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A economia como Ciência Social¹

Tempo de Leitura: 18 minutos

》Por Ludwig M. Lachman

Na tentativa de delinear as principais características da Economia, manterei uma tese tripla:

  1. que a Economia é uma Ciência;
  2. que se trata de uma ciência social;
  3. que se trata de uma ciência social analítica.

Ao dizer que a Economia é uma Ciência, quero dizer que os economistas tentam estabelecer generalizações sistemáticas sobre fenômenos observáveis.

A economia lida com a vida real

A verdadeira natureza da verdade, o fundamento último da existência humana, o critério universal do Bem e da Beleza, são a província do filósofo, não do cientista. Por isso, a razão pela qual o economista, como economista, deve se abster de fazer juízos de valor. Ele se preocupa com o Mundo como ele é, não como o Mundo deveria ser. Sobre o que deveria ser, os homens sempre discordarão. Argumentos deste tipo não podem ser resolvidos por um apelo à razão e à experiência, pois cada juízo de valor pressupõe outro juízo de valor de ordem superior e, portanto, não pode ser sustentados sem um apelo aos fundamentos últimos da existência humana. Cada discussão de um problema de valor inevitavelmente leva a um problema metafísico, o tipo de problema do qual o cientista precisa fugir.

O objetivo da Ciência Econômica é a Ação Humana, uma classe de fenômenos observáveis. Mas antes que possamos começar a estudar suas características, temos que compreender possíveis objeções. Pode haver uma ciência que não seja “determinista”? Se não, como pode uma ciência da ação humana ser reconciliada com nossa consciência de Livre-arbítrio? Acredito que esta objeção possa ser atendida, mas o problema é, sem dúvida, uma questão séria. Ao respondê-la, devo, pelas razões que acabaram de ser apresentadas, me manter afastado da profundidade filosófica do problema do Livre-arbítrio. Eu simplesmente assumirei que, em se tratando de assuntos humanos, o Livre-arbítrio é uma hipótese útil que até o momento não foi invalidada. É, de fato, como hipótese, universalmente aceita, mesmo por aqueles que professam não acreditar nele, pois de que forma poderiam participar das discussões sem a consideração de serem meros gramofones humanos emitindo ruídos estranhos, mas irrelevantes, e como eles poderiam esperar “convencer” alguém?

Felizmente, há uma saída para nosso dilema. Ela se situa na distinção entre meios e fins. Ao escolher os fins, somos livre. A escolha é de fato uma manifestação do Livre-arbítrio. Mas há fins incompatíveis, como no caso de dois fins irreconciliáveis, algo significativo no campo econômico. Aqui, ao fazer uma escolha, eliminamos a possibilidade de outra. Ainda, os meios à nossa disposição são quase sempre limitados e isso estabelece adicionais limites à nossa escolha, impedindo que os problemas econômicos na Terra de Cockaigne nos advenha. Mas é importante entender que caso esses meios sejam do tipo que não nos deixam escolha, também não existe nenhum problema econômico. A natureza da atividade econômica reside no fato de que temos possibilidade de alguma escolha, até o ponto dos meios à nossa disposição possuírem usos alternativos. Desta forma, a liberdade de escolha e a determinação impostas sobre nós por nossos limitados recursos podem ser reconciliados. “A economia é a Ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que possuem usos alternativos”, conforme a conhecida definição do professor Robbins.²

Resta esclarecer a diferença entre problemas técnicos e problemas econômicos. Os problemas técnicos também podem ser indicados em termos de meios e fins, mas eles só surgem quando temos um fim e mais de um meio. Como produzir ouro é, portanto, um problema técnico; mas decidir entre produzi-lo ou devotar nossos recursos a outros fins é essencialmente um problema econômico. É a possibilidade de escolha que assim o torna.

Os métodos e suas respectivas ciências

A segunda parte de minha tríplice tese sustenta que Economia é uma ciência social distinta das ciências naturais. Eu me apresso para salientar que o critério de distinção não reside na natureza dos objetos estudados. Seria errado pensar que o “Homem” constitui um campo de estudo intrinsecamente separado da “Natureza”.

