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Pessimismo e as Revoluções de 1848

Tempo de Leitura: 15 minutos

Por Paul Gottfried

Historiadores há muito argumentam que existe uma conexão íntima entre o fracasso da agitação liberal na Europa e, pelo menos na França, da agitação radical de 1848 e a disseminação de valores pessimistas durante as duas décadas seguintes. György Lukács, em A Destruição da Razão, tratou desse ponto de forma extensa. Ele descreve a ascendente popularidade durante a década de 1850 de Arthur Schopenhauer, o mais sistemático e erudito intérprete dos pensamentos pessimistas, como “uma forma puramente burguesa de irracionalismo.”[1] O fracasso das revoluções de 1848 deixou muitos alemães politicamente frustrados. O resultado disso foi uma “situação ideologicamente alterada” na qual Schopenhauer “subitamente ficou famoso e substituiu Feuerbach como o líder ideológico da burguesia (alemã).” Além disso, os capitalistas franceses, assustados com as revoltas dos trabalhadores que aconteceram em Paris em junho de 1848, ajudaram a dar ao pessimismo seu “efeito internacional”. De fato, eles conheciam o desespero de seu mundo pelo que ele realmente era, “uma desculpa indireta” para seus próprios interesses econômicos. [2]

Cesare Vasoli, um marxista italiano, usa a mesma acusação em seu prefácio à edição italiana do livro O Mundo como Vontade e Representação de Schopenhauer. Também identificando il pessimismo com uma rejeição cínica do ímpeto revolucionário de 1848, ele o chama de “a máxima que nos ensinou a transformar o absurdo e os conflitos da ordem social ignorando a verdadeira razão, em favor da imagem fascinante de um universo totalmente irracional.”[3] Não é de se surpreender que Schopenhauer escreveu tanto sobre isso com “a teoria perfeita sobre o extremo desengajamento (social)” (disimpegno spinto)![4]

Democratas alemães modernos, que, assim como os marxistas, vasculharam o século anterior por oportunidades históricas perdidas, também focaram no desencanto da Esquerda Alemã depois de 1848. O retorno ao despotismo burocrático em Viena e à autocracia descuidada em Berlim em 1850 resultaram na desesperança de reformadores constitucionais daquele tempo sobre suas missões políticas. Um suposto sintoma dessas decepções foi o surgimento das ideias pessimistas.

Hajo Holborn, em Uma História da Alemanha Moderna, tentou fazer essa mesma acusação, mas sem seu “veneno” habitual. Enquanto negava que a “geração de 1850 abraçou o pessimismo pela desesperança causada pela derrota da revolução,” ele relacionou esse sentimento à expressiva inércia política.[5] O pessimismo, ao exaltar a filosofia e a arte acima da política, deu força ao racional da classe-média alemã sobre a “redução da vida humana à sua esfera privada, sem exceção à participação do indivíduo no processo político e social.”[6]

Entre essas críticas, parece haver algumas premissas comuns: de que Schopenhauer e outros escritores pessimistas eram amplamente lidos na década de 1850 porque desafetos liberais e radicais precisavam de algum tipo de escape da política, e que, uma vez que o pessimismo atendia essa necessidade, ele progressivamente calejou os homens quanto aos problemas sociais. Apesar do apelo dessas noções, nenhuma parece crível quando analisada de perto. Ambas mostram o problema de inferir uma relação causal entre eventos — neste caso, a reação a uma revolução frustrada e o surgimento do sentimento pessimista — apenas tomando como base sua proximidade no tempo.

As teses aqui discutidas têm pouca base documentada a qual podem recorrer. Isso se deve ao fato de seus defensores terem ferrenhamente resistido ao uso de dados, apoiando-se quase exclusivamente sobre suas próprias intuições. Sendo assim, eles argumentam da seguinte forma: a partir do fato de Schopenhauer ter ensinado que os mundos da natureza e da história eram simplesmente as aparências de uma vontade cega e universal, reformadores desapontados e capitalistas ansiosos podem ter se virado para ele para apoiar seu humor antissocial. Além disso, partindo de que Giacomo Leopardi, Leconte de Lisle e outros pessimistas do Século XIX zombaram do vazio das aspirações humanas, eles foram lidos na década de cinquenta por aqueles que desejavam ser absolvidos de suas responsabilidades políticas.

