Ícone do site Universidade Libertária

“Defendendo a ética argumentativa: Resposta à Murphy e Callahan”, de Stephan Kinsella

Tempo de Leitura: 18 minutos

Por Stephan Kinsella

[Retirado de: https://www.stephankinsella.com/publications/defending-argumentation-ethics/, 19 de setembro de 2002.]

[Traduzido por Gabriel Marculino]

Pretendo aqui providenciar um curto guia para a literatura relevante seguida por uma resposta limitada às críticas de Murphy e Callahan da ética argumentativa de Hans-Hermann Hoppe.[1]

Background

A defesa da “ética da argumentação” dos direitos libertários foi primeiro publicada, no meu conhecimento, em três artigos em 1988: “On the Ultimate Justification of the Ethics of Private Property”, Liberty (Setembro de 1988); “The Justice of Economic Efficiency”, Austrian Economics Newsletter (Inverno de 1988);[2] e um pedaço mais longo, “From the Economics of Laissez Faire to the Ethics of Libertarianism”, em: Walter Block e Llewellyn H. Rockwell, eds, Man, Economy, and Liberty: Essays in Honor of Murray N. Rothbard (Mises Institute, 1988). Esses foram incluídos como capítulos 10, 9 e 8, respectivamente, do livro de Hoppe The Economics and Ethics of Private Property (Kluwer, 1993). A elaboração mais definitiva da teoria de Hoppe é encontrada em “The Ethical Justification of Capitalism and Why Socialism Is Morally Indefensible”, capítulo 7 de seu monumental A Theory Of Socialism and Capitalism (Kluwer, 1989, doravante referido como TSC). Esse capítulo é similar ao capítulo de 1988 em Man, Economy, and Liberty. Esses e outros materiais estão acessíveis no website de Hoppe.

Pelos próximos um a três anos, a teoria de Hoppe foi intensamente debatida e comentada por vários libertários. Várias respostas e reviews, por exemplo, foram publicados em Liberty e em outros lugares, por libertários tais como Murray Rothbard, David Gordon, Tibor Machan, David Friedman, Loren Lomasky, David Osterfeld, SHeldon Richman, Leland Yeager, David Ramsay Steele, Douglas Rasmussen, David Conway e outros. Hoppe responde alguns desses pedaços detalhadamente; essas respostas estão reimpressas em “Four Critical Replies”, Appendix to The Economics and Ethics of Private Property.

Várias dessas respostas à Hoppe foram extraordinariamente maldosas e injustas. Alguns ficaram chocados que alguém argumentasse a favor do “anarquismo sem interferências”, e outros ficaram desanimados com a ideia de que direitos libertários podem ser rigorosamente provados. Outros gravemente interpretaram mal o argumento de Hoppe. Ainda outros, como Rothbard, reconheceram que a teoria de Hoppe foi um avanço revolucionário na teoria libertária, como tendo um número crescente de adeptos ao longo dos anos. (Um dos artigos mais recentes que abordam a visão de direitos de Hoppe é o fascinante novo documento de trabalho “Hopp(e)ing Onto New Ground: A Rothbardian Proposal for Thomistic Natural Law as the Basis for Hans-Hermann Hoppe’s Praxeological Defense of Private Property”, por Jude Chua Soo Meng, que tenta elaborar e estender a ética da argumentação de Hoppe e sua relação com a economia, praxeologia e teoria libertária austríaca Rothbardiana).[3]

Tenho comentado o trabalho de Hoppe em detalhes: primeiro, em meu ensaio review de The Economics and Ethics of Private Property, “The Undeniable Morality of Capitalism”, St.Mary’s Law Jornal (1994); em minha teoria dos direitos complementaria “estoppel”, e.g. “Punishment and proportionality: The Estoppel Approach”, Journal of Libertarian Studies (Primavera de 1996);[4] e em meu artigo de pesquisa (survey article) “New Rationalist Directions in Libertarian Rights Theory”, Journal of Libertarian Studies (Outono de 1996).[5] Esses e outros papers podem ser encontrados em meu website.[6]

Para apreciar totalmente o argumento de Hoppe e para avaliar de forma justa a crítica de MC, sugiro ler pelo menos o seguinte, nessa ordem: (1) capítulos 1 e 2 de TSC (esp. pp. 5-6 e 8-18, discutindo noções de escassez, agressão, propriedade, normas e justificação); (2) capítulos 9 de TSC, “The Ethical Justification of Capitalism and Why Socialism Is Morally Indefensible” (esp. pp. 130-145); (3) “Four Critical Replies”; e (4) meu artigo de pesquisa “New Rationalist Directions in Libertarian Rights Theory”.[7] Então leia o pedaço de MC, na visão de meus comentários seguintes.

