinte formulação: “Tudo o que existe deve ter uma causa”. Em seguida, lhe pergunta: “O que causou Deus? ”(CRAIG, 2012, p. 113).Todavia, Dennett na verdade distorce a primeira premissa.Com exceção de alguns racionalistas do Iluminismo3, para quem “causa” significava apenas “razão suficiente”, nenhum teísta ortodoxo de qualquer procedência jamais afirmou que tudo tem uma causa ou que Deus teria sido a causa de si mesmo, uma ideia devidamente rejeitada por Tomás de Aquino que a considerava metaforicamente impossível. Em outras palavras, tudo que passa a existir tem que ter obrigatoriamente uma causa.

Nota-se que o próprio Dennett admite que um ser “fora do tempo” não é algo que tenha um início ou origem que deva ser explicada. Se há algo cuja origem deva ser explicada é, portanto, o universo concreto.Dito isso, conclui-se que Deus,enquanto ser eterno, i.e., fora do tempo, não precisaria de uma causa, porque nunca teve de vir a existir.

Universo Necessita ter Uma Causa Material?

Uma das críticas levantadas contra a primeira premissa alega que a doutrina ex nihilo (criação a partir do nada) viola um princípio básico da causalidade. Em outras palavras, para um evento casual ocorrer, seria estritamente necessária a potencialidade e um agente ou objeto para realizá-lo. Por exemplo, um bloco de madeira tem a potencialidade de ser esculpido em um trem de madeira, e um trabalhador qualificado seria o agente que realiza a possibilidade de um trem de madeira esculpido a partir do referido bloco de madeira. Essa relação causal evidencia, portanto, como se dá a dinâmica de relação entre a causa e o efeito, considerando-se o poder causal presente essencialmente no primeiro.

Todavia, essa crítica não parece procedente. De fato, para um evento casual ocorrer, você precisa de potencialidade e um agente ou objeto para realizá-lo. Por essa razão, algo surgindo espontaneamente do nada é metafisicamente impossível. Não- existência não tem potencialidades, nem poderes, nem propriedades, não é nada. É por isso que ser vem apenas de ser: Ex nihilo nihil fit. Em creatio ex nihilo, a potencialidade do universo reside no poder de Deus para criá-lo. Como Deus tem o poder de criar o universo, então até mesmo no estado de coisas de Deus existindo sozinho, há o potencial para um universo existir. Esse potencial reside, não em algum objeto inexistente ou em nada, mas no próprio Deus e sua capacidade de causar o universo.Esta solução difere da solução panteísta de que o universo é feito do próprio ser de Deus. Em contrapartida, na ideia de que Deus tem poderes causais, existe um potencial para o universo ser materializado.

Segunda premissa: O universo começou a existir

A fim de se evitar a conclusão do Argumento Cosmológico Kalam, tem-se defendido que o universo é eterno. Todavia, será que as objeções nesse sentido são bem- sucedidas? Os indícios físicos para o começo do universo têm surgido de vários  campos, porém, sem dúvida alguma, duas das mais proeminentes áreas da física moderna fornecem as bases mais firmes para a segunda premissa do argumento: a astronomia e a astrofísica. Antes da década de 1920, os cientistas sempre supuseram que o universo era estacionário e eterno, isto é, não havia começado a existir. No entanto, essa hegemonia da cosmologia tradicional foi questionada pela primeira vez em 1917, quando Albert Einstein fez uma aplicação cosmológica de sua recém-descoberta teoria gravitacional, a Teoria Geral da Relatividade.

Einstein descobriu que sua teoria não permitiria um modelo eterno e estático do universo, a menos que ele manipulasse as equações a fim de compensar o efeito gravitacional da matéria (CRAIG, 2010). Consequentemente, o universo que Einstein havia proposto era essencialmente instável, e a mínima perturbação, como o transporte de matéria de uma parte do universo para outra, faria com que o universo implodisse ou expandisse (SOARES, 2012). Levando a sério este aspecto do modelo de Einstein, o matemático russo Alexander Friedmann e o astrônomo belga e padre da Igreja Católica, Georges Lemaître, conseguiram formular, independentemente um do outro e ainda na década de 1920, soluções às equações de Einstein que previam um universo em expansão.