Esta especulação, no entanto, é altamente enganosa. Alguns dos mais comentados Schopenhauerianos e pessimistas de 1850 eram também radicais dedicados. Julius Frauenstädt, o mais próximo e ativo discípulo de Schopenhauer, trilhou seu próprio caminho nas questões sociais. Em 1848, ele escreveu tratados revolucionários em Berlim, mesmo enquanto seu professor protestava contra as multidões revoltadas em Frankfurt.[7] Otto Lindner, o primeiro jornalista convertido por Schopenhauer, combinou tendências políticas liberais com um anticlericalismo feroz.[8] E Leconte de Lisle, o principal poeta pessimista francês entre a década de 50 e 60, tornou-se um republicano durante sua juventude. Ele permaneceu assim até sua morte em 1896 e colocou na cabeça de seus seguidores, como Théodor Bainville, suas próprias visões políticas.[9]

Vale notar que Frauenstädt e de Lisle não viram nada de incompatível entre o pessimismo e o republicanismo, nem antes nem depois de 1848. Também é significativo que o defensor mais eloquente de Schopenhauer na França na década de 1870 era o naturalista e radical social Émile Zola.[10] Seu admirador russo mais importante era Tolstoy, que saudava seu ataque à luxúria sexual e à ganância material.[11] Ferdinand Brunetière, que popularizou o pensamento pessimista na França durante a década de 1880, apresentou Schopenhauer primeiramente como um professor de ética social. Guiado pelo princípio Cristão-Budista de autonegação, ele supostamente agiu para limpar sua época da “ilusão de que o homem é colocado na Terra para ser feliz.”[12] Brunetière definiu o pessimista como aquele que apaixonadamente brada sobre “a contradição entre o ideal e a realidade” e que apressa seus contemporâneos a removê-la.[13]

A partir dessa evidência, pode-se ver a dificuldade de associar o pessimismo à necessidade de escape dos revolucionários frustrados de 1850. Pelo contrário, pode-se encontrar outras formas de questionar essa associação, objetivamente o fato de que as ideias pessimistas, em especial na forma que Schopenhauer deu a elas, fizeram seu mais dramático percurso nas décadas de 80 e 90, não na de 50. Pode-se argumentar que Schopenhauer, depois de uma vida de negação, viu sua fortuna claramente diminuir antes de sua morte em 1860. Nos anos 50 e 60, há controvérsias, revelaram outros presságios de mudança. Franceses, como Arthur Gobineau e Ernest Renan, exploraram as implicações do determinismo biológico, frequentemente com resultados nebulosos, enquanto de Lisle cantava hinos ao Nirvana e Baudelaire à “mais vil das nossas iniquidades, o tédio.”

Por outro lado, os anos entre 1850 e 1870 ofereceram apenas uma amostra do transbordar de desespero filosófico do qual se ouviu falar durante o último quarto do século. Zola, Guy de Maupassant, Paul Bourget e Maurice Barrès foram apenas alguns dos novelistas franceses cujos diálogos literários abundam em aforismas pessimistas.[14] Alphonse Diétrich, tradutor de Schopenhauer, descreveu a recepção de seu trabalho entre os frances durante os anos 80 como uma “torrente intelectual trazendo vida e fertilidade de terras distantes.”[15] Em um longo monógrafo Alexandre Baillot demonstrou quão amplamente a influência de Schopenhauer afetou cada aspecto da literatura e academia francesas. Em 1878 Joseph Reinach, um racionalista fervoroso, reclamou que os perdedores da Guerra Franco-Prussiana haviam “se tornado os vitoriosos por consolo.” Em vez de se recolher com o orgulho ferido, eles permitiram que o inimigo contaminasse-os com uma “planta exótica”: o pessimismo alemão.[16]

Não é de se assustar que um povo orgulhoso, uma vez cabisbaixo, meditaria sobre a futilidade das lutas humanas. O que causou mais surpresa, porém, foi que seus conquistadores alemães foram igualmente entregues às sombrias contemplações, e isso em um período de unificação política e prosperidade econômica geral. Em 1876, um crítico proeminente notou que o pessimismo havia “envenenado a sociedade (alemã) até os ossos.”[17] Com relutância ele concedeu, no entanto, que essa crença “falasse por aquilo que jaz profundamente nas eras.”[18]