Direitos Libertários

A questão central aqui é: a teoria de Hoppe estabelece que existem direitos libertários?

Recursos escassos são aquelas coisas sobre as quais pode haver conflito; dois ou mais indivíduos podem querer usar ou controlar um dado recurso escasso ao mesmo tempo, mas apenas um deles pode, porque o uso de um exclui o uso por outros. Desse modo, como Hoppe explica, uma teoria de ética interpessoal deve ser uma teoria de direitos de propriedade, “uma teoria da atribuição de direitos de controle exclusivo sobre meios escassos”.[8] O propósito dos direitos é especificar que indivíduo tem o direito de controlar um dado recurso escasso, de modo que conflitos podem ser evitados. A pessoa que tem o direito de controlar um dado recurso escasso – seu proprietário [owner] -.é a pessoa que está justificada em usar o recurso, em excluir outros e em assegurar essa exclusão contra não-proprietários que agirem em descaso dos direitos de propriedade do proprietário.

Todos têm pelo menos uma visão implícita de direitos. Um agressor – ou pelo menos alguém que tenta justificar sua agressão – sustenta que ele está autorizado [entitled] à um dado recurso escasso “porque” ele é forte o suficiente para tomá-lo. Outros, como os socialistas, acreditam que o estado tem direito [entitled] aos meios de produção “porque” – bem, porque eles são o estado, “porque”capitalistas “exploram” trabalhadores, e assim por diante. Tipos liberais-democratas mainstream acreditam que, por exemplo, o pobre tem o direito à propriedade outrora possuída [owned] pelo não-pobre, “porque” a propriedade é transferida do último para o primeiro por meio de um processo democrático, que é “legítimo”. Todos atribuem cada recurso escasso disputado a algumproprietário – se à um ladrão, o estado, ou relativamente – uma pessoa pobre “necessitada” – por alguma razão.

A visão libertária de direitos, como distinta de todas as outras, diz que respondemos à questão de quem possui [owns] um recurso escasso simplesmente por perguntar quem foi seu primeiro usuário. No caso de recursos escassos externos, o proprietário é o apropriador original (ou alguém para quem ele o transferiu). Desse modo, sob o libertarianismo, um indivíduo tem (a) um direito de controle exclusivo dos recursos escassos de seu corpo, algumas vezes chamado de “propriedade do self” (self-ownership); e (b) um direito de controle exclusivo de outros recursos escassos previamente sem-proprietario que são apropriados originalmente pelo indivíduo ou por seu antepassado-em-título.

Então a questão é, a teoria de Hoppe estabelece que a visão libertária dos direitos, como oposta às visões concorrentes, é a correta?

Teoria de Hoppe: Vamos Tentar Novamente

Não pretendo aqui declarar de novo o argumento inteiro de Hoppe, como eu acredito ter sido adequadamente explicada e defendida já por Hoppe, na literatura referenciada acima. E ele já tem replicado numerosas críticas, algumas delas similares às de MC. Ao invés disso, tentarei mostrar, tão simples quanto possível, porque Hoppe tem êxito. Vou abordar, então, em vista disso, algumas das críticas concretas de MC, mas deve ficar claro por este ponto porque eu acho que a crítica deles está fora da base.

Hoppe começa notando que se qualquer teoria de direitos proposta tenta ser justificada, tem de ser justificada no curso de um argumento (discurso). Fracasso em ver como MC pode discordar com isso sem cair em contradição. Isso segue que, se quaisquer normas, éticas, fatos ou regras do discurso são necessariamente pressupostas por participantes em argumentação simplesmente por virtude de argumentar, então nenhuma teoria que contradiz esses fatos ou normas pressupostos poderia ser justificada. Por contraste, qualquer teoria proposta que é consistente com, na verdade, implicada por essas pressuposições deve ter de ser vista como irrefutavelmente justificada. Esse tipo de raciocínio é chamado de o “a priori da comunicação e argumentação”, e foi pioneiro, pelo que eu sei, pelos filósofos Alemães Jürgen Habermas (orientador de PhD de Hoppe) e Karl-Otto Apel (mas foi aplicado por eles para alcançar resultados não-libertários).

