Muito se fala a respeito do marxismo cultural, porém pouco se sabe a respeito do mesmo. Mas afinal, isto é um problema? Com certeza. A grande ideia marxista é justamente que seus autores não sejam lidos. Como assim? Bem, como é que a competição surge senão do confronto nos pontos de ataque do seu adversário? Muitos ancaps utilizam a carta cultural como um instrumento de mudança da sociedade, como um recurso para lidar com o estatismo, uma forma de “reverter” o processo esquerdista.
Mas como podemos entrar em um jogo tão complexo e tão bem trabalhado pela esquerda há tanto tempo sem nem ao menos sabermos sobre o quê se trata o assunto? Bem, no meu primeiro texto lidando a respeito disto, irei primeiramente demonstrar como a Jaula Marxista prendeu e prende todas as formas de ação política que tentem ser feitas, tentarei demonstrar que até mesmo os ancaps que se dizem contra o socialismo e todas as organizações estatais, estão tão presos na estratégia marxista que não conseguem percebê-la. E como podemos então perceber essa prisão? Quais são as formas de “prisão” que nos foram apresentadas?
A Política
A primeira corrente que nos prende é justamente a confusão entre ação política e poder estatal. Está contida na experiência a grande quantidade de ancaps que acreditam fervorosamente no poder da política estatal para realizar mudanças, uma inocência imensa e mortal.
Por quê? A explicação estará ao longo da série de textos sobre o tema, mas gostaria de levantar desde já uma ponderação: a Dialética Crítica que nos foi imposta, nos coloca dentro de um eixo político que buscamos negar simultaneamente ao processo de aceitá-lo; mas como isto? Existem diversos ancaps, alguns que se denominam mais conservadores e outros que se consideram mais progressistas, mas observe que o significado de conservador e progressista aqui usado detém o significado já enviesado que é trazido pelo aparato estatal enquanto força política.
Alguns ancaps se denominam mais conservadores, ou seja, mais voltados a imposição de algumas crenças trazidas historicamente, e outros negam isto porque acreditam que existe uma dicotomia entre usar armas e usar drogas, e isto existe dos dois lados, a tal ponto que muitos realmente acreditam na força do estado para impor determinadas sanções que são convenientes ao seu bom gosto.
Como, por exemplo, conservadores ancaps que querem colocar algum político de direita para “liberar” as armas, e progressistas ancaps que querem votar em algum político para “legalizar” a maconha. Mas qual o problema disso? Bem, ao fazê-lo estamos segregando e dividindo o movimento em crenças de ação diversas, aqueles que estão mais propensos a uma dessas formas de reflexão em uma sociedade libertária, estão menos propensos a auxiliar aqueles que estão propensos a outra dessas formas de reflexão. Isso irá resultar na divisão efetiva entre mecanismos de ação que, de outra forma, convergiriam.
Além disso, precisamos lembrar que o porte de armas e a legalização da maconha dentro de uma perspectiva estatal irão conter impostos, ou seja, por mais que consigamos ter acesso a armas e/ou drogas, isto não será possível sem beneficiar de uma forma ou de outra o poder estatal através do aumento da arrecadação, fazendo assim com que ao mesmo tempo que temos acesso ao que queríamos, à nossa crença de ação, o estado em contrapartida irá sair fortalecido.
E qual o problema? O problema é que mesmo vencendo a batalha ainda estamos fazendo parte da tal Dialética Crítica mencionada. Por mais que estejamos alcançando pautas que consideramos importantes, o resultado tem por consequência a exaltação do vilão. E por que isso é tão nocivo? Porque a própria noção da ação começa a ter incentivos para permanecer na dinâmica estatal a partir do momento que a mesma insere-se no seio social por ela.