Certamente, esta última observação estava correta! Em 1867, Eduard von Hartmann (1842-1906), um oficial prussiano aposentado, publicou A Filosofia do Inconsciente, um ousado trabalho especulativo que sintetizou a vontade onipresente e irracional de Schopenhauer com um esquema da história essencialmente Hegeliano.[19] Hartmann incorporou suas últimas descobertas às ciências biológicas e físicas, teologia, estética e ainda mais à crítica socialista ao capitalismo industrial. Seu fardo era provar a luta contínua da inteligência consciente, especialmente no homem, para subjugar a raíz de toda a vida e miséria, a vontade inconsciente.[20] Ele terminou sua investigação impelindo aos seus leitores que convocassem um congresso mundial para frear a existência humana.[21]

Apesar desta proposta curiosa, A Filosofia do Inconsciente se tornou objeto de calorosas discussões na Alemanha e na França. Em 1876, ela havia recebido 7 edições alemãs, e o autor foi obrigado a escrever um prefácio para a última, apresentando as razões pelo seu imediato sucesso — em contraste com a negligência quase vitalícia dos pessimistas.[22] Schopenhauer também conquistou benefícios póstumos pela crescente resposta do público ao pessimismo. Já em 1874 Friedrich Nietzsche, um de seus admiradores, lamentou que uma grande massa de seguidores iria vulgarizar seus pensamentos em pouco tempo.[23] Por outro lado, seu grupo de adeptos atraiu para si artistas e pensadores de alto calibre. Entre eles estava Richard Wagner na música, Jacob Burckhardt na história, Nietzsche e Paul Deussen na filosofia e Wilhelm Busch, Frank Wedekind e Thomas Mann na literatura.[24]

Há, portanto, dois requisitos que nosso estudo sobre o pessimismo deve atender. Deve enfatizar mais o fim do Século XIX que o meio, e deve encontrar razões para um impulso pessimista tanto em nações triunfantes quanto derrotadas. Tendo como base os comentários feitos por observadores e aderentes do pessimismo, é possível arriscar pelo menos três motivos para a sua ascensão durante a segunda metade, e especialmente durante os últimos vinte anos, do Século. Um deles envolve o fato de que as classes financeira e industrialista que consolidaram seu poder econômico na Europa Ocidental por volta de 1850 se inclinaram cada vez mais sobre doutrinas pessimistas. Lukács estava correto em sua observação sobre essa tendência. Onde ele errou, contudo, foi em sugerir que o pessimismo da classe-média era uma defesa capciosa do capitalismo sob ataque. Charles Rémusat, um jornalista francês, refletiu já em 1860 sobre a quase ridícula sinceridade dos “vitoriosos do presente, culpando sua época por causar sua adoração à riqueza.”[25] Seu lamento, ele concluiu, podia ser relacionado tanto à insatisfação espiritual quanto à insegurança de serem forçados a posições de autoridade social que eles desconheciam. Independentemente do caso, no entanto, não foram os aristocratas resistentes ou os revolucionários, mas os arrivistas do Segundo Império Francês que se tornaram os mais escandalosos pessimistas.[26]

Em 1859 Adam Doss, um discípulo de Schopenhauer, falou de uma súbita “transformação interna” entre seus compatriotas.[27] Quinze anos depois, Johannes Huber, em um famoso comentário sobre o pessimismo, escreveu a respeito da revolta massiva da classe educada contra a tendência moderna de “santificar o aqui e agora.”[28] Permita-nos ressaltar que essa rejeição aos valores materiais — como um critério para o aprimoramento humano — não significou um desprezo pelas preocupações sociais. O que isso refletiu foi a saturação deixada pela mera aquisição material e, no caso dos alemães, o enclausuramento das esperanças sociais relacionadas à unificação política.

Rudolf Haym, um dos críticos mais virulentos de Schopenhauer, precisamente interpretou sua alta popularidade como sintoma de um crescente escárnio da economia alemã e suas aspirações nacionais.[29] Nietzsche, Burckhardt e outros Schopenhauerianos constantemente somaram suas críticas à cultura anti-intelectual a ataques ao nacionalismo. Além do mais, tal julgamento causou uma vívida impressão na classe-média alemã. Edmund Pfleiderer, um publicitário dos anos 1870, fez piadas com comerciantes e jornalistas que citavam Schopenhauer.[30] Eles estavam encantados por um filósofo que odiava o comércio e o jornalismo. Mais inacreditável que isso: eles imitavam seu crítico mais fervoroso, exclamando aos seus companheiros no jantar: “Tout notre mal vient de ne pouvoir être seuls!” (“Todo o nosso mal vem de não podermos estar sozinhos!”)[31] Pfleiderer jogava luz sobre a intensidade do auto-ódio da burguesia e da revolta contra o materialismo de seu tempo.

