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Lei, Direitos de Propriedade e Poluição do Ar

poluição do ar
Tempo de Leitura: 70 minutos

Por Murray Rothard

[Retirado de Economic Controversies, seç. 3, cap. 20]

O Direito como uma Disciplina Normativa

A lei é um conjunto de comandos; os princípios de direito penal ou de tort, de que trataremos, são ordens ou proibições negativas, na ordem de “não farás” ações, X, Y ou Z.[1] Em suma, certas ações são consideradas erradas a tal ponto em que é considerado apropriado usar as sanções da violência (já que a lei é a encarnação social da violência) para combater, defender e punir os transgressores.

Existem muitas ações contra as quais não se considera apropriado o uso da violência, individual ou organizada. Mera mentira (isto é, quando os contratos de transferência de títulos de propriedade não são quebrados), traição, ingratidão vil, ser desagradável com amigos ou associados, ou não comparecer a compromissos, geralmente são considerados errados, mas poucos pensam em usar a violência para impor ou combatê-los. Outras sanções — como recusar ver a pessoa ou fazer negócios com ela, submetê-la ao ostracismo  e assim por diante — podem ser usadas por indivíduos ou grupos, mas usar a violência da lei para proibir tais ações é considerado excessivo e inapropriado.

Se a ética é uma disciplina normativa que identifica e classifica certos conjuntos de ações como boas ou más, certas ou erradas, então o direito penal ou de tort é um subconjunto da ética que identifica certas ações como apropriadas para o uso de violência contra elas. A lei diz que a ação X deve ser ilegal e, portanto, deve ser combatida pela violência da lei. A lei é um conjunto de “deveres” ou proposições normativas.

Muitos escritores e juristas afirmaram que a lei é uma disciplina “positiva” livre de valor. Claro que é possível simplesmente listar, classificar e analisar o direito existente sem ir mais longe em dizer o que o direito deve ou não ser.[2] Mas esse tipo de jurista não está cumprindo sua tarefa essencial. Uma vez que a lei é, em última análise, um conjunto de comandos normativos, o verdadeiro jurista ou filósofo jurídico não completou sua tarefa até que ele defina o que a lei deveria ser, por mais difícil que isso possa ser. Se não o fizer, então ele necessariamente abdica de sua tarefa em favor de indivíduos ou grupos não treinados em princípios jurídicos, que podem estabelecer seus comandos por puro decreto e capricho arbitrário.

Assim, os juristas austinianos proclamam que o rei, ou soberano, deve estabelecer a lei, e a lei é puramente um conjunto de comandos que emanam de sua vontade. Mas então surge a pergunta: sobre quais princípios o rei opera ou deveria operar?[3] É possível dizer que o rei está emitindo um decreto “ruim” ou “impróprio”? Uma vez que o jurista admita isso, ele está indo além da vontade arbitrária para começar a enquadrar um conjunto de princípios normativos que deveriam nortear o soberano. E então ele está de volta ao direito normativo.

Variantes modernas da teoria jurídica positiva afirmam que o direito deve ser o que os legisladores dizem que é. Mas que princípios devem orientar os legisladores? E se dissermos que os legisladores devem ser os porta-vozes de seus eleitores, então simplesmente empurramos o problema um passo para trás e perguntamos: que princípios devem guiar os eleitores? Ou a lei e, portanto, a liberdade de ação de todos, deve ser governada pelo capricho arbitrário de milhões, em vez de um homem ou de alguns?[4]

Mesmo o conceito mais antigo de que a lei deve ser determinada por juízes tribais ou de common law, que estão meramente interpretando o costume da tribo ou sociedade, não pode escapar dos julgamentos normativos básicos à teoria. Por que as regras do costume devem ser obedecidas? Se o costume tribal exige o assassinato de todas as pessoas com mais de seis pés de altura, esse costume precisa ser obedecido independentemente? Por que a razão não pode estabelecer um conjunto de princípios para desafiar e derrubar mero costume e tradição? Da mesma forma, por que não pode ser usado para derrubar mero capricho arbitrário do rei ou do público?

Como veremos, direito penal ou de tort é um conjunto de proibições contra a invasão ou agressão aos direitos de propriedade privada; ou seja, esferas de liberdade de ação de cada indivíduo. Mas se for esse o caso, então a implicação da ordem “não interferirás no direito de propriedade de A” é que o direito de propriedade de A é justo e, portanto, não deve ser invadido. As proibições legais, portanto, longe de serem, em certo sentido, livres de valor, na verdade implicam um conjunto de teorias sobre justiça, em particular a justa alocação de direitos de propriedade e títulos de propriedade. “Justiça” não é senão um conceito normativo.

Nos últimos anos, no entanto, juristas e economistas da “Escola de Chicago” tentaram desenvolver teorias de direitos de propriedade livres de valor, direitos definidos e protegidos não com base em normas éticas como a justiça, mas em alguma forma de “eficiência social”. Em uma dessas variantes, Ronald Coase e Harold Demsetz afirmaram que “não faz qualquer diferença” como os direitos de propriedade são alocados em casos de interesses conflitantes, desde que alguns direitos de propriedade sejam atribuídos a alguém e depois defendidos. Em seu famoso exemplo, Coase discute a destruição de fazendas e pomares próximos por uma locomotiva ferroviária. Para Coase e Demsetz, esse dano das plantações de um fazendeiro pela ferrovia é uma “externalidade” que deveria, de acordo com os princípios da eficiência social, ser internalizada. Mas para esses economistas, não faz nenhuma diferença qual dos dois cursos de ação possíveis se adota. Ou se diz que o fazendeiro tem direito de propriedade em seu pomar; portanto, a ferrovia deveria pagar uma indenização por sua perda, e o fazendeiro deveria poder proibir as ações invasivas da ferrovia. Ou a ferrovia tem o direito de expelir fumaça onde quiser, e se o fazendeiro deseja parar a fumaça, ele deve pagar à ferrovia para instalar um dispositivo de redução de fumaça. Não importa, do ponto de vista do dispêndio de recursos produtivos, qual curso de ação é tomado.

Por exemplo, suponha que a ferrovia cometa $100.000 em danos e, no Caso 1, essa ação seja tida como responsável por invadir a propriedade do fazendeiro. Nesse caso, a ferrovia deve pagar $100.000 ao fazendeiro ou então investir em um dispositivo de redução de fumaça, o que for mais barato. Mas no Caso 2, onde a ferrovia tem o direito de propriedade de emitir a fumaça, o fazendeiro teria que pagar à ferrovia até $100.000 para parar de danificar sua fazenda. Se o dispositivo de fumaça custar menos de $100.000, digamos, $80.000, o dispositivo será instalado independentemente de quem recebeu o direito de propriedade. No Caso 1, a ferrovia gastará $80.000 no dispositivo em vez de pagar $100.000 ao fazendeiro; no Caso 2, o fazendeiro estará disposto a pagar à ferrovia $80.000 e até $100.000 para instalar o dispositivo. Se, por outro lado, o dispositivo de fumaça custar mais de $100.000, digamos, $120.000, o dispositivo não será instalado de qualquer maneira, independentemente de qual rota for tomada. No Caso 1, a ferrovia continuará soltando fumaça e pagando $100.000 em danos ao fazendeiro, em vez de gastar $120.000 no dispositivo; no Caso 2, não compensará ao fazendeiro subornar a ferrovia em $120.000 pelo dispositivo, uma vez que isso é uma perda maior para ele do que o dano de $100.000. Portanto, independentemente de como os direitos de propriedade são atribuídos — segundo Coase e Demsetz — a alocação de recursos será a mesma. A diferença entre os dois é apenas uma questão de “distribuição”, ou seja, de renda ou riqueza.[5]

Há muitos problemas com esta teoria. Primeiro, renda e riqueza são importantes para as partes envolvidas, embora possam não ser para economistas não envolvidos. Faz muita diferença para ambos quem tem que pagar a quem. Em segundo lugar, esta tese só funciona se ignorarmos deliberadamente os fatores psicológicos. Os custos não são apenas monetários. O fazendeiro pode muito bem ter um apego ao pomar muito além do dano monetário. Portanto, o pomar pode valer muito mais para ele do que os $100.000 em danos, de modo que pode levar $1 milhão para compensá-lo pela perda total. Mas então a suposta indiferença se desfaz totalmente. No Caso 1, o fazendeiro não se contentará em aceitar meros $100.000 em danos. Ele obterá uma liminar contra qualquer agressão adicional contra sua propriedade e, mesmo que a lei permita a negociação entre as próprias partes para remover a liminar, ele insistirá em mais de $1 milhão da ferrovia, que a ferrovia não estará disposta a pagar.[6] Por outro lado, no Caso 2, é provável que não haja uma maneira do fazendeiro levantar o $1 milhão necessário para impedir a invasão de fumaça no pomar.

O amor do fazendeiro por seu pomar é parte de uma dificuldade maior para a doutrina Coase-Demsetz: os custos são puramente subjetivos e não mensuráveis em termos monetários. Coase e Demsetz têm uma ressalva em sua tese da indiferença de que todos os “custos de transação” sejam zero. Caso contrário, eles defendem a alocação dos direitos de propriedade para qualquer decisão que implique custos mínimos de transação sociais. Mas uma vez que entendemos que os custos são subjetivos para cada indivíduo e, portanto, imensuráveis, vemos que os custos não podem ser somados. Mas se todos os custos, incluindo os custos de transação, não podem ser somados, então não existem “custos de transação sociais”, e eles não podem ser comparados nos Casos 1 ou 2, ou mesmo em qualquer outra situação.[7]

Outro problema sério com a abordagem de Coase-Demsetz é que, fingindo ser livre de valor, eles na realidade importam a norma ética da “eficiência” e afirmam que os direitos de propriedade devem ser atribuídos com base nessa eficiência. Mas mesmo que o conceito de eficiência social fosse significativo, eles não respondem às questões de por que a eficiência deve ser a consideração primordial no estabelecimento de princípios jurídicos ou por que as externalidades devem ser internalizadas acima de todas as outras considerações. Estamos agora fora do Wertfreiheit e de volta às questões éticas não examinadas.[8],[9]

Outra tentativa dos economistas da Escola de Chicago de fazer recomendações de políticas públicas legais sob o pretexto de Wertfreiheit é a afirmação de que, ao longo dos anos, os juízes de common law sempre chegarão à alocação socialmente eficiente de direitos de propriedade e responsabilidades de torts. Demsetz enfatiza direitos que minimizarão os custos de transação sociais; Richard Posner enfatiza a maximização da “riqueza social”. Tudo isso acrescenta um determinismo histórico injustificado, funcionando como uma espécie de mão invisível guiando os juízes ao caminho atual da Escola de Chicago, às demais falácias examinadas acima.[10]

Se a lei é um conjunto de princípios normativos, segue-se que qualquer lei positiva ou consuetudinária que tenha surgido não pode ser simplesmente registrada e seguida cegamente. Todas essas leis devem ser submetidas a uma crítica minuciosa baseada em tais princípios. Então, se houver discrepâncias entre o direito real e os princípios justos, como quase sempre existem, devem ser tomadas medidas para que o direito esteja em conformidade com os princípios jurídicos corretos.

Invasão Física

O princípio normativo que estou sugerindo para a lei é simplesmente este: nenhuma ação deve ser considerada ilícita ou ilegal a menos que invada ou agrida a pessoa ou propriedade justa de outrem. Somente ações invasivas devem ser declaradas ilegais e combatidas com todo o poder da lei. A invasão deve ser concreta e física. Existem graus de gravidade de tal invasão e, portanto, diferentes graus próprios de restituição ou punição. A simples invasão de propriedade para fins de furto, é menos grave do que o “assalto”, onde a força armada provavelmente será usada contra a vítima. Aqui, no entanto, não estamos preocupados com as questões de graus de invasão ou punição, mas simplesmente com a invasão per se.

Se nenhum homem pode invadir a propriedade “justa” de outra pessoa, qual deve ser nosso critério de justiça?[11] Não há espaço aqui para elaborar uma teoria da justiça nos títulos de propriedade. Basta dizer que o axioma básico da teoria política libertária sustenta que todo homem é proprietário de si mesmo, tendo jurisdição absoluta sobre seu próprio corpo. Com efeito, isso significa que ninguém mais pode justamente invadir ou agredir outra pessoa. Segue-se então que cada pessoa possui com justiça quaisquer recursos anteriormente sem dono de que se apropria ou “com os quais mistura seu trabalho”. A partir desses axiomas gêmeos — donidade de si e “apropriação original” — decorre a justificativa para todo o sistema de títulos de direitos de propriedade em uma sociedade de livre mercado. Este sistema estabelece o direito de cada homem à sua própria pessoa, o direito de doação, de legado (e, concomitantemente, o direito de receber o legado ou herança), e o direito de troca contratual de títulos de propriedade.[12]

A teoria jurídica e política cometeu muitos danos ao deixar de apontar a invasão física como a única ação humana que deveria ser ilegal e que justifica o uso da violência física para combatê-la. O conceito vago de “dano” é substituído pelo conceito preciso de violência física.[13] Considere os dois exemplos a seguir. Jim está cortejando Susan e está prestes a ganhar sua mão em casamento, quando de repente Bob aparece em cena e a conquista. Certamente Bob fez um grande “dano” a Jim. Uma vez que uma sensação de dano de invasão não física é adotada, quase qualquer ato fora da lei pode ser justificado. Jim deveria ser capaz de “proibir” a própria existência de Bob?[14]

Da mesma forma, A é um vendedor bem-sucedido de lâminas de barbear. Mas então B aparece e vende uma lâmina melhor, revestida de teflon para evitar cortes de barbear. O valor da propriedade de A é muito afetado. Ele deveria ser capaz de cobrar indenização de B, ou, melhor ainda, proibir a venda de uma lâmina melhor por B? A resposta correta não é que os consumidores seriam prejudicados se fossem forçados a comprar a lâmina inferior, embora esse seja certamente o caso. Em vez disso, ninguém tem o direito de prevenir ou retaliar legalmente contra “danos” à sua propriedade, a menos que seja um ato de invasão física. Toda pessoa tem direito a ter a integridade física de seus bens inviolada; ninguém tem o direito de proteger o valor de sua propriedade, pois esse valor é puramente o reflexo do que as pessoas estão dispostas a pagar por ela. Essa vontade depende apenas de como eles decidem usar seu dinheiro. Ninguém pode ter direito ao dinheiro de outrem, a menos que essa outra pessoa tenha previamente contratado para transferi-lo para ele.

Na lei de torts, “dano” é geralmente tratado como invasão física de pessoa ou propriedade. A proibição da difamação (libelo e calúnia) sempre foi uma anomalia gritante na lei de tort. Palavras e opiniões não são invasões físicas. Análoga à perda de valor de propriedade de um produto melhor ou uma mudança na demanda do consumidor, ninguém tem direito de propriedade em sua “reputação”. A reputação é estritamente uma função das opiniões subjetivas de outras mentes, e elas têm o direito absoluto às suas próprias opiniões, sejam elas quais forem. Portanto, proibir a difamação é em si uma violação grosseira do direito de liberdade de expressão do difamador, que é um subconjunto de seu direito de propriedade sobre sua própria pessoa.[15]

Um ataque ainda mais amplo à liberdade de expressão é o moderno tort de invasão inspirado em Warren-Brandeis do suposto direito de “privacidade”, que proíbe a liberdade de expressão e age usando a própria propriedade que nem sequer é falsa ou “maliciosa”.[16]

Na lei de torts, “dano” é geralmente tratado como invasão física de pessoa ou propriedade e geralmente exige o pagamento de danos por danos “emocionais” se e somente se esse dano for uma consequência de invasão física. Assim, dentro da lei padrão de transgressão — uma invasão de pessoa ou propriedade — “agressão” é a invasão real do corpo de outra pessoa, enquanto “ataque” é a criação por uma pessoa em outra de um medo, ou receio, de agressão.[17]

Para ser um ataque legalmente classificável e, portanto, sujeito a ação legal, a lei de tort sabiamente exige que a ameaça seja próxima e iminente. Meros insultos e palavras violentas, vagas ameaças futuras ou a simples posse de uma arma não podem constituir um ataque[18]; deve haver uma ação aberta concomitante para dar origem ao receio de uma agressão física iminente.[19] Ou, em outras palavras, deve haver uma ameaça concreta de uma agressão iminente antes que a possível vítima possa usar legitimamente a força e a violência para se defender.

