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Praxiologia: A Metodologia da Economia Austríaca

Tempo de Leitura: 26 minutos

Por Murray Rothbard

[Retirado de Economic Controversiesies, seç. 1, cap. 4]

Praxiologia é a metodologia distintiva da Escola Austríaca. O termo foi aplicado pela primeira vez ao método austríaco por Ludwig von Mises, que foi não apenas o maior arquiteto e elaborador dessa metodologia, mas também o economista que com maior sucesso e mais completamente aplicou-a à construção da teoria econômica.[1] Enquanto o método praxiológico é, para dizer o mínimo, fora de moda na economia contemporânea —bem como, de modo geral, na ciência social e na filosofia da ciência— ele era o método básico da Escola Austríaca inicial e também de um segmento considerável da Escola Clássica tardia, em particular de J.B. Say e Nassau W. Senior.[2]

A praxiologia reside sobre o axioma fundamental que seres humanos individuais agem, isto é, no fato primordial de que indivíduos engajam em ações conscientes rumo a objetivos escolhidos. Esse conceito da ação contrasta ao comportamento puramente reflexivo, ou reflexo patelar, que não é direcionado rumo a objetivos. O método praxiológico prolonga-se pela dedução verbal das implicações lógicas daquele fato primordial. Em suma, a economia praxiológica é a estrutura das implicações do fato que indivíduos agem. Essa estrutura é construída sobre o axioma fundamental da ação e tem alguns poucos axiomas subsidiários, tais como que indivíduos variam e que seres humanos consideram o lazer como um bem valorável. Qualquer um que seja cético sobre a dedução de um sistema inteiro de economia a partir de uma base tão simples, eu referencio ao Human Action de Mises. Ademais, uma vez que a praxiologia começa com um axioma verdadeiro, A, todas as proposições que podem ser deduzidas desse axioma precisam também ser verdadeiras. Pois, se A implica B e A é verdadeiro, então B precisa também ser verdadeira.

Vamos considerar algumas das implicações imediatas do axioma da ação. Ação implica que o comportamento do indivíduo é propositado, em suma, que ele é direcionado rumo a objetivos. Ademais, o fato de sua ação implica que ele conscientemente escolheu certos meios para alcançar seus objetivos. Uma vez que ele deseja atingir esses objetivos, eles precisam ser valiosos para ele; de acordo, ele precisa ter valores que regem suas escolhas. Que ele emprega meios implica que ele acredita que ele tem conhecimento tecnológico que certos meios alcançarão seus fins desejados. Notemos que a praxiologia não supõe que a escolha ou os valores de uma pessoa são sábios ou adequados ou que ele escolheu o método tecnologicamente correto de os alcançar. Tudo o que a praxiologia assevera é que o actuador individual adota objetivos e acredita, seja correta ou erroneamente, que ele pode chegar neles pelo emprego de certos meios.

Toda ação no mundo real, ademais, precisa ocorrer através do tempo; toda ação ocorre em algum presente e é direcionada rumo ao atingimento futuro (imediato ou remoto) de um fim. Se todos desejos de uma pessoa pudessem ser instantaneamente realizados, não haveria qualquer razão para ele agir.[3] Ademais, que um homem age implica que ele acredita que a ação fará a diferença; em outras palavras, que ele irá preferir o estado de coisas resultante da ação àquele da não-ação. Ação, portanto, implica que o homem não tem conhecimento omnisciente do futuro; pois se ele tivesse tal conhecimento, nenhuma ação dele faria qualquer diferença. Consequentemente, ação implica que ele vive em um mundo de futuro incerto, e não completamente certo. De acordo, podemos reformar nossa análise da ação para dizer que um homem escolhe empregar meios de acordo com um plano tecnológico no presente porque ele espera chegar em seus objetivos em algum tempo futuro.

O fato que pessoas agem necessariamente implica que os meios empregados são escassos em relação aos fins desejados; pois, se todos os meios não fossem escassos, mas superabundantes, os fins já teriam sido atingidos e não haveria necessidade para a ação. Afirmado de outro modo, recursos que são superabundantes não mais funcionam como meios, porque eles não são mais objetos da ação. Assim, o ar é indispensável à vida e, consequentemente, ao atingimento de objetivos; no entanto, o ar sendo superabundante não é um objeto da ação e, portanto, não pode ser considerado um meio, mas, em vez disso, o que Mises chamou de “condição geral do bem-estar humano.” Onde o ar não é superabundante, ele pode se tornar um objeto da ação, por exemplo, onde o ar gelado é desejado e o ar quente é transformado através do condicionador de ar. Até mesmo com advento absurdamente improvável do Éden (ou o que a alguns anos atrás era considerado em alguns quartos como um mundo iminente “pós-escassez”), no qual todos os desejos poderiam ser cumpridos instantaneamente, ainda haveria pelo menos um meio escasso: o tempo do indivíduo, cada unidade do qual, se alocado para um propósito, é necessariamente não alocado para algum outro objetivo.[4]