O modelo Friedman-Lemaitre

A importância incontestável do modelo Friedmann-Lemaître evidenciou-se na história, de modo que, até a referida época, a ideia da expansão do universo e de um começo para o mesmo inexistiam. Todavia, a partir do trabalho em conjunto de Friedmann e Lemaître, a ideia de que o universo era fixo e imutável começou a ser desconstruída. Se o modelo Friedmann-Lemaître estivesse correto, o universo não poderia mais ser tratado como uma entidade estática e atemporal, passando a ser não- estático e temporal. Já em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble mostrou que a luz de galáxias distantes é sistematicamente deslocada para o lado vermelho do espectro. Este deslocamento vermelho era considerado um efeito Doppler4, indicando que as fontes de luz se afastavam da linha de visão (BEDRAN, 2002). Deste modo, a descoberta de Hubble era uma evidência empírica da expansão do universo prevista por Friedmann e Lemaître com base na teoria da relatividade geral de Einstein.

De acordo com o modelo Friedmann-Lemaître, à medida que o tempo avança, as distâncias que separam as galáxias ficam maiores.

É importante notar que o referido modelo, enquanto teoria baseada na relatividade geral, não descreve a expansão do conteúdo material do universo em um espaço vazio pré-existente, mas, sim, a expansão do próprio espaço. Concebe-se, portanto, que as galáxias estão em repouso em relação ao espaço, mas se afastam progressivamente umas das outras à medida que o próprio espaço se expande ou estende, assim como adesivos colados na superfície de um balão se afastarão uns dos outros à medida que o balão infla. À medida que o universo se expande, se torna cada vez menos denso. Em relação lógica, quando se reverte a expansão e se extrapola de volta no tempo, o universo se torna progressivamente mais denso até que se atinja um estado de densidade infinita em algum ponto no passado finito. Este estado representa uma singularidade em que a curvatura espaço-tempo, bem como a temperatura, pressão e densidade, torna-se infinita. Em conclusão, trata-se de um limite estabelecido ao próprio espaço-tempo.

Ao se extrapolar a previsão ao seu extremo, chega-se a um ponto em que todas as distâncias no universo se contraem a zero. Uma singularidade cosmológica inicial, portanto, forma uma extremidade temporal passada do universo. Logo, em função de tal extremidade, torna-se impossível dar continuidade à abordagem empírica do universo ou até mesmo trabalhar o conceito de espaço-tempo. Por essa razão, a maioria dos cosmólogos admite que a singularidade inicial é, de fato, o começo do universo. Segundo esta visão, a grande expansão – lê-se Big Bang – representa o evento inicial, a criação não somente de toda a matéria e energia no universo, mas também do próprio espaço-tempo (SOARES, 2008).

O modelo Friedmann-Lemaître, revolucionário desde sua elaboração, forneceu extraordinárias conclusões à física moderna. O modelo padrão, que por sua vez, veio a ser denominado como o modelo Friedmann-Lemaître, descreve, portanto, um universo que não é eterno no passado, mas que veio à existência algum tempo finito atrás. Não obstante, a origem que o referido modelo postula é absoluta e a partir do nada, isto é, ex
nihilo. Nesse sentido, não apenas toda matéria e energia, mas o próprio espaço e tempo vieram à existência com a singularidade cosmológica inicial. Em conclusão, este é o limite que separa a ciência empírica da metafísica.

O teorema de Borde-Guth-Vilenkin

Embora alguns modelos inflacionários alternativos tenham surgido ao longo do tempo – permitindo a volta da discussão sobre uma projeção no passado eterno – todos, até o presente momento, falharam em suportar o teste do tempo. Os referidos fracassos se devem ao trabalho de três cosmológicos proeminentes – Arvind Borde, Alan Guthe Alexander Vilenkin – que provaram, por meio da publicação de um trabalho em conjunto sobre a teoria de singularidade, que qualquer universo que esteja se expandindo ao longo de sua história não pode ser eterno no passado. Em contrapartida, o mesmo deve ter um início absoluto, seguindo, desse modo, a conclusão do modelo Friedmann-Lemaître.