As ciências naturais do Homem podem existir e existem: Anatomia e Fisiologia são exemplos óbvios. Mas é uma falácia materialista acreditar que a natureza material dos objetos estudados determina os campos das diversas ciências. A busca por conhecimento consiste em fazer uma série de perguntas as respostas para as quais tentamos relacionar umas com as outras. E são as relações entre os problemas assim levantados, e às vezes resolvidos, e não qualquer relação entre objetos materiais, que constituem o campo de cada ciência.³

A diferença entre as ciências naturais e sociais, portanto, reside na natureza das perguntas que elas fazem. Eu defini o método de Economia em termos de meios e fins. Mas meios e fins não possuem existência “material” mensurável. Eles são categorias da mente. O ângulo a partir do qual os economistas se aproximam de seus problemas assume a forma de uma classificação geral de meios e fins. Para eles, todos os fenômenos econômicos precisam, em primeiro lugar, ser interpretados como manifestações da mente humana, de decisões para buscar certos fins com determinados meios.

Isto significa que, entre os fenômenos observáveis que os economistas, assim como outros cientistas, tentam relacionar, as decisões humanas desempenham um papel muito importante. De fato, os negócios do economista consistem em pouco mais do que perguntar quais escolhas humanas causaram um determinado fenômeno, digamos, uma mudança no preço, ou na produção, ou no emprego.

Mas por trás dessas escolhas não devemos ir. O motivo da moda feminina mudar mais rapidamente do que a moda masculina, ou de mais pessoas preferirem a música de Irving Berlin a de Stravinsky, em vez do contrário, não é da nossa conta. As consequências econômicas (implicações, se preferir) da escolha uma vez feita, não as causas psicológicas, pertencem à província de Economia.⁴

A diferença entre as ciências naturais e sociais pode ser ainda ilustrada pelo diferente papel desempenhado por noções que originalmente eram comumente usadas em ambas.

O conceito de “Objetivo”, por exemplo, foi há muito descartado pelas ciências naturais mais antigas, como a física, e tem sido expulso da biologia. No entanto, continua sendo uma indispensável ferramenta nas ciências sociais. Com relação à ação humana, uma abordagem puramente comportamentalista não pode responder a nenhuma das nossas perguntas. Certamente não pode explicar, ou seja, tornar inteligível, um único ato humano, muito menos uma série complexa de atos de produção e troca.

O mesmo se aplica à “continuidade do ambiente”. Nas ciências naturais, este é um axioma. A “uniformidade da Natureza” tem há muito sido reconhecida como a base lógica da inferência indutiva. Natura non facit saltus. Mas nas ciências sociais, onde, é claro, também temos que assumir alguma continuidade do ambiente, esse não é um axioma. Sua base lógica é aqui uma suposição sobre propósitos, e tal pressuposto pode, em um caso concreto, ser falsificado. Quer liguemos o rádio, enviemos uma carta ou esperemos por um trem, em cada caso, nossa conduta é guiada pela suposição implícita de que os propósitos ontem perseguidos pelos homens no ambiente social em que vivemos continuarão a inspirá-los hoje. A probabilidade que atribuímos a tais suposições é evidentemente algo completamente diferente daquela com a qual esperamos a Lua se levantar a noite. Uma greve geral, por exemplo, perturbaria nossas suposições no primeiro caso, enquanto a Natureza, em termos gerais, não entra em greve.

A ideia de Causalidade se enquadra na mesma classe de noções descartadas pela ciência natural moderna, mas que a ciência social deve reter. As próprias “conotações antropomórficas”, que tornam o conceito tão suspeito aos olhos dos cientistas modernos, ansiosos para expurgar sua terminologia de tudo o que não for “observável”, a torna valiosa para nós. Afinal de contas, estamos preocupados com o “antropomórfico”. Para nós, não é verdade que tudo o que podemos observar são as uniformidades de sequência entre “eventos”. Nosso objeto de estudo é o padrão de relações entre as decisões tomadas e a realização prática destas decisões: a coordenação de meios e fins. Para nós, a categoria “meios e fins” é logicamente anterior a qualquer observação que façamos, bem como os fenômenos que observamos não são apenas “eventos” em si mesmos sem sentido. Para nós, nossas observações se dividem simultaneamente em duas classes distintas: decisões humanas e todos os outros fenômenos sociais. E na medida em que as decisões têm de ser tomadas antes que possam ser realizadas e ter consequências, temos o direito de considerá-las como causas sociais.