A invasão física ou o abuso sexual não precisam ser realmente “prejudiciais” ou infligir danos graves para constituir um tort. Os tribunais consideraram corretamente que atos como cuspir na cara de alguém ou arrancar o chapéu de alguém são agressões. As palavras do chefe de justiça Holt em 1704 ainda parecem se aplicar: “O menor toque de outro com raiva é um ataque”. Embora o dano real possa não ser substancial, em um sentido profundo, podemos concluir que a pessoa da vítima foi molestada, sofreu interferência, pela agressão física contra ela e que, portanto, essas ações aparentemente menores tornaram-se injustiças legais.[20]

Iniciação de um Ato Evidente: Responsabilidade Estrita

Se apenas uma invasão física de uma pessoa ou propriedade constitui um ato ilícito ou tort, torna-se importante demarcar quando uma pessoa pode agir como se tal invasão física estivesse prestes a ocorrer. A teoria jurídica libertária sustenta que A não pode usar a força contra B exceto em autodefesa, isto é, a menos que B esteja iniciando a força contra A. Mas quando a força de A contra B é autodefesa legítima e quando ela é em si agressão legalmente reconhecível e ilegítima contra B? Para responder a essa pergunta, precisamos considerar que tipo de teoria da responsabilidade tort estamos preparados para adotar.

Suponhamos, por exemplo, que Smith veja Jones franzindo a testa em sua direção do outro lado da rua, e que Smith tenha um medo anormal de franzirem a testa para ele. Convencido de que Jones está prestes a atirar nele, ele, portanto, puxa uma arma e atira em Jones no que ele tem certeza de que é autodefesa. Jones apresenta uma acusação de ataque e agressão contra Smith. Smith era um agressor e, portanto, deveria ser responsabilizado? Uma teoria de responsabilidade — a ortodoxa “homem razoável” ou “conduta razoável” ou teoria da “negligência” — diz que deveria, porque franzir a testa não despertaria o receio de um ataque iminente em um “homem razoável”. Uma teoria concorrente, uma vez mantida e agora sendo revivida — a da “responsabilidade estrita” ou “responsabilidade causal estrita” — concorda porque deve ficar claro para um juiz ou júri que Jones não era um agressor iminente. E isso aconteceria independentemente de quão sincero Smith fosse em seu medo de ataque.

Duas falhas graves na teoria do “homem razoável” são que a definição de “razoável” é vaga e subjetiva, e que os agressores culpados ficam impunes, enquanto suas vítimas permanecem sem compensação. Neste caso particular, as duas teorias coincidem, mas em muitos outros casos não. Tomemos, por exemplo, o caso Courvoisier v. Raymond (1896).[21] Neste caso, o réu, um lojista, foi ameaçado por uma turba rebelde. Quando um homem que por acaso era um policial à paisana se aproximou do réu, tentando ajudá-lo, o réu, confundindo-o com um desordeiro, atirou no policial. O lojista deveria ter sido responsabilizado?

O tribunal de primeira instância decidiu o caso corretamente — com base na responsabilidade estrita — e o júri decidiu pelo policial. Pois é claro que o réu cometeu uma agressão ao atirar no queixoso. Na teoria da responsabilidade estrita, o enfoque é quanto a causação: quem iniciou o tort ou o crime? Uma defesa primordial para a ação do réu era se o queixoso de fato tivesse cometido um ataque, ameaçando o início iminente de uma agressão contra ele. Tradicionalmente, a questão torna-se então uma questão factual para os júris decidirem: o policial à paisana de fato ameaçou agredir o lojista? O júri decidiu pelo policial.[22] O tribunal de apelação, no entanto, reverteu a decisão do tribunal de primeira instância. Para o tribunal, o lojista agiu como um “homem razoável” quando concluiu, embora incorretamente, que o policial à paisana estava disposto a atacá-lo.

Quando um ato deve ser considerado um ataque? Franzir a testa dificilmente se qualificaria. Mas se Jones tivesse sacado uma arma e apontado na direção de Smith, embora ainda não tivesse disparado, isso é claramente uma ameaça de agressão iminente, e seria adequadamente combatida por Smith ligando Jones em autodefesa. (Nesse caso, nossa visão e a teoria do “homem razoável” coincidiriam novamente.) O critério adequado para determinar se o ponto de ataque foi alcançado é o seguinte: Jones iniciou uma agressão ameaçadora de “ato evidente”? Como Randy Barnett apontou:

Em um caso de certeza não plena, o único uso da força justificável é aquele usado para repelir um ato manifesto que é algo mais do que mera preparação, distante do tempo e do lugar do crime pretendido. Deve ser mais do que “arriscado”; deve ser feito com a intenção específica de cometer um crime e tender diretamente, em algum grau substancial, a realizá-lo.[23]

Princípios semelhantes são válidos em casos de espectadores inocentes. Jones assalta e ataca Smith; Smith, em autodefesa, atira. O tiro dá errado e acidentalmente atinge Brown, um espectador inocente. Smith deve ser responsabilizado? Infelizmente, os tribunais, aderindo à doutrina tradicional do “homem razoável” ou da “negligência”, sustentaram que Smith não é responsável se de fato ele estava razoavelmente pretendendo autodefesa contra Jones.[24] Mas, na teoria libertária e na teoria de responsabilidade estrita, Smith de fato agrediu Brown, embora não intencionalmente, e deve pagar por esse tort. Assim, Brown tem uma ação legal apropriada contra Smith: Desde que Jones coagiu ou atacou Smith, Smith também tem uma ação independente e apropriada por ataque ou agressão contra Jones. Presumivelmente, a responsabilidade ou punição contra Jones seria consideravelmente mais severa do que contra Smith.

Uma das grandes falhas na abordagem de negligência ortodoxa tem sido focar no direito de autodefesa de uma vítima (Smith) ao repelir um ataque, ou em seu erro de boa-fé. Mas a doutrina ortodoxa infelizmente negligencia a outra vítima — o homem carrancudo do outro lado da rua, o policial à paisana tentando salvar alguém, o espectador inocente. O direito de legítima defesa do queixoso está sendo gravemente negligenciado. O ponto apropriado para focar em todos esses casos é: o queixoso teria o direito de ligar o réu em sua autodefesa? O homem carrancudo, o policial à paisana, o espectador inocente, se pudesse fazê-lo a tempo, teria o direito de atirar nos réus sinceros, mas errantes, em autodefesa? Certamente, qualquer que seja nossa teoria de responsabilidade, a resposta deve ser “sim”; portanto, a palma deve ir para a teoria da responsabilidade objetiva, que se concentra no direito de autodefesa de todos e não apenas de um determinado réu. Pois é claro que, uma vez que esses queixosos tinham o direito de ligar o réu em autodefesa, então o réu deve ter sido o agressor tortioso, independentemente de quão sincero ou “razoável” suas ações possam ter sido.

A partir de várias discussões esclarecedoras do professor Epstein, parece evidente que existem três teorias contrastantes de responsabilidade de torts entrelaçadas em nossa estrutura jurídica. A mais antiga, a responsabilidade causal estrita, atribuiu culpa e ônus com base em causa identificável: quem atirou em quem? Quem agrediu quem? Apenas a defesa de pessoas e propriedades era uma defesa adequada contra uma acusação de uso da força. Essa doutrina foi substituída durante o século XIX pela teoria da negligência ou do “homem razoável”, que isentava muitos réus culpados se suas ações fossem julgadas razoáveis ​​ou não demonstrassem negligência indevida. Com efeito, a teoria da negligência balançou a balança excessivamente em favor do réu e contra o queixoso. Em contraste, a teoria moderna que surge cada vez mais no século XX, ansiosa para ajudar os queixosos (especialmente se forem pobres), busca maneiras de encontrar contra os réus, mesmo que a causa estrita da invasão física não possa ser comprovada. Se a teoria mais antiga é denominada “responsabilidade causal estrita”, a moderna poderia ser denominada “responsabilidade presuntiva”, pois a presunção parece ser contra o réu, em flagrante violação da presunção de inocência do direito penal anglo-saxão por parte do réu.[25]

Estendendo nossa discussão dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a propriedade, podemos aplicar a mesma conclusão: Qualquer pessoa tem o direito de defender sua propriedade contra um ato evidente iniciado contra ela. Ele não pode fazer uso da força contra um suposto agressor — um invasor contra suas terras ou bens móveis — até que este inicie a força por um ato evidente.

Quanta força uma vítima pode usar para defender sua pessoa ou sua propriedade contra a invasão? Aqui devemos rejeitar como irremediavelmente inadequada a doutrina legal atual de que ele pode usar apenas força “razoável”, o que na maioria dos casos reduziu o direito da vítima de se defender virtualmente à nulidade.[26] Na lei atual, uma vítima só pode usar força máxima, ou “mortal”, (a) em sua própria casa, e somente se estiver sob ataque pessoal direto; ou (b) se não houver como ele recuar quando estiver pessoalmente sob ataque. Tudo isso é um absurdo perigoso. Qualquer ataque pessoal pode se tornar assassino; a vítima não tem como saber se o agressor vai ou não parar pouco antes de infligir-lhe uma lesão grave. A vítima deve ter o direito de prosseguir na suposição de que qualquer ataque é implicitamente mortal e, portanto, usar força mortal em troca.

Na lei atual, a vítima está em situação ainda pior quando se trata de defender a integridade de sua própria terra ou bens móveis. Por lá, ele não tem permissão nem para usar força letal para defender sua própria casa, muito menos outras terras ou propriedades. O raciocínio parece ser que, uma vez que uma vítima não teria permissão para matar um ladrão que roubasse seu relógio, ela não deveria, portanto, ser capaz de atirar no ladrão no processo de roubar o relógio ou persegui-lo. Mas punição e defesa de pessoa ou propriedade não são a mesma coisa, e devem ser tratadas de forma diferente. A punição é um ato de retribuição após o crime ter sido cometido e o criminoso preso, julgado e condenado. A defesa enquanto o crime está sendo cometido, ou até que a propriedade seja recuperada e o criminoso preso, é uma história muito diferente. A vítima deve ter o direito de usar qualquer força, incluindo força letal, para defender ou recuperar sua propriedade enquanto o crime estiver em processo de cometimento — isto é, até que o criminoso seja preso e devidamente julgado por processo legal. Em outras palavras, ele deve ser capaz de atirar em saqueadores.[27]

O Ônus Adequado do Risco

Concluímos, então, que ninguém pode usar a força para defender a si mesmo ou sua propriedade até o início de um ato manifesto de agressão contra ele. Mas essa doutrina não impõe um risco indevido a todos?

A resposta básica é que a vida é sempre arriscada e incerta e que não há como contornar esse fato primordial. Qualquer deslocamento do ônus do risco de uma pessoa simplesmente o coloca sobre outra. Assim, se nossa doutrina torna mais arriscado esperar até que alguém comece a agredir você, também torna a vida menos arriscada, pois, como um não agressor, tem-se mais certeza de que nenhuma suposta vítima excitada o atacará em suposta “autodefesa”. Não há como a lei reduzir o risco geral; torna-se então importante usar algum outro princípio para estabelecer os limites da ação permissível e, assim, alocar os ônus do risco. O axioma libertário de que todas as ações são permitidas, exceto atos de agressão evidentes, fornece uma base de princípios para a alocação de risco.

Existem razões mais profundas pelas quais os riscos gerais não podem ser reduzidos ou minimizados por uma ação legal aberta. O risco é um conceito subjetivo único para cada indivíduo; portanto, não pode ser colocado em forma quantitativa mensurável. Portanto, nenhum grau quantitativo de risco de uma pessoa pode ser comparado ao de outra, e nenhuma medida geral de risco social pode ser obtida. Como conceito quantitativo, o risco geral ou social é tão sem sentido quanto o conceito do economista de “custos sociais” ou benefícios sociais.

Em um mundo libertário, então, todos assumiriam o “ônus adequado do risco”[28] colocado sobre ele como um ser humano livre responsável por si mesmo. Esse seria o risco envolvido na pessoa e na propriedade de cada homem. É claro que os indivíduos podem voluntariamente agrupar seus riscos, como em várias formas de seguro, nas quais os riscos são compartilhados e os benefícios pagos aos perdedores do conjunto. Ou, os especuladores podem assumir voluntariamente riscos de futuras mudanças de preços que são descartadas por outros em operações de hedge no mercado. Ou, um homem poderia assumir os riscos de outro para pagamento, como no caso de desempenho e outras formas de vínculo. O que não seria permitido é um grupo se reunir e decidir que outro grupo deve ser forçado a assumir seus riscos. Se um grupo, por exemplo, obriga um segundo grupo a garantir a renda do primeiro, os riscos aumentam muito para o segundo, em detrimento de seus direitos individuais. A longo prazo, é claro, todo o sistema pode entrar em colapso, já que o segundo grupo só pode fornecer garantias de sua própria produção e renda, que estão fadadas a cair à medida que o fardo do parasitismo social se expande e prejudica a sociedade.

O Ônus Adequado da Prova

Se o ônus adequado do risco de cada homem é abster-se de coerção, a menos que um ato explícito contra sua pessoa ou propriedade tenha sido iniciado contra ele,[29] então qual é o ônus adequado da prova contra um réu?

Primeiro, deve haver alguns padrões racionais de prova para que os princípios libertários funcionem. Suponha que o axioma básico do libertarianismo — nenhuma iniciação de força contra pessoa ou propriedade — seja consagrado em todos os processos judiciais. Mas suponha que o único critério de prova é que todas as pessoas com menos de seis pés são consideradas culpadas, enquanto todas as pessoas com mais de seis pés são consideradas inocentes. É claro que esses padrões processuais de prova estariam em violação direta e flagrante dos princípios libertários. Assim como os testes de prova em que ocorrências irrelevantes ou aleatórias decidiriam o caso, como o julgamento medieval por provação ou julgamento por folhas de chá ou mapas astrológicos.

De um ponto de vista libertário, então, o procedimento adequado exige provas racionais sobre a culpa ou inocência das pessoas acusadas de tort ou crime. A prova deve ser probatória ao demonstrar uma estrita cadeia causal de atos de invasão de pessoa ou propriedade. As provas devem ser construídas para demonstrar que o agressor A de fato iniciou um ato físico evidente invadindo a pessoa ou propriedade da vítima B.[30]

Quem, então, deve arcar com o ônus da prova em qualquer caso particular? E qual critério ou padrão de prova deve ser satisfeito?

O princípio libertário básico é que todos devem ter permissão para fazer o que quer que estejam fazendo, a menos que cometa um ato evidente de agressão contra outra pessoa. Mas e as situações em que não está claro se uma pessoa está ou não cometendo agressão? Nesses casos, o único procedimento condizente com os princípios libertários é não fazer nada; dar uma passo para trás para garantir que a agência judicial não esteja coagindo um homem inocente.[31] Se não tivermos certeza, é muito melhor deixar escapar um ato agressivo do que impor a coerção e, portanto, cometer a agressão nós mesmos.[32] Um princípio fundamental do juramento de Hipócrates, “pelo menos, não prejudique”, deve ser aplicado também às agências legais ou judiciais.

A presunção de cada caso, então, deve ser que todo réu é inocente até que se prove a culpa, e o ônus da prova deve recair diretamente sobre o queixoso.[33]

Se devemos sempre insistir no laissez-faire, segue-se que um padrão de prova tão fraco como a “preponderância da evidência” não deve servir como demonstração de culpa. Se o queixoso produz provas julgadas em algum sentido para pesar meros 51% em nome da culpa do réu, isso é pouco melhor do que o acaso como justificativa para o tribunal usar a força contra o réu. A presunção de inocência, então, deve estabelecer um padrão muito mais alto de prova.

