Uma área do direito libertário que gera algumas discussões e reflexões interessantes é o caso de abandono de uma propriedade. Olhando de forma superficial, essa questão parece simples, mas quando nos aprofundamos vemos que nem sempre o abandono está claro.
Por exemplo, quais são os critérios para se definir que uma propriedade foi efetivamente abandonada e pode, portanto, ser apropriada originalmente novamente? Bastaria a pessoa declarar que abandonou e pronto? Ou apenas não utilizar a propriedade durante determinado tempo que ela automaticamente será considerada sem dono?
Ou, como defendem os mutualistas, apenas não estar em posse da propriedade, mesmo que por um pequeno espaço de tempo já seria o suficiente para poder ser apropriado por outros?
Walter Block cita duas condições para que uma propriedade possa ser considerada efetivamente abandonada: (i) que você não coloque barreiras para que outra pessoa se aproprie daquele bem e (ii) que notifique alguém de que a propriedade foi abandonada. Ele considera que essas duas condições se dão não por causa de uma obrigação positiva, mas pelo simples fato do que é um abandono.
Ele cita o exemplo de uma pessoa que deseja abandonar um suéter que não deseja mais. Simplesmente deixá-lo no armário, mesmo que não o utilize mais, não significa efetivamente abandonar, a pessoa continua sendo a proprietária daquele bem. Para efetivamente abandonar aquele item, a pessoa precisa tomar uma ação, notificar alguém e não colocar empecilhos para alguém se apropriar.
Isso quer dizer que se a pessoa não demonstrar ativamente que está abandonando um objeto ele será de propriedade do dono para sempre (ou pelo menos até o momento da morte dele)? Stephan Kinsella demonstra que não. Para ele, o abandono não se caracteriza apenas quando é feito de forma ativa, mas também quando não existe oposição (em um prazo razoável, é claro) contra uma declaração de intenção de posse.
Assim, se uma pessoa encontra um item, que não sabe se possui dono ou não, pergunta de forma pública se possui dono, e ninguém se prontifica a demonstrar a propriedade, então aquela propriedade pode ser considerada abandonada. Em caso de conflito, cabe ser provado via um devido processo legal se quem se apropriou declarou de forma razoável e o antigo proprietário demonstrar que não foi negligente na observação da declaração.
Tem outro exemplo que o Block utiliza que mostra as normas da propriedade privada e a questão do abandono. É um exemplo comum no dia-a-dia e por isso fica bem claro:
Considere que E perde a carteira (por ora vamos considerar que isso aconteceu em uma propriedade sem dono, para simplificar). F está passando, vê a carteira e pega ela. F tem a obrigação legal de devolver a carteira? Como não existem obrigações positivas pela perspectiva libertária, F não tem a obrigação de procurar por E para entregar a carteira, mesmo que dentro da carteira tenha um telefone ou algo do tipo.
Entretanto, se E descobre que a carteira está com F (e a forma como ele descobre é irrelevante) e vai até a porta da casa dele buscar a carteira, o esforço é muito pequeno para caracterizar que existe uma obrigação positiva. A única coisa que F precisa fazer é deixar E pegar sua carteira de volta. Tentar impedi-lo de fazer isso caracterizaria um roubo.
A exceção para esses casos é se a carteira tiver sido perdida ou esquecida na propriedade privada de alguém em que exista uma regra prévia do que deve ser feito no caso de um objeto esquecido ser encontrado. Nesse caso, F pode ter que levar o item para um achados e perdidos, entregar para uma força de segurança privada ou qualquer outra ação que o dono da propriedade tenha definido previamente.
Kinsella mostra que a questão do abandono está intimamente ligada à diferença entre posse e propriedade. A propriedade é um direito originado e mantido pela intenção de ter a posse de um bem como proprietário. O abandono acontece quando o proprietário não tem mais a intenção da possuir aquele bem como um proprietário, mesmo que ele ainda tenha o bem em sua posse.
Para saber mais:
BLOCK, Walter. Libertarianism, Positive Obligations and Property Abandonment: Children’s Rights. International Journal of Social Economics, Volume 31, no 3, p. 275-286. New Orleans: Emeral Group Publishing Limited, 2004.
BLOCK, Walter. Expiration of private property rights: a note. The Journal of Philosophical Economics: Reflections on Economic and Social Issues, Volume 8, no 2, p.43-65. Croácia: DIU Libertas International University, 2015.
KINSELLA, Stephan. A Critique of Mutualist Occupancy . Mises Wire. Auburn: Ludwig von Mises Insitute, 2009. Disponível em <https://mises.org/wire/critique-mutualist-occupancy>
KINSELLA, Stephan. Left-Libertarians on Rothbardian Abandonment . Mises Wire. Auburn: Ludwig von Mises Insitute, 2009. Disponível em <https://mises.org/wire/left-libertarians-rothbardian-abandonment>
KINSELLA, Stephan. A Libertarian Theory of Contract: Title Transfer, Binding Promises and Inalienability. Journal of Libertarian Studies, Volume 17, no 2, p. 11-37.Houston: Ludwig von Mises Institute, 2003.
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