Que a tomada de decisões, a coordenação dos meios e fins, assume a forma de processos mentais, é claro, não significa que não é algo “observável”. Sem a suposição de que nós e nossos colegas, em termos gerais, “sabemos o que estamos fazendo”, não apenas não poderia haver ciência social, como não poderia haver vida social. O cientista social, podemos concluir, não apenas descreve, mas explica fenômenos sociais, reduzindo-os a atos da mente. Podemos, portanto, dizer que as “causas” destes fenômenos são nossas escolhas, coordenadas sob a forma de planos.

Estes planos podem, é claro, falhar. Poucas coisas acontecem de acordo com o planejado. Na guerra, por exemplo, nada acontece; mesmo para o lado vitorioso. Não deixa de ser verdade que o resultado de uma guerra é o resultado cumulativo dos planos conflitantes de ambos os beligerantes. Poderia alguém descrever o curso de uma guerra a não ser em termos dos planos rivais adotados sucessivamente; apesar de todos eles terem sido fracassados? Podemos, portanto, concluir que causa e efeito, bem como meios e fins, são categorias fundamentais das ciências sociais.

Em comparação com as ciências naturais, as ciências sociais são, em alguns aspectos, inferiores; em outros, superiores. A inferioridade repousa em sua incapacidade de prever e controlar. Como a ação humana é governada pela escolha, e escolhas são livres, não há como prever nossas ações. Todas as tentativas de contrabandear a previsibilidade pela grande porta dos fundos rotulada “a Lei dos grandes números” estão fadadas ao fracasso, uma vez que os eventos humanos não têm a qualidade de “aleatoriedade” essencial para este fim. A essência da vida social consiste no fato dos homens virem a conhecer uns aos outros e modificarem suas condutas de acordo com tal conhecimento. A ação humana, dirigida por conhecimento adquirido nesse processo de intercomunicação, que é a própria textura da sociedade, nunca pode ser considerada “aleatória”.

Também não pode haver “controle” no pleno sentido científico do termo. Um zoólogo, fazendo uma experiência de reprodução com cobaias, não precisa considerar se as cobaias, sabendo que elas estão sendo observados, mudarão seus hábitos de criação. Mas um político que experimenta uma tributação ou medidas de controle de importação logo descobrirá que os objetos de suas experiências são guiados em suas ações por palpites inspirados no tempo que ele permanecerá no cargo.

Eu disse que não pode haver controle no pleno sentido científico da palavra. Não quero ser mal interpretado. Nada está mais distante de minha intenção do que negar a possibilidade de controle social. O essencial é que o controle social requer a cooperação daqueles cujas ações devem ser controladas. E cooperação, assim como qualquer outro tipo de ação, requer um contínuo esforço da vontade humana. Sem ela, o controle não poderá ser bem-sucedido.⁵

Não quero negar a possibilidade do que eu chamaria “previsão negativa”, com base na inconsistência. Se um economista observa que um governo tenta, simultaneamente, reduzir o custo de vida e criar um excedente de exportação, ele poderá prever que uma dessas ações será um fracasso. Para desvendar tais inconsistências e avisar o público dos planos irrealizáveis que o político se propõem a fazer, é, em todos os países, talvez o dever público mais importante dos economistas em nosso tempo.