Faz-se necessário clarificar, todavia, que não fora feito nenhuma suposição quanto ao conteúdo material do universo, tampouco acerca da descrição equacional da gravidade em Einstein. A única suposição feita pelos físicos, segundo os mesmos, foi que a velocidade de expansão do universo nunca chega abaixo de algum valor não-nulo, não importa quão pequeno ele seja. Esta suposição deveria certamente ser satisfeita no vácuo falso em inflação. A conclusão, portanto, é que inflação eterna no passado sem um começo é impossível (VILENKIN, 2006, p. 176).

O teorema de singularidade elaborado em conjunto por Borde, Guth e Vilenkin é, hoje, amplamente aceito dentro da comunidade da física, permanecendo consistente até os dias atuais. Todavia, uma parte da cosmologia atual vem tentando elaborar modelos fundamentados em possíveis exceções ao teorema de Borde-Guth-Vilenkin.  No entanto, a maioria dos modelos apresentados envolvem teses como contrações infinitas anteriores à singularidade (SITTER); um estado inicial instável seguido de uma expansão inflacionária (CLASSE DE MODELO EMERGENTE); uma super expansão alimentada por energia escura com o universo irrompendo em um multiverso (“REAÇÃO-FANTASMA” DE BAUM-FRAMPTON) ou até mesmo duas expansões inflacionárias, em imagem de espelho, nas quais as flechas do tempo apontam para fora da singularidade cosmológica (AGUIRRE-GRATTON).Embora modelos como os citados acima tenham surgido em oposição ao teorema de Borde-Buth-Vilenkin, todavia, esses modelos são demasiadamente especulativos e estão, ou em contradição à cosmologia de observação ou, então, acabam por implicar o próprio começo do universo que tentaram evitar. Esses modelos apresentam um começo absoluto do universo, mesmo que o universo não venha a existir em um ponto singular. Dessa maneira, modelos de inflação eterna, assim como modelos de gravidade quântica, tampouco evitam o começo do universo (SINCLAIR, 2011).

De modo geral, o teorema de Borde-Guth-Vilenkin prova que o espaço-tempo clássico, sob uma única condição muito geral, não pode ser estendido para o infinito passado, mas deve atingir uma fronteira em algum momento no passado finito. Em termos dicotômicos, havia algo no outro lado da fronteira ou não havia. Se não havia, tem-se que a fronteira simplesmente é o começo do universo. Em contrapartida, se havia algo no outro lado, será uma região descrita pela teoria da gravidade quântica, ainda a ser descoberta pela física moderna. De qualquer maneira, à luz do pensamento de Vilenkin, o universo precisa, necessariamente, começar a existir.

A Segunda Lei da Termodinâmica

De acordo com a Segunda Lei da termodinâmica, a menos que energia seja introduzida num sistema, este sistema tenderá à desordem progressiva. Dada à conclusão, previu-se que toda a energia no universo tende a se espalhar uniformemente por toda a sua área. Em função desse estado de equilíbrio, a vida tornar-se-ia impossível. Este conceito é conhecido como a “morte térmica” do universo. A referida constatação traz, invariavelmente, a questão central do capítulo: se, dado tempo suficiente, o universo, invariavelmente, no futuro se encontrará em estado de morte térmica, por que, se existe em estado de eternidade, não está agora em estado de morte térmica? Se em quantidade finita de tempo o universo no futuro atingirá um estado de equilíbrio, dado um tempo passado infinito, ele já deveria estar, nesse momento, em estado de equilíbrio. Todavia, não o está. Em contrapartida, o universo encontra-se em estado de desequilíbrio, em que sua energia ainda está disponível para ser utilizada, bem como ainda há uma estrutura ordenada.