O Materialismo Liberal
Uma das coisas mais divertidas que o marxismo traz é a sua herança liberal. Para aqueles pouco familiarizados com o tema, saibam que o marxismo tem suas primeiras origens e constatações trazidas por liberais franceses como David Ricardo e que entre os marxistas não é tão difícil enxergar a presença de um âmago liberal, sendo inclusive um objeto de discussão nos círculos marxistas.
Mario Alighiero Manacorda é um dos grandes homens que foi responsável por nos entregar a noção do que é o tal liberalismo no marxismo e nós iremos destrinchar seu artigo “Marx: do Liberalismo ao Comunismo” aqui. Manacorda começa lançando a proposta de seu artigo logo nas primeiras linhas:
Embora muita água filosófico-política tenha passado sob as pontes da história, acrescendo novas concepções e ideologias, me referirei aqui, ainda, a estes velhos – ismos, para perguntar-se: eles são de fato contrapostos, ou são em alguma medida conciliáveis? Por outras palavras, eles têm histórica e conceitualmente algo em comum, e pode o liberalismo conter suficientes aspectos de sociabilidade, e o comunismo conter suficientes motivos de liberdade?
Após uma breve análise histórica, Manacorda traz o ponto de Norberto Bobbio sobre o assunto:
Tal pergunta já havia sido formulada pelo jornalista Nello Ariello ao filósofo Norberto Bobbio. Ao jornalista que recordava, na ocasião, como Gobetti queria conciliar liberalismo e comunismo, Bobbio admitia que sim, que segundo Gobetti eram conciliáveis, mas que era preciso distinguir o marxismo do socialismo, pois este último, “com a confiança acrítica na intervenção do Estado na economia, representa a antítese da idéia liberal”. Portanto, tem-se de um lado Marx, ou então, o socialismo teórico, compatível com o liberalismo, de outro, o socialismo, incompatível. Pode-se concordar com isso, e a questão é a seguinte: partindo exatamente desta distinção entre a hipótese cultural e a realidade política, válida, aliás, para cada -ismo da história, o tema merece ser aprofundado.
A distinção chave e que é investigada no artigo é a questão de que a cultura e a política não operem em mesmo nível, sendo necessário eliminar parte das considerações e fortalecer as remanescentes do socialismo teórico para fins de conciliação. Uma das constatações mais fortes retiradas de Marx é a ideia real de que suas formulações não tinham a intenção de negar por completo o liberalismo, mas antes de lidar com suas contradições internas. Diz Manacorda:
Por outras palavras, o jovem Marx foi, por assim dizer, um idealista que se tornou “economista por força”, chegando ao interesse pela economia política, partindo de e passando pelas exigências éticas e culturais profundamente humanitárias, vividas com intensidade romântica (no sentido psicológico e histórico): quando se deu conta de que as raízes da unilateralidade e da alienação do homem residiam nas condições históricas do trabalho, entendido como atividade humana produtora da vida material e espiritual no confronto com a natureza para humanizá-la, então foi levado por necessidade a indagar, antes de tudo, as raízes, isto é, exatamente as relações econômico-políticas.
Até aqui, Marx estava apenas tentando entender por uma perspectiva histórica as condições que trouxeram a situação liberal para sua atualidade. Suas investigações eram no sentido de criar uma idealização do imaginário liberal e assim efetivamente engajar um projeto de melhoria humanitária universal. Suas intenções eram a de criar a sociedade liberal perfeita, não necessariamente algo que pudesse ser atingido, mas um ktema eis aei, momento alto da história a ser buscado, como clama Manacorda. Entretanto, quis a história que ele encontrasse ditas contradições em seu projeto de idealização:
Percebeu que no sistema de produção capitalista, nascido com a marca da ideologia liberal, o trabalho se inverte passando de “manifestação de si” ao seu contrário, “o homem perdido de si mesmo”: “alienação” que se efetua concretamente na exclusão do trabalhador da propriedade dos meios de produção, na sua privação da ciência nele incorporada, na sua degradação em apêndice vivo do maquinário no processo de trabalho imediato, e por fim na sua exclusão da posse do produto e da sua distribuição na relação com os outros homens.