Tais são algumas das implicações imediatas do axioma da ação. Chegamos nelas ao deduzir as implicações lógicas do fato existente da ação humana, e, consequentemente, deduzimos conclusões verdadeiras de um axioma verdadeiro. À parte do fato que essas conclusões não podem ser “testadas” por meios históricos ou estatísticos, não há necessidade de testá-las, uma vez que a verdade delas já foi estabelecida. O fato histórico entra nessas conclusões apenas ao determinar qual ramo da teoria é aplicável em qualquer caso particular. Assim, para Crusoé e Sexta-Feira na ilha deserta deles, a teoria praxiológica do dinheiro é apenas de interesse acadêmico, em vez de ser correntemente aplicável. Uma análise mais completa da relação entre teoria e história na estrutura de funcionamento[5] praxiológica será considerada abaixo.

Há, então, duas partes desse método dedutivo-axiomático: o processo de dedução e o status epistemológico dos próprios axiomas. Primeiro, há o processo de dedução; por que o meio é a lógica verbal, e não matemática?[6] Sem estabelecer o caso austríaco compreensivo contra a economia matemática, um ponto pode imediatamente ser feito: que o leitor pegue as implicações do conceito da ação como até então desenvolvidas neste capítulo e tente colocá-las em forma matemática. E até mesmo se isso pudesse ser feito, o que teria sido alcançado que não uma perda drástica de significado em cada passo do processo dedutivo? A lógica matemática é apropriada para a física — a ciência que se tornou a ciência modelo, a qual empiristas e positivistas modernos acreditam que todas outras ciências físicas e sociais deveriam emular. Na física os axiomas e, portanto, as deduções são em si mesmos puramente formais e apenas adquirem significado “operacionalmente” na medida em que podem explicar e predizer dados fatos. Na praxiologia, na análise da ação humana, pelo contrário, os axiomas são eles mesmos conhecidos como verdadeiros e significativos. Como resultado, cada dedução verbal passo a passo é também verdadeira e significativa; pois é a grandiosa qualidade das proposições verbais que cada uma é significativa, enquanto símbolos matemáticos não são eles mesmos significativos. Assim, Lord Keynes, dificilmente um austríaco, e ele mesmo um matemático de nota, levantou a seguinte crítica ao simbolismo matemático na economia:

É uma grande falha dos métodos pseudo-matemáticos simbólicos de formalizar um sistema de análise econômica, que eles expressamente assumem independência estrita entre os fatores envolvidos e perdem toda persuasão e autoridade se essa hipótese não é permitida: enquanto, no discurso comum, onde não estamos cegamente manipulando, mas sabemos a todo tempo o que estamos fazendo e o que as palavras significam, podemos manter “atrás de nossas cabeças” as qualificações e reservas necessárias e os ajustes que temos de fazer mais tarde, em um caminho no qual não podemos manter diferenciais parciais complicadas “atrás” de diversas páginas de álgebra a qual assume que elas todas desaparecem. Uma proporção muito grande da economia “matemática” recente é mera mistura intentiva, tão imprecisa quanto as asseverações que elas residem sobre, que permitem ao autor perder de vista as complexidades e interdependências do mundo real em um labirinto de símbolos pretensiosos e de nenhuma ajuda.[7]

Ademais, até mesmo se a economia verbal pudesse ser com sucesso traduzida para símbolos matemáticos e então retraduzidos ao idioma de modo a explicar as conclusões, o processo não tem sentido e viola o grande princípio científico da Navalha de Occam: evitar multiplicação desnecessária de entidades.[8]

Além disso, como o cientista político Bruno Leoni e o matemático Eugenio Frola apontaram,

é geralmente reivindicado que a tradução de tal conceito como o máximo da linguagem comum para a linguagem matemática envolve uma melhoria na acurácia lógica do conceito, bem como oportunidades mais amplas de seu uso. Mas a falta da precisão matemática na linguagem comum reflete precisamente o comportamento de seres humanos no mundo real. […] Podemos suspeitar que a tradução para a linguagem matemática per se implica uma transformação sugerida de operadores da economia humana em robôs virtuais.[9]

Similarmente, um dos primeiros metodologistas na economia, Jean-Baptiste Say, acusou que economistas matemáticos

não têm sido capazes de enunciar essas questões em linguagem analítica sem despi-las de suas complicações naturais, por meios de simplificações e supressões arbitrárias, das quais as consequências, não adequadamente estimadas, sempre mudam essencialmente as condições do problema e pervertem todos seus resultados.[10]