O que importa, porém, é que essa espiritualidade burguesa nunca levou a um reavivamento da religião tradicional em larga escala. Não é preciso ir longe para encontrar as razões disso. Pela última terça parte do Século, a Exegese Bíblica e a biologia evolutiva diminuíram a credibilidade de verdades reveladas em toda a Europa Ocidental. Mas os frutos da ciência com frequência tornaram as vidas mais rancorosas do que as fizeram evoluir. Em 1871 Renan, um evolucionista otimista em geral, caracterizou a natureza, por outro lado, como “pouco mais que insensibilidade absoluta, imoralidade transcendente.”[32] Ela se comportaria em relação à humanidade como “um tirano insano,” preservando seus genes ao abandonar o indivíduo à miséria de suas paixões.[33]

Tais dúvidas sobre a benevolência da natureza deprimiu pesadamente uma geração que teve sua fé religiosa abalada. Isso também causou muito do apelo que a ética pessimista teve no último século. Wilhelm Gwinner, contemporâneo e biógrafo de Schopenhauer, um Luterano devoto, admirava a filosofia pessimista pela sua defesa implícita do dogma cristão de pecado original.[34] Mas tal ideia seria inconcebível para os pessimistas que vieram depois. O Schopenhauer que eles leram tinha a proposta de substituir, não suplementar, o cristianismo. Apenas depois de passar por um período de questionamentos religiosos, Brunetière descobriu o Schopenhauer moralista com um entusiasmo pelas escritas evolucionárias de Renan.[35] Burckhardt também encontrou “o filósofo” após perder seu cristianismo — uma consequência da Exegese Bíblica.[36] E Paul Bourget, Nietzsche e, mais tarde, Wedekind sofreriam todos influências do pessimismo e do naturalismo no mesmo estágio de suas vidas.

A força da crença pessimista era que ela proporcionava não apenas um ataque ao que Burckhardt chamou de “o presunçoso e brutal otimismo” de sua época, mas que aparentemente seguia em linha com o pensamento científico. Frauentädt saudava Schopenhauer como um precursor de Darwin. De fato, sua imagem da vontade objetificando a si mesma em formas de vida cada vez mais elevadas por meio dos instintos e movimentos proporcionou uma antecipação lírica da ciência evolucionária.[37]

Não obstante, Schopenhauer e Hartmann buscavam profundamente por provas biológicas para seu voluntarismo e deixaram seus leitores cientes deste fato.[38] Para muitos deles, o pessimismo deu expressão às suas próprias atitudes conflitantes, uma demanda por comprovações científicas para suas convicções e uma nostalgia das religiões dos velhos tempos. Schopenhauer, Hartmann e Brunetière, todos tentaram fazer justiça a ambas atitudes; e suas tentativas de encontrar bases intelectualmente responsáveis para as virtudes cristãs como a auto-negação e a compaixão parecia unir o melhor de dois mundos.[39]

Ao mesmo tempo, contudo, o pessimismo não demandava lealdade rígida ou absoluta. Ele deixava seus seguidores livres para construir diferentes filosofias e estilos de vida, enquanto unia todos através de pouco mais que o apelo aos sentimentos comuns. Schopenhauer, durante sua vida, pediu por homens que o seguissem sem questionar, mas seus apóstolos, um grupo implausível de teólogos, céticos políticos e proto-Wagerianos, todos serviram-no a sua própria maneira.[40]

Essas diversas abordagens, no entanto, ajudaram a dar ao pessimismo um grupo ainda mais amplo de seguidores. Ao escrever sobre as razões da enorme fama de Schopenhauer, Frauenstädt comentou sobre seu empirismo e o desprezo pelas filosofias movidas por jargões acadêmicos, e Brunetière escreveu sobre sua graça e suas preocupações éticas. Ainda, ambos enfatizaram a amplitude de seu aprendizado, e certamente o catolicismo era uma de suas características mais notórias como autor.[41] Pessimismo, para Schopenhauer e depois para Hartmann, só poderia ser válido em proporção ao seu avanço sobre todos os ramos do conhecimento. Como o sistema Hegeliano ao qual ele se opunha, ele deveria ser relevante a tudo — ou, caso contrário, não seria relevante a nada.