Neste momento e por este caminho, ele, que desde adolescente era – dá vontade de dizer – um filantropo romântico por instinto e depois um filósofo idealista por formação cultural, se tornará finalmente um economista “por força” ou por necessidade moral. A compreensão crítica da “economia política” (expressão que para ele significa tanto o modo de produção capitalista quanto a teoria que o exprime e o julga), ou melhor, a crítica das contradições do liberalismo real, será o compromisso de toda a sua vida.
Bem, uma vez que entendemos que Marx era um idealista liberal dos mais radicais e que o projeto liberal era o seu próprio projeto original, vamos analisar as heranças deixadas no marxismo por essa raiz liberal. A primeira coisa a entender é que Marx nunca criticou os liberais, como bem salientado por Manacorda:
O certo é que todo o seu pensamento econômico-político, baseado nos textos dos grandes fundadores “burgueses” da economia política clássica, desde Smith até Ricardo e todos os demais, assim como diz o título da sua principal obra, é uma pontual e inexorável “crítica da economia política”. Mas, desafio a encontrar nele uma única expressão de repúdio aos grandes princípios ideais do liberalismo, e também da democracia, inclusive na sua crítica ao liberalismo (e de todo o resto), e o liberalismo fim em si mesmo apareceria sem história e fora da história
Marx tinha os ideais liberais como ideais para si, afinal, até a página passada, ele ainda intenta criar uma sociedade liberal perfeita, inclusive enxergando na burguesia um papel eminentemente revolucionário em si mesma apesar de suas críticas ferrenhas. Essa exaltação e crítica são largamente encontrados na obra de Marx. Marx analisa a burguesia sempre mediante um processo histórico e dialético que entende suas forças e critica suas contradições. Em forma de exaltação:
Marx, insistindo longamente nessa dupla avaliação, observa positivamente que a burguesia, do ponto de vista da tradição, “destruiu todas as condições de vida feudais, patriarcais, idílicas; extinguiu os santos temores do êxtase religioso, o entusiasmo cavalheiresco e o sentimentalismo do pequeno burguês”; do ponto de vista da produção, “tornou cosmopolita à produção e o consumo de todos os países” e gerou “uma interdependência universal das nações”.
Exalta a capacidade produtiva do sistema capitalista, como jamais se verificou na história, por ter “criado uma quantidade maior e mais colossal das forças produtivas do que todas as gerações passadas juntas”. Aqui acrescenta uma observação que merece ser destacada porque expressa o interesse cultural deste árido economista: “o que vale para a produção material, vale também para a produção intelectual”.
De fato, ele afirma que “os produtos intelectuais de cada nação tornam-se propriedade comum de todos… e das literaturas nacionais e locais nasce uma literatura mundial”, de tal forma que “a burguesia leva consigo para a civilização também todas as nações mais bárbaras”. Há, assim, uma clara avaliação dos aspectos não só políticos e econômicos, mas também culturais do desenvolvimento burguês
Em forma de críticas:
Indica ainda as outras contradições que se alojam no interior da sua organização da produção, motivo pelo qual “a sociedade recai repentinamente numa condição de transitória barbárie”. Enfim, a conclusão negativa, igualmente peremptória sobre aquela inicial afirmação positiva sobre o seu papel revolucionário: “Mas a burguesia não só fabricou as armas que devem levá-la à morte; mas também produziu os homens que se servirão dessas armas: os operários modernos, os proletários”. Trata-se de uma conclusão que, enquanto assinala que o processo capitalista não eliminou a exploração, mas somente substituiu uma forma de exploração por outra, nega a cada desenvolvimento posterior um sucesso em termos de libertação para a totalidade dos indivíduos.