Novamente, fracasso em ver como MC pode discordar de nada disso, em geral. Ao invés disso, o desacordo é sobre que normas estão realmente implícitas na atividade da argumentação – isto é, sobre que participantes em discurso devem pressupor como sendo verdadeiro a fim de participar da argumentação. Não importa o que essas pressuposições são, elas descartam da corte quaisquer normas propostas inconsistentes com elas. E, quaisquer dessas pressuposições normativas, ou normas deduzidas dessas pressuposições, teriam que ser consideradas finalmente e irrefutavelmente justificadas, pois sua validade nunca poderia ser coerentemente negada.

Universalizabilidade

Então, vamos ver o que Hoppe disputa. Primeiro, qualquer norma proposta em argumentação é presumida sendo universalizável. Hoppe escreve:

Muito comumente tem sido observado que argumentação implica que uma proposição reivindica aceitabilidade universal, ou, sendo uma proposta de norma, que é “universalizável”. Aplicado a propostas de norma, essa é a ideia, como formulada na Regra de Ouro da ética ou no Imperativo Categórico Kantiano, que apenas podem ser justificadas aquelas normas que podem ser formuladas como princípios gerais que são válidas para todos sem excessão.[9]

Em outras palavras, qualquer norma proposta – isto é, uma tentativa de justificação para uma dada ação – não é justificada se não é universalizável. Essa regra é pressuposta pela própria tentativa de argumentativamente justificar algo, porque “argumentação implica que todos que podem entender um argumento devem, em princípio, ser capazes de serem convencidos disso simplesmente por causa de sua força argumentativa”. Porque o princípio da universalizabilidade é uma característica inerente da argumentação em geral, “o princípio da universalização da ética pode agora ser entendido e explicado como fundado no amplo ‘a prior da comunicação e argumentação’”.[10] Isto é, ninguém pode negar que apenas normas universalizáveis podem ser justificadas.

Então, temos nossa primeira pressuposição: que só a ética universalizável pode ser candidata para ser justificada. Pela mesma razão, as então chamadas normas “particularizáveis” não são justificáveis. Entretanto,

o princípio de universalização apenas fornece um critério puramente formal para a moralidade. Para ter certeza, checado contra esse critério todas as propostas para normas válidas que devem especificar diferentes regras para diferentes classes de pessoas podem apenas mostrar ter nenhuma reivindicação legítima de ser universalmente aceitável, como normas justas, a menos que a distinção entre diferentes classes de pessoas forem tais que isso implique nenhuma discriminação, mas poderia, ao invés disso, ser aceita como fundada na natureza das coisas novamente por todos. Mas, enquanto algumas normas não podem passar no teste de universalização, se atenção suficiente for dada a sua formulação, as normas mais ridículas, e o que, é claro, ainda mais relevante, mesmo normas abertamente incompatíveis, podem facilmente e igualmente bem passarem. Por exemplo, ‘‘todo mundo deve ficar bêbado aos domingos ou ser multado’ ou “qualquer um que bebe álcool irá ser punido’ são ambas regras que não permitem discriminação entre grupos de pessoas e, desse modo, podem ambas as reivindicação satisfazer a condição de universalização.[11]

Mas mesmo que a universalização seja um requerimento meramente formal, elimina-se muitas normas propostas, como aquelas subjacentes à maioria das versões do socialismo que equivalem a regras particulares do tipo “Eu posso bater em você mas você não pode me bater”.

A teoria da propriedade implícita no socialismo normalmente não passa nem mesmo no primeiro teste decisivo (o necessário, se não condição suficiente) exigido das regras de conduta humana que reivindicam ser moralmente justificadas ou justificáveis. Esse teste, como formulado na então chamada regra de ouro ou, similarmente, no imperativo categórico Kantiano, requer que, a fim de ser justa, uma regra deve ser geral, aplicável a todas as pessoas da mesma maneira. A regra não pode especificar direitos diferentes ou obrigações para diferentes categorias de pessoas (uma para ruivos, e uma para outros, ou uma para mulheres e uma diferente para os homens), como tal um regra “particularista”, naturalmente nunca poderá, nem mesmo em princípio, ser aceita como uma regra justa por todos. Regras particularistas, entretanto, do tipo “eu posso bater em você, mas você não tem permissão para me bater”, estão na própria base de todas as formas práticas de socialismo.[12]

Assim, a universalizabilidade age como um filtro de primeiro nível que elimina todas as normas particularistas. Isso reduz o universo de reivindicações normativas possivelmente justificadas, mas não termina o trabalho uma vez que muitas normas incompatíveis e antiéticas podem ser reformuladas em vias universalizáveis.

