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Mercantilismo e Colbertismo na França

Tempo de Leitura: 8 minutos

Por Murray Rothbard

[Retirado de História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca—Antes de Adam Smith, cap. 7, subcap. 4]

Na França, que se tornaria no século XVII o lar par excellence do estado-nação despótico, o promissor comércio de tecidos e de outros tipos de negócio e de indústria em Lyon e na região do Languedoc no sul foram prejudicados pelas devastadoras guerras religiosas nas últimas quatro décadas do século XVI. Além da devastação, da morte e da emigração de habilidosos artesãos huguenotes para a Inglaterra, altas taxas para financiar a guerra serviram para prejudicar o crescimento econômico da França. Então, o partido politique, subindo ao poder com a promessa de acabar com os conflitos religiosos, deu início ao reinado desenfreado do absolutismo monárquico.

A regulamentação que danificava a indústria francesa havia começado no final do século XV, quando o rei expediu dezenas de alvarás de guilda, conferindo o poder de controlar e de estabelecer padrões de qualidade nas diferentes ocupações às guildas urbanas e a seus oficiais. A Coroa conferia privilégios de cartelização às guildas enquanto cobrava impostos sobre elas em troca. A principal razão pela qual Lyon floresceu durante o século XVI foi que ela recebeu uma isenção especial das regras e restrições de guildas.

Pelo fim do século XVI e das guerras religiosas, as antigas regulações ainda estavam em vigor, prontas para serem impostas. A nova monarquia absoluta estava pronta para aplicá-las e levá-las adiante. Assim, em 1581, o rei Henrique III ordenou que todos os artesãos da França se unissem e se agrupassem em guildas, cujas ordens deviam ser cumpridas. Todos, exceto os artesãos parisienses e lyoneses, foram forçados a limitar suas atividades às suas cidades atuais; dessa forma, a mobilidade da indústria francesa foi encerrada. Em 1597, Henrique IV reconstituiu e fortaleceu essas leis e passou a aplicá-las completamente.

O resultado dessa rede de restrições foi o total prejuízo do crescimento econômico e industrial da França. A manobra típica de preservar os “padrões de qualidade” significava que a concorrência era prejudicada, produção e importações eram limitadas e preços eram mantidos altos. Em suma, isso significava que os consumidores não tinham a opção de pagar menos por produtos de qualidade inferior. Os monopólios privilegiados pelo estado também cresceram com efeitos semelhantes; e sobre as guildas e os monopólios o estado arrecadou impostos crescentes e sufocantes. As crescentes taxas de inspeção de qualidade também representaram um grande fardo sobre a economia francesa. Além disso, a produção de luxo era particularmente subsidiada e os lucros das indústrias em expansão desviados para subsidiar os fracos. Com isso a acumulação de capital foi desacelerada e o crescimento de indústrias fortes e promissoras prejudicado. O subsídio e o privilégio de indústrias de luxo significaram uma mudança de recursos das inovações de corte de custos em novas indústrias de produção em massa, para áreas de artesanato de alto custo como vidros e tapeçarias.

A cada vez mais poderosa monarquia e aristocracia francesa eram grandes consumidores de bens de luxo e, portanto, estavam particularmente interessados em promovê-los e manter sua qualidade. O preço não era um grande problema, já que a monarquia e a nobreza viviam de impostos compulsórios em qualquer caso. Assim, em maio de 1665, o rei estabeleceu privilégios de monopólio para um grupo de fabricantes franceses de tecidos, usando o argumento transparentemente hipócrita de que isso foi feito para impedir “a exportação de dinheiro e dar emprego ao povo”. Na verdade, o objetivo era proibir qualquer pessoa que não fosse os licenciados privilegiados de fazer tecidos, em troca de pesadas taxas pagas à Coroa. Os cartéis domésticos não valem nada se o consumidor puder comprar substitutos mais baratos do exterior e, assim, tarifas protecionistas foram cobradas sobre os tecidos importados. Mas, aparentemente, o contrabando era abundante e, portanto, em 1667, o governo tornou a aplicação mais fácil ao proibir qualquer tecido estrangeiro. Além disso, para evitar a concorrência não licenciada, era necessário que a Coroa francesa proibisse qualquer trabalho com tecido em casa e obrigasse que todo trabalho com tecidos ocorra em pontos de manufatura fixos e visíveis. Assim, como escreveu o ministro das finanças e comércio e czar geral da economia, Jean-Baptiste Colbert, a um supervisor de renda do governo: “Peço-lhe que observe com cuidado que nenhuma menina deve ser autorizada a trabalhar na casa de seus pais e que você deve obrigar todas elas a irem para a casa das manufaturas. […]”