A fim de elaborar uma resposta ao problema, o físico alemão Ludwig Boltzmann propôs uma solução um tanto controversa. Boltzmann sugeriu que talvez o universo esteja, de fato, em estado de equilíbrio geral (CRAIG, 2015). Não obstante, sua teoria diz que, aleatoriamente, surgirão focos de desequilíbrio progressivamente. Boltzmann refere-se a essas regiões isoladas de desequilíbrio como “mundos”. Tendo em vista a referida conclusão, à luz do pensamento de Boltzmann, o universo em questão seria, então, um desses mundos. Desse modo, no devido tempo, de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, ele reverterá para o estado geral de equilíbrio.

Embora a resposta tenha surgido ainda no século XX, físicos contemporâneos têm rejeitado ampla e universalmente a referida hipótese como explicação do desequilíbrio observado no universo. Seu erro fatal, segundo Craig, é que, se nosso mundo é meramente uma flutuação fortuita de um estado de equilíbrio geral, deveríamos estar observando uma extensão muito menor de ordem (CRAIG, 2015). Do mesmo modo, Craig afirma que uma pequena flutuação do equilíbrio é consideravelmente mais provável que a enorme flutuação contínua necessária para criar o universo que vemos, e ainda assim uma pequena flutuação seria suficiente para nossa existência (CRAIG, 2015).

Em seguimento, a descoberta da expansão do universo na década de  1920 alterou o fim previsto com base na Segunda Lei da Termodinâmica, mas não substituiu a questão fundamental. Descobertas recentes indicam que a expansão cósmica está, na verdade, em aceleração (CRAIG, 2015). Como o volume de espaço aumenta tão rapidamente, o universo realmente fica cada vez mais longe de um estado de equilíbrio em que matéria e energia se distribuem uniformemente. A aceleração da expansão do universo, no entanto, tende a apressar o seu fim, à medida que as diferentes regiões do universo se tornam cada vez mais isoladas umas das outras no espaço, cada região abandonada se torna difusa.

A implicação lógica do universo ainda prover energia utilizável: é que a questão se baseia em um falso pressuposto, a saber, que o universo existe por tempo infinito. Naturalmente, houve tentativas de evitar o começo do universo previsto com base na Segunda Lei da Termodinâmica. No entanto, nenhuma parece ter obtido êxito. Em 2013, o cosmólogo Aron Wall, da Universidade da Califórnia, formulou um novo teorema de singularidade que parece fechar a porta a quaisquer possibilidades contrárias à Lei em questão. Wall demonstra que, dada a validade da Segunda Lei geral da Termodinâmica na gravidade quântica, o universo deve ter começado a existir, a menos que se postule uma inversão na flecha do tempo em algum ponto no passado, o que, conforme ele observa, envolve um começo termodinâmico no tempo (CRAIG, 2015).

A conclusão, portanto, do modelo padrão de que o universo começou a existir permanece atualmente sólida, com seus pilares firmemente estabelecidos no modelo Friedmann-Lemaître, no teorema de Borde-Guth-Vilenkin e na Segunda Lei da Termodinâmica. Deste modo, podemos seguramente concluir que a cosmologia contemporânea fornece o devido suporte à segunda premissa do argumento cosmológico Kalam. Por fim, se qualquer modelo de teoria adequado deve incluir um início – como indicam as evidências aqui discutidas – logo, a segunda premissa do argumento tem muito mais plausibilidade de ser verdadeira do que o contrário.

Objeções à segunda premissa

As evidências podem “mudar de lado”

Embora seja possível que as evidências possam refutar, outrora, as bases científicas que permeiam a segunda premissa do Argumento Cosmológico Kalam, não há motivos aparentes para recusar as evidências no dado momento. Não obstante, a objeção parece não possuir base firme o suficiente para se constituir em um argumento consistente, de modo que seu ataque se baseia em uma previsão infundada e, até mesmo, improvável do futuro, na medida em que as evidências empíricas vêm apontando para a confirmação das premissas do Argumento cosmológico Kalam. Nesse sentido, aceitar as evidências que corroboram a segunda premissa do argumento em questão significa preservar o estado de racionalidade. Se, ainda assim, o objetor quiser avançar na argumentação, ele terá de demonstrar, invariavelmente, que o opositor é irracional ao aceitar os modelos propostos como evidências para o argumento cosmológico. Evidentemente, trata-se de uma posição insustentável.