Atualmente, a “preponderância da evidência” é usada para decidir casos civis, enquanto um padrão muito mais rígido é usado para casos criminais, já que as penalidades são muito mais rígidas. Mas, para os libertários, o teste de culpa não deve estar vinculado ao grau de punição; independentemente da punição, a culpa envolve algum tipo de coerção imposta contra o réu condenado. Os réus merecem tanta proteção em torts civis quanto em casos criminais.[34]

Alguns juízes, devidamente chocados com a visão dominante de que meros 51% das evidências podem servir para condenar, mudaram o critério para garantir que quem está julgando o caso — juiz ou júri — esteja convencido da culpa pela preponderância das evidências. Um critério mais satisfatório, no entanto, é que o julgador deve ser convencido da culpa do réu por “provas claras, fortes e convincentes”.[35] Felizmente, este teste tem sido usado cada vez mais em casos civis nos últimos anos. Melhor ainda eram formulações mais fortes, mas geralmente rejeitadas de certos juízes, como prova “clara, positiva e inequívoca”, e a afirmação de um juiz de que a frase significa que os queixosos “devem […] satisfazê-lo com uma certeza moral”.[36]

Mas o melhor padrão para qualquer prova de culpa é aquele comumente usado em casos criminais: prova “além de uma dúvida razoável”. Obviamente, algumas dúvidas quase sempre persistirão na avaliação das ações das pessoas, de modo que um padrão como “além de uma centelha de dúvida” seria irremediavelmente irreal. Mas a dúvida deve permanecer pequena o suficiente para que qualquer “homem razoável” seja convencido da culpa do réu. A convicção de culpa “além de uma dúvida razoável” parece ser o padrão mais condizente com o princípio libertário.

O notável advogado constitucional libertário do século XIX, Lysander Spooner, foi um ardente defensor do padrão “além de uma dúvida razoável” para toda culpa:

as vidas, liberdades e propriedades dos homens são muito valiosas para eles, e as presunções naturais são muito fortes em seu favor para justificar a destruição deles por seus semelhantes em um mero equilíbrio de probabilidades, ou em qualquer base que não seja de certeza para além de uma dúvida razoável. [Itálicos de Spooner][37]

Embora o critério da dúvida razoável geralmente não tenha sido usado em casos civis, existem alguns precedentes para essa proposta aparentemente ousada e chocante. Assim, na alegação de um presente oferecido oralmente em um caso de inventário, o tribunal decidiu que o suposto presente “deve ser comprovado por testemunho contundente, claro e conclusivo que convença o tribunal além de qualquer dúvida razoável de sua veracidade”. E em uma ação para revisar um contrato escrito, o tribunal decidiu que o erro deve ser “estabelecido por evidências tão fortes e conclusivas que o coloquem além de dúvidas razoáveis”.[38]

Causalidade Estrita

O que o queixoso deve provar, então, além de qualquer dúvida razoável, é um nexo causal estrito entre o réu e sua agressão contra o queixoso. Ele deve provar, em suma, que A realmente “causou” uma invasão da pessoa ou propriedade de B.

Em uma brilhante análise da causação na lei, o professor Epstein demonstrou que sua própria teoria de responsabilidade estrita de torts está intimamente ligada a uma visão direta, estrita e de bom senso de “causa”. A proposição causal em uma visão de responsabilidade estrita da lei assume a forma de “A agrediu B”, “A ameaçou B” ou “A obrigou B a agredir C”. A teoria de tort ortodoxa, em contraste, ao enfatizar a responsabilidade por “negligência” em vez de ação de agressão direta, está emaranhada com teorias vagas e complexas de “causa”, muito distantes da variedade de senso comum “A agrediu B”. A teoria da negligência postula uma noção vaga e “filosófica” de “causa de fato” que virtualmente culpa todos e ninguém, passado, presente e futuro por cada ato, e então restringe a causa de maneira vaga e insatisfatória à “causa próxima” no caso específico. O resultado, como Epstein aponta incisivamente, é viciar completamente o conceito de causa e deixar os tribunais livres para decidir casos arbitrariamente e de acordo com suas próprias visões de política social.[39]

Para estabelecer culpa e responsabilidade, a causalidade estrita da agressão que leva ao dano deve atender ao rígido teste de prova além de uma dúvida razoável. Palpite, conjectura, plausibilidade, mesmo a mera probabilidade, não são suficientes. Nos últimos anos, a correlação estatística tem sido comumente usada, mas não pode estabelecer causação, certamente não para uma rigorosa prova legal de culpa ou dano. Assim, se as taxas de câncer de pulmão são maiores entre os fumantes de cigarros do que entre os não fumantes, isso por si só não estabelece prova de causa. O próprio fato de muitos fumantes nunca terem câncer de pulmão e de muitos pacientes com câncer de pulmão nunca terem fumado indica que existem outras variáveis complexas em ação. De modo que, embora a correlação seja sugestiva, dificilmente é suficiente para estabelecer uma prova médica ou científica; a fortiori, pode ainda menos estabelecer qualquer tipo de culpa legal (se, por exemplo, uma esposa que desenvolveu câncer de pulmão deve processar o marido por fumar e, portanto, fazer mal aos seus pulmões).[40]

Milton Katz aponta, em um caso em que o queixoso processou por danos causados pela poluição do ar:

Suponha que o queixoso deva reivindicar danos sérios: por enfisema, talvez, ou por câncer de pulmão, bronquite ou alguma outra lesão comparativamente grave em seus pulmões. Ele enfrentaria um problema de prova de causalidade. […] Os diagnósticos médicos parecem ter estabelecido que o dióxido de enxofre e outros poluentes do ar muitas vezes desempenham um papel significativo na etiologia do enfisema e outras formas de dano pulmonar. Mas eles não são de forma alguma os únicos fatores causais possíveis. Enfisema e câncer de pulmão são doenças complexas que podem se originar em uma variedade de causas, por exemplo, tabagismo, para citar um exemplo familiar. Se e quando o queixoso conseguir estabelecer que a conduta dos réus poluiu o ar de sua casa, não se seguiria que a poluição causou sua doença. O queixoso ainda teria que cumprir o ônus separado de provar a etiologia de seu dano pulmonar.[41]

Assim, uma conexão causal estrita deve existir entre um agressor e uma vítima, e essa conexão deve ser comprovada além de qualquer dúvida razoável. Deve ser causalidade no conceito de senso comum de prova estrita da variedade “A agrediu B”, não mera probabilidade ou correlação estatística.

Responsabilidade Apenas do Agressor

Sob a teoria da responsabilidade estrita, pode-se supor que se “A agrediu B”, então A é o agressor e que, portanto, A e somente A é responsável por B. E, no entanto, a doutrina jurídica surgiu e triunfou, aprovada até pelo professor Epstein, em que às vezes C, inocente e não agressor, também é responsabilizado. Esta é a notória teoria da “responsabilidade vicária”.

A responsabilidade vicária cresceu no direito medieval, em que um patrão era responsável pelos torts cometidos por seus empregados, servos, escravos e esposa. À medida que o individualismo e o capitalismo se desenvolveram, a common law mudou e a responsabilidade vicária desapareceu nos séculos XVI e XVII, quando se concluiu sensatamente que “o senhor não deveria ser responsável pelos torts de seu empregado a menos que tivesse ordenado o ato particular”.[42]

Desde os séculos XVIII e XIX, porém, a responsabilidade vicária de patrões ou empregadores voltou com força total. Desde que o tort seja cometido pelo empregado no decurso da promoção, mesmo que apenas em parte, dos negócios de seu empregador, o empregador também é responsável. A única exceção é quando o empregado vai “agindo por conta própria” sem conexão com os negócios do empregador. Prosser escreve:

O fato do ato do empregado ser expressamente proibido pelo patrão, ou feito de maneira por ele proibida, geralmente […] não é conclusivo e não impede por si só que um ato esteja dentro do escopo do emprego [e, portanto, responsabilizando o patrão]. Um patrão não pode escapar da responsabilidade meramente ordenando que seu empregado aja com cuidado. […] Assim, instruções a um vendedor para nunca carregar uma arma enquanto a exibe não impedirá a responsabilidade quando o vendedor o fizer, em um esforço para vender a arma. […] [O] patrão não pode escapar da responsabilidade, não importa quão específicas, detalhadas e enfáticas suas ordens possam ter sido para o contrário. Isso ficou claro desde os principais casos ingleses (Limpus v. London General Omnibus Co., [1862] 1H. & C. 526, 158 Eng. Rep. 993) nos quais uma empresa de ônibus foi responsabilizada, não obstante ordens definidas ao seu motorista para não obstruir outros veículos.[43]

Ainda mais notável, o patrão agora é considerado responsável mesmo por torts intencionais cometidos pelo empregado sem o consentimento do patrão:

Em geral, o patrão é responsabilizado por qualquer tort intencional cometido pelo empregado quando seu propósito, por mais equivocado que seja, seja total ou parcialmente promover os negócios do senhor.

Assim, ele será responsabilizado quando seu motorista de ônibus enfiar o ônibus de um concorrente em uma vala, ou agredir um invasor para expulsá-lo do ônibus, ou um vendedor fizer declarações fraudulentas sobre os produtos que está vendendo.[44]

Prosser despreza adequadamente o raciocínio distorcido pelo qual os tribunais tentaram justificar um conceito jurídico tão em guerra com o libertarianismo, o individualismo e o capitalismo, e adequado apenas a uma sociedade pré-capitalista.

Uma infinidade de razões muito engenhosas foram oferecidas para a responsabilidade vicária de um patrão: ele tem um “controle” mais ou menos fictício sobre o comportamento de um empregado; ele “colocou a coisa toda em movimento” e, portanto, é responsável pelo que aconteceu; ele escolheu o empregado e confiou nele, e assim deve sofrer por seus erros, em vez de um estranho inocente que não teve oportunidade de se proteger; é uma grande concessão que qualquer homem tenha permissão para empregar outro, e deve haver uma responsabilidade correspondente como o preço a ser pago por isso. […] A maioria dos tribunais fez pouco ou nenhum esforço para explicar o resultado e se refugiou em frases bastante vazias, como […] a fórmula infinitamente repetida de “respondeat superior”, que em si significa nada mais do que “olhar para o homem mais alto”.[45]

De fato, como indica Prosser, a única justificativa real para a responsabilidade vicária é que os empregadores geralmente têm mais dinheiro do que os empregados, de modo que se torna mais conveniente (se não for o empregador) responsabilizar a classe mais rica. Nas palavras cínicas de Thomas Baty: “Na verdade, a razão da responsabilidade dos empregadores é que os danos são tirados do bolso”.[46]

Em oposição, também, temos a crítica lúcida do juiz Holmes: “Suponho que o bom senso se opõe a fazer um homem pagar pelo erro de outro, a menos que ele realmente tenha feito o erro acontecer. […] Portanto, assumo que o senso comum se opõe à teoria fundamental da agência”.[47]

Seria de se esperar que, em uma teoria de responsabilidade causal estrita, a responsabilidade vicária fosse descartada com pouca cerimônia. É, portanto, surpreendente ver o professor Epstein violar o espírito de sua própria teoria. Ele parece ter duas defesas para a doutrina do respondeat superior e da responsabilidade vicária. Uma delas é o curioso argumento de que “assim como o empregador obtém e se beneficia dos ganhos das atividades de seu trabalhador, ele também deve ser obrigado a arcar com as perdas dessas atividades”.[48] Esta declaração não avalia a natureza da troca voluntária: tanto o empregador quanto o empregado se beneficiam do contrato salarial. Além disso, o empregador arca com as “perdas” caso sua produção (e, portanto, seus recursos) seja mal direcionada. Ou suponha que o empregador cometa um erro e contrate uma pessoa incompetente, que recebe $10.000. O empregador pode demitir este trabalhador, mas ele, e ele sozinho, arca com a perda de $10.000. Assim, parece não haver razão legítima para forçar o empregador a arcar com o custo adicional do comportamento delituoso de seu empregado.

O segundo argumento de Epstein está contido na frase: “A corporação X me machucou porque seu servo o fez no decorrer de seu emprego”. Aqui Epstein comete o erro do realismo conceitual, pois supõe que uma “corporação” realmente existe, e que cometeu um ato de agressão. Na realidade, uma “corporação” não atua; somente os indivíduos agem, e cada um deve ser responsável por suas próprias ações e somente por elas. Epstein pode ridicularizar a posição de Holmes como sendo baseada na “premissa do século XIX de que a conduta individual por si só era a base da responsabilidade individual”, mas Holmes estava certo mesmo assim.[49]

Uma Teoria da Justa Propriedade: Apropriação Original

Há dois princípios fundamentais sobre os quais se baseia a teoria libertária da propriedade justa: (a) Todo mundo tem direito de propriedade absoluto sobre seu próprio corpo; e (b) todos têm um direito de propriedade absoluto sobre os recursos naturais (terra) anteriormente não possuídos que ele primeiro ocupa e coloca em uso (na frase lockeana, “misturando seu trabalho com a terra”).

O princípio da “primeira donidade ao primeiro uso” para os recursos naturais também é popularmente chamado de “princípio da apropriação original”. Se cada homem possui a terra com a qual “mistura seu trabalho”, então ele possui o produto dessa mistura e tem o direito de trocar títulos de propriedade com outros produtores semelhantes. Isso estabelece o direito de livre contrato no sentido de transmissão de títulos de propriedade. Também estabelece o direito de doar tais títulos, seja como doação ou legado.

A maioria de nós pensa em se apropriar originalmente de recursos não utilizados no sentido antiquado de limpar um pedaço de terra sem dono e cultivar o solo. Existem, no entanto, formas mais sofisticadas e modernas de apropriação original, que deveriam constituir um direito de propriedade. Suponha, por exemplo, que um aeroporto seja estabelecido com uma grande quantidade de terreno vazio ao seu redor. O aeroporto exala um nível de ruído de, digamos, X decibéis, com as ondas sonoras viajando sobre a terra vazia. Um conjunto habitacional então compra um terreno próximo ao aeroporto. Algum tempo depois, os proprietários processam o aeroporto por ruído excessivo que interfere no uso e usufruto tranquilo das casas.

O ruído excessivo pode ser considerado uma forma de agressão, mas neste caso o aeroporto já possuiu X decibéis de ruído. Por sua reivindicação anterior, o aeroporto agora “detém o direito” de emitir X decibéis de ruído na área circundante. Em termos jurídicos, podemos então dizer que o aeroporto, por meio da apropriação original, ganhou o direito de easement de gerar X decibéis de ruído. Esse easement apropriado originalmente é um exemplo do antigo conceito legal de “prescrição”, em que uma determinada atividade ganha um direito de propriedade prescritivo para a pessoa que pratica a ação.

Por outro lado, se o aeroporto começar a aumentar os níveis de ruído, os proprietários podem processar ou proibir o aeroporto de sua agressão sonora pelos decibéis extras, que não foram apropriados. É claro que se um novo aeroporto for construído e começar a emitir ruídos de X decibéis para as casas vizinhas existentes, o aeroporto se tornará totalmente responsável pela invasão do ruído.

Deve ficar claro que a mesma teoria deve ser aplicada à poluição do ar. Se A está causando poluição do ar de B, e isso pode ser provado além de qualquer dúvida razoável, então isso é agressão e deve ser proibido e indenizações pagas de acordo com a responsabilidade estrita, a menos que A tenha estado lá primeiro e já estivesse poluindo o ar antes da propriedade de B ser desenvolvida. Por exemplo, se uma fábrica de propriedade de A poluiu uma propriedade originalmente não utilizada, até uma certa quantidade de poluente X, então pode-se dizer que A se apropriou de um easement de poluição de um certo grau e tipo.