Com contribuições tão magras e inexpressivas para o progresso, em que reside a superioridade das ciências sociais? No fato de que elas podem ir além da mera descrição e correlação, e tornar o mundo social inteligível por meio da redução da ação humana até sua causa final irredutível: escolha humana. As ciências naturais, afinal de contas, adotaram seus métodos atuais após séculos em uma busca vã por causas finais, não por mérito, mas por desespero. Não consigo ver nenhuma razão convincente para nós, que estamos em uma posição mais afortunada, seguirmos sua liderança. Nunca saberemos por que rosas cheiram como cheiram, mas não vejo nenhum obstáculo intransponível para saber porque um perfume, digamos, Chanel No.5, cheira como cheira. No segundo caso, podemos perguntar aos criadores o que eles tinham em mente; no primeiro caso, não podemos. Nas ciências sociais, a busca por causas finais é um empreendimento significativo, e nisto reside sua superioridade.

A ciência social analítica

A terceira parte da minha tese se refere à economia como uma ciência social analítica, por oposição às ciências sociais descritivas, ou a História. Em um momento voltarei à importantíssima relação entre Economia e História. Antes de fazer isso, no entanto, devo salientar que o único método de sucesso das ciências sociais analíticas é o método “compositivo”.

O modus operandi de todas as ciências consiste em analisar fenômenos complexos em seus elementos. Quando não causalidade, mas correlação, é o tipo de relação sob investigação, seu grau pode fornecer o padrão de comparação. Mas onde a causa é nossa busca, os elementos de nossa análise devem ser as causas do fenômeno observado. Somente onde pudermos conhecer todas as condições necessárias e suficientes, poderemos afirmar ter entendido todos os elementos do problema.

O caráter lógico da relação entre um fenômeno e seus elementos levanta, é claro, uma série de questões cruciais com as quais eu não preciso lidar aqui. Mas, pelo menos, o mais fundamental aspecto desse problema requer algum comentário. A pergunta foi colocada: com que direito aplicamos a lógica de nossas mentes para os fenômenos externos da natureza? Há, é claro, um grande número de respostas a esta pergunta, nem todas elas consistentes nelas mesmas; poucas consistentes umas com as outras. Mas onde a Ação Humana concerne, felizmente o assunto é muito mais simples, pois a Lógica com a qual pensamos é também a Lógica com a qual agimos. Como o professor Mises colocou: “A Ação Humana provém da mesma fonte de raciocínio humano. Ação e razão são congêneres e homogêneas; podendo até mesmo ser chamadas de dois aspectos diferentes da mesma coisa. Essa razão tem o poder de deixar claro, por meio do puro raciocínio, que as características essenciais da ação são consequência do fato da ação ser um ramo da razão.”⁶

A Lógica de Ação é essencialmente uma Lógica de Sucesso. Começamos imaginando um estado de coisas desejado como o objetivo de nossa ação, e chamamos essa realização de “sucesso”. Em seguida, procedemos para eliminar todos os cursos de ação que, na situação em que nos encontramos, seriam inconsistentes com esta conquista. O que resta é o curso de ação que tomamos.

Não é difícil adivinhar que serei acusado de excessivo racionalismo metodológico. “Onde”, serei provavelmente questionado, “existe espaço para os aspectos não racionais do comportamento, como costume e hábito, como a força avassaladora da paixão e a influência generalizada da inércia humana?” A resposta a esta objeção é que, ao fazer uma escolha, seja ela qual for e também seus motivos, o ponto de partida de nossa análise já atendeu estas objeções. Não as causas psicológicas das decisões humanas, mas suas consequências lógicas formam o objeto das ciências sociais analíticas.

O número de horas trabalhadas em uma comunidade é, via de regra, fixada por costume, mas certamente tem um efeito econômico: determina a magnitude da produção. A remuneração dos funcionários é determinada fora do mercado; permanece, não obstante, seu efeito sobre a oferta e a demanda de seus serviços. O mais ardente tradicionalista, que considera sua principal vocação manter um estilo de vida e uma ordem social já existente, deve procurar fazer esta ordem “funcionar”; caso contrário, ela não sobreviverá.

A ciência e a história na busca pelo entendimento econômico

Agora me volto para a relação entre a ciência social analítica e a História. Talvez um Professor de Economia e de História Econômica possa desejar a indulgência de seu público se, em uma ocasião como esta, ele gasta alguns minutos ponderando a correta relação entre as metades de sua função. Mas algo mais sério está aqui envolvido. A relação entre as ciências sociais analíticas e a História engloba, no campo social, os problemas da “teoria” e “fato”, ou, para ser mais preciso, todo o conjunto de problemas que dizem respeito a relação entre o aparato formal-lógico de uma ciência e seu material empírico.