Por conta dessa perspectiva ampla, contudo, muitos estudantes do pessimismo desconsideraram sua coesão interna. Baillot mencionou que sua atração pelos littérateurs franceses no último século tinha mais a ver com suas “possibilidades temáticas” do que com a força dos argumentos de Schopenhauer ou de Hartmann.[42] Portanto, autores tão diferentes em seus valores sociais e culturais como Zola, Bourget e Barrès, criaram livremente a partir de um arcabouço comum de insights. Deve-se acrescentar que cada um encontrou sua própria declaração de crença entre eles.[43]

Havia, porém, outro uso ao qual o pessimismo se prestou, e isto foi a pedra basilar de um sistema de valores mais conclusivo. Em Schopenhauer as Educator (1873), Nietzsche exaltou seu mestre por convocar os ousados a superarem-no.[44] Três anos depois, ele já se sentia confiante o suficiente para estilizar o pessimismo “simplesmente como um estágio da cura do espírito livre.”[45] Schopenhauer estava certo ao falar sobre a incapacidade de se ater à felicidade e ao aclamar a música e a tragédia como veículos para a contemplação desinteressada da vontade. Por outro lado, ele errou ao subestimar a vida por conta de seus tormentos. O que ele devia ter feito era “afirmar o ser, não negá-lo.”[46] O destino do espírito livre é criar no sofrimento, mesmo a ponto de abrir mão da máxima Socrática de que o “conhecimento deve nos trazer felicidade” ou seu equivalente Schopenhaueriano de que a verdade e evitar dor são a mesma coisa.[47]

O pessimismo teve um papel de transição de igual importância na evolução de outros pensadores. Deve-se mencionar Burckhardt, que aderiu à ética de Schopenhauer nos anos 70 em resposta à sua própria “época da decadência romana.”[48] O seu desespero sobre o nível social e cultural, que veio como consequência, fez sumir sua crença na possibilidade de uma “missão pessimista” na Europa. Um crítico Schopenhaueriano mais turbulento foi Wedekind, que chocou a Alemanha Wilhelmiana com seu dramático tratado da sexualidade. Suas primeiras obras, como Springtime Awakening (1891), proclamavam uma ética de preenchimento sexual em desafio aos tabus religiosos.

A indignação moral em seu primeiro drama, contudo, eventualmente causou uma incerteza desesperada. Wedekind acreditara que a vontade de Schopenhauer era o “determinante fatídico inescapável da vida” e que estava imediatamente presente na atividade erótica.[49] Depois, surgiu o questionamento de que os homens eram sempre enganados, nunca conscientes da vontade e que a sexualidade servia apenas para preservar essa relação. Ao fim de sua carreira, o roteirista se tornou cético a todos os valores, e desdenhava dos direitos que ele outrora defendera.[50]

Havia também outros sinais do limite do pessimismo. Na França, Paul Bourget trocou Hartmann e o naturalismo por uma descoberta da fé católica.[51] Trinta anos depois, Brunetière seguiu seu exemplo — após fracassar em seu plano de construir uma nova religião mundial sobre a ética pessimista.[52]; Maurice Barrès, que exaltou Hartmann em seu primeiro romance, Le Culte de Moi, submeteu-se a uma odisseia ainda mais marcante.[53]

Por volta dos anos 80, ele ficou descontente com o egoísmo artístico e a postura característica de seus trabalhos anteriores. Então começou a buscar algo mais eticamente atrativo, “um axioma, princípio dos princípios dos homens.”[54] Seus romances posteriores, como Sous l’oeil de Barbare, mostra onde sua busca levou. Permeando-os há um misticismo nacionalista francês que evoca a paisagem e as ruínas de seu país. O que está representado pelo seu fervor patriótico, no entanto, é o antigo amor de Barrès, a filosofia alemã. Suas pobres abstrações e o desprezo pela imaginação histórica estavam supostamente desmoralizando o caráter francês.[55]

Tais exemplos revelam a adaptabilidade do pessimismo às necessidades dos pensadores franceses e alemães do fim do Século XIX. Conforme as demandas da ciência e da modernidade vieram para atingir suas existências, daí resultou uma crise em suas crenças. Seus efeitos foram mais sentidos na Europa Ocidental durante a última metade do último século, e a crise lançou o povo em uma missão por novas certezas.