Para além disso, Marx também não via uma relação tão oposta entre indivíduo e coletivo, focando suas considerações na diferenciação entre individual e privado, a primeira fazendo menção ao nexo causal da pessoa no mundo e a segunda fazendo menção a restrição que poderia advir dali. Para Marx, o fato de uma pessoa misturar seu trabalho com as coisas não era em si um motivo para que outros indivíduos não pudessem gozar daquelas coisas e historicamente essa é uma consideração que lembra profundamente as próprias considerações dos liberais. Como diz Manacorda:
De acordo com o que se depreende da frase supracitada de O Capital, a oposição não é entre “individual” e “coletivo”, como se sustenta na vulgata liberal ou marxista, e sim, entre individual e privado. Com efeito, privado é aquilo que, pertencendo a poucos indivíduos, excluindo todos os outros, nega o valor do indivíduo; coletividade, por sua vez, indica a totalidade dos indivíduos, visando à sua plena realização. Para iniciar também aqui com o Manifesto, e chegar às lamentações da burguesia, que lastima o fato de, com a abolição da propriedade, “se tenha abolido a pessoa (die Person)”, Marx o contesta declarando que ”assim ela confessa que por pessoa não compreende outra coisa senão o proprietário burguês”. (grifo nosso)
Em verdade, o que nós temos como constante das estruturas essenciais de Marx é inclusive uma tentativa real da libertação do sujeito para fora dos elementos materiais. Tal qual os liberais, Marx quer que tomemos as considerações materiais para segundo plano em respeito a ponderações omnilaterais dos sujeitos (que se manifestam em plena produção e consumo) na medida em que seres passíveis de espiritualidade:
É, mais tarde, o caso, nos Grundrisse dos anos 60, grande esboço do Capital, quando aparece insistentemente a prefiguração de um “indivíduo capaz da omnilateral realização social” e de um “desenvolvimento da rica individualidade, que é omnilateral tanto na produção quanto no consumo”; e por fim é o caso no Capital, com a afirmação segundo a qual “substituir o indivíduo parcial pelo indivíduo totalmente desenvolvido” torna-se “questão de vida e de morte” para a própria produção capitalista.
Nesta altura, não se trata de simples apelo humanitário, mas do resultado objetivo de uma forte crítica da economia política, que exclui qualquer veleidade utópica, enquanto aponta uma exigência contraditória do sistema capitalista, segundo a qual, “impelindo o trabalho para além dos limites das necessidades naturais, cria os elementos materiais para o desenvolvimento da rica individualidade, que é igualmente omnilateral na produção e no consumo”.
Esse tipo de consideração é antiga em Marx e nos dá a ideia de uma libertação do sujeito na práxis inteiramente voltada a essa consideração primeira de elevar o sujeito para além dos seus elementos materiais, considerando-o como um fim em si mesmo. Marx é inclusive até mais radical que seus antecessores:
Em suma, para Marx, a questão “sindical” do horário de trabalho se apresenta como a questão ético-política do crescimento espiritual do homem. Não é, porventura, liberal, no sentido elevado, tal concepção da riqueza humana e do tempo para permiti-la? Não exprime, do melhor modo, a expectativa de crescimento humano, que nos clássicos do liberalismo é apenas esboçado? Não é por acaso compatível com a idéia maior do liberalismo?
Aliás (não se pode deixar de o dizer), em comparação com Marx, mesmo nos mais altos representantes do liberalismo aparece parcialmente um fechamento à idéia de uma liberdade igual para todos, sem exclusão; e se o liberal Tocqueville espera inclusive os piores genocídios colonialistas, até mesmo o grande Kant deixa escapar as habituais restrições com relação ao vulgo, “que não deve tomar parte alguma na busca da sabedoria”; algo incontestável na atualidade, mas desumano como perspectiva. Trata-se de decaídas que não se encontram em Marx.