Dado um easement prescritivo, os tribunais geralmente têm se saído bem ao decidir seus limites. Em Kerlin v. Southern Telephone and Telegraph Co. (1941), uma empresa pública de serviços manteve um easement pela prescrição de postes e fios telefônicos sobre a terra de outra pessoa (chamada de “propriedade servil” em lei). A empresa pública queria instalar dois fios adicionais, e o prédio serviente contestou seu direito de fazê-lo. O tribunal decidiu corretamente que a concessionária tinha o direito porque não havia proposta de mudança nos “limites externos do espaço utilizado pela servidão prescritiva”. Por outro lado, um caso inglês antigo decidiu que um easement para movimentação de carroças não poderia ser usado posteriormente para conduzir o gado.[50]

Infelizmente, os tribunais não honraram o conceito de apropriação original em um easement de ruído ou poluição. O caso clássico é Sturgis v. Bridgman (1879) na Inglaterra. O queixoso, um médico, havia comprado terras em 1865; na propriedade vizinha o réu, um farmacêutico, utilizou almofariz e pilão, o que provocou vibrações na propriedade do médico. Não houve problema, no entanto, até que o médico construiu um consultório 10 anos depois. Ele então processou o farmacêutico, alegando que seu trabalho constituía um incômodo. O réu argumentou corretamente que as vibrações estavam ocorrendo antes da construção do consultório, que então não constituíam um incômodo e que, portanto, ele tinha o direito prescritivo de continuar operando seus negócios. No entanto, o pedido do réu foi negado.

Consequentemente, temos injustiças como mudanças compulsórias de caráter em um negócio e uma falha em fornecer prescrição através do primeiro uso. Assim, observa Prosser que “o caráter de um distrito pode mudar com o passar do tempo, e a indústria instalada em campo aberto pode se tornar um incômodo, ou ser obrigada a modificar suas atividades, quando surgem residências ao seu redor. Não adquirirá nenhum direito prescritivo”.[51] Uma lei justa diria aos moradores que chegassem mais tarde que eles sabiam no que estavam se metendo e que eles precisam se adaptar ao ambiente industrial e não o contrário.

Em alguns casos, no entanto, os tribunais consideraram ou pelo menos consideraram que, pelo queixoso “chegando ao incômodo”, ele entrou voluntariamente em uma situação pré-existente e que, portanto, o réu não é culpado. Prosser afirma que “na ausência de um direito prescritivo, o réu não pode condenar as instalações vizinhas a suportar o incômodo”, mas nosso ponto aqui é que o apropriador de um easement de ruído ou poluição de fato ganhou esse direito em casos de “vir ao incômodo”.[52]

A opinião dominante do tribunal, como no caso de Ensign v. Walls (1948), descarta ou minimiza “vir ao incômodo” e descarta a ideia de um easement apropriado. Mas a opinião minoritária o apoiou fortemente, como no caso de Nova York de Bove v. Donner-Hanna Coke Co. (1932). A queixosa havia se mudado para uma região industrial, onde o réu operava um forno de coque no lado oposto da rua. Quando a queixosa tentou ordenar que o forno de coque deixasse de existir, o tribunal rejeitou o pedido com estas palavras exemplares:

Com toda a sujeira, fumaça e gás que necessariamente provêm das chaminés das fábricas, trens e barcos, e com pleno conhecimento de que esta região foi especialmente adaptada para fins industriais e não residenciais, e que as fábricas aumentariam no futuro, a queixosa selecionou esta localidade como o local de sua futura casa. Ela se mudou voluntariamente para este distrito, plenamente consciente do fato de que a atmosfera estaria constantemente contaminada por sujeira, gás e odores desagradáveis; e que não podia esperar encontrar nesta localidade o ar puro de uma zona estritamente residencial. Ela evidentemente via certas vantagens em viver neste centro congestionado. Este não é o caso de uma indústria, com seu ruído e sujeira, invadindo um bairro residencial tranquilo. Este é exatamente o oposto. Aqui uma residência é construída em uma área naturalmente adaptada para fins industriais e já dedicada a esse uso. Dificilmente se pode ouvir a queixosa queixar-se nesta data tardia de que sua paz e conforto foram perturbados por uma situação que existia, pelo menos até certo ponto, no momento em que ela comprou sua propriedade.[53]

Incômodos, Visíveis e Invisíveis

Uma invasão da terra de outra pessoa pode ser considerada uma transgressão ou um incômodo, e há uma confusão considerável sobre os limites de cada um. Para nossos propósitos, a distinção clássica entre os dois é importante. Transgressão ocorre quando “há uma entrada física que é uma interferência direta na posse da terra, que geralmente deve ser realizada por uma massa tangível”.[54] Por outro lado, “contato por partículas minúsculas ou intangíveis, como poeira industrial, fumaça nociva ou raios de luz, até agora tem sido considerado insuficiente para constituir uma entrada trespassada, sob o fundamento de que não há interferência com a posse, ou que a entrada não é direta, ou que a invasão não se qualificou como entrada por causa de sua natureza imponderável ou intangível”.[55]

Essas invasões mais intangíveis se qualificam como incômodos privados e podem ser processadas como tal. Um incômodo pode ser, como aponta Prosser:

uma interferência com a condição física da própria terra, como por vibração ou explosão que danifica uma casa, a destruição de colheitas, inundações, elevação do lençol freático ou a poluição de um córrego ou de um abastecimento de água subterrâneo. Pode consistir em uma perturbação do conforto ou comodidade do ocupante, como por odores desagradáveis, fumaça ou poeira ou gás, ruídos altos, luz excessiva ou alta temperatura, ou mesmo chamadas telefônicas repetidas.[56]

Prosser resume a diferença entre transgressão e incômodo:

Transgressão é uma invasão do interesse do queixoso na posse exclusiva de sua terra, enquanto o incômodo é uma interferência no uso e usufruto dele. A diferença é a entre […] derrubar uma árvore sobre sua linha de fronteira e mantê-lo acordado à noite com o barulho de um moinho de rolamento.[57]

Mas o que exatamente significa a diferença entre “posse exclusiva” e “interferência no uso”? Além disso, a diferença prática entre uma ação de tort por transgressão e por incômodo é que uma transgressão é ilegal per se, enquanto um incômodo, para ser acionável, deve prejudicar a vítima além do mero fato da invasão em si. Qual, se houver, é a justificativa para tratar uma transgressão e um incômodo de forma tão diferente? E a velha distinção entre invasão tangível e invisível é realmente obsoleta, como sustenta Prosser, “à luz dos testes científicos modernos”?[58] Ou, como uma nota da Columbia Law Review colocou:

O tribunal federal […] sugeriu que historicamente a relutância dos tribunais em considerar que a invasão de gases e partículas diminutas eram transgressoras resultou da exigência de que, para encontrar uma transgressão, um tribunal deve ser capaz de ver alguma intrusão física por matéria tangível; descobriu-se então que essa dificuldade não existe mais porque os tribunais podem hoje contar com métodos científicos de detecção, que podem fazer medições quantitativas precisas de gases e sólidos minúsculos, para determinar a existência de uma entrada física de matéria tangível.[59]

A distinção entre visível e invisível, no entanto, não é completamente eliminada pelos modernos métodos científicos de detecção. Tomemos duas situações opostas. Primeiro, uma transgressão direta: A passa com seu carro no gramado de B ou coloca um objeto pesado no terreno de B. Por que isso é uma invasão e ilegal per se? Em parte porque, nas palavras de um antigo caso inglês, “a lei infere algum dano; se nada mais, o pisoteio de grama ou erva”.[60] Mas não é apenas pisar; uma invasão tangível da propriedade de B interfere com seu uso exclusivo da propriedade, mesmo que apenas ocupando pés quadrados tangíveis (ou pés cúbicos). Se A caminha ou coloca um objeto no terreno de B, então B não pode usar o espaço que A ou seu objeto ocupou. Uma invasão por uma massa tangível é uma interferência per se com a propriedade de outra pessoa e, portanto, ilegal.

Em contraste, considere o caso das ondas de rádio, que é um cruzamento das fronteiras de outras pessoas que é invisível e insensível em todos os sentidos para o proprietário da propriedade. Todos somos bombardeados por ondas de rádio que atravessam nossas propriedades sem nosso conhecimento ou consentimento. Elas são invasivas e, portanto, devem ser ilegais, agora que temos dispositivos científicos para detectar essas ondas? Devemos então proibir todas as transmissões de rádio? E se não, por que não?

A razão pela qual não é que essas passagens de fronteira não interferem na posse, uso ou usufruto exclusivo de ninguém de sua propriedade. Elas são invisíveis, não podem ser detectadas pelos sentidos do homem e não causam danos. Portanto, não são realmente invasões de propriedade, pois devemos refinar nosso conceito de invasão para significar não apenas passagem de fronteira, mas travessias de fronteira que de alguma forma interferem no uso ou usufruto do proprietário dessa propriedade. O que conta é se os sentidos do proprietário do imóvel sofrem interferência.

Mas suponha que mais tarde se descubra que as ondas de rádio são prejudiciais, que causam câncer ou alguma outra doença? Então elas estariam interferindo no uso da propriedade em sua pessoa e deveriam ser ilegais e proibidas, desde que essa prova de dano e o nexo causal entre os invasores específicos e as vítimas específicas sejam estabelecidos além de qualquer dúvida razoável.

Assim, vemos que a distinção adequada entre transgressão e incômodo, entre responsabilidade objetiva per se e responsabilidade objetiva apenas na prova do dano, não é realmente baseada na “posse exclusiva” em oposição ao “uso e usufruto”. A distinção adequada é entre invasão visível e tangível ou “sensata”, que interfere na posse e uso da propriedade, e passagens de fronteira invisíveis e “insensíveis” que não interferem e, portanto, devem ser proibidas apenas na prova de danos.

A mesma doutrina se aplica à radiação de baixo nível, que praticamente toda pessoa e objetos do mundo emana e, portanto, todos recebem. Proscrever ou proibir a radiação de baixo nível, como alguns de nossos fanáticos ambientais parecem defender, seria o mesmo que proibir toda a raça humana e todo o mundo ao nosso redor. Radiação de baixo nível, precisamente porque é indetectável pelos sentidos do homem, não interfere com o uso ou posse de ninguém de sua propriedade e, portanto, só pode ser contestada mediante prova causal estrita de dano além de uma dúvida razoável.

A teoria das servidões apropriadas originalmente discutida anteriormente não exigiria restrições às transmissões de rádio ou à radiação de baixo nível das pessoas. No caso de transmissões de rádio, a propriedade da terra de Smith e todos os seus pertences não lhe dá o direito de possuir todas as ondas de rádio que passam por sua terra, pois Smith não se apropriou ou transmitiu em frequências de rádio aqui. Assim, Jones, que transmite uma onda em, digamos, 1.200 quilohertz, apropria-se da propriedade dessa onda até onde ela viaja, mesmo que ela atravesse a propriedade de Smith. Se Smith tentar interferir ou interromper as transmissões de Jones, ele é culpado de interferir na propriedade justa de Jones.[61]

Somente se as transmissões de rádio forem comprovadamente prejudiciais à pessoa de Smith além de uma dúvida razoável, as atividades de Jones devem estar sujeitas a liminar. O mesmo tipo de argumento, é claro, se aplica às transmissões de radiação.

Entre transgressões tangíveis e ondas de rádio ou radiação de baixo nível, há uma série de incômodos intermediários. Como devem ser tratados?

A poluição do ar, consistindo em odores nocivos, fumaça ou outra matéria visível, constitui definitivamente uma interferência invasiva. Essas partículas podem ser vistas, cheiradas ou tocadas e, portanto, devem constituir invasão per se, exceto no caso de easement de poluição do ar apropriados. (Danos além da simples invasão, é claro, exigiriam maior responsabilidade.) A poluição do ar, no entanto, por gases ou partículas invisíveis ou indetectáveis pelos sentidos não deve constituir agressão per se, porque, sendo insensíveis, não interferem na posse ou uso do proprietário. Elas assumem o status de ondas de rádio ou radiação invisíveis, a menos que sejam comprovadamente prejudiciais, e até que essa prova e o nexo de causalidade do agressor com a vítima possam ser estabelecidos além de qualquer dúvida razoável.[62]

O ruído excessivo é certamente um tort de incômodo; interfere com o usufruto de uma pessoa de sua propriedade, incluindo sua saúde. No entanto, ninguém sustentaria que todo homem tem o direito de viver como se estivesse em um quarto à prova de som; apenas o ruído excessivo, por mais vago que seja o conceito, pode ser acionável.

Em certo sentido, a própria vida apropria um easement de ruído. Cada área tem certos ruídos, e as pessoas que se deslocam para uma área devem prever uma quantidade razoável de ruído. Como Terry Yamada admite com tristeza:

Um residente urbano deve aceitar as consequências de uma situação de ambiente ruidoso. Os tribunais geralmente sustentam que as pessoas que vivem ou trabalham em comunidades densamente povoadas devem necessariamente suportar os aborrecimentos e desconfortos usuais dos comércios e negócios localizados no bairro onde vivem ou trabalham; tais aborrecimentos e desconfortos, no entanto, não devem ser maiores do que aqueles razoavelmente esperados na comunidade e lícitos para a condução do comércio ou negócio.[63]

Em suma, quem quiser uma sala à prova de som deve pagar pela sua instalação.

A atual regra geral dos tribunais cíveis nas ações de incômodo por ruído é convincente:

Uma fonte de ruído não é um incômodo per se, mas apenas se torna um incômodo sob certas condições. Essas condições dependem de uma consideração da área circundante, da hora do dia ou da noite em que as atividades produtoras de ruído ocorrem e da maneira como a atividade é conduzida. Um incômodo privado só é indenizável quando for desarrazoado ou excessivo e quando produzir real desconforto físico ou dano a uma pessoa de sensibilidade comum, de modo a interferir no uso e usufruto da propriedade.[64]

Possuindo a Unidade Tecnológica: Terra e Ar

Em nossa discussão sobre apropriação original, não enfatizamos o problema do tamanho da área a ser apropriada. Se A usa uma certa quantidade de um recurso, quanto desse recurso deve acumular para sua propriedade? Nossa resposta é que ele é dono da unidade tecnológica do recurso. O tamanho dessa unidade depende do tipo de bem ou recurso em questão e deve ser determinado por juízes, júris ou árbitros especialistas no recurso ou setor específico em questão. Se o recurso X é de propriedade de A, então A deve possuir o suficiente para incluir pertences necessários. Por exemplo, na determinação dos tribunais de propriedade de radiofrequência na década de 1920, a extensão da propriedade dependia da unidade tecnológica da onda de rádio — sua largura no espectro eletromagnético para que outra onda não interferisse no sinal e seu comprimento sobre o espaço. A propriedade da frequência foi então determinada pela largura, comprimento e localização.

O assentamento de terras americano é uma história de luta, muitas vezes sem sucesso, com o tamanho da unidade de apropriação. Assim, a disposição de apropriação original na lei federal de terras de 1861 previa uma unidade de 160 acres, cuja limpeza e uso durante um certo período transmitiriam a propriedade ao proprietário. Infelizmente, em poucos anos, quando a pradaria seca começou a ser colonizada, 160 acres eram muito baixos para qualquer uso viável da terra (geralmente pecuária e pastagem). Como resultado, muito pouca terra ocidental passou a ser propriedade privada por várias décadas. O resultante uso excessivo da terra causou a destruição da cobertura de grama ocidental e grande parte da floresta.

Com a importância de analisar a unidade tecnológica em mente, examinemos a propriedade do espaço aéreo. Pode haver propriedade privada do ar e, em caso afirmativo, em que medida?

O princípio da common law é que todo proprietário de terra possui todo o espaço aéreo acima dele, subindo indefinidamente até os céus e descendo até o centro da terra. No famoso ditado de Lord Coke: cujus est solum ejus est usque ad coelum; isto é, aquele que possui o solo possui para cima até o paraíso e, por analogia, para baixo até o Hades. Embora esta seja uma regra consagrada pelo tempo, ela foi, é claro, projetada antes da invenção dos aviões. Uma aplicação literal da regra tornaria ilegal toda a aviação, bem como foguetes e satélites.[65]

Mas será que o problema prático da aviação é a única coisa errada com a regra ad coelum? Usando o princípio da apropriação original, a regra ad coelum nunca fez sentido e, portanto, está atrasada na lata de lixo da história jurídica. Se alguém se aloja e usa o solo, em que sentido ele também está usando todo o céu acima dele até o paraíso? Claramente, ele não está.