De imediato, somos confrontados com um dilema: se a Ciência Econômica e a História Econômica lidam ambas com os mesmos fenômenos empíricos, não é uma delas supérflua? Existe algo que uma pode nos dizer enquanto a outra não pode? Na tentativa de resolver esse dilema, foi dito que a História trata de fatos, Teoria com generalizações indutivas a partir destes fatos. Se isso fosse verdade, a História não poderia ser considerada como uma ciência, pois a mera acumulação de fatos não é, naturalmente, um fato científico, mas uma atividade pré-científica. Mas é fácil ver que esta visão do assunto está muito errada.

A escrita histórica obtém nos fatos a formação de sua narrativa

É claramente impossível escrever a crônica da mais simples aldeia, muito menos uma biografia, ou a história das guerras e revoluções tendo uma base puramente comportamentalista, sem uma tentativa de explicação causal, ou seja, sem se referir aos fins procurados e aos meios empregados. Isso se deve simplesmente ao fato de que toda a História trata de Ações Humanas que não podem ser tornadas inteligíveis de outra maneira. Também dificilmente é um acidente que o método que tenho descrito, o método de explicação dos fenômenos sociais em termos das decisões humanas, possivelmente decisões rivais e conflitantes, foi desenvolvido originalmente na escrita da História. Não no sentido que seu caráter lógico e suas implicações eram de modo algum claramente percebidos, não eram, mas pela simples razão de que a História não pode ser escrita de outra forma.

Por isso, parece que estamos de volta ao nosso dilema. Se Teoria e História visam ambas uma explicação causal, é o caso de uma delas ser supérflua? A resposta deve ser procurada no princípio metodológico que mencionei anteriormente. Não é a natureza do nosso material empírico, mas a natureza das perguntas que fazemos ao nosso material, que determina os limites entre as ciências. Mas o teórico e o historiador não fazem ambos perguntas causais de seu material? Eles fazem, mas as perguntas de um, pressupõem as respostas do outro.

O trabalho do historiador consiste, em grande parte, embora não exclusivamente, em aplicar as amplas generalizações da teoria aos fatos concretos. A relação entre as Ciências Sociais Analíticas e a História é, em termos gerais, a mesma entre as ciências pura e aplicada. Se o historiador atribui as vicissitudes da economia britânica do período pós-guerra à “inflação reprimida” (terugdringen inflatie) ou ao Pleno Emprego, em ambos os casos, seu juízo histórico envolve a existência válida de alguma teoria geral que liga dinheiro e emprego. Caso ele veja, como a principal causa da Revolução Francesa, a cegueira teimosa de uma classe dominante que falhou em fazer concessões quando ainda havia tempo de fazê-las, ou se ele a vê na cegueira igualmente desastrosa de uma classe profissional em ascensão (a saber, a moderna política profissional de extração legal), nenhuma das explicações faria sentido sem uma teoria sobre a relação entre as estratificações sociais e poder político.

Na linguagem da Lógica moderna, a função do historiador é “preencher” os sinais descritivos entre os sinais lógicos, para nos dizer quais fins, e por quais meios, os homens em uma determinada situação perseguiram. Ao aplicar a categoria geral de meios-fins aos fatos históricos concretos, novos problemas são encontrados. O cientista aplicado conhece muitos sofrimentos que não são sonhados na filosofia de ciência pura. O esquema geral “escassez-significa-múltiplos-fins”, por exemplo, funciona suficientemente bem quando temos que lidar com a ação de um homem, como em uma biografia, ou em um grupo organizado, digamos, uma empresa, uma festa, uma nação. Funciona menos quando a situação que estudamos é o resultado da complexa interação de um grande número de forças sociais. Como qualquer outro cientista, o historiador não gosta de ter que lidar com muitas variáveis. E a tentação de tratar como constante o que se sabe não ser uma constante é muitas vezes muito forte. Nos piores casos, isto toma a forma da busca por uma explicação dos fenômenos observados pela “personificação” das forças cujo próprio modus operandi deveria ser explicado, e atribuindo meios e fins a tais pseudopersonagens, por exemplo, se a evolução da forma moderna de sociedade anônima é “explicada” como uma “ferramenta indispensável do Capitalismo”. Isto, é claro, não é História, mas mitologia, um tanto quanto reminiscente das intervenções Olímpicas nas lutas dos heróis Homéricos sempre que o autor está perdido na prestação de contas para suas ações. Explicações de eventos na história de um grupo em termos do “espírito de grupo” hegeliano, ou dos “padrões da cultura”, atualmente comuns na antropologia, caem na mesma classe de pseudoexplicações.