Mais recentemente, Boris Ischboldin tem enfatizado as diferenças entre a lógica verbal (“a análise actual do pensamento expresso em linguagem expressiva da realidade enquanto apreendida na experiência comum”), ou da “linguagem”, e a lógica de “constructo”, que é “a aplicação a dados (econômicos) quantitativos dos constructos da matemática e da lógica simbólica cujos constructos podem ou não ter equivalentes reais.”[11]
Embora ele mesmo um economista matemático, o filho matemático de Carl Menger escreveu uma crítica incisiva da ideia de que a representação matemática na economia é necessariamente mais precisa que a linguagem comum:

Considere, por exemplo, as afirmações (2) Para um preço maior de um bem, há a correspondência de uma demanda menor (ou, de qualquer maneira, não maior).

(2’) Se p denota o preço de, e q a demanda por, um bem, então

Aqueles que consideram a fórmula (2′) como mais precisa ou “mais matemática” que a sentença (2) estão sob uma completa apreensão errônea. […] A única diferença entre (2) e (2’) é essa: uma vez que (2′) é limitada a funções que são diferenciais e cujos gráficos, portanto, têm tangentes (o que, de um ponto de vista econômico, não são mais plausíveis do que a curvatura), a sentença (2) é mais geral, mas não é, de nenhum modo, menos precisa: é de mesma precisão matemática que (2′).[12]

Mudando do processo de dedução aos próprios axiomas, qual é o status epistemológico deles? Aqui os problemas são obscurecidos por uma diferença de opinião dentro do campo praxiológico, particularmente sobre a natureza do axioma fundamental da ação. Ludwig von Mises, enquanto aderente da epistemologia Kantiana, assevera que o conceito da ação é a priori a toda experiência, porque é, como a lei da causa e efeito, parte do caráter necessário e essencial da estrutura lógica da mente humana.”[13] Sem mergulhar tão profundamente em águas turvas da epistemologia, eu negaria, enquanto um aristotélico e neo-tomista, tais alegadas “leis da estrutura lógica” que a mente humana necessariamente impõe sobre a estrutura caótica da realidade. Em vez disso, eu chamaria tais leis de “leis da realidade”, as quais a mente apreende através da investigação e da colação dos fatos do mundo real. Minha visão é que o axioma fundamental e os axiomas subsidiários são derivados da experiência da realidade e são, portanto, empíricos no sentido mais amplo. Eu concordaria com a visão realista aristotélica de que essa doutrina é radicalmente empírica, muito mais do que o empirismo pós-humeano que é dominante na filosofia moderna. Assim, John Wild escreveu:

É impossível reduzir a experiência a um conjunto de unidades atômicas e impressões isoladas. A estrutura relacional é também dada com igual evidência e certeza. Os dados imediatos são cheios de estruturas determinadas, as quais são facilmente abstraídas pela mente e apreendidas enquanto possibilidades ou essências universais.[14]

Ademais, um dos dados dominantes de toda experiência humana é a existência; outro a consciência, ou alertidade. Em contraste à visão Kantiana, Harmon Chapman escreveu que

concepção é um tipo de alertidade, um modo de apreender coisas e compreendê-las, e não uma suposta manipulação subjetiva dos chamados universais ou generalidades exclusivamente “mentais” ou “lógicos” em sua proveniência e natureza não cognitiva.

Que ao penetrar assim os dados do sentido, a concepção também sintetiza esses dados é evidente. Mas a síntese aqui envolvida, diferente da síntese de Kant, não é uma condição prévia da percepção, um processo anterior de constituição tanto da percepção quanto de seu objeto, mas sim uma síntese cognitiva na apreensão, isto é, uma unificação ou “compreensão” que é una com o próprio apreender. Em outras palavras, a percepção e a experiência não são os resultados ou produtos finais de um processo sintético a priori, mas são elas mesmas apreensões sintéticas ou compreensivas cuja unidade estruturada é prescrita exclusivamente pela natureza do real, isto é, pelos objetos pretendidos em sua juntidade[15] e não pela consciência em si cuja natureza (cognitiva) é apreender o real — como ele é.[16]

Se, no sentido amplo, os axiomas da praxiologia são radicalmente empíricos, eles estão longe do empirismo pós-Humeano que pervade a metodologia moderna da ciência social. Em adição às considerações precedentes, (1) eles são tão amplamente baseados na experiência humana comum que uma vez enunciados se tornam evidentes-ao-si e, consequentemente, não cumprem o critério da moda da “falseabilidade”; (2) eles residem, particularmente o axioma da ação, sobre a experiência interna universal, bem como sobre a experiência externa, isto é, a evidência é reflexiva e não puramente física; e (3) eles são, portanto, a priori aos eventos históricos complexos aos quais o empirismo moderno confina o conceito de “experiência”.[17]