A regra ad coelum infelizmente permaneceu na Restatement of Torts (1939), adotada pela Lei Estadual Uniforme para Aeronáutica e promulgada em 22 estados durante as décadas de 1930 e 1940. Essa variante continuou a reconhecer a propriedade ilimitada do espaço ascendente, mas acrescentou um privilégio público superior para invadir o direito. Aviadores e proprietários de satélites ainda teriam o ônus da prova de que possuíam esse privilégio bastante vago de invadir propriedade privada no espaço aéreo. Felizmente, o Ato Uniforme foi retirado pelos Comissários da Lei Estadual Uniforme em 1943, e agora está de saída.

Uma segunda solução, adotada pelo Tribunal Federal do Nono Circuito em 1936, descartou completamente a propriedade privada no espaço aéreo e até permitiu que os aviões pousassem perto da superfície. Somente a interferência real com o usufruto atual da terra constituiria um tort.[66] A teoria do incômodo mais popular simplesmente proíbe a interferência no uso da terra, mas é insatisfatória porque descarta qualquer discussão sobre a propriedade do espaço aéreo.

A melhor teoria judicial é a “zona”, que afirma que apenas a parte inferior do espaço aéreo acima da terra é propriedade; esta zona é o limite da “posse efetiva” do proprietário. Como Prosser define, “posse efetiva” é “tanto do espaço acima dele que é essencial para o uso e usufruto completos da terra”.[67] A altura do espaço aéreo possuído variará de acordo com os fatos do caso e, portanto, de acordo com a “unidade tecnológica”. Assim, Prosser escreve:

Essa foi a regra aplicada no antigo caso de Smith v. New England Aircraft Co., onde vôos no nível de cem pés eram considerados transgressões, uma vez que a terra era usada para o cultivo de árvores que atingiam essa altura. Alguns outros casos adotaram a mesma visão.

A altura da zona de propriedade deve variar de acordo com os fatos de cada caso.[68]

Por outro lado, a teoria do incômodo deve ser adicionada à zona restrita de propriedade para casos como o excesso de ruído da aeronave fere pessoas ou atividades em uma área adjacente, não diretamente abaixo do avião. A princípio, os tribunais federais determinaram que apenas voos de baixa altitude poderiam constituir um tort contra proprietários privados de terras, mas o caso de ruído excessivo de Thornburg v. Port of Portland (1962) corrigiu essa visão. O tribunal devidamente raciocinou em Thornburg:

Se aceitarmos […] a validade das proposições de que um ruído pode ser um incômodo; que um incômodo pode dar origem a um easement; e que um ruído vindo direto de cima de uma terra pode amadurecer em uma tomada se for suficientemente persistente e agravado o suficiente, então logicamente o mesmo tipo e grau de interferência no uso e aproveitamento da terra também pode ser uma tomada, mesmo que o vetor de ruído possa vir de alguma direção diferente da perpendicular.[69]

Embora não haja razão para que o conceito de propriedade do espaço aéreo não possa ser usado para combater torts de poluição do ar, isso raramente foi feito. Mesmo quando o ad coelum estava em alta, era usado contra sobrevoos de aviões, mas não para combater a poluição do ar, que era inconsistentemente considerado como um recurso comunitário. A lei do incômodo poderia tradicionalmente ser usada contra a poluição do ar, mas até recentemente era prejudicada pelo “equilíbrio das ações”, regras de negligência contra responsabilidade estrita e pela declaração de que a poluição do ar “razoável” não era acionável. No caso clássico de Holman v. Athens Empire Laundry Co. (1919), a Suprema Corte da Geórgia declarou: “A poluição do ar, na medida em que razoavelmente necessária para o desfrute da vida e indispensável ao progresso da sociedade, é não acionável”.[70] Felizmente, essa atitude está se tornando obsoleta.

Embora a poluição do ar deva ser um tort sujeito a responsabilidade estrita, deve-se enfatizar que declarações como “todos têm direito ao ar limpo” não fazem sentido. Existem poluentes atmosféricos emergindo constantemente de processos naturais, e o ar de uma pessoa é o que quer que ela possua. A erupção do Monte Santa Helena deveria ter alertado a todos para os sempre presentes processos de poluição natural. Tem sido a regra tradicional e adequada dos tribunais de common law que nenhum proprietário de terras é responsável pelos danos causados por forças naturais originadas em sua propriedade. Como escreve Prosser, um proprietário de terras

não está sob nenhum dever afirmativo de remediar as condições de origem puramente natural em sua terra, embora possam ser altamente perigosas ou inconvenientes para seus vizinhos. […] Assim, tem-se afirmado que o proprietário da terra não é responsável pela existência de um pântano imundo, pela queda de pedras, pela propagação de ervas daninhas ou cardos que crescem em sua terra, pelos danos causados por animais nativos ou pelo fluxo normal e natural de água da superfície.[71]

Em suma, ninguém tem direito ao ar limpo, mas tem o direito de não ter seu ar invadido por poluentes gerados por um agressor.

Poluição do Ar: Lei e Regulamentação

Estabelecemos que todos podem fazer o que quiserem, desde que não iniciem um ato evidente de agressão contra a pessoa ou propriedade de qualquer outra pessoa. Quem iniciar tal agressão deve ser estritamente responsável pelos danos causados à vítima, mesmo que a ação seja “razoável” ou acidental. Finalmente, tal agressão pode assumir a forma de poluição do ar de outra pessoa, incluindo seu próprio espaço aéreo efetivo, lesão contra sua pessoa ou um incômodo que interfira na posse ou uso de sua terra.

Este é o caso, desde que: (a) o poluidor não tenha estabelecido anteriormente um easement de apropriação; (b) enquanto poluentes visíveis ou odores nocivos são agressão per se, no caso de poluentes invisíveis e insensíveis o queixoso deve provar o dano real; (c) o ônus da prova de tal agressão recai sobre o queixoso; (d) o queixoso precisa provar a estrita causalidade das ações do réu para a vitimização do queixoso; (e) o queixoso deve provar tal causalidade e agressão além de qualquer dúvida razoável; e (f) não há responsabilidade vicária, mas apenas responsabilidade de quem efetivamente cometeu o ato.

Com esses princípios em mente, vamos considerar o estado atual da lei de poluição do ar. Mesmo a atual mudança de negligência e ações “razoáveis” para responsabilidade estrita não satisfez de forma alguma os frequentes defensores especiais para queixosos ambientalistas. Como diz Paul Downing: “Atualmente, uma parte que foi prejudicada pela poluição do ar deve provar no tribunal que o emissor A o prejudicou. Ele deve estabelecer que ele foi danificado e o emissor A fez isso, e não o emissor B. Isso é quase sempre uma tarefa impossível.”[72] Se for verdade, então devemos concordar sem reclamar. Afinal, a prova de causalidade é um princípio básico do direito civilizado, quem dirá da teoria jurídica libertária.

Da mesma forma, James Krier admite que, mesmo que a exigência de provar dolo ou conduta desarrazoada ou negligência seja substituída pela responsabilidade estrita, ainda há o problema de provar o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano. Krier reclama que “causa e efeito ainda devem ser estabelecidos”.[73] Ele quer “realizar uma realocação sistemática do ônus da prova”, ou seja, tirar o ônus do queixoso, onde ele claramente pertence. Os réus agora serão culpados até que possam provar que são inocentes?

A prevalência de múltiplas fontes de emissões de poluição é um problema. Como culpar o emissor A se houver outros emissores ou se houver fontes naturais de emissão? Qualquer que seja a resposta, ela não deve vir à custa de descartar padrões adequados de prova e conferir privilégios especiais injustos aos queixosos e ônus especiais aos réus.[74]

Problemas semelhantes de prova são enfrentados pelos queixosos em casos de radiação nuclear. Como Jeffrey Bodie escreve: “Em geral, os tribunais parecem exigir um alto grau de causalidade em casos de radiação, o que frequentemente é impossível de satisfazer, dada a extensão limitada do conhecimento médico neste campo”.[75] Mas, como vimos acima, é precisamente essa “extensão limitada de conhecimento” que torna imperativo proteger os réus de critérios de prova frouxos.

Existem, é claro, inúmeros estatutos e regulamentos que criam ilegalidade além dos torts tratados nos tribunais de common law.[76] Não lidamos com leis como o Ato do Ar Limpo de 1970 ou regulamentações por uma simples razão: nenhuma delas pode ser permissível pela teoria jurídica libertária. Na teoria libertária, só é permitido proceder coercitivamente contra alguém se ele for um agressor comprovado, e essa agressão deve ser comprovada em tribunal (ou em arbitragem) além de qualquer dúvida razoável. Qualquer estatuto ou regulamento administrativo necessariamente torna ilegais ações que não sejam iniciações ostensivas de crimes ou torts de acordo com a teoria libertária. Todo estatuto ou regra administrativa é, portanto, ilegítimo e invasivo e uma interferência criminosa nos direitos de propriedade de não-criminosos.

Suponha, por exemplo, que A construa um prédio, o venda para B e ele desmorone imediatamente. A deve ser responsabilizado por ferir a pessoa e a propriedade de B e a responsabilidade deve ser comprovada em tribunal, que pode então aplicar as medidas adequadas de restituição e punição. Mas se o legislador impôs códigos de construção e inspeções em nome da “segurança”, construtores inocentes (ou seja, aqueles cujos prédios não desabaram) estão sujeitos a regras desnecessárias e muitas vezes caras, sem necessidade do governo provar crime ou dano. Eles não cometeram nenhum tort ou crime, mas estão sujeitos a regras, muitas vezes apenas remotamente relacionadas à segurança, antecipadamente por órgãos governamentais tirânicos. No entanto, um construtor que atende aos códigos de inspeção administrativa e segurança e, em seguida, tem um prédio seu que colapsa, muitas vezes é liberado pelos tribunais. Afinal, ele não obedeceu a todas as regras de segurança do governo e, portanto, não recebeu o imprimatur antecipado das autoridades?[77]

O único sistema civil ou criminal em consonância com os princípios jurídicos libertários é ter juízes (e/ou júris e árbitros) processando acusações de torts por queixas contra réus.

Deve-se ressaltar que, na teoria jurídica libertária, apenas a vítima (ou seus herdeiros e cessionários) pode legitimamente processar supostos transgressores contra sua pessoa ou propriedade. Procuradores distritais ou outros funcionários do governo não devem ser autorizados a apresentar queixa contra a vontade da vítima, em nome de “crimes” contra entidades duvidosas ou inexistentes como a “sociedade” ou o “estado”. Se, por exemplo, a vítima de um assalto ou roubo for um pacifista e se recusar a apresentar queixa contra o criminoso, ninguém mais deve ter o direito de fazê-lo contra a sua vontade. Pois assim como um credor tem o direito de “perdoar” voluntariamente uma dívida não paga, a vítima, seja por motivos pacifistas ou porque o criminoso comprou sua saída de um processo[78] ou qualquer outro motivo, tem o direito de “perdoar” o crime para que o crime seja assim anulado.

Os críticos das emissões de automóveis ficarão incomodados com a ausência de regulamentação governamental, tendo em vista as dificuldades de provar danos às vítimas de automóveis individuais.[79] Mas, como enfatizamos, as considerações utilitárias devem sempre estar subordinadas às exigências da justiça. Aqueles preocupados com as emissões de automóveis estão em situação ainda pior nos tribunais de lei de tort, porque o princípio libertário também exige um retorno à regra de privity do século XIX, agora muito desprezada.

A regra de privity, que se aplica em grande parte ao campo da responsabilidade dos produtos, estabelece que o comprador de um produto defeituoso só pode processar a pessoa com quem tinha um contrato.[80] Se o consumidor comprar um relógio de um varejista e o relógio não funcionar, só deve ser o varejista a quem pode processar, pois foi o varejista que transferiu a donidade do relógio em troca do dinheiro do consumidor. O consumidor, ao contrário das regras modernas, não deveria poder processar o fabricante, com o qual não tinha negócios. Foi o varejista que, ao vender o produto, deu uma garantia implícita de que o produto não apresentaria defeitos. Da mesma forma, o varejista só deve poder processar o atacadista pelo produto defeituoso, o atacadista, o intermediário e, finalmente, o fabricante.[81]

Da mesma forma, o papel da privity deve ser aplicado às emissões de automóveis. O poluidor culpado deve ser cada proprietário de carro individual e não o fabricante do automóvel, que não é responsável pelo dano real e pela emissão real. (Ao que o fabricante sabe, por exemplo, o carro pode ser usado apenas em alguma área despovoada ou usado principalmente para contemplação estética pelo proprietário do carro.) Como nos casos de responsabilidade do produto, a única justificativa real para processar o fabricante em vez do varejista é simplesmente conveniência e bolsos profundos, com o fabricante presumivelmente sendo mais rico que o varejista.

Embora a situação dos queixosos contra as emissões de automóveis possa parecer sem esperança sob o direito libertário, há uma saída parcial. Em uma sociedade libertária, as estradas seriam de propriedade privada. Isso significa que as emissões de automóveis seriam emanadas da estrada do proprietário da estrada para os pulmões ou espaço aéreo de outros cidadãos, de modo que o proprietário da estrada seria responsável pelos danos causados ​​pela poluição aos habitantes do entorno. Processar o proprietário da estrada é muito mais viável do que processar cada proprietário de carro individual pela quantidade mínima de poluentes pelos quais ele pode ser responsável. Para se proteger dessas ações, ou mesmo de possíveis liminares, o dono da estrada teria então o incentivo econômico para emitir regulamentos antipoluição para todos os carros que desejassem circular em sua estrada. Mais uma vez, como em outros casos de “tragédia dos comuns”, a donidade privada do recurso pode resolver muitos problemas de “externalidade”.[82]

Colapsando o Crime em Tort

Mas se não existe uma entidade como a sociedade ou o estado, ou se ninguém exceto a vítima, que deva ter alguma posição como promotor ou queixoso, isso significa que toda a estrutura do direito penal deve ser dispensada e que nos resta lei de tort, onde a vítima de fato apresenta queixa contra o agressor.[83] No entanto, não há razão para que partes da lei que agora são da esfera do direito penal não possam ser enxertadas em uma lei of torts ampliada. Por exemplo, a restituição à vítima é agora considerada da esfera da lei de tort, enquanto a punição é do domínio do direito penal.[84] No entanto, os danos punitivos por torts intencionais (em oposição a acidentes) agora geralmente são concedidos na lei de tort. Portanto, é concebível que punições mais severas, como prisão, trabalho forçado para ressarcir a vítima ou transporte, também possam ser enxertadas na lei de tort.[85]

Um argumento convincente contra qualquer proposta de colapso do direito penal em lei de tort é que, no raciocínio contra permitir danos punitivos em casos de responsabilidade civil, eles são “fixados apenas pelo capricho do júri e impostos sem as garantias usuais lançadas sobre o processo penal, como prova de culpa além de uma dúvida razoável [e] o privilégio contra a autoincriminação”.[86] Mas, como argumentado acima, padrões como prova além de uma dúvida razoável também devem ser aplicados a casos de lei de tort.[87]

O professor Epstein, na tentativa de preservar um domínio separado para o direito penal contra um colapso proposto na lei de tort, baseia muito de seu caso no direito das tentativas. No direito penal, uma tentativa de crime que por algum motivo falha e não resulta em dano ou violação dos direitos da vítima, ainda é crime e pode ser processada. E, no entanto, acusa Epstein, tal tentativa de crime não seria uma invasão de direitos e, portanto, não poderia ser um tort e não poderia ser processada sob a lei de tort.[88]

A refutação de Randy Barnett, no entanto, é conclusiva. Barnett aponta, em primeiro lugar, que a maioria das tentativas malsucedidas de invasão resulta, no entanto, em invasão “bem-sucedida”, embora menor, de pessoa ou propriedade e, portanto, seria processável sob a lei de tort. “Por exemplo, tentativa de homicídio é geralmente um ataque agravado e agressão, tentativa de assalto à mão armada é geralmente um ataque, tentativa de furto de carro ou roubo é geralmente uma transgressão.”[89] Em segundo lugar, mesmo que a tentativa de crime não tenha gerado invasão de propriedade per se, se a tentativa de agressão ou assassinato se tornasse conhecida pela vítima, a criação resultante de medo na vítima seria processada como ataque. Assim, o criminoso (ou delinquente) que tentou  não poderia sair ileso.