Os métodos de abordagem não mudam a realidade observada

Alguns historiadores econômicos explicam quase tudo o que aconteceu entre 1815 e 1914 como o resultado, ou ao menos um concomitante, do “processo de industrialização”. Aqui, nós postulamos uma determinada mudança, ou melhor, um determinado processo de mudança continua, como uma “causa” quase externa e assumimos que tudo o que acontece constitui uma “resposta” do grupo social relacionado ao “estímulo” inicial e contínuo. Pode-se dificilmente criticar um cientista por tentar reduzir o número de suas variáveis independentes para proporções manejáveis, mas, ao mesmo tempo, é possível sentir que os casos em que os resultados deste método terá sucesso incondicional, serão poucos. É óbvio, por exemplo, que o processo da industrialização na Grã-Bretanha, Alemanha e nos Estados Unidos produziu, além de um número de similares, resultados altamente diferentes que constituem a tarefa do historiador explicar. Tudo isso nos faz lembrar uma passagem de Tocqueville:

“M. de la Fayette disse, em algum lugar em suas memórias, que o exagerado sistema de causas gerais proporciona um maravilhoso conforto aos políticos medíocres. Eu acrescentaria que também o faz admiravelmente para os historiadores medíocres. Sempre lhes dá uma razão muito boa que, na parte mais difícil de seu livro, os tirará prontamente de todos os problemas, e incentiva a fraqueza ou a preguiça da mente, enquanto presta homenagem a sua profundidade.”

Espero que estas observações não sejam interpretadas como uma crítica ao método histórico. Elas não são. O método histórico, como acima discorrido, é o único método que nos permite compreender fenômenos sociais complexos. Minhas observações foram motivadas por um desejo de ver melhoradas algumas das aplicações deste método, não vê-lo substituído por outro. Não posso deixar de sentir que, ao historiador ativo, noções como “Industrialização” ou “Colonização” oferecem um quadro de referência muito amplo e, por conseguinte, com pouco poder explicativo. Clamo por um estreitamento desse quadro referencial, utilizado para explicar certos eventos concretos, não por um estreitamento do método histórico.

Na verdade, há campos de estudo nos quais o método histórico, caso usado de maneira ampla, o poderia ser com grande vantagem. Em anos recentes, em todos os países, grandes quantidades de dados estatísticos foram produzidos por organismos oficiais e semioficiais, por instituições de pesquisa e agências ad hoc. Embora seja sempre útil conhecer mais fatos, é inegável que, do ponto de vista de ganho de conhecimento, os resultados têm sido, no conjunto, deficitários; quando não decepcionantes. A razão para isto está no simples fato de que os números estatísticos apenas retratam certos aspectos de eventos históricos; e estes eventos, para se tornarem acessíveis às nossas mentes, exigem interpretação desses dados. Sem essa interpretação, as estatísticas não possuem significado. Por si, não contam nenhuma história. De todas as excelentes informações estatísticas acerca das condições econômicas na Europa, que a Comissão para a Europa colocou recentemente à nossa disposição, ainda não saberíamos os fatos mais importantes sobre a economia europeia nos anos do pós-guerra: que, em todos os países, fora as Ilhas Britânicas e a Escandinávia, as tentativas de intervenção para manter uma “economia controlada” falharam.