Não é surpresa que muitos dos que foram afetados abraçaram o pessimismo por um tempo. Isso deu algo a ambos os lados de suas tensões espirituais, enquanto fazia surgir o questionamento sobre o propósito de suas vidas que foram subitamente desprovidas de significado. Assim, para retratar o crescimento do pessimismo, é imperativo adicionar mais um elemento à nossa imagem da autorrejeição e dos valores desintegrados da classe-média. É uma promessa do pessimismo oferecer determinação àqueles que ainda estão em transição espiritual. Como mencionamos, a aceitação dos homens a este remédio não implica necessariamente em uma apatia política a suas partes. Em muitos casos, as ideias pessimistas até ressaltaram ou intensificaram algumas formas de preocupação social.

Mas quando este não era o caso, ainda não há motivo para tratar o pessimismo como uma mera “desculpa indireta” pelas desigualdades humanas. Para negar a alguns homens o direito de dar mais peso às questões filosóficas do que aos problemas da reforma social engaja-se em um esnobismo intolerável. Mas o que é pior, convida-se desastres intelectuais. Encoraja-se os historiadores a cometer dois graves erros: tentar impor seus próprios valores a outras épocas e acusar qualquer um que não compartilhasse desses valores de serem desonestos, estúpidos ou ambos.

A relação entre o pessimismo e as consequências das revoluções de 48 refletem esses erros. Seus defensores esperam explicar o fracasso da reforma da classe-média pós-revolucionária apontando a um movimento que a ofende ideologicamente. Sua tentativa de desenhar uma relação causal é menos que convincente, porém; por entenderem tão mal a natureza quanto o impulso do movimento apontado, eles são forçados a se basear em palpites para dar crédito a seus vieses. Talvez seja hora de abandonar tais especulações — ou pelo menos encontrar alvos para nossas brigas políticas que se encaixem melhor.

Traduzido por Pedro Teressan


[1] Gyorgy Lukács, Werke (Berlin, 1962), IX, 172. O uso de “irracional” por Lukács para descrever quase todo o pensamento alemão pós-Hegeliano, não-Marxista, parece muitas vezes um recurso ritualístico e de auto-defesa tal qual a referência da Igreja Medieval aos “judeus de pescoço erguido.”

[2] Ibid., pp. 180 e 181.

[3] Cf. II Mondo come Volontà e Rappresentazione (Bari, 1968), I, xi.

[4] Ibid., pp. xi e xii.

[5] Hajo Holborn, A History of Modern Germany (New York, 1969), III, 121. 

[6] Ibid., p. 122.

[7] Cf. dissertação de Hermann Berger, Julius Frauenstädt (Rostock, 1911), especialmente pp. 10-12.

[8] Veja a carta de Lindner de introdução ao professor Arthur Schopenhauer, Sämmtliche Werke, ed. Paul Deussen (Munich, 1929), V, 18. 

[9] Para a vida de de Lisle, veja Irving Putter, The Pessimism of Leconte de Lisle (Berkeley and Los Angeles, 1954); para a tentativa do poeta de reconciliar o pessimismo com uma visão de mundo global, cf. La dernière Illusion de Leconte de Lisle, Lettres Inédites à Emile Leforestier, ed. Irving Putter (Berkeley, Calif., 1968), p. 109.

[10] Cf. Alexandre Baillot, Influence de la Philosiophie de Schopenhauer en France (1860-1900) (Paris, 1927), pp. 225-227; Richard Gebhard, Über den Einfluss Schopenhauers auf die schöne Literatur, Jahrbuch der S. Gesellschaft (Heidelberg, 1928), XV, 328. 

[11] Baillot, pp. 2 e 3. 

[12] Ferdinand Brunetière, Questions de Critique (Paris, 1896), p. 155. 

[13] Cf. peça de Brunetière em Revue Bleue, No. 5 (January 30, 1886), p. 138.

[14] K. W. Swart, The Sense of Decadence in Nineteenth-Century France (The Hague, 1964), pp. 138 e 139. 

[15] Veja a tradução de Alphonse Dietrich à obra de Schopenhauer Parerga (Paris, 1877), p. vii. 

[16] Cf. Revue Bleue, No. 44 (May 4, 1878), 1041. 

[17] Johannes Huber, Der Pessimismus (Munich, 1876), p. 5. 

[18] Ibid., p. 72; veja também a obra de Wilhelm Busch, Arthur Schopenhauer (Munich, 1878), p. 237.