Deus das Lacunas

Essa objeção baseia-se em um mal-entendido acerca da estrutura do argumento. O Argumento Cosmológico Kalam não é um argumento científico, mas sim filosófico, haja vista o fato de sua premissa maior ser baseada no princípio da causalidade, o qual pertence à filosofia. Ainda assim, a alegação de falácia não procede, pois, a premissa maior, assim como a premissa menor e a conclusão, é religiosamente neutra. Obviamente, a segunda premissa é suscetível à provação ou desaprovação científica com base em evidências empíricas. As evidências da cosmologia contemporânea utilizadas no argumento têm como único propósito sustentar a afirmação neutra de que  o universo começou a existir. Em conclusão, fica evidente que as implicações teológicas somente surgem na conclusão do argumento.

Singularidade Cosmológica Eterna

Ao considerar-se o atual modelo Friedmann–Lemaître para o começo absoluto do universo, torna-se relativamente fácil conceber uma resposta adequada à objeção em questão. Ao decorrer do artigo, foi possível compreender que o universo, de fato, começou a existir a um tempo finito atrás, o que foi confirmado através de decisivas evidências empíricas. Além disso, as mesmas evidências postulam uma origem absolutamente ex nihilo em termos físicos, pois não somente toda matéria e energia,  mas também o próprio tempo e espaço passaram a existir na singularidade cósmica inicial. Antes disso, por consequência lógica, literalmente nada físico poderia existir. A objeção apresentada nesse cenário é a sugestão da singularidade como uma espécie de bola de energia infinitamente densa que estava descansando desde a eternidade e que, de repente, se expandiu. No entanto, a objeção falha ao notar-se que, mesmo assim, se requer um tempo finito.

Não obstante, a objeção falha mais uma vez, na medida em que as evidências apresentadas ao longo do artigo apontam a singularidade como o ponto inicial do Universo. Em outras palavras, a singularidade cosmológica em que o universo teve início não é, estritamente falando, parte do espaço e do tempo, e, portanto, não é anterior ao universo; antes, é a fronteira de espaço e tempo. A singularidade é causalmente anterior ao universo, mas não é cronologicamente anterior ao universo. Ela existe na fronteira de espaço-tempo. Considerados esses pontos, a objeção está devidamente refutada.

Primeira Lei da Termodinâmica

Alguns críticos têm levantado objeções no sentido de que a segunda premissa do Argumento Cosmológico Kalam entra em contradição com a primeira lei da termodinâmica, que é popularmente entendida como a lei que afirma que a matéria e energia não se criam ou se destroem, ou seja, mas apenas se reorganizam. Nesse sentido, postula-se que o universo é eterno. Todavia, esta objeção falha porque a primeira lei da termodinâmica é uma lei natural e, portanto, é válida somente para o mesmo. A referida lei não diz nada sobre a ontologia do universo. De fato, seria demasiadamente estranho se a dita objeção fosse verdadeira, pois, nesse cenário, qualquer defensor de modelos cosmológicos que postulam um início para o universo estaria errado.

Universo Necessário

A referida objeção surge no sentido de que o universo é um ente necessário, isto é, não pode não existir. De fato, tal hipótese é totalmente não científica, além de ser extremamente falha do ponto de vista filosófico. Nenhum objeto material composto no universo pode ser metafisicamente necessário em qualquer relato cientificamente preciso do universo, pois rompe, até mesmo, os limites da realidade objetiva. A objeção incorre em graves contradições lógicas, dada a impossibilidade de retroceder no tempo em busca da origem da expansão do universo, o que faria com que átomos inexistissem, dada a densidade do universo proposto.