O chamado “Ciclo Comercial” oferece outra instância na qual o método histórico poderia ser mais amplamente empregado. Praticamente desde o momento em que os altos e baixos da vida econômica moderna começaram a atrair atenção, os economistas têm se mostrado ansiosos “para explicar tudo”, para entender a essência do fenômeno por variados meios. Os teóricos tentaram pegar esse fantasma fugitivo amarrando-o a longas cadeias dedutivas derivadas de algumas suposições gerais. Mas como eles dificilmente chegavam a um acordo sobre com quais suposições começar, sua busca não foi bem-sucedida. Economistas “Empíricos”, a partir de suas crenças positivistas não prejudicadas pelo raciocínio lógico, mergulharam em inúmeras séries de produção, preços e índices de emprego esperando pacientemente por um momento de inspiração que lhes mostrasse o que era causa e o que era efeito.

Hoje, está ficando cada vez mais claro que estes altos e baixos não conformam com um único padrão invariante. Não há algo como um Ciclo Comercial, no sentido de uma repetição periódica de um determinado número de variáveis.⁷ Ao contrário dos corpos celestes, o corpo-econômico moderno não obedece as leis de rotação uniforme. Cada crise econômica precisa ser estudada como um evento histórico. Mas agora também é possível ver que o esforço gasto na construção de tantos modelos teóricos não foi, de forma alguma, em vão. A inconsistência dos vários modelos desaparece quando percebemos que cada crise histórica foi devida a uma diferente configuração de circunstâncias. E encontrar um modelo próprio de explicação para cada crise é essencialmente a tarefa do historiador da economia.

Podemos, portanto, concluir que as esferas de História e das ciências sociais analíticas, longe de se sobreporem, são complementares. O historiador se esforça para tornar sua narrativa inteligível por meio de imputação causal. Mas se eu estudar as causas de um evento E, eu posso atribuí-lo de forma significativa, digamos, aos fatores A e B somente se eu tiver algum conhecimento geral prévio que me faz pensar que a classe de eventos para os quais A e B pertencem podem gerar a classe de eventos ao qual o evento E pertence. Se, por outro lado, dois outros fatores, C e D, pertencem a uma classe da qual não há razão para acreditar, em quaisquer circunstâncias, que poderiam dar origem a eventos da classe E, nós devemos recusá-los a priori, antes mesmo de começar o estudo dos fatos. Se ouvirmos a sugestão de que uma nação foi arruinada pela incompetência de seus governantes, tudo o que podemos fazer é nos voltarmos para os fatos. É uma hipótese plausível, pois geralmente é possível que a incompetência gere tais resultados. Mas uma hipótese que atribui a ruína de uma nação à falta de virtudes matrimoniais por parte de seus governantes não precisa nem mesmo ser investigada.

A principal tarefa do cientista social analítico é dizer aos historiadores que fatores não terão uma imputação causal. Os esquemas analíticos gerais de teoria, além disso, fornecem alternativas de explicação ao historiador. Mas a real escolha, o próprio ato de imputação causal, é do próprio historiador. Exige a compreensão específica de uma situação concreta, a capacidade de pesar cada elemento de acordo com sua própria significância, para o qual não há teoria capaz de oferecer um substituto, por mais amplamente concebida e elegantemente formulada. Por outro lado, toda a imputação causal precisa depender de quadros gerais, descrevendo conexões entre classes de eventos. É a tarefa das ciências sociais analíticas proporcionar, na esfera social, tais referências e construir um sistema a partir delas; para o historiador e para todos nós.