[19] Para uma defesa flamboyant da síntese de Hartmann, A. Taubert, Der Pessimismus und seine Gegner (Berlin, 1873). 

[20] Eduard von Hartmann, Die Philosophie der Unbewussten (7th ed.; 2 vols; Berlin, 1876). 

[21] Ibid., II, 403-407. 

[22] Ibid., introdução ao Vol. I; veja também a complicada comparação entre Schopenhauer e ele mesmo na coletânea de peças, The Sexes Compared and Other Essays, trad. A. Kerner (London, 1895), p. 146. 

[23] Nietzsche, Werke (Leipzig, 1906), II, 292. 

[24] Ingrid Kraus, Studien über Schopenhauer und den Pessimismus in der deutschen Literatur des XIX Jahrhunderts (Bern, 1931).

[25] Revue des deux Mondes, 1 August 1860, p. 732. 

[26] Ibid., pp. 729-731. 

[27] Schopenhauer, Sämmtliche Werke, V, 701. 

[28] Huber, p. 90. 

[29] Rudolf Haym, Arthur Schopenhauer (Berlin, 1864). 

[30] Edmund Pfleiderer, Der moderne Pessimismus (Berlin, 1875), pp. 28-30.

[31] Ibid., p. 23. 

[32] Ernest Renan, Dialogues et Fragments Philosophiques (Paris, 1876), p. 30. 

[33] Ibid., p. 30; pp. 19-27. 

[34] Cf. Carl Gebhardt, vita of Gwinner in Jahrbmh der S. G. No. 8 (1919), 208-227.

[35] John Clark, La Pensée de Ferdinand Brunetière (Paris, 1954), especialmente pp. 12-20. 

[36] Eric Heller, The Disinherited (New York, 1959), pp. 85-88.

[37] Veja especialmente Frauenstädt, Briefe über die Schopenhauer’sche Philosophie (Leipzig, 1854) e Das sittliche Leben (Berlin, 1868) para duas tentativas de colocar o entendimento vitalista da natureza de Schopenhauer no contexto da biologia evolucionária.

[38] É interessante notar a representação desproporcional de físicos e cientistas da natureza entre os primeiros contribuidores da Gesellschaft de Schopenhauer (feita em 1911), bem acima de um terço. Cf. Jahrbuch der S. G. No. 1 (1911), 105-112 para a lista de taxas. 

[39] Leia a declaração de Brunetière sobre esse ponto em Revue Bleue (30 January 1886), pp. 138-144; e Huber, pp. 82-90. 

[40] Para as discussões de Schopenhauer com seus discípulos, veja Sämmtliche Werke, V, 152-156 e 365-372.

[41] Para exemplos de sua versatilidade intelectual (e sagacidade feroz), cf. os ensaios e aforismas em Sämmtliche Werke, ed. A. Hubscher (Wiesbaden, 1948), Vols. V e VI. 

[42] Baillot, p. 327. 

[43] Ibid.; e o estudo de Gebhard em Jahrbuch der S. G., pp. 328 e 329. 

[44] Nietzsches Werke, II, 214. 

[45] Ibid., Ill, p. 46. 

[46] Ibid., VIII, p. 413. 

[47] Cf. Karl Lowith, Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkehr des Gleichen (Stuttgart, 1956), para um estudo da apoteose de Nietzsche sobre o sofrimento do herói na história e na arte.

[48] Veja Burckhardt, Briefe, ed. F. Kaphan (Leipzig, 1935), pp. 327, 340, e 493; e o retrato de H. J. Schoeps dos historiadores durante seus últimos anos em Gestalten an der Zeitwende (Berlin, 1936), pp. 7-23. 

[49] Citado em Paul Fechter, Frank Wedekind (Jena, 1920), p. 18. 

[50] Ibid., pp. 59-64; e a cena final de Der Tod und der Teufel em Wedekind, Gesammelte Werke (Munich, 1922), V, 32-36. 

[51] Baillot, p. 313. 

[52] La Pensée de F. B., pp. 117-120. 

[53] Le Jardin de Bérénice (Paris, 1894), p. 9. 

[54] Sous I’oeil des Barbares (Paris, 1892), p. 20.

[55] Ibid., pp. 17-19; e E. R. Curtius, M. B. und die geistigen Grundlagen des französischen Nationalismus (Bonn, 1921).

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