Um dos inúmeros problemas com esta sugestão é que, de acordo com o modelo padrão da física subatômica, a própria matéria é composta de partículas fundamentais, como quarks5. O universo seria, portanto, apenas uma coleção de todas estas partículas dispostas de maneiras diferentes. Todavia, é obviamente falso que cada uma destas partículas exista necessariamente, na medida em que é perfeitamente possível que uma coleção de diferentes quarks tenha existido ao invés de outra, assim como inúmeras outras configurações diferentes possíveis na natureza. Dito isso, a objeção está devidamente superada.

Universo Infinito

Esta objeção levanta a hipótese de um universo realmente infinito, no qual há uma regressão infinita de eventos no passado. Nesse sentido, o universo jamais teria começado a existir. Todavia, a objeção falha na medida em que um infinito real é uma impossibilidade lógica. Uma série temporal de eventos sem começo seria um infinito real. Logo, uma série temporal de eventos sem começo não pode existir. Parece claro que se alguém defende que não houve qualquer começo para o universo, equivale a dizer que houve um número infinito real de eventos passados na história do universo. Se tais eventos fossem reunidos em um conjunto, esse conjunto teria um número infinito real de membros. Todavia, não parece possível um infinito real existir no mundo real. Para provar isso, é possível recorrer a um experimento mental onde as conclusões implicariam em consequências irracionais. E, verificando-se que essas consequências parecem ser falsas, suas suposições devem ser devidamente rejeitadas:

Imagine uma biblioteca com um número realmente infinito de livros. Suponha mais adiante que há um número infinito de livros vermelhos e um número infinito de livros pretos na biblioteca. Conclusivamente, não faz sentido dizer que há tantos livros pretos na biblioteca quanto há de livros vermelhos e pretos juntos. Além disso, poder- se-ia retirar todos os livros pretos e não haveria mudanças nas propriedades totais da biblioteca.

Suponha agora que cada livro tenha um número infinito real de páginas. O primeiro livro da biblioteca teria tantas páginas quanto as que existem na coleção inteira, infinita. Se alguém lesse o primeiro livro, essa pessoa teria lido tantas páginas quanto alguém que lê cada página de cada livro da biblioteca, o que é mais uma contradição lógica. Somente por meio desse experimento mental, fica evidente a impossibilidade lógica de um universo eterno e de uma regressão infinita de eventos no passado.

Terceira premissa: O universo tem uma causa

Tendo em vista os indícios filosóficos e científicos apresentados anteriormente, há razões suficientes para se aceitar que o universo começou, de fato, a existir. Logo, segue que o universo tem uma causa para seu começo, conforme a conclusão do argumento nos indica. No entanto, quais propriedades essa causa do universo deve possuir? Essa causa deve ser em si não-causada, pois, como foi possível observar anteriormente, uma série infinita de causas, i.e., uma regressão infinita de eventos no passado é logicamente impossível. Trata-se, portanto, da Causa Primeira Não-causada. Ainda assim, a Causa deve transcender o espaço e o tempo, já que é anterior aos mesmos. Em conclusão lógica, deve ser, portanto, imaterial e não-física. Por fim, a Causa deve ser suficientemente poderosa para gerar um efeito como o universo.

Do mesmo modo, Gazali argumenta que a Causa Primeira Não-causada deve também se tratar de um ser pessoal, pois é a única forma de explicar como uma causa eterna, sendo capaz de produzir um efeito com um começo (temporalidade), como o universo, ao invés de meramente reproduzir um efeito atemporal. Se uma causa é suficiente para produzir seu efeito, então, se a causa existe, o efeito deve existir também. A título de exemplo, a causa do congelamento da água é a temperatura abaixo de zero grau Celsius. Se a temperatura está abaixo de zero grau Celsius desde a eternidade, qualquer água existente estaria, portanto, congelada desde a eternidade. Seria impossível que a água começasse a congelar apenas algum tempo finito atrás. Dito isso, a causa do universo existe permanentemente em função de sua atemporalidade. A partir deste raciocínio, é possível concluir que o mesmo efeito deveria se aplicar ao universo, de modo concomitante com a sua causa.