É por essa razão que Hoppe examina a seguir outras pressuposições, mais substantivas, inerentes no argumento em si. Essas são então usadas em um segundo processo de filtração para rejeitar normas adicionais propostas, aquelas que são universalizáveis mas incompatíveis com as outras pressuposições do discurso. E, porque algumas dessas pressuposições aparecem sendo normas pressupostas, Hoppe então mostra que a concepção libertária de direitos pode ser deduzida dessas normas e fatos pressupostos.

Fatos Substantivos e Normas Pressupostas em Argumentação

O princípio de universalização filtra muitas normas possíveis, mas muitas possíveis, mutuamente incompatíveis, e candidatas não-libertárias permanecem (“qualquer um que beber álcool irá ser punido”).

Entretanto, existem outras normas positivas subentendidas à parte do princípio de universalização. A fim de reconhecê-los, somente é necessário chamar atenção para três fatos inter-relacionados. Primeiro, que a argumentação não é apenas um caso cognitivo mas também prático. Segundo, que argumentação, como uma força de ação, implica o uso de recursos escassos do corpo de alguém. E terceiro, que argumentação é uma maneira de interação livre de conflitos.[13]

Participantes em discurso não podem negar a existência de escassez (discurso é uma forma de ação, depois de tudo, e ação implica recursos escassos, no corpo de alguém e em objetos externos) nem a possibilidade de conflito sobre esses recursos escassos. Eles também valorizam a habilidade de participar do argumento (eles estão engajando nele, depois de tudo) e, assim, suas pré-condições práticas, a saber, a habilidade de realmente usar recursos escassos a fim de sobreviver (pois a argumentação não é possível sem sobrevivência). E porque a argumentação/discurso é cooperativa, civilizada, atividade pacífica, e porque “justificar significa justificar sem ter que depender de coerção”,[14] participantes em discurso necessariamente valorizam ser capazes de usar recursos escassos em uma maneira livre de conflito. Quem adota uma postura civilizada e pacífica e tenta justificar uma norma não pode defender coerentemente normas não pacíficas. De fato, a própria tentativa de justificar uma norma de alocação de recursos é uma tentativa de resolver conflitos com respeito ao uso daquele recurso. Assim, um participante no discurso nunca poderia justificar a proposição de que não há valor em ser capaz de usar recursos, ou que conflitos não devem ser evitados, ou que cooperação e tranquilidade são coisas ruins. Valorizando a evitação de conflitos também pressupõe o valor de tentar encontrar regras que fazem a evitação de conflito possível. Isto é, regras de propriedade.

Consequentemente, participantes do discurso, em particular aqueles buscando justificar normas propostas, implicitamente reconhecem o valor e a legitimidade de atribuir proprietários de propriedade específicos a recursos escassos específicos – por razões que são universalizáveis e que fazem a evitação de conflito possível. Entretanto, direitos de propriedade faz a evitação de conflito possível por estabelecer fronteiras perceptíveis à propriedade indicando os limites da propriedade e quem é o proprietário, e baseando a atribuição em relação à regras universalizáveis que poderiam ser aceitas como justas por todos os argumentadores potenciais. Por essa razão, a atribuição de direitos de propriedade tem de ser baseadas em algum link objetivo entre o reivindicante [claimant] e um recurso particular.

O que tudo isso significa é que qualquer um que tente (argumentativamente) justificar qualquer norma já está pressupondo uma série de normas e regras argumentativas. As normas substantivas pressupostas excluem muitas normas propostas, mesmo se elas são universalizáveis. Por exemplo, uma regra tal como “ninguém deveria ser capaz de usar qualquer recurso escasso” nunca poderia ser justificada. É incompatível com o valor evidente do falante para a habilidade de usar recursos escassos, porque ele tem que usar (e ser capaz de usar) o recurso escasso de seu corpo a fim de engajar em qualquer atividade, incluindo a argumentação. E ele, ou alguém, tem que ser capaz de usar outros recursos escassos como comida, abrigo, etc., para que os argumentadores estejam vivos e capazes de argumentar (relembre, discurso é um caso prático e requer que os falantes estejam vivos, para ter o controle de seus corpos e do lugar para ficar em pé [standing room], etc.).