Você deve ter notado que, na última parte deste discurso, o conceito de Economia tornou-se quase imperceptivelmente fundido com o das Ciências Sociais analíticas. Isto é o que deveria ser. Eu confio que não serei considerado culpado de “imperialismo econômico” se eu alegar que a Economia se aproximou mais do ideal de um sistema teórico, no qual todas as proposições estão ligadas umas às outras e o número de hipóteses fundamentais reduzido ao mínimo, do que qualquer outra ciência social. Isto dificilmente pode ser um acidente. Sem dúvida, tal conquista foi mais fácil para uma ciência que lida com uma esfera da vida na qual a conduta precisa ser racional, sob pena de falência, e que pode assim utilizar a Lógica de Ação como o conhecimento lógico de seu próprio edifício. Mas embora possivelmente mais difícil, eu não creio que seja uma realização inteiramente além do poder de outras ciências sociais. Afinal, não é apenas na vida empresarial que o fracasso carrega penalidades extremas. Se a Economia estudar as implicações das escolhas dos consumidores e decisões comerciais, posso ao menos imaginar uma Sociologia Política que aplique o mesmo conceito às escolhas dos eleitores e decisões políticas. O princípio fundamental que diz que ações inconsistentes não podem ser bem-sucedidas, que os planos viáveis devem, ao menos, estar livres de contradições inerentes, aplica-se em qualquer lugar que os homens lutam pelo sucesso.

No início deste discurso, prestei homenagem aos meus eminentes predecessores. Deixe-me, nesta passagem conclusiva, lançar um olhar para o futuro. Meu ilustre sucessor nesta Cadeira, que daqui a cinquenta anos talvez se dirijam a um público semelhante sobre “As Ciências Sociais no Século XX”, certamente possuirá material muito mais rico para ser utilizado. Mas eu me aventuro a duvidar se ele achará necessário modificar em essência, bem como acrescentar ou diminuir muito, os poucos princípios das Ciências Sociais que eu lhes apresentei hoje.

Notas:

¹ Uma Palestra Inaugural dada na Universidade de Witwatersrand em 19 de abril de 1950. A cadeira foi assumida pelo Vice-Chanceler Dr. H. R. Raikes.

² Lionel Robbins, An Essay on the Nature and Significance of Economic Science (Londres: Macmillan & Co., 1962), p. 16.

³ Max Weber, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre (Tübingen: J. C. B. Mohr, 1922), p. 166.

⁴ Esta delimitação não é arbitrária. Ela simplesmente segue a natural fronteira de nosso pensamento consciente, que é também o da Lógica. A Ação Humana controlada pela mente tem uma estrutura lógica e, portanto, pode ser “entendida”. Aqueles processos subconscientes, por outro lado, que precedem a escolha de propósito e a decisão de agir, carece desta estrutura natural. Eles são para nós “fenômenos externos”, essencialmente sem estruturação, como qualquer outro evento que observamos por acaso.

⁵ Há 40 anos, falava-se de um país altamente civilizado na Europa, que ali o governo era tão universalmente amado e respeitado, ao ponto de ser suficiente dizer que não queriam que certa coisa fosse feita, para que todos começassem a fazê-la!

⁶ L. v. Mises, Human Action (New Haven: Yale University Press, 1949), p. 39.

⁷ Tanto é agora mais ou menos consensual. Dr. J. R. Hicks, em sua recente Contribuição à Teoria do Ciclo do Comércio (Oxford: Clarendon Press, 1950), embora ele ainda fale de “ciclos”, deixa claro que ele não quer dizer sequências uniformes de constelações idênticas.

“No mundo real não devemos esperar encontrar tal uniformidade; e por conseguinte, não devemos esperar que os ciclos reais se repitam. Certamente, os ciclos da realidade não se repetem; eles possuem, no máximo, uma semelhança familiar. Assim, a fim de explicar os fatos, não queremos assumir uniformidade nas condições; o que queremos é uma teoria que permita a variação das condições, mas que ainda nos deixe com um ciclo de mesmo caráter básico… Uma das coisas que proporcionam aos diferentes ciclos suas diferentes histórias (nosso itálico L.M.L.) podem, portanto, ser encontrados em uma mudança no coeficiente de investimento. Muito provavelmente que as variações em outras condições fundamentais possam explicar outras variedades de experiência cíclica” (108-9). Evidentemente, esta é uma tarefa para os historiadores.

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Texto traduzido por Gabriel Camargo, adaptado por Billy Jow. O texto original pode ser encontrado no livro “Capital, Expectations, and the Market Process” de Ludwig M. Lachmann.

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