E aqueles que, mesmo olhando esse tipo de construção marxista, ainda acreditarem que Marx não teria como pensar esse tipo de estrutura justamente pela forma de ponderação em relação ao estado que o tornaria enorme, vale lembrar que Marx não era estatista, não como Hayek e Mises o foram:
Pois o Estado, apesar de negar-lhes valor político, continua vivendo de tais diferenças, enquanto, uma vez reconhecida sua inconsistência política, se realizou o primeiro passo em direção de sua abolição e o reconhecimento da não essencialidade do próprio Estado.
Contra essas teses anti-estatistas, se poderá afirmar (obviamente!) que no Manifesto de janeiro de 1848 Marx declarava (confirmando-o em junho ao comentar na Neue Rheinische Zeitung a revolução dos proletários de Paris) que “o Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado”. Isto está certo, mas se pararmos aqui, se falsifica totalmente o seu pensamento.
Com efeito, logo depois ele explica que isto deve vir “primeiro” e por meio de “intervenções despóticas”, que, no entanto, são “insuficientes e insustentáveis”. Em suma, essa ditadura revolucionária representa o momento de ruptura do Estado burguês, isto é, a transição, e somente a transição, e depois “ao longo dessa evolução… o poder público perderá qualquer caráter político”, e teremos a “transformação do Estado em simples manutenção (administração) da produção”.
O que é isto, senão a ideia ultraliberal do desaparecimento do Estado, que é, de qualquer modo, o “poder organizado de uma classe para a opressão de outra”? Esta é a sua ideia liberal, para não dizer anárquica, de Estado, ao qual ele contrapõe a “sociedade civil”, em que cada indivíduo vive a sua diferente identidade, já não essencial para a política. Isso é reiterado constante e coerentemente em todos os textos sucessivos.
Marx, por mais insano que fosse, não imaginava uma organização social que dependesse do estado para algo que não a própria redistribuição de renda, um estado em muito menor que os comparativos Misesianos e Hayekianos que, pasmem, acreditam que o estado deva inclusive fazer coisas como prestar serviços de Segurança e Justiça. Como podemos ver, Marx é muito mais anti-estatista que os dois acima, deixando os dois parecerem socialistas de primeira linha comparados a Marx e seu estado final.
Aliás, sempre é divertido lembrar da forma como Marx poderia perfeitamente ter sido o fundador do Escola Sem Partido, caso estivesse em terras tupiniquins atualmente:
Defendendo uma escola estatal para todos, ele explicava que “isto não quer dizer chamar o Estado de educador”, mas dizia que, pelo contrário, “é necessário excluir tanto o Estado quanto a Igreja de qualquer tarefa na educação do povo”. Não só, mas tendia a despolitizar totalmente o processo educativo realizado no interior da escola, advertindo que “nem nas escolas elementares nem nas secundárias devem ser introduzidas disciplinas que (como a religião) admitem uma interpretação de partido ou de classe”. Portanto, na escola, nem Estado, nem Igreja, nem Partido: trata-se de posição absolutamente liberal, e certamente não de “socialismo real”, o que, aliás, ele negava também para qualquer forma de Estado futuro.
Mesmo aqueles minarquistas mais radicais, provavelmente seriam menos radicais que Marx em sua concepção de estado:
E reafirma essa concepção ultraliberal declarando que “a liberdade consiste em transformar o Estado de órgão sobreposto à sociedade em órgão absolutamente subordinado a ela”. Portanto, para ele também o Estado liberal e democrático era, por assim dizer, estatista demais. Assim, retornando em 1875 às considerações de 1866, criticava a instrução também nos países capitalistas mais liberais – Suíça e Estados Unidos – enquanto também neles “se entende o Estado como a máquina do governo, ou seja, o Estado enquanto constitui um organismo em si, separado da sociedade após uma divisão do trabalho”. De modo algum, nos parece que quem assim falava, contrapondo ao Estado a sociedade civil e criticando os resquícios de estatismo mesmo nas concepções mais liberais, fosse um estatista.