Não há maneira de qualquer norma poder ser justificada que não busque atribuir propriedade [ownership] de todo recurso escasso à proprietários particulares, baseado em um link objetivo entre o proprietário e o recurso possuído. Nenhuma regra poderia ser justificada se ela se abstém de decidir quem possui um recurso particular, ou se especifica-se que ninguém possui um recurso. E qualquer justificação oferecida tem de ser universalizável. As razões para todos esses requerimentos já devem estar claras. Universalizabilidade foi discutida. Proprietários particulares devem ser atribuídos  a cada e todo recurso escasso – isso é o que qualquer teoria de propriedade – qualquer ética – tem que fazer. Deve haver um link objetivo entre o proprietário e o recurso, para que conflitos possam ser evitados e também para cumprir com a universalizabilidade. “Todo” recurso escasso deve ser possuído por alguém, para a evitação do conflito e outras razões dadas acima.

Até aqui o caso é bastante geral, e apenas estabelece a estrutura para examinar várias normas concorrentes. A insistência libertária em relação a links objetivos entre recursos e proprietários e sua visão particular do que constitui tais links objetivos é o que completa o caso.

Vínculos Objetivos: Primeiro Uso, Reivindicações Verbais e a Distinção Anterior-Posterior

Então agora chegamos no libertarianismo. Acontece que o libertarianismo é a única teoria de direitos que satisfaz as pressuposições do discurso, pois só ela advoga atribuir propriedade por meio de links objetivos entre o proprietário e a propriedade. Esse link, é claro, é o primeiro uso ou apropriação original. Somente a norma que atribui propriedade em uma coisa para seu primeiro usuário, ou sua transferência em títulos, poderia executar esse requerimento ou as outras pressuposições da argumentação.

Há claramente um link objetivo entre a pessoa que primeiro começa a usar algo, e o delimita [emborders], e todos os outros no mundo. Todos podem ver isso. Nenhum bem está sujeito a conflito a menos que ele seja primeiro adquirido por alguém. O primeiro usuário e possuidor  de um bem é ou seu proprietário ou ele não é. Se ele não é, então quem é? A pessoa que toma dele pela força? Se forçosamente tomar a posse de um proprietário anterior permite  ao novo possuidor a coisa, então não há tal coisa como a propriedade, mas apenas mera posse. Mas tal regra – não evita conflitos, ao invés disso autoriza eles. Não é nada mais do que um o poder-faz-certo [mights-makes-right] em larga escala.

Que tal a pessoa que declara verbalmente que ela possui o bem que outra pessoa apropriou? Novamente, essa regra não é justificável porque ela não evita conflitos – porque todos no mundo podem simultaneamente decretar que eles possuem qualquer coisa. Com múltiplos reivindicantes para um pedaço de propriedade, cada um tendo um decreto verbal “igualmente bom”, não há maneira de evitar conflitos alocando propriedade à uma pessoa particular. De jeito nenhum, a não ser um link objetivo, isto é, que novamente mostra porque deve haver um link objetivo entre o reivindicante e o recurso.

Como Hoppe declara:

Assim sendo, o direito de adquirir  tais bens deve ser assumido como existindo. Agora, se isso é assim, e se não se tem direito de adquirir tais direitos de controle exclusivo sobre coisas intocadas, dadas pela natureza através do trabalho de alguém, i.e., por fazer algo com coisas com as quais nenhuma outra tenha feito algo antes, e se outras pessoas tem o direito de ignorar a reivindicação da propriedade de alguém com respeito a tais coisas que ele não trabalhou sobre ou colocado algum uso particular antes, então isso somente seria possível se pode se adquirir títulos de propriedade não através do trabalho, i.e., estabelecendo algum link intersubjetivamente controlável, objetivo, entre uma pessoa particular e um particular recurso escasso, mas simplesmente por declaração verbal; por decreto. A separação é baseada na observação de que alguns recursos escassos particulares têm, de fato – para todos verem e verificarem, pois existiriam indicadores para que isso exista – se tornado uma expressão ou materialização da própria vontade ou, como pode ser o caso, da vontade de outra pessoa.[15]

Como Hoppe nota, atribuir propriedade baseada em decretos verbais seria incompatível com o “princípio de não-agressão a respeito de corpos”, que é pressuposto devido a natureza cooperativa, pacífica e livre de conflito da justificação argumentativa. Além do mais, não resolveria o problema da prevenção de conflitos, conforme explicado acima.