A resposta mais coerente para esse problema é que a Causa Primeira deve se tratar de um agente pessoal dotado de livre-arbítrio. Sua criação do universo é, portanto, ato livre, independente de quaisquer condições determinantes anteriores. Assim, seu ato de criação pode ser algo espontâneo e novo, totalmente diferente de Si. Em suma, o livre-arbítrio parece solucionar o problema de um efeito temporal enquanto produto de uma causa atemporal e permanente. Desta maneira, conclui-seque há, não somente uma causa transcendente do universo, mas também um agente pessoal. Embora a conclusão seja surpreendente, é a correspondência lógica da conclusão. Não obstante, é possível conceber Deus como uma entidade existindo sozinha sem o universo, isto é, em estado imutável e atemporal. No entanto, como foi possível evidenciar, seu livre ato de criação é um evento temporal simultâneo ao evento do universo ao vir à existência. Portanto, Deus submerge no tempo quando cria o universo. Dessa maneira, a conclusão que se segue é que Deus é atemporal sem o universo e está submerso no tempo com  o universo. O argumento cosmológico de Gazali oferece, portanto, fortes motivos para se aceitar a existência de um agente pessoal do universo que é sem começo, sem causa, atemporal, não-espacial, imutável, imaterial e imensamente poderoso.

Naturalmente, algumas críticas foram levantadas contra a surpreendente conclusão do Argumento Cosmológico Kalam. No entanto, a maioria delas não diz respeito exatamente a uma premissa específica, mas englobam ideias defendidas pelo argumento no geral, tais como as implicações teológicas presentes na Causa evidenciada ou à relação existente entre a primeira e a segunda premissa. Abaixo, seguem algumas objeções:

Objeções à terceira premissa

A atemporalidade de Deus e suas ações

Neste módulo, a objeção segue a linha crítica alegando que a existência de Deus,enquanto um ser fora do tempo e do espaço,é inconsistente com a realidade, de modo que, ao se ler sobre suas supostas ações na Bíblia, no Alcorão ou até mesmo na ideia de criação por parte de Deus contida do argumento, conclui-se que Deus é, aparentemente, um ser temporal. Todavia, essa objeção consiste em uma falácia do espantalho acercadas considerações filosóficas sobre Deus presentes na defesa do argumento cosmológico. O argumento, como defendido por filósofos como Craig, trabalha com a hipótese de Deus ser atemporal sem o universo e temporal com o universo. Em razão do entendimento da impossibilidade de uma regressão temporal infinita de eventos, e, conforme a teoria relacional do tempo, na falta de quaisquer eventos, o tempo não existiria, e, portanto, Deus é atemporal sem o universo. Do mesmo modo, quanto a Deus se tornar temporal com o universo, é devido ao fato de que a criação do universo situa Deus numa nova relação, a saber, de coexistência com o universo, e somente essa mudança extrínseca – excluindo-se a ação do poder causal de Deus– é suficiente para existir uma relação temporal. Reconhecido este fato, a objeção está devidamente superada.

A pressuposição do tempo e a criação

Considerando-se a existência de Deus, imutável e atemporalmente, sem o universo, e temporalmente com o universo, a objeção perde sua força. Conforme as evidências apontam, o tempo passa a existir na criação e, portanto, tem um começo e é finito no passado. Em virtude da sua relação real com o mundo temporal, Deus torna-se temporal no instante da criação. Assim, Deus existe atemporalmente sem a criação e temporalmente desde o momento da criação. Nota-se que, nesse sentido, não existe realmente nenhum momento anterior à criação. Nessa visão, é, portanto, logicamente incoerente fazer perguntas como “O que Deus estava fazendo antes da criação? ”, porque “antes da criação” implica um momento antes da criação – corpo da objeção – possibilidade esta que a referida visão nega. Embora a objeção tenha perdido quase que inteiramente a sua força, alguns objetores optam por uma visão alternativa do tempo para se prosseguir. Assim como Newton, os objetores pressupõem que o tempo é absoluto, isto é, havia uma espécie tempo zero antes do próprio tempo.Nesse cenário, a objeção, de fato, faz sentido. Todavia, falar de um momento “antes” do momento da criação implica a existência do tempo antes do tempo, o que é incoerente com a visão dos defensores modernos do Argumento Cosmológico Kalam e, até mesmo, da ciência moderna.