Talvez a mais importante das numerosas restrições mercantis à economia francesa impostas no século XVII foi a aplicação de padrões de “qualidade” à produção e ao comércio. Isso tendeu a significar um congelamento da economia francesa no início ou em meados do século XVII. Esse congelamento forçado prejudicou ou até mesmo impediu a inovação — novos produtos, novas tecnologias, novos métodos de manejo da produção e da troca — tão necessária ao desenvolvimento econômico e industrial. Um exemplo foi o tear, inventado no começo do século XVII, inicialmente usado principalmente para a produção de um item de luxo, as meias de seda. Quando os teares começaram a ser aplicados a bens de lã e de linho de consumo relativamente em massa, os costureiros resistiram à competição eficiente e persuadiram Colbert, em 1680, a proibir o uso do tear em qualquer artigo, exceto seda. Felizmente no caso do tear, os fabricantes de lã e linho excluídos eram politicamente poderosos o suficiente para conseguir revogar a proibição quatro anos depois e para serem incluídos no sistema de vantagem protecionista/cartelista.

Todas essas tendências do mercantilismo francês atingiram o clímax na era de Jean-Baptiste Colbert (1619-83), tanto que ele deu o nome de colbertismo à mais hipertrofiada personificação do mercantilismo. Filho de um mercador nascido em Reims, Colbert cedo se juntou à burocracia central francesa. Em 1651, ele havia se tornado um burocrata importante a serviço da Coroa, e de 1661 até sua morte 22 anos depois, Colbert era efetivamente o czar econômico — absorvendo os cargos de superintendente de finanças, de comércio e secretário de estado — sob o grande Rei Sol, o epítome do despotismo absolutista, Luís XIV.

Colbert se envolveu em praticamente uma orgia de concessões de monopólio, subsídios de luxo e de privilégios cartelizantes, e construiu um poderoso sistema de burocracia central, de funcionários conhecidos como intendants, para impor a rede de controles e regulamentos. Ele também criou um sistema formidável de inspeções, marcas e medições para ser capaz de identificar todos aqueles desviando da lista detalhada de regulamentos estatais. Os intendants empregaram uma rede de espiões e informantes para descobrir todas as violações das restrições e regulamentações do cartel. No modo clássico de espiões em todos os lugares, eles também espionavam uns aos outros, incluindo os próprios intendants. As penalidades variavam de confisco e destruição da produção “inferior” a multas pesadas, zombaria pública e privação da licença de permanência no mercado. Como o principal historiador do mercantilismo resumiu a imposição francesa: “Nenhuma medida de controle foi considerada severa demais onde serviu para garantir o maior respeito possível pelas regulamentações”.[1]

Dois dos exemplos mais extremos de supressão de inovação na França ocorreram logo após a morte de Colbert, durante o longo reinado de Luís XIV. A fabricação de botões na França era controlada por várias guildas, dependendo do material usado, a parte mais importante pertencendo à guilda dos fabricantes de cordões e de botões, que fabricava botões de corda à mão. Na década de 1690, alfaiates e revendedores lançaram a inovação de botões de tecelagem a partir do material da roupa. A indignação dos ineficientes fabricantes de botões à mão fez com que o estado saltasse em sua defesa. No final da década de 1690, multas foram impostas à produção, venda e até mesmo ao uso dos novos botões, e as multas foram aumentando continuamente. Os guardas das guildas locais obtiveram até o direito de revistar as casas das pessoas e de prender qualquer pessoa na rua que usasse os malignos e ilegais botões. Em poucos anos, porém, o estado e os fabricantes de botões à mão tiveram de desistir da luta, já que todos na França estavam usando os novos botões.

Mais importante para impedir o crescimento industrial da França foi a desastrosa proibição do novo tecido popular, as chitas estampadas. Os têxteis de algodão ainda não eram de suprema importância nessa época, mas o algodão seria a centelha da Revolução Industrial na Inglaterra no século XVIII. A política estritamente aplicada da França garantiu que os algodões não florescessem lá.