Desse modo, Hoppe está correto, então ele escreve:

Logo, se é forçado a concluir que a ética socialista é um fracasso completo. Em todas as suas versões práticas, não é melhor que uma regra como “Eu posso bater em você, mas você não pode me bater”, que até mesmo falha em passar no teste de universalização. E se não se adota regras universalizáveis, que basicamente deve equivaler a dizer “todos podem bater em todos os outros”, tais determinações não podem ser concebidas sendo dita como aceitável universalmente sobre a descrição de sua própria especificação material. Simplesmente dizer e argumentar assim deve pressupor o direito de propriedade de uma pessoa sobre seu próprio corpo. Assim, somente a ética do capitalismo primeiro-a-chegar-primeiro-dono [first-come-first-own] pode ser defendida efetivamente como está implícito na argumentação. E nenhuma outra ética pode ser justificada, pois justificar algo no curso da argumentação implica pressupor a validade de precisamente essa ética da teoria natural de propriedade.[16]

A Crítica de Murphy & Callahan

Estou realmente sem saber onde MC se separaria desta teoria. Eles negam, por exemplo, que há escassez no mundo, ou que conflitos são possíveis? Eu duvido disso. Eles negam que a universalizabilidade é um requerimento para normas justificadas? Eu duvido, a menos que eles também sejam céticos éticos, nesse caso me pergunto porque eles mesmos se consideram libertários. Eles negam que direitos têm que ser justificados, e que justificação tem que ocorrer durante o argumento? Tal negação seria um truque legal, pois seria em si um argumento. Eles sustentam que participantes no discurso não pressupõem quaisquer verdades? – ou eles apenas dizem que nenhuma delas são normativas? Ou eles pensam que argumentação não é uma maneira de interação livre de conflito? – nesse caso, eles parecem pensar que bater na cabeça de alguém ou roubar sua carteira também é uma forma de discurso pacífico e cooperativo.

Ou eles acham coerente que um participante da atividade pacífica e cooperativa do discurso, enquanto busca com o outro uma regra de alocação de propriedade universalizável e que evite conflitos, advogue o socialismo ou qualquer outra abordagem não libertária? Se eles forem libertários certamente deve haver alguma vantagem aos direitos libertários que contribuiria para tal contexto de justificação argumentativa generalizada.

MC [Murphy & Callahan] não tentam desmascarar a ética da argumentação em geral, ou, alternativamente, mostrar exatamente que éticas são implicadas na argumentação (e por que não são as que Hoppe propõe). Acreditam eles que alguma norma está implícita na argumentação? Caso contrário, eles parecem rejeitar todo o edifício do trabalho a esse respeito, incluindo a obra de Jürgen Habermas, Karl-Otto Apel, Frank Van Dun, G.B. Madison, Alan Gewirth, Roger Pilon, Tibor Machan e outros discutidos em meu artigo de pesquisa “New Rationalist Directions in Libertarian Rights Theory.”[17]

Por outro lado, se eles aceitam que a argumentação implica em algumas normas, quais são? Essas normas apoiam o libertarianismo? Socialismo? Ou são apenas normas interpessoais não relacionadas a direitos, como “seja legal” ou “não minta”? Essas normas argumentativamente pressupostas são pelo menos consistentes com o libertarianismo? MC escrevem: “Sempre que as pessoas se envolvem em argumentação, elas concordam implicitamente com um conjunto de normas. Por exemplo, cada participante concorda implicitamente em tentar persuadir o(s) outro(s) através de métodos pacíficos.” Não estou claro se eles estão apenas parafraseando ou se aceitam que isso é verdade. Se eles aceitam isso como verdade, não há implicações a serem extraídas disso? Não impõe nenhum constrangimento à legitimidade das normas propositadamente avançadas no curso de uma discussão (pacífica!)?

Parece-me que se MC aceitam qualquer forma de ética argumentativa como válida – isto é, se há algumas normas implícitas no discurso – então, como libertários que acreditam que as normas libertárias são (de algum modo) justificadas, eles teriam de acreditar que as normas argumentativas são pelo menos compatíveis com, se não a base para, os direitos libertários.

