Aos Tradutores
Dúvidas ao se traduzir diversas palavras do inglês ao português sempre surgem conforme o tradutor vai avançando nos textos, a língua nunca é totalmente fechada por nós, a língua é expressão da vivência, e a vivência nunca é totalmente fechada, apontada, delimitada, mas sim é instável, na vivência estamos nós sempre em jogo. A língua, enquanto sendo falada, e sendo falada é fala sobre o mundo de nossa vivência, não pode ser um sistema totalmente fechado: novas palavras surgem, vocabulários se agregam, nós descobrimos palavras novas para nós, mas que para outros nem tão novas são assim, às vezes também, como é o caso da palavra aqui discutida, há palavras sobre cujos elementos inclusive se discute: seus possíveis significados para uso e ortografia. Pois bem, o presente texto é quase que metalinguístico: busca falar sobre… palavras! Na verdade uma palavra, uma em específico: praxiologia, ou será que é praxeologia?
Essa discussão pode parecer trivial para muitos leitores aqui do texto, mas para aqueles que se preocupam com ortografia correta, em especial os que trabalham com tradução, esse texto não prescinde de ser importante.
Em gramática da língua portuguesa, assim como na gramática de diversas outras línguas, o principal critério para a validade de uma afirmação sobre a gramática e suas regras é o que comumente se chama de critério de autoridade, que consiste basicamente em elencar algo que se coloque como autoridade (no sentido amplo da palavra) e a partir disso defender seu ponto. Obviamente, essa autoridade possui fundamento em algo e, no caso da gramática, as regras gramaticais são retiradas do uso recorrente da palavra, e do seu enquadramento de uso pelos diversos agrupamentos de pessoas que falam tal língua, agrupamentos esses que variam tanto geograficamente quanto economicamente e que se dispõem de diferentes vocabulários conforme a situação específica na qual estão inseridos, em sentido estrito, portanto, não existe um português que esteja errado senão em relação ao que se chama de norma culta, que é colocada como sendo um modo preferível de se falar a língua
Desse modo, a fins de resumo, podemos colocar os seguintes como possíveis critérios ou “locais” de validação:
Autores consolidados e grandes obras (contanto que estejam historicamente de acordo com o atual uso da língua)
Gramáticos e Linguistas (autoridade, academia)
Senso-comum (palavra tal como é usada atualmente e em seu contexto recorrente)
A classificação acima foi feita de forma despretensiosa, e a colocação de com objetivo somente de elucidar os possíveis modos pelos quais aqui se obterá validação do ponto aqui defendido de que a correta grafia da palavra é “praxiologia”(e que o autor do artigo considera os mais recorrentes em geral para tal fim).[1]
A Formação de Palavras
Um substantivo, ou em verdade todas as palavras, são formadas pelo que chamamos de morfemas, morfemas são as menores unidades que formam as palavras, classifica-se em língua portuguesa os seguintes tipos de morfemas: raiz, radical, tema, afixos (prefixos, sufixos), desinências, vogal temática, vogal e consoante de ligação, nem todas as palavras necessitam de possuir todas, mas são esses todos os morfemas possíveis que uma palavra pode ter em português.
As palavras que chamamos de derivadas, em oposição às primitivas ou derivantes, que são as palavras que causam as derivadas, também possuem diversos processos de formação, que são reunidas pelos seguintes agrupamentos de modos:
- Derivação: Adiciona-se prefixos e sufixos, por exemplo: solar. A palavra solar é formada através da junção de um sufixo ao radical: “sol” é o radical e “-ar” é o sufixo.
- Composição: palavras que são formadas pela junção de radicais, e.g.: guarda-chuva. A palavra guarda-chuva é formada por dois radicais: guarda + chuva
- Neologismo: processo em que são criados novos termos para suprir alguma lacuna de significado. Um exemplo é a palavra “juridiquês”, que se refere à linguagem utilizada por juristas.
- Hibridismo: O hibridismo também é um processo de formação de palavras. Esses termos são formados com elementos de idiomas diferentes, por exemplo, “sociologia” (do latim, “sócio” e do grego “logia”).
A formação da palavra “Praxiologia”
“Praxiologia” ou, por enquanto, “praxeologia”, é um termo que exprime uma disciplina: a ciência ou estudo da ação humana, em seus caracteres essenciais e últimos, em seus fundamentos.
É um termo que tem dois componentes: Práxis e logos; ambos remontam a étimos gregos: πράξις e λόγος. Assim, o termo “praxeologia” corresponde, no que diz respeito a sua formação: à teo-logia, bio-logia, etc., termos que exprimem respectivamente as ciências de Deus e da vida, do mesmo modo expressa a praxiologia a ciência da ação, no caso da ação humana.
Praxiologia é um termo derivado, cuja palavra primitiva é Práxis, e é formado por aglutinação ao sufixo logia. Em português, temos a seguinte regra: preserva-se a última vogal átona da palavra da qual se deriva, a palavra da qual se deriva praxiologia é praxis, retira-se, portanto o “s”, fica somente “praxi”, adiciona-se a vogal de ligação “o” + o sufixo “logia” e temos então, “praxiologia”. Portanto, temos conforme a seguinte figura:
Portanto, a grafia em português do que comumente se escreve como “praxeologia” ser “praxiologia” não é uma forma errônea de se escrever e, ainda mais, segundo as regras de formação de palavras, é esta a única forma justificada dentro das regras da língua portuguesa de se escrever tal termo. [2]
Em outras línguas, como no inglês ou no alemão, de fato a grafia dos equivalentes de “praxiologia”, respectivamente praxeology e praxeologie, não é errôneo, a justificativa para tal estando nas regras de cada língua, mas a tradução de tais termos para praxeologia em português não possui justificativa senão (salvo a de querer manter proximidade com o autor) a de ser um anglicismo, e que não possui fundamentos dentro das regras da língua portuguesa.
Assim, espero que a escrita de “praxiologia” esteja justificada, em especial nas traduções feitas de Ludwig von Mises e de outros economistas da Escola Austríaca, que muito se utilizam de termos como praxeology e praxeologie, em seus escritos econômicos.
Pode-se pensar, novamente, em qual foi a utilidade desta discussão, e de fato até eu me pergunto qual foi. De todo modo, o propósito deste pequeno escrito foi antes de tudo desambiguar o que estava ambiguo, e afirmar a posição de um tradutor acerca da tradução de um termo, a saber, “praxeology” e seus equivalentes em outras línguas, para “praxiologia”, mas o principal aqui foi feito, e espero que não se tenha “praxiologia” como um erro de tradução mas sim como uma grafia da palavra que está plenamente justificada e é a única justificada dentro dos critérios da língua portuguesa falada e escrita.
Não se esqueça de conferir as obras traduzidas pela Editora Konkin, há nelas também uma série de novos termos cujas justificativas podem ser trazidas à escrito mediante dúvida apresentada, espero que este texto tenha sanado a questão.
Notas
[1] Obviamente aqui não se exclui também o próprio uso da razão humana, de nossa capacidade de raciocinar, tais critérios só conseguem ser válidos mediante as regras dentro das quais a própria razão humana opera, e portanto qualquer objeção e acusação de “positivismo” ou de “academicismo” aqui está derrubada.
[2] Consultar, Carlos Nougué, Suma Gramatical da Língua Portuguesa, pp. 162-170. Para aqueles que desejam consultar as fontes das categorizações aqui postas, consulte Carlos Nougué, Suma Gramatical da Língua Portuguesa, Quinta Parte, IV e V.
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