Portanto, a única tentativa de invasão que não poderia ser processada sob a lei de torts seria aquela sobre a qual ninguém jamais sabia nada. Mas se ninguém souber da tentativa, ela não pode ser processada, sob nenhuma lei.[90]

Além disso, como Barnett conclui, vítimas em potencial não seriam impedidas pela lei libertária de se defenderem de tentativas de crime. Como diz Barnett, é justificável para uma vítima ou seus agentes repelir um ato aberto que foi iniciado contra ele, e isso é, de fato, uma tentativa de crime.[91]

Torts Conjuntos e Vítimas Conjuntas

Até agora, ao discutir invasões de pessoas ou propriedades, nos limitamos a agressores e vítimas individuais, do tipo “A atacou B” ou “danificou B”. Mas os casos reais de poluição do ar geralmente têm vários supostos agressores e várias vítimas. Com base em quais princípios eles podem ser processados ou condenados?

Quando mais de um agressor contribuiu para um tort, geralmente é mais conveniente para os queixosos reunir os réus em uma ação (“litisconsórcio”). A conveniência, no entanto, não deve prevalecer sobre princípios ou direitos, e, em nossa posição, a regra original do common law do litisconsórcio estava correta: os réus podem ser compulsoriamente reunidos apenas quando todas as partes agiram em conjunto em um empreendimento tortioso conjunto.

No caso de torts verdadeiramente conjuntos, também faz sentido que cada um dos agressores conjuntos seja igualmente responsável pelo valor total dos danos. Se fosse de outra forma, cada criminoso poderia diluir sua própria responsabilidade antecipadamente simplesmente adicionando mais criminosos ao seu empreendimento conjunto. Assim, como a ação de todos os agressores foi em conluio, o tort foi verdadeiramente conjunto, de modo que

“todos vieram praticar um ato ilícito e de uma parte, o ato de um é o ato da mesma parte estar presente”. Cada um era, portanto, responsável por todo o dano causado, embora um pudesse ter espancado o queixoso, enquanto outro o aprisionava e um terceiro roubava seus botões de prata. Todos podem ser reunidos como réus na mesma ação judicial.[92]

Infelizmente, para fins de conveniência, a regra do litisconsórcio foi enfraquecida, e os tribunais, em muitos casos, permitiram que os queixosos obrigassem os réus ao litisconsórcio, mesmo nos casos em que os torts são cometidos separadamente e não em conluio.[93] A confusão no litisconsórcio para delitos conjuntos e separados fez com que muitos tribunais aplicassem a regra de responsabilidade total ou “inteira” a cada agressor. No caso de torts separados incidindo sobre uma vítima, isso faz pouco sentido. Aqui a regra deve ser sempre o que tem sido tradicionalmente em casos de incômodo, que os tribunais rateiam os danos de acordo com as ações causais separadas de cada réu.

Os casos de poluição do ar geralmente são aqueles de torts separados que incidem sobre as vítimas; portanto, não deve haver litisconsórcio obrigatório e os danos devem ser rateados de acordo com os fatores causais distintos envolvidos. Como escreve Prosser:

Casos de incômodo, em particular, tendem a resultar em rateio dos danos, em grande parte porque a interferência no uso do queixoso de sua terra tende a ser separável em termos de quantidade, porcentagem ou grau. Assim, os réus que poluem independentemente o mesmo córrego ou que inundam o terreno do queixoso de fontes distintas, são responsáveis apenas solidariamente pelos danos causados individualmente, e o mesmo é verdadeiro quanto ao incômodo devido ao ruído ou à poluição do ar.[94]

Mas como os danos são múltiplos e separados, cabe então aos queixosos mostrar uma base racional e comprovável para repartir o dano entre os vários réus e fatores causais. Se esta regra for cumprida de forma adequada e rigorosa, e a prova estiver além de qualquer dúvida razoável, os queixosos em casos de poluição do ar geralmente serão capazes de realizar muito pouco. Para contrariar isso, os advogados ambientais propuseram um enfraquecimento da própria base do nosso sistema legal, deslocando o ônus da prova para a atribuição detalhada de danos dos queixosos aos vários réus.[95]

Assim, o litisconsórcio compulsório dos réus pode prosseguir na regra original do common law somente quando os réus supostamente cometeram um tort verdadeiramente conjunto, em ação concertada. Caso contrário, os réus podem insistir em ações judiciais separadas.

E quanto ao litisconsórcio de vários queixosos contra um ou mais réus? Quando isso pode acontecer? Este problema é altamente relevante para casos de poluição do ar, onde geralmente há muitos queixosos processando um ou mais réus.

No início do common law, as regras eram rigorosas em limitar a litisconsórcio admissível de queixosos a casos em que todas as causas em ação tinham que afetar todas as partes unidas. Isso foi agora liberalizado para permitir a ação conjunta dos queixosos quando a ação conjunta decorre da mesma transação ou série de transações, e quando há pelo menos uma questão de direito de fato comum a todos os queixosos. Esta parece ser uma liberalização legítima de quando os queixosos devem ser autorizados a juntar-se voluntariamente.[96]

Embora o litisconsórcio permissivo de queixosos nesse sentido seja perfeitamente legítimo, não é o caso de ações de “ação de classe”, em que o resultado da ação é vinculante mesmo para os membros da suposta classe de vítimas que não participaram da ação. Parece o cúmulo da presunção para os queixosos ingressarem em uma ação comum e entrarem com uma ação coletiva, na qual mesmo aquelas outras supostas vítimas que nunca ouviram falar ou de alguma forma não consentiram em uma ação estão vinculadas ao resultado. Os únicos queixosos que devem ser afetados por uma ação são aqueles que se juntam voluntariamente. Assim, não seria permitido que 50 moradores de Los Angeles entrassem com uma ação de poluição em nome da classe de “todos os cidadãos de Los Angeles”, sem seu conhecimento ou consentimento expresso. Com base no princípio de que apenas a vítima e seus herdeiros e cessionários podem processar ou usar a força em seu nome, as ações coletivas vinculando qualquer pessoa, exceto os queixosos voluntários, são inadmissíveis.[97]

Infelizmente, enquanto a Regra Federal 23 de Processo Civil de 1938 previa pelo menos um tipo de ação de classe não vinculante, a “ação de classe espúria”, as regras revisadas de 1966 tornam todas as ações de classe obrigatórias para a classe como um todo, ou melhor, para todos os membros da classe que não solicitam especificamente a exclusão. Em um passo sem precedentes, a ação voluntária está sendo assumida se nenhuma ação for tomada. Os moradores de Los Angeles, que podem nem saber sobre o processo em questão, são obrigados a tomar medidas para se excluir do processo, caso contrário, a decisão será obrigatória para eles.[98] Além disso, a maioria dos estados seguiu as novas regras federais para processos de ações de classe.

Como no caso do litisconsórcio voluntário, a ação coletiva pós-1966 deve envolver questões de direito ou de fato comuns a toda a sua classe. Felizmente, os tribunais colocaram mais limites ao uso de ações de classe. Na maioria dos casos, todos os membros identificáveis da classe devem ser notificados individualmente da ação, dando-lhes pelo menos uma oportunidade de optar por não participar da ação; também, a classe deve ser definitivamente identificável, verificável e gerenciável. Sob essa regra, os tribunais federais geralmente não permitiriam que “todos os residentes da cidade de Los Angeles” fossem parte em um processo de ação de classe.[99] Assim, uma ação supostamente em nome de todos os moradores de Los Angeles County (mais de sete milhões de pessoas) para proibir 293 empresas de poluir a atmosfera foi julgada improcedente pelo tribunal “como incontrolável por causa do número de partes (queixosos e réus), a diversidade de seus interesses e a multiplicidade de questões envolvidas”.[100]

Outra limitação sensata colocada na maioria dos processos de ação de classe é que os interesses de classe comuns no processo devem predominar sobre os interesses individuais separados. Assim, uma ação de classe não será permitida quando questões individuais separadas forem “numerosas e substanciais” e, portanto, questões comuns não predominarem. No caso de City of San Jose v. Superior Court (1974), o tribunal rejeitou uma ação coletiva de proprietários de terras perto de um aeroporto, processando por danos a suas terras resultantes de ruído aeroportuário, poluição, tráfego e assim por diante. Embora o aeroporto tenha afetado cada um dos proprietários de terras, o tribunal decidiu corretamente que “o direito de cada proprietário de terra de se recuperar dos danos causados a sua terra envolvia muitos fatos individuais (por exemplo, proximidade de rotas de voo, tipo de propriedade, valor, uso, e assim por diante)” para permitir um processo de classe.[101]

Assim, os processos de ação de classe não devem ser permitidos, exceto quando todos os queixosos se unem ativa e voluntariamente e onde os interesses comuns predominam sobre os separados e individuais.[102]

Como, então, as recentes regras de ação coletiva foram aplicadas à questão da poluição do ar? Krier diz com desânimo que, embora a Regra Federal 23 de 1966 seja de fato mais liberal do que seu antecessor ao permitir ações de classe, a Suprema Corte dos EUA praticamente anulou seu impacto ao decidir que os membros da classe podem agregar reivindicações individuais para tribunais federais apenas quando compartilham um interesse comum indiviso.[103] De acordo com Krier, essa limitação convincente exclui a maioria das ações coletivas em casos de poluição do ar. Ele acrescenta que, embora essa restrição não se aplique aos processos estaduais, muitas vezes eles são ainda menos viáveis do que os processos de classe federal antes das novas regras. Krier reclama, em uma nota inconscientemente bem-humorada, que alguns processos de ação de classe não atraem nenhum queixoso.[104]

Mas o maior problema das ações de classe para os demandantes, admite Krier, são as regras de gestão e averiguação para ações com um grande número de demandantes na classe, citando em particular o caso Diamond v. General Motors. Mas enquanto Krier atribui o problema apenas à falta de competência e facilidades que os juízes possuem para equilibrar os vários interesses, ele não consegue perceber o problema ainda maior da falta de identificabilidade e falta de prova clara de culpa e causalidade entre réu e queixoso.

Conclusão

Tentamos estabelecer um conjunto de princípios libertários pelos quais avaliar e reconstruir a lei. Concluímos que todos devem poder fazer o que quiserem, exceto se cometerem um ato explícito de agressão contra a pessoa e a propriedade de outrem. Apenas este ato deve ser ilegal, e deve ser processado apenas nos tribunais sob lei de tort, com a vítima ou seus herdeiros e cessionários pressionando o caso contra o suposto agressor. Portanto, nenhuma lei ou decisão administrativa que crie ações ilegais deve ser permitida. E como qualquer processo em nome da “sociedade” ou do “estado” é inadmissível, o direito penal seria reduzido a uma lei de tort reconstituída, incorporando punição e parte da lei de tentativas.

O autor do delito ou criminoso deve ser estritamente responsável por sua agressão, sem evasão de responsabilidade permissível com base em teorias de “negligência” ou “razoabilidade”. No entanto, a responsabilidade deve ser provada com base na estrita causalidade da ação do réu contra o queixoso, e deve ser provada pelo queixoso além de uma dúvida razoável.

O agressor e somente o agressor deve ser responsabilizado, e não o empregador de um agressor, desde que, é claro, o tort não tenha sido cometido por ordem do empregador. O atual sistema de responsabilidade vicária do empregador é uma ressaca das relações pré-capitalistas entre senhor e servo e é basicamente um método injusto de encontrar bolsos profundos para saquear.

Esses princípios devem ser aplicados a todos os torts, incluindo a poluição do ar. A poluição do ar é um incômodo privado gerado da propriedade fundiária de uma pessoa para outra e é uma invasão do espaço aéreo pertencente à terra e, muitas vezes, da pessoa do proprietário da terra. Básico para a teoria libertária dos direitos de propriedade é o conceito de apropriação original, no qual o primeiro ocupante e usuário de um recurso o torna sua propriedade. Portanto, quando um “poluidor” chegou primeiro à poluição e precedeu o proprietário da terra em emitir poluição atmosférica ou ruído excessivo em terrenos vazios, ele se apropria de um easement de poluição ou de ruído excessivo. Tal easement torna-se seu direito de propriedade legítimo e não o do proprietário da terra adjacente posterior. A poluição do ar, então, não é um tort, mas apenas o direito inelutável do poluidor se ele estiver simplesmente agindo sobre um easement apropriado. Mas onde não há easement e a poluição do ar é evidente aos sentidos, a poluição é um tort per se porque interfere na posse e uso do ar alheio. O cruzamento de fronteira — digamos, por ondas de rádio ou radiação de baixo nível — não pode ser considerado agressão porque não interfere no uso ou usufruto do proprietário de sua pessoa ou propriedade. Somente se tal cruzamento de fronteira cometer danos comprovados — de acordo com princípios de causalidade estrita e além de uma dúvida razoável — pode ser considerado um tort e sujeito a responsabilidade e liminar.

Um delito conjunto, em que os réus são obrigados a se defender conjuntamente, deve ser aplicado apenas se todos agirem em conjunto. Quando suas ações forem separadas, as ações também devem ser separadas, e a responsabilidade repartida separadamente. Os queixosos devem poder juntar suas ações contra um réu apenas se seus casos tiverem um elemento comum que predomine sobre os interesses separados e individuais. Processos de ação de classe são inadmissíveis além de um litisconsórcio voluntário de queixosos porque eles presumem agir e vincular membros da classe que não concordaram em participar do processo.

Finalmente, devemos renunciar à prática comum dos escritores de direito ambiental de atuar como pleiteantes especiais para queixosos de poluição do ar, lamentando sempre que os queixosos não têm permissão para passar por cima dos réus. O fator primordial na lei de poluição do ar, como em outras partes da lei, deve ser os princípios libertários e de direitos de propriedade, e não a conveniência ou interesses especiais de um conjunto de queixosos.


[1]Princípios legais que estabelecem certas ações proibidas como atos ilícitos ou crimes devem ser diferenciados de estatutos ou decretos administrativos que estabelecem exigências positivas, como “pagarás X quantia de impostos” ou “deverás apresentar-se para indução em tal e tal data”. Em certo sentido, é claro, todos os comandos podem ser formulados de forma a parecerem negativos, como “não te recusarás a pagar uma quantia X de impostos” ou “não desobedecerás à ordem de comparecer para indução”. Por que tal reformulação seria inadequada será discutida abaixo. Veja abaixo também uma discussão sobre “atos ilícitos” vis-à-vis “crimes”.

[2]Ronald Dworkin, no entanto, apontou que mesmo a análise jurídica positiva envolve necessariamente questões morais e padrões morais. Dworkin, Taking Rights Seriously (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1977), caps. 2, 3, 12, 13. Veja também Charles Fried, “The Law of Change: The Cunning of Reason in Moral and Legal History,” Journal of Legal Studies (Março de 1980): 340.

[3]Os austinianos, é claro, também estão furtivamente introduzindo um axioma normativo em sua teoria positiva: a lei deve ser o que o rei diz que é. Este axioma não é analisado nem fundamentado em nenhum conjunto de princípios éticos.

[4]Mais uma vez, essas variantes modernas e democráticas da teoria jurídica positiva usurpam o axioma normativo sem fundamento de que os estatutos devem ser estabelecidos por qualquer coisa que os legisladores ou os eleitores desejem fazer.