E a universalizabilidade? Não tenho certeza se MC realmente rejeitam o requisito de universalizabilidade  – mas se o fizerem, não consigo ver como ele mesmo pode aderir a qualquer noção de direitos; rejeitar a universalização significa que qualquer norma pode ser proposta, simplesmente inventando uma razão particularista para ela. Sem o princípio da universalização, literalmente “vale tudo”, o que obviamente leva ao relativismo ético e/ou ceticismo. Presumirei que MC não são relativistas éticos ou céticos e, portanto, não rejeitam a universalizabilidade. Mas não tenho certeza se eles apreciam totalmente esse princípio.

Considere este comentário de MC: “Simplesmente declarar que os direitos de propriedade devem ser ‘universalizáveis’ também não ajuda; afinal, os comunistas poderiam citar o mesmo princípio para ‘provar’ que todos deveriam ter quotas iguais de todas as propriedades.” MC escreve aqui como se desconhecesse totalmente que Hoppe declarou explicitamente que “o princípio da universalização apenas fornece um critério puramente formal para a moralidade”.[18]

É claro que, mesmo que os princípios do socialismo fossem formulados de forma completamente universalizável, ainda seria inconsistente com outras normas pressupostas na argumentação, como observado acima.

E quanto à universalizabilidade, MC também afirma:

Finalmente, gostaríamos de notar que, mesmo que os problemas acima sejam negligenciados, ainda é o caso de Hoppe ter provado apenas a propriedade de si mesmo para os indivíduos em debate. Isso porque, mesmo nos próprios fundamentos de Hoppe, alguém que negasse a ética libertária só estaria se engajando em contradição se tentasse justificar sua doutrina preferida para suas “vítimas”.

Por exemplo, enquanto Aristóteles discutisse apenas com outros gregos sobre a inferioridade dos bárbaros e seu status natural de escravos, então ele não estaria se engajando em uma contradição performativa. Ele poderia consistentemente conceder a propriedade de si mesmo a seu oponente grego em debate, ao mesmo tempo em que a nega àqueles que ele considera naturalmente inferiores. [] Aristóteles precisa apenas afirmar [que] os bárbaros [] não são tão racionais quanto os gregos”.

Por acaso MC acha que meramente “considerar” ou “discutir” algo como tal é automaticamente compatível com a universalizabilidade? Eu acredito que eles estão simplesmente aplicando mal o princípio da universalizabilidade aqui (ou melhor, falhando em aplicá-lo). Para Aristóteles, conceder direitos a si mesmo e aos gregos, mas não a outros indivíduos, seria simplesmente particularista. Ele teria de mostrar que há alguma razão, objetivamente fundamentada na natureza das coisas, que justifica os direitos aos gregos, mas não às outras pessoas idênticas aos gregos em todos os aspectos exceto por sua grecidade. Novamente, ou o requisito de universalizabilidade é levado a sério, ou não é. Caso contrário, a porta para o ceticismo ético está escancarada.

MC apresentam supostos “contra-exemplos” de Deus e escravidão. Veja o caso da escravidão. Eles reconhecem que “os libertários hoppeanos e rothbardianos em geral não acreditam na propriedade de si mesmo universal. Em particular, eles acreditam que criminosos podem ser legitimamente escravizados para pagar suas dívidas com as vítimas (ou seus herdeiros).” Bem, claro! Hoppe é um libertário. Defender a propriedade de si mesmo significa que uma pessoa tem o direito de controlar seu corpo, como padrão ou matéria prima facie. Mas se alguém agride, claro que a vítima agora é um “dono” parcial do corpo do agressor, porque ele tem o direito de usar a força contra ele. Portanto, considere um homem que agora é “dono” de um agressor que, digamos, assassinou a esposa de um homem. É claro que o proprietário poderia debater com o escravo, mas apenas concedendo ao escravo o direito de usar seu corpo para fins de argumentação. Mas como isso muda o fato de que ninguém pode negar argumentativamente os pressupostos normativos que implicam o libertarianismo? Vamos supor que o dono seja libertário. Ele acredita na necessidade de regras de propriedade e prevenção de conflitos. Ele acredita que quaisquer normas têm de ser universalizáveis. Se ele defendesse o socialismo, seu argumento seria incompatível com os pressupostos argumentativos necessários de paz, prosperidade e prosperidade que evitam conflitos – porque as regras socialistas não são universalizáveis ​​ou não são baseadas em vínculos objetivos entre proprietário e recurso. Mas sua alegação de que ele tem o direito de exercer força contra o escravo é perfeitamente justificada. É universalizável, pois o tratamento diferenciado do escravo-agressor e do senhor-vítima não é arbitrário, mas fundamenta-se no fato objetivo do ato da agressão. É compatível com a atribuição objetiva de direitos de propriedade, porque é uma forma de aplicar direitos de propriedade atribuídos objetivamente que são violados.