Nem me prenderei a falar muito da empreitada liberal no ataque à igreja que é característico do marxismo, por acreditar que até a vulgata entende a semelhança entre as ponderações iluministas e as marxistas em relação ao ataque à Igreja e muito menos a proximidade de Marx com as ideias democráticas que simplesmente rejeitava a insurreição em absoluto, inclusive pregando maciçamente uma rejeição aos anarquistas como Bakunin e sua vontade de levante. Também não me prenderei a questão ecológica, embora Manacorda o faça, pura e simplesmente porque os próprios liberais não se furtam em desmascarar seu próprio estatismo na questão e proximidade com pontos marxistas nesse ínterim e sentido.
O que me vale a pena traçar é a proximidade sincera e real da interpretação marxista do liberalismo tal como o conhecemos. Marxismo é liberalismo, dos mais radicais por sinal. Entender isso e começar a ponderar nossas diferenças qualitativas em relação a esse tipo de ponderação ( e não quantitativas como muitos alegam) é o início da ruptura com o liberalismo. Fiquemos com as palavras de Manacorda sobre o assunto:
Por este mérito dele, pela inspiração humanista, pelo método da pesquisa, pela associação rigorosa das questões do estômago e da fantasia, da natureza e do homem, pelo seu ensino histórico sobre as contradições, pela sua perspectiva de uma totalidade de homens totalmente desenvolvidos, Marx fica na história como continuador crítico da grande tradição liberal, imprescindível para o comunismo e incompleta sem a sua continuidade no comunismo. Esta minha reflexão sobre o velho Marx – qualquer que seja seu valor – poderia obviamente ser estendida a muitos outros autores, de inspiração tanto liberal quanto socialista, na busca de suas origens comuns, de afinidades ideais e convergências possíveis: ela expressa um sonho, que no plano cultural, se ainda não for no político, pode ser, aliás, já é, uma realidade. Talvez o futuro conseguirá recuperar a exigência humana do marxismo e voltar a propor este coração do coração do comunismo, com qualquer nome que se queira dar-lhe, como exigência universalmente humana, semelhante àquela do liberalismo.
A Mídia
A terceira cicatriz foi uma das mais cruéis. A ideia de que a mídia é um instrumento de controle do estado na medida em que interfere na liberdade de expressão e perpetua narrativas é algo conhecido. Estamos acostumados a uma série de narrativas que são facilmente identificáveis para um ancap atento: “nós somos o estado”, “sem o estado nós teríamos um estado de guerra, de todos contra todos”, “o estado é responsável por prestar serviços que ninguém gostaria de prestar, como o de criar ruas para atender regiões interioranas”.
O que parece passar despercebido é o fato de que essas narrativas mais comuns são normalmente raízes de outras sub-narrativas e é nelas que mora o perigo. Alguns exemplos de narrativas que podem ser consideradas sub narrativas são:
- Traficantes geralmente são pessoas violentas
- Empregos formais, aqueles com carteira assinada e portanto registro para o governo, são mais seguros e rentáveis que empregos informais (auto-realizada por sinal)
- O estado de fato está prestando algum serviço em áreas como saúde, segurança e justiça
- Se o estado acabasse amanhã, milhões de pessoas morreriam em função da ausência de um controlador central para áreas vitais como saúde e segurança
- Corrupção é uma prática condenável
- Porte ostensivo é coisa de bandido
Essas sub narrativas são espalhadas todos os dias pelo estado através da mídia de tal forma que ele possa consolidar-se como um ente dialético ainda que o defensor da sub narrativa seja grandemente contrário a narrativa que a originou. A implicitude criada por esse tipo de Jaula Marxista provoca uma sensação de distância da figura estatal ao mesmo tempo que a consolida no imaginário da oposição.
Essa é a parte I de III das cicatrizes marxistas que serão postadas na Universidade Libertária.
Coautores:
Malboro
Daniel Miorim
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