De acordo com um ponto de vista relacional do tempo, o tempo é dependente de, e explicativamente posterior, à ocorrência de eventos. A razão de o tempo existir é a ocorrência de eventos, conforme Leibniz nos aponta. Na ausência absoluta de qualquer evento, não haveria, portanto, um tempo vazio; em vez disso não haveria nenhum momento sequer. Por essa razão, Leibniz, que se opôs a Newton, considerou que simplesmente não há tempo antes da criação do universo. O Tempo começa, portanto, no momento da criação. Em conclusão, a objeção falha à medida que pressupõe a verdade da visão substantiva de tempo, pois ela assume que o tempo é explicativamente anterior a ocorrência de eventos. Do mesmo modo, assume que, para que ocorram eventos, o tempo deve existir, o que, em uma visão relacional, é falso. O tempo existe porque ocorrem os eventos, haja vista que a ocorrência de eventos é explicativamente anterior à existência do tempo. Dessa maneira, a objeção se baseia em um pressuposto altamente controverso que o teísta é livre para rejeitar.

Considerações Finais

Conforme as objeções foram sendo trabalhadas ao longo do artigo, tornou-se evidente que o Argumento Cosmológico Kalam tem sido alvo de grande atenção na contemporaneidade por parte dos filósofos. Não obstante, tendo em vista as respostas aqui elaboradas, nenhuma das objeções parece ser, de fato, consistente.Por fim, considerando-se a validade e solidez das premissas do argumento cosmológico, tem-se fortes motivos para se aceitar na existência de um Criador pessoal do universo. Em conclusão, trata-se de um argumento filosófico logicamente válido e que constitui uma boa razão para se adotar, no mínimo, alguma forma de teísmo ou crença teologicamente possível num Ser primeiro.

Notas

[1] Ex nihilo nihil fit é uma expressão latina que significa nada surge do nada. É uma expressão que indica um princípio metafísico segundo o qual o ser não pode começar a existir a partir do nada. A frase é atribuída ao filósofo grego Parménides.

[2] É importante ressaltar que o “nada”, à luz da perspectiva filosófica, simplesmente não é. Trata-se de uma entidade desprovida de quaisquer atributos ontológicos. Nesse sentido, não se pode inferir coisa alguma sobre o mesmo. A partir do momento em que se concebe o “nada” como tendo ao menos um predicado, logo, este passa a ser “algo”.

[3] 207 e.g. Imannuel Kant (1724-1804); David Hume (1711-1776).

[4] Efeito Doppler é um fenômeno físico observado nas ondas quando emitidas ou refletidas por um objeto que está em movimento com relação ao observador. Foi-lhe atribuído este nome em homenagem a Johann Christian Doppler, que o descreveu teoricamente pela primeira vez em 1842.

[5] O quark, na física de partículas, é uma partícula elementar e um dos dois elementos básicos que constituem a matéria (o outro é o lépton). Quarks se combinam para formar partículas compostas chamadas hádrons; os mais estáveis desse tipo são os prótons e os nêutrons, que são os principais componentes dos núcleos atômicos.

Referências

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SINCLAIR, J. Current Cosmology and the Beginning of the Universe. 2011. Disponível         em:                         <https://www.reasonablefaith.org/writings/question-answer/current-cosmology-and-the-beginning-of-the-universe/>. Acesso em 12 de julho de 2018.

SOARES, D.S.L. O universo estático de Einstein.Rev. Bras. Ensino Fís. vol.34 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2012.

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VILENKIN, A. Many worlds in one: The search for other universes. 1ed. Nova Iorque: Hill and Wang, 2006.176p.

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