Quanto a Deus – você não pode simplesmente postular que Deus é dono de todos e “portanto” não somos donos de nós mesmos. Além disso, mesmo que Deus seja nosso dono, pode ser que ainda sejamos donos de nós mesmos um em relação ao outro. De qualquer forma, isso de nenhum modo refuta a conclusão de que apenas as normas libertárias podem ser argumentativamente justificadas no discurso.

MC tentam fazer muito de sua noção de que as proposições avançadas “durante” a argumentação não estão sujeitas aos pressupostos da argumentação, se a regra for projetada para ser aplicada em um contexto não-argumentativo. Mas as proposições só podem ser justificadas durante a argumentação. Um participante do discurso não pode negar que evitar conflitos é bom. Quando ele procura justificar algo, é sempre alguma ação que ele procura justificar. A justificação ocorre de uma só vez; a ação a ser justificada, em outro. E daí? MC está dizendo que nenhuma ação pode ser justificada, a não ser o próprio argumento? Considere um ato de roubo, ou aquisição de propriedade, ou estupro: todas as ações não argumentativas. Obviamente, essas ações não são ações-justificativas, porque não são argumentos. A única vez que eles poderiam ser justificados é em outro momento, durante a discussão. De qualquer forma, essa crítica parece perder o ponto. Se duas pessoas procuram chegar a um acordo sobre uma regra justa e universalizável para atribuir direitos de propriedade sobre recursos escassos a indivíduos de uma forma que permita evitar conflitos e que os recursos sejam usados ​​– é claro que a regra que estão considerando será aplicável a futuras disputas de propriedade. Estou perplexo como eles poderiam pensar de outra forma.

Gostou do artigo? Leia nosso livro introdutório chamado Alvorecer da Liberdade.

Quer saber mais sobre Ética Libertária?
Acesse agora
o curso de Introdução à Ética Libertária.

Faça parte do clube da liberdade.

Inscreva-se em nosso Canal Universidade Libertária no Youtube.

Nota de Rodapé

[1]        Bob Murphy and Gene Callahan, “Hans-Hermann Hoppe’s Argumentation Ethic: A Critique,” Anti-State.com, http://www.anti-state.com/murphy/murphy19.html.

[2]        Hans-Herman Hoppe, “The Justice of Economic Efficiency,” Austrian Economics Newsletter (Winter 1988). http://mises.org/journals/aen/aen9_2_1.pdf.

[3]        Jude Chua Soo Meng, Working paper, 2002. http://mises.org/journals/scholar/meng.pdf

[4]        Stephan Kinsella, “Punishment and Proportionality: The Estoppel Approach,” Journal of Libertarian Studies (Spring 1996). http://mises.org/journals/jls/12_1/12_1_3.pdf.

[5]        Ibid., “New Rationalist Directions in Libertarian Rights Theory,” Journal of Libertarian Studies (Fall 1996). http://mises.org/journals/jls/12_2/12_2_5.pdf.

[6]        Ibid., “Publications,” StephanKinsella.com, https://www.stephankinsella.com/publications/.

[7]        Ibid., “New Rationalist Directions.”

[8]        Hoppe, Theory of Socialism, p. 235 n.9; also p. 8.

[9]        Ibid., p. 131.

[10]       Ibid.

[11]       Ibid., pp. 131–32, ênfase adicionada.

[12]       Ibid., p. 5.

[13]       Ibid., p. 132, ênfase adicionada.

[14]       Ibid., p. 133.

[15]       Ibid., pp. 135–36; veja também pp. 142–44.

[16]       Ibid., p. 144.

[17]       Stephan Kinsella, “New Rationalist Directions.”

[18]       Hoppe, Theory of Socialism, p. 131.

Sair da versão mobile