O novo tecido, chita estampada, começou a ser importado da Índia na década de 1660 e tornou-se muito popular, útil para um mercado de massa barato, bem como para a alta costura. Como resultado, o estampamento de chita foi iniciado na França. Na década de 1680, as indignadas indústrias de lã, pano, seda e linho reclamaram do estado de “concorrência desleal” com a novidade altamente popular. As cores impressas superaram prontamente os tecidos mais antigos. E assim o estado francês respondeu em 1686 pela proibição total das chitas estampadas: sua importação ou sua produção doméstica. Em 1700, o governo francês foi até o fim: uma proibição absoluta de todos os aspectos das chitas, incluindo seu uso no consumo. Os espiões do governo tiveram um dia de campo histérico: “espiando carruagens e casas particulares e relatando que a governanta do Marquês de Cormoy fora vista em sua janela vestida de chita de fundo branco com grandes flores vermelhas, quase novas, ou que a esposa de um vendedor de limonada fora vista em sua loja em um grande vestido de chita”.[2] Literalmente milhares de franceses morreram nas lutas contra a chita, sendo executados por usarem chita ou em ataques armados contra usuários de chita.

As chitas eram tão populares, porém, especialmente entre as mulheres francesas, que a luta acabou perdida, embora a proibição tenha permanecido nos livros até o final do século XVIII. O contrabando de chitas simplesmente não podia ser interrompido. Mas é claro que era mais fácil impor a proibição contra a manufatura doméstica de chita do que contra toda a população consumidora francesa e, portanto, o resultado do quase século de proibição foi o fim total de qualquer indústria de chita doméstica na França. Os empreendedores e artesãos habilidosos de chita, muitos deles huguenotes oprimidos pelo estado francês, emigraram para a Holanda e a Inglaterra, fortalecendo a indústria de chita nesses países.

Além disso, controles generalizados de salários máximos desencorajaram os trabalhadores a se mudar ou, em particular, de entrar na indústria, e tendiam a manter os trabalhadores na fazenda. Os requisitos de aprendizagem de três ou quatro anos restringiam muito a mobilidade de trabalho e impediam o acesso ao ofício. Cada mestre era limitado a um ou dois aprendizes, impedindo assim o crescimento de qualquer empreendimento.

Antes de Colbert, a maior parte da receita francesa vinha de impostos, mas as concessões de monopólio proliferaram tanto durante o regime de Colbert para tentar pagar pelos gastos crescentes que a receita de concessões monopolistas chegou a mais da metade de toda a renda do estado.

Mais oneroso e estritamente aplicado era o monopólio governamental do sal. Os produtores de sal eram obrigados a vender todo o sal produzido a certos depósitos da realeza a preços fixos. Os consumidores foram então obrigados a comprar sal e, para expandir a renda do estado e privar os contrabandistas de receita, a comprar uma quantia fixa quatro vezes o preço do livre mercado é a dividi-la entre os habitantes.

Apesar do enorme aumento na receita de concessões de monopólios, os impostos também aumentaram muito na França. O imposto sobre a terra, ou taille réelle, era a maior fonte de receita para o estado e, no início de seu regime, Colbert tentou expandir ainda mais a carga da taille. Mas a taille foi dificultada por uma rede de isenções, especialmente incluindo toda a nobreza. Colbert fez o que pôde para espionar os isentos, desentocar “falsos” nobres e impedir a rede de subornos dos cobradores de impostos. Uma tentativa de diminuir o taille ligeiramente e aumentar significativamente o aides — impostos internos indiretos no atacado e no varejo, especialmente sobre bebidas — veio prejudicar o suborno e a corrupção dos criadores de taxas. E havia o gabelle (imposto sobre o sal), cuja receita aumentou dez vezes em termos reais entre o início do século XVI e meados do século XVII. Durante a era Colbert, as receitas do gabelle não aumentaram tanto devido a um aumento nas taxas de impostos, mas devido ao endurecimento da imposição dos altos impostos existentes.

Os impostos sobre o consumo e sobre a terra caíram pesadamente sobre os pobres e sobre a classe média, prejudicando gravemente a poupança e o investimento, especialmente, como vimos, nas indústrias de produção em massa. O estado precário da economia francesa pode ser visto pelo fato de que, em 1640, exatamente quando o rei Carlos I da Inglaterra estava enfrentando uma revolução bem-sucedida, em grande parte provocada por sua imposição de altos impostos, a Coroa francesa estava arrecadando três a quatro vezes mais impostos per capita, como fez o rei Carlos.

Como resultado de todos esses fatores, embora a população da França fosse seis vezes maior que a da Inglaterra durante o século XVI, e seu desenvolvimento industrial inicial tivesse parecido promissor, o absolutismo francês e o mercantilismo estritamente aplicado conseguiram colocar aquele país fora da corrida como uma nação líder em crescimento industrial ou econômico.


[1]     Eli F. Heckscher, Mercantilism (1935, 2ª ed., Nova York: Macmillan, 1955) vol. I, p. 162.

[2]    Charles Woolsey Cole, French Mercantilism, 1683-1700 (Nova York: Columbia University Press, 1943), p. 176.

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