[5]Veja o artigo de lançamento desta análise de Ronald H. Coase, “The Problem of Social Cost”, Journal of Law and Economics 3 (Outubro de 1960): 10. Para uma crítica, veja Walter Block, “Coase and Demsetz on Private Property Rights”, Journal of Libertarian Studies (Primavera, 1977): 111–15.

[6]Agora é ilegal barganhar a saída de uma liminar lidando com a parte lesada. Nesse caso, é claro, a internalização de custos de Coase-Demsetz se desfaz totalmente. Mas mesmo com a negociação permitida, provavelmente fracassaria. Além disso, pode haver fazendeiros tão apegados aos seus pomares que nenhum preço os compensaria, caso em que a liminar seria absoluta e nenhuma barganha de Coase-Demsetz poderia removê-la. Sobre permitir à barganha remover liminares, veja Barton H. Thompson, Jr., “Injunction Negotiations: An Economic, Moral and Legal Analysis”, Stanford Law Review 27 (Julho de 1975): 1563–95.

[7]Sobre a inadmissibilidade do conceito de custo social e sua aplicação aqui, veja Mario J. Rizzo, “Uncertainty, Subjectivity, and the Economic Analysis of Law,” e Murray N. Rothbard, “Comment: The Myth of Efficiency,” em Time, Uncertainty, and Disequilibrium: Exploration of Austrian Themes, Mario Rizzo, ed. (Lexington, Mass.: Lexington Books, 1979), pp. 71–95; incluído neste volume como capítulo 13. Veja também John B. Egger, “Comment: Efficiency is not a Substitute for Ethics,” em ibid., pp. 117–25.

[8]A eficiência social é um conceito sem sentido porque eficiência é a eficácia com que se emprega meios para alcançar dados fins. Mas com mais de um indivíduo, quem determina os fins para os quais os meios devem ser empregados? Os fins de diferentes indivíduos estão fadados ao conflito, tornando absurdo qualquer conceito agregado ou ponderado de eficiência social. Para saber mais sobre isso, veja Rothbard, “Myth of Efficiency”.

[9]Charles Fried apontou que a eficiência é, queira ou não, uma tentativa de critério moral, embora não examinado, errado e incoerente. Fried, “The Law of Change”, p. 341.

[10]O conceito de riqueza social sofre das mesmas deficiências que Coase-Demsetz, além de outros problemas próprios. Para uma crítica devastadora de Posner, veja Ronald M. Dworkin, “Is Wealth a Value?” e Richard A. Epstein, “The Static Conception of the Common Law,” em Journal of Legal Studies (Março de 1980): 191–226, 253–76. Veja também Anthony J. Kronman, “Wealth Maximization as a Normative Principle”; Mario J. Rizzo, “Law Amid Flux: The Economics of Negligence and Strict Liability in Tort”; Fried, “The Law of Change”; e Gerald P. O’Driscoll, Jr., “Justice, Efficiency, and the Economic Analysis of Law: A Comment on Fried,” em ibid.: 227–42, 291–318, 335–54, 355–66.

[11]A qualificação da propriedade como “justa” deve ser feita. Suponha, por exemplo, que A roube o relógio de B e que, vários meses depois, B detenha A e pegue o relógio de volta. Se A processasse B por roubo de “seu” relógio, seria uma defesa preponderante da parte de B que o relógio não era verdadeira e justamente de A porque ele o havia roubado anteriormente de B.

[12]Para mais sobre essa posição libertário ou “neolockeana”, veja Murray N. Rothbard, “Justice and Property Rights,” em Property in a Humane Economy, Samuel Blumenfeld, ed. (LaSalle, Ill.: Open Court, 1974), pp. l0l–22. Em certo sentido, Percy B. Lehning está certo quando comenta que, em vez de serem dois axiomas independentes, o princípio da apropriação original decorre realmente do único axioma da donidade de si. Lehning, “Property Rights, Justice and the Welfare State,” Acta Politica 15 (Rotterdam, 1980): 323, 352.

[13]Assim, John Stuart Mill pede total liberdade de ação individual “sem impedimento de nossos semelhantes, desde que o que fazemos não os prejudique”. Mill, “On Liberty,” em Utilitarianism, Liberty, and Representative Government (Nova York: E.P. Dutton, 1944), p. 175. Hayek, depois de definir adequadamente a liberdade como a ausência de coerção, infelizmente deixa de definir a coerção como invasão física e, portanto, permite e justifica uma ampla gama de interferência do governo nos direitos de propriedade. Veja Murray N. Rothbard, “F.A. Hayek and the Concept of Coercion”, Ordo 31 (Stuttgart 1980): 43–50.

[14]Robert Nozick parece justificar a proibição de todas as trocas voluntárias que ele chama de “não produtivas”, que ele define essencialmente como uma situação em que A estaria melhor se B não existisse. Para uma crítica de Nozick sobre este ponto, veja Murray N. Rothbard, “Robert Nozick and the Immaculate Conception of the State”, Journal of Libertarian Studies (Inverno, 1977): 52ff.

[15]Podemos, portanto, saudar a posição “absolutista” do Sr. Justice Black ao pedir a eliminação da lei de difamação. A diferença é que Black defendeu uma posição absolutista sobre a Primeira Emenda porque é parte da Constituição, enquanto nós a defendemos porque a Primeira Emenda incorpora uma parte básica do credo libertário. Sobre o significativo enfraquecimento da lei de difamação nas últimas duas décadas, veja Richard A. Epstein, Charles O. Gregory, and Harry Kalven, Jr., Cases and Materials on Torts, 3rd ed. (Boston: Little, Brown, 1977), pp. 977–1129 (daqui em diante citado as Epstein, Cases on Torts).

[16]Não deve haver afirmação de um direito à privacidade que não possa ser subsumido sob a proteção dos direitos de propriedade de proteção contra quebra de contrato. Sobre privacidade, veja ibid., pp. 1131-1190.

[17]“Receio” de uma agressão iminente é um termo mais apropriado do que “medo”, uma vez que enfatiza a consciência de uma agressão iminente e da ação que causa essa consciência pelo agressor, ao invés do estado psicológico subjetivo da vítima. Assim, Dean Prosser: “Receio não é a mesma coisa que medo, e o queixoso não é privado de sua ação apenas porque é corajoso demais para se assustar ou intimidar”. William L. Prosser, Handbook of the Law of Torts, 4th ed. (St. Paul, Minn.: West Publishing, 1971), p. 39.

[18]É lamentável que, a partir de 1930, os tribunais tenham sucumbido à criação de um novo tort, “inflição intencional de perturbação mental por conduta extrema e ultrajante”. É claro que a liberdade de expressão e de pessoa deve permitir o insulto verbal, por mais ultrajante que seja; além disso, não há critério convincente para demarcar o mero abuso verbal da variedade “ultrajante”. A declaração do juiz Magruder é altamente sensata: “Contra grande parte das fricções, irritações e choques de temperamentos inerentes à participação na vida comunitária, um certo endurecimento da sensibilidade mental é uma proteção melhor do que a lei jamais poderia ser”. Magruder, “Mental and Emotional Disturbance in the Law of Torts,” Harvard Law Review 40 (1936): 1033, 1035; citado em Prosser, Law of Torts, p. 51. Veja também ibid., pp. 49–62; Epstein, Cases on Torts, pp. 933–52.

Em geral, devemos olhar com grande desconfiança para qualquer criação de novos torts que não sejam mera aplicação de velhos princípios de delitos a novas tecnologias. Não há nada de novo ou moderno no abuso verbal.

Parece que tanto o delito de inflição de dano quanto o novo tort de invasão de privacidade são parte integrante da tendência do século XX de diluir os direitos do réu em favor do excesso de paparicagem do queixoso –- uma discriminação sistemática que tem ocorrido em peocessos de tort e não em processos criminais. Veja Epstein, “Static Conception of the Common Law,” pp. 253–75. Veja também abaixo.

[19]Prosser, Law of Torts, pp. 39–40.

[20]Daí a sabedoria da decisão do tribunal em South Brilliant Coal Co. v. Williams: “Se Gibbs chutou o queixoso com o pé, não se pode dizer que não houve lesão física nele. Em um sentido legal, foi lesão física, embora possa não ter causado sofrimento físico, e embora a sensação resultante possa ter durado apenas por um momento”. South Brilliant Coal Co. v. Williams, 206 Ala. 637, 638 (1921). Em Prosser, Law of Torts, p. 36. Veja também Epstein, Cases on Torts, pp. 903ff.

[21]Courvoisier v. Raymond, 23 Colo. 113, 47 Pac. 284 (1896), e discussão por Epstein em Cases on Torts, pp. 21–23; e em Richard A. Epstein, “A Theory of Strict Liability,” Journal of Legal Studies 2 (Janeiro de 1973): 173.

[22]Como Epstein afirma,

Sob uma teoria de responsabilidade estrita, a afirmação do caso prima facie é evidente: o réu atirou no queixoso. A única questão difícil diz respeito à existência de uma defesa que assume a forma: o queixoso agrediu o réu. Essa questão é uma questão de fato, e o júri decidiu que o queixoso não assustou o réu, levando-o a atirar nele. (Ibid.)

[23]Randy E. Barnett, “Restitution: A New Paradigm of Criminal Justice,” em Assessing the Criminal: Restitution, Retribution, and the Legal Process, R. Barnett and J. Hagel, eds. (Cambridge, Mass.: Ballinger, 1977), p. 377. Barnett, desde então, apontou que seu artigo estava errado ao mencionar “intenção específica de cometer um crime”; a ênfase importante está na ação que constitui um crime ou tort, e não na intenção envolvida.

[24]Veja Morris v. Platt, 32 Conn. 75 (1864), e a discussão por Epstein em Cases on Torts, pp. 22–23.

[25]Sobre a relação entre o direito penal e a lei de tort, veja a seção aqui intitulada “Collapsing the Crime in Tort”.

[26]Embora a lei moderna discrimine o réu em casos econômicos, ela discrimina fortemente a vítima em seu uso da força pessoal em autodefesa. Em outras palavras, o estado tem permissão para usar força excessiva através dos tribunais em casos econômicos (onde corporações ou ricos são réus), mas vítimas individuais dificilmente podem usar a força.

[27]Para o estado atual da doutrina legal, veja Prosser, Law of Torts, pp. 108–125, 134ff. Como Epstein indica, basear os limites apropriados da autodefesa na punição permissível implicaria que em jurisdições que aboliram a pena capital, ninguém pode usar força letal mesmo em autodefesa contra um ataque mortal. Até agora, os tribunais não estão dispostos a adotar esse reductio ad absurdum de sua própria posição. Epstein, Cases on Torts, p. 30.

[28]Este é o mesmo conceito, mas um nome diferente para a frase pioneira de Williamson Evers, “a assunção adequada de risco”. A frase atual evita confusão com o conceito de “assunção de risco” na lei de tort, que se refere ao risco assumido voluntariamente pelo queixoso e que, portanto, nega suas tentativas de ação contra o réu. O “ônus adequado do risco” está relacionado ao conceito legal, mas refere-se a qual risco deve ser assumido por cada pessoa de acordo com a natureza do homem e de uma sociedade livre, e não qual risco foi incorrido voluntariamente por um queixoso. Veja Rothbard, “Nozick and the Immaculate Conception of the State”, pp. 49–50.

[29]Ou um ato evidente contra outra pessoa. Se é legítimo que uma pessoa defenda a si mesma ou a sua propriedade, é igualmente legítimo que ela chame outras pessoas ou agências para ajudá-la nessa defesa ou para pagar por esse serviço de defesa.

[30]Thayer, em seu tratado clássico sobre evidências, escreveu: “Existe um princípio […] uma pressuposição envolvida na própria concepção de um sistema racional de evidência que proíbe receber qualquer coisa irrelevante, não logicamente probatória”, James Thayer, Preliminary Treatise on Evidence (1898), pp. 264ff., citado em McCormick’s Handbook of the Law of Evidence, E.W. Cleary, ed., 2ª ed. (St. Paul, Minn.: West Publishing, 1972), p. 433.

[31]Benjamin R. Tucker, o principal pensador anarquista individualista do final do século XIX, escreveu: “Nenhum uso de força, exceto contra o invasor; e nos casos em que é difícil dizer se o suposto infrator é um invasor ou não, ainda não há uso de força, exceto quando a necessidade de solução imediata é tão imperativa que devemos usá-la para nos salvar.” Benjamin R. Tucker, Instead of a Book (Nova York: B.R. Tucker, 1893), p. 98. Veja também ibid., pp. 74–75.

[32]Cleary coloca bem o ponto, embora infelizmente ele o aplique apenas a casos criminais:

A sociedade julgou que é significativamente pior para um homem inocente ser considerado culpado de um crime do que para um homem culpado ficar livre. […] Portanto, como afirmou o Suprema Corte ao reconhecer a inevitabilidade do erro em processos criminais […] esta margem de erro é reduzida para ele [o réu] pelo processo de colocar o ônus na outra parte […] de persuadir o investigador de fatos na conclusão do julgamento de sua culpa além de qualquer dúvida razoável. Ao fazê-lo, os tribunais têm […] o objetivo digno de diminuir o número de um tipo de erro — a condenação do inocente. (McCormick’s Handbook of Evidence, pp. 798–99)

[33]O ônus da prova também recai sobre o queixoso no direito contemporâneo. Cleary escreve: “Os ônus da alegação e da prova com relação à maioria dos fatos foram e devem ser atribuídos ao queixoso que geralmente procura mudar o estado atual das coisas e que, portanto, naturalmente deve arcar com o risco de falha de prova ou persuasão.” Ibid., p. 786. Cleary também fala da “tendência natural de colocar os ônus sobre a parte que deseja a mudança”. Ibid., pp. 788-89.

[34]Veja a seção aqui intitulada “Colapsando o Crime em Tort”.

[35]Veja McCormick’s Handbook of Evidence, pp. 794ff.

[36]Ibid., p. 796. Aqui devemos saudar os desprezados juízes do julgamento em Molyneux v. Twin Falls Canal Co., 54 Idaho 619, 35 P. 2d 651, 94 A.L.R. 1264 (1934), e Williams v. Blue Ridge Building & Loan Assn., 207 N.C. 362, 177 S.E. 176 (1934).

[37]C. Shiveley, ed., The Collected Works of Lysander Spooner (Weston, Mass.: M. and S. Press, 1971), vol. 2, pp. 208–09. Deve-se notar que Spooner também não fez distinção entre casos civis e criminais a esse respeito. Estou em dívida com Williamson Evers por esta referência.

[38]St. Louis Union Co. v. Busch, 36 Mo. 1237, 145 S.W. 2d426, 430 (1940); Ward v. Lyman, 108 Vt 464, 188 A. 892, 893 (1937). McCormick’s Handbook of Evidence, pp. 797, 802.

[39]De acordo com Epstein: “Uma vez decidido que não há conteúdo rígido para o termo causação, os tribunais são livres para decidir ações específicas de acordo com os princípios da ‘política social’ sob o pretexto da doutrina da causa próxima”. Epstein, “A Theory of Strict Liability,” p. 163. Conceitos tão nebulosos e impraticáveis como “fator substancial” em um dano ou “razoavelmente previsível” têm sido de pouca ajuda para orientar as decisões sobre “causa imediata”. Para uma excelente crítica dos testes “mas por” para “causa de fato” na teoria da negligência, bem como a tentativa Chicago-Posneriana de descartar completamente o conceito de causa na lei de tort, ver ibid., pp. 160-62, 163 -66.

[40]Se um fumante de longa data que desenvolve câncer de pulmão deve processar uma empresa de cigarros, há ainda mais problemas. Não menos importante é que o fumante assumiu voluntariamente o risco, de modo que essa situação dificilmente poderia ser chamada de agressão ou tort. Como escreve Epstein: “Suponha que o queixoso fumou diferentes marcas de cigarros durante sua vida? Ou sempre viveu em uma cidade cheia de poluição? E se o queixoso superar o obstáculo causal, ele será capaz de superar a defesa da assunção de risco?” Epstein, Cases on Torts, p. 257. Veja também Richard A. Wegman, “Cigarettes and Health: A Legal Analysis,” Cornell Law Quarterly 51 (Verão, 1966): 696–724.

Um caso de tort de câncer particularmente interessante que é instrutivo sobre a questão da causalidade estrita é Kramer Service Inc. v. Wilkins 184 Miss. 483,186 So. 625 (1939), em Epstein, Cases on Torts, p. 256. O tribunal resumiu o status adequado da evidência causal médica em Daly v. Bergstedt (1964), 267 Minn. 244, 126 N. W. 2d 242. Em Epstein, Cases on Torts, p. 257. Veja também a excelente discussão de Epstein, ibid., de DeVere v. Parten (1946), em que a queixosa foi devidamente repreendida em uma tentativa absurda de alegar que o réu era responsável por uma doença que ela havia contraído.

[41]Milton Katz, “The Function of Tort Liability in Technology Assessment,” Cincinnati Law Review 38 (Outono, 1969): 620.

[42]Prosser, Law of Torts, p. 458.

[43]Ibid., p. 461.

[44]Ibid., p. 464.

[45]Ibid., p. 459.

[46]Ibid.

[47]Em seus artigos da Harvard Law Review sobre “Agência,” 1891. Veja Epstein, Cases on Torts, p. 705.

[48]Ibid., p. 707.

[49]Ibid., p. 705.

[50]Kerlin v. Southern Telephone & Telegraph Co. (Ga.), 191 Ga. 663, 13 S.E. 2d 790 (1941); Ballard v. Dyson (1808) 1 Taunt. 279, 127 Eng. Rep. 841. Em William E. Burby, Handbook of the Law of Real Property, 3ª ed. (St. Paul, Minn.: West Publishing, 1965), pp. 84–85.

[51]Prosser, Law of Torts, pp. 600-1. Veja também Burby, Law of Real Property, p. 78. Sturges v. Bridgman (1879), 11 Ch., Div. 852.

[52]Prosser, Law of Torts, p. 611.

[53]Bove v. Donner-Hanna Coke Corp., 236 App. Div. 37, 258 N. Y.S. 229 (1932), citado em Epstein, Cases on Torts, p. 535. Ao contrário de Epstein, no entanto, o futuro incômodo não é simplesmente uma suposição de risco por parte do queixoso. Trata-se de uma defesa mais forte, pois repousa sobre uma efetiva cessão de direito de propriedade na atividade criadora do “incômodo”, que é, portanto, absoluta, imperativa e irrevogável. Cf. Richard A. Epstein, “Defenses and Subsequent Pleas in a System of Strict Liability,” Journal of Legal Studies 3 (1974): 197–201.

[54]“Note: Deposit of Gaseous and Invisible Solid Industrial Wastes Held to Constitute Trespass,” Columbia Law Review 60 (1960): 879.

[55]Ibid., pp. 879–80. Veja também Glen Edward Clover, “Torts: Trespass, Nuisance and E=mc2,” Oklahoma Law Review 11 (1966): 118ff.

[56]Prosser, Law of Torts, pp. 591–92.

[57]Ibid., p. 595. Um incômodo geralmente emana da terra de A para a terra de B; em suma, decorre de fora da própria terra de B. A tentativa de Prosser de refutar esse ponto (o cachorro do réu uivando sob a janela do queixoso ou o gado do réu perambulando pelos campos do outro) erra o ponto. O próprio cão infrator e o gado perambulam pelas terras de A, o réu, e por serem domesticados, seus atos são de responsabilidade de seus donos. Sobre animais, veja ibid., pp. 496-503.

[58]Ibid., p. 66.

[59]“Note, Deposit of Wastes,” pp. 880–81. Veja também Clover, “Torts: Trespass, Nuisance and E=mc2,” p. 119.

[60]Prosser, Law of Torts, p. 66.

[61]Durante a década de 1920, os tribunais estavam elaborando precisamente esse sistema de direitos de propriedade privada apropriados em frequências de ondas de rádio. É porque tal estrutura de propriedade privada estava evoluindo que o Secretário de Comércio Hoover impulsionou o Ato do Rádio de 1927, nacionalizando a propriedade das ondas de rádio. Veja Ronald H. Coase, “The Federal Communications Commission,” Journal of Law and Economics 2 (October 1959): 1–40. Para um estudo moderno de como tais frequência poderiam ser alocadas, veja A. De Vany, et al., A Property System Approach to the Electromagnetic Spectrum (San Francisco: Cato Institute, 1980).

[62]Sobre os direitos prescritivos, a tangibilidade e o conceito de “chegar à tort” em relação à poluição do ar, veja William C. Porter, “The Role of Private Nuisance Law in the Control of Air Pollution,” Arizona Law Review 10 (1968): 107–19; e Julian C. Juergensmeyer, “Control of Air Pollution Through the Assertion of Private Rights,” Duke Law Journal (1967): 1126–55.

[63]Terry James Yamada, “Urban Noise: Abatement, Not Adaptation,” Environmental Law 6 (Outono, 1975): 64. Infelizmente, como a maioria dos autores que escrevem sobre direito ambiental, Yamada escreve como um fervoroso defensor especial para queixosos ambientais, e não como um pesquisador para o direito objetivo.

[64]Ibid., p. 63. Observe, no entanto, que, em nossa posição, o requisito de “razoável” para lesão ou desconforto real é correto para ruído, mas não, digamos, para fumaça visível ou odores nocivos, a menos que “desconforto” seja interpretado de forma ampla de modo a incluir toda interferência com uso.

[65]Veja a discussão de várias teorias de propriedade da terra e do ar em Prosser, Law of Torts, pp. 70-73.

[66]Em Hinman v. Pacific Air Transport, 9 Cir. (1936), 84 F.2d 755, cert. denied 300 U.S. 654. Em ibid., p. 71.

[67]Ibid., p. 70.

[68]Ibid., pp. 70–71. Veja Smith v. New England Aircraft Co., (1930), 270 Mass. 511,170 N.E. 385. Veja também Prosser, Law of Torts, pp. 514–15.

[69]Thornburg v. Port of Portland (1962), 233 Ore. 178, 376 P.2d 103. Citado em Clover, “Torts: Trespass, Nuisance and E=mc2, p. 121. A posição anterior era baseada em United States v. Causby (1946). Veja também Prosser, Law of Torts, pp. 72–73.

[70]Holman v. Athens Empire Laundry Co., 149 G. 345, 350, 100 S.E. 207, 210 (1919). Citado em Jack L. Landau, “Who Owns the Air? The Emission Offset Concept and Its Implications,” Environmental Law 9 (1979): 589.

[71]Prosser, Law of Torts, p. 354.

[72]Paul B. Downing, “An Introduction to the Problem of Air Quality,” em Air Pollution and the Social Sciences, Downing, ed. (New York: Praeger, 1971), p. 13.

[73]James E. Krier, “Air Pollution and Legal Institutions: An Overview,” em ibid., Air Pollution and the Social Sciences, pp. 107–08.

[74]Veja a seção intitulada “Torts Conjuntos e Vítimas Conjuntas” para uma discussão de delinquentes conjuntos, torts múltiplos e processos de ações coletivas.

[75]Jeffrey C. Bodie, “The Irradiated Plaintiff: Tort Recovery Outside Price-Anderson,” Environmental Law 6 (Primavera, 1976): 868.

[76]Com respeito à poluição do ar, veja Landau, “Who Owns the Air?” pp. 575–600.

[77]Para uma excelente discussão de recursos judiciais em oposição a recursos legais ou administrativos para adulteração de produtos, veja Wordsworth Donisthorpe, Law in a Free Society (London: Macmillan, 1895), pp. 132–58.

[78]Os criminosos devem ter o direito de comprar um processo ou execução pela vítima, assim como devem ter o direito de comprar uma liminar de uma vítima depois de emitida. Para um excelente artigo sobre a última questão, veja Thompson, “Injunction Negotiations”, pp. 1563-95.

[79]Veja a seção intitulada “Torts Conjuntos e Vítimas Conjuntas”.

[80]Para relatos hostis de privity e uma discussão sobre garantia implícita, veja Richard A. Epstein, Modern Products Liability Law (Westport, Connecticut: Quorum Books, 1980), pp. 9-34; e Prosser, Law of Torts, pp. 641ff.

[81]Algumas das dificuldades práticas envolvidas em tais processos poderiam ser superadas pelo litisconsórcio dos vários queixosos. Veja a seção intitulada “Torts Conjuntos e Vítimas Conjuntas”.

[82]Sobre a “tragédia dos comuns” e a propriedade privada, veja, por exemplo, Garrett Hardin, “The Tragedy of the Commons”, Science 162 (1968): 1243-48; Robert J. Smith, “Resolving the Tragedy of the Commons by Creating Private Property Rights in Wildlife”, Cato Journal 1 (Outono, 1981): 439–68.

[83]Proser aponta:

Um crime é uma ofensa contra o público em geral, pelo qual o estado, como representante do público, instaurará um processo na forma de um processo criminal. O objetivo de tal procedimento é proteger e reivindicar os interesses do público como um todo. […] A persecução penal não se preocupa de forma alguma com a reparação do lesado contra o qual o crime é cometido. (Prosser, Law of Torts, p. 7)

[84]Para uma discussão esclarecedora das raízes da divisão moderna entre direito penal e lei de tort, com o primeiro como perseguindo crimes contra a “paz do rei”, veja Barnett, “Restitution: A New Paradigm of Criminal Justice”, pp. 350-54.

[85]Sobre danos punitivos na lei de tort, veja Prosser, Law of Torts, pp. 9ff. Este não é o lugar para expor uma teoria da punição. As teorias de punição entre filósofos libertários e teóricos do direito vão desde evitar quaisquer sanções coercitivas até apenas restituição, restituição mais punição proporcional, e permitir punição ilimitada por qualquer crime.

Para minha própria visão sobre punição proporcional, veja Murray N. Rothbard, “Punishment and Proportionality”, em Barnett e Hagel, eds., Assessing the Criminal, pp. 259–70. Sobre o conceito de transporte de criminosos, veja Leonard P. Liggio, “The Transportation of Criminals: A Brief Politico-Economic History”, em ibid, pp. 273-294.

[86]Ibid., p. 11. Veja também Epstein, Cases on Torts, p. 906.

[87]Assim como o privilégio contra a autoincriminação. De fato, a proibição do testemunho obrigatório não deve ser estendida apenas aos casos de tort, deve ser ampliada para incluir todos os testemunhos obrigatórios, tanto contra outros quanto contra si mesmo.

[88]Richard A. Epstein, “Crime and Tort: Old Wine in Old Bottles,” em Barnett and Hagel, eds., Assessing the Criminal, pp. 231–57.

[89]Barnett, “Restitution: A New Paradigm of Criminal Justice,” p. 376. Barnett adiciona:

Dessa forma, a lei da tentativa é, na verdade, uma forma de dupla contagem cuja função principal é permitir que a polícia e o promotor possam cobrar a mais de um crime para fins de negociação posterior. Além disso, algumas categorias de tentativa, como leis de conspiração e leis possessórias — por exemplo, posse de instrumentos de arrombamento — são atalhos para promotores incapazes ou relutantes em provar o crime real e são uma fonte constante de processos seletivos e repressivos. (Ibid.)

Podemos acrescentar que o último sempre seria ilegítimo sob a lei libertária.

[90]De acordo com Barnett:

O único tipo de tentativa malsucedida que escaparia à responsabilidade [sob a lei de tort] seria o caso de alguém que tentasse sem sucesso cometer um crime sem violar os direitos de ninguém e sem que ninguém soubesse disso. […] Em todo caso, nenhum sistema governado por qualquer princípio pode processar atos que ninguém conhece. (Ibid., pp. 376-77)

O professor Ronald Hamowy da Universidade de Alberta também deve ser mencionado como contribuindo significativamente para esta solução do problema.

[91]Pode-se concordar com Barnett aqui sem adotar sua própria variante de pura restituição sem punição da lei de tort. Em nossa opinião, elementos do direito penal, como punição, poderiam ser prontamente incorporados em uma lei de tort reconstruída.

[92]Prosser, Law of Torts, p. 291. Veja também, ibid., pp. 293ff.

[93]Nessa situação, o litisconsórcio é obrigatório para os réus, ainda que os queixosos possam optar entre litisconsórcio e ações separadas.

[94]Prosser, Law of Torts, pp. 317–18.

[95]Veja Katz, “Function of Tort Liability,” pp. 619–20.

[96]No entanto, um caminho melhor seria exigir que os interesses comuns predominem sobre os interesses individuais separados, como agora está sendo exigido para processos de ação de classe. Veja a discussão de City of San Jose v. Superior Court abaixo.

[97]O tipo de ação de classe uma vez conhecido como “ação de classe espúria”, em que uma sentença vincula apenas os membros realmente perante o tribunal, não era na verdade uma ação de classe, mas um dispositivo de litisconsórcio permissivo. Fed. R. Civ. P. 23 (1938).

[98]As Regras de 1938 previam que, em alguns casos, qualquer ação de classe deve ser do tipo espúrio mencionado na nota de rodapé anterior. As regras revisadas de 1966 tornaram todos os processos de ação de classe obrigatórios, eliminando a categoria de ação espúria. Veja Fed. R. Civ. P. 23 (1966).

[99]Fed. R Civ. P. 23(a) (1966). Sobre a questão de saber se o aviso individual às maneiras de classe é ou não obrigatório, veja Fed. R Civ. P23(d)(2), Fed. R. Civ. P. 23(e), Mattern v. Weinberger, 519F.2d 150 (3d Cir.1975), Eisen v. Carlisle & Jacquelin, 417 U.S. 156 (1974), Cooper v. American Savings & Loan Association, 55 Cal. App. 3d 274 (1976).

[100]O caso foi Diamond v. General Motors Corp. 20 Cal. App. 2d 374 (1971). Por outro lado, algumas decisões de tribunais estaduais, como na Califórnia, têm sido altamente favoráveis a processos de ação de classe. O tribunal da Califórnia, na verdade, permitiu uma ação coletiva de um homem contra uma empresa de táxi ré por supostas cobranças excessivas, em seu nome e de vários milhares de clientes não identificados da empresa. Dear v. Yellow Cab Co., 67 Cal. 2d 695 (1967).

[101]City of San Jose v. Superior Court, 12 Cal. 3d 447 (1974).

[102]Epstein fornece uma nota interessante sobre as maneiras pelas quais os queixosos, de uma forma puramente libertária, foram capazes de superar o fato de que nem o litisconsórcio nem o processo de ação de classe foram permitidos devido à extensão e diversidade dos interesses individuais envolvidos. O medicamento MER/29 foi retirado do mercado em 1962, após o que cerca de 1.500 ações judiciais foram iniciadas contra a empresa farmacêutica por danos. Enquanto o réu se opôs com sucesso a um litisconsórcio voluntário, a maioria dos procuradores coordenou voluntariamente suas atividades por meio de um comitê central da câmara de compensação com honorários por serviços cobrados de todos os advogados do grupo. Epstein relata que os advogados que participaram do grupo geralmente tiveram mais sucesso em seus respectivos processos do que aqueles que não participaram. Epstein, Cases on Torts, p. 274.

[103]Em Snyder v. Harris, 394 U.S. 332 (1970). Krier, “Air Pollution and Legal Institutions.”

[104]Em suma, e se eles ajuizassem um processo de ação de classe de poluição e ninguém viesse? Krier cita o caso Riter v. Keokuk Electro-Metals Co. 248 Iowa 710, 82 N.W. 2d 151 (1957). Krier, “Air Pollution and Legal Institutions”, p. 217. Veja também John Esposito, “Air and Water Pollution: What to Do While Waiting for Washington”, Harvard Civil Rights/Civil Liberties Law Review (Janeiro de 1970): 36.

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