Say, talvez o primeiro praxiologista, explicou a derivação dos axiomas da teoria econômica como a seguir:

Daí a vantagem desfrutada por todos que, a partir da observação distinta e acurada, podem estabelecer a existência desses fatos gerais, demonstrar sua conexão e deduzir suas consequências. Eles certamente procedem da natureza das coisas como as leis do mundo material. Não os imaginamos; eles são os resultados revelados para nós através de análise e observação judiciosas. […]

A economia política […] é composta de alguns princípios fundamentais, e de um grande número de corolários ou conclusões, extraídos desses princípios […] que podem ser admitidos por toda mente reflexiva.[18]

Friedrich A. Hayek incisivamente descreveu o método praxiológico em contraste à metodologia das ciências físicas e também sublinhou a natureza amplamente empírica dos axiomas praxiológicos:

A posição do homem […] faz com que os fatos essenciais básicos que precisamos para a explicação dos fenômenos sociais sejam parte da experiência comum, parte dos trecos do nosso pensar. Nas ciências sociais são os elementos dos fenômenos complexos que são conhecidos para além da possibilidade de disputa. Nas ciências naturais, eles podem apenas ser, na melhor das hipóteses, supostos. A existência desses elementos é tão mais certa do que quaisquer regularidades nos fenômenos complexos que eles dão origem, que são eles que constituem o fator verdadeiramente empírico nas ciências sociais. Pode haver pouca dúvida de que é essa posição diferente do fator empírico no processo de raciocinar nos dois grupos de disciplinas que está na raiz de grande parte da confusão em relação ao seu caráter lógico. A diferença essencial é que nas ciências naturais o processo de dedução tem de começar a partir de alguma hipótese que é o resultado de generalizações indutivas, enquanto nas ciências sociais ele começa diretamente de elementos empíricos conhecidos e os usa para encontrar as regularidades nos fenômenos complexos que as observações diretas não podem estabelecer. São, por assim dizer, ciências empiricamente dedutivas, procedendo dos elementos conhecidos para as regularidades nos fenômenos complexos que não podem ser diretamente estabelecidas.[19]

De modo similar, J.E. Cairnes escreveu:

O economista começa com um conhecimento das causas últimas. Ele já está, no início de seu empreendimento, na posição que o físico apenas atinge após eras de pesquisa laboriosa. […] Para a descoberta de tais premissas nenhum processo elaborado de indução é necessário […] porque temos, ou podemos ter se escolhermos tornar nossa atenção à matéria, conhecimento direto dessas causas em nossa consciência, do que passa em nossas próprias mentes e na informação que nossos sentidos transmitem […] para nós dos fatos externos.[20]

Nassau W. Senior fraseou assim:

As ciências físicas, sendo apenas secundariamente proficientes com a mente, extraem suas premissas quase exclusivamente das observações ou hipóteses. […] Por outro lado, as ciências mentais e as artes mentais extraem suas premissas principalmente da consciência. As matérias com as quais elas são principalmente proficientes são os funcionamentos da mente humana. [Essas premissas são] algumas proposições gerais que são o resultado da observação ou da consciência, e quase todo homem, assim que as ouve, admite enquanto familiar ao seu pensamento ou, pelo menos, incluídas em seu conhecimento prévio.[21]

Comentando sobre sua concordância completa com essa passagem, Mises escreveu que essas “proposições imediatamente evidentes” são “de derivação apriorística […] a menos que se deseje chamar a cognição apriorística de experiência interna.”[22] Ao que Marian Bowley, a biógrafa de Senior, propriamente comenta:

A única diferença fundamental entre a atitude geral de Mises e a de Senior reside na aparente negação de Mises da possibilidade de usar qualquer dado empírico geral, i.e., fatos da observação geral, como premissas iniciais. Essa diferença, no entanto, gira em torno das ideias básicas de Mises sobre a natureza do pensamento, e embora de importância filosófica geral, tem pouca relevância especial ao método econômico como tal.[23]

Deveria ser notado que para Mises é apenas o axioma fundamental da ação que é a priori; ele concedeu que os axiomas subsidiários — da diversidade da humanidade e da natureza, e do lazer enquanto um bem de consumo — são amplamente empíricos.

A filosofia moderna pós-kantiana tem tido um grande bocado de problema para abranger proposições evidentes-ao-si,  que são marcadas precisamente por sua verdade forte e evidente e não por serem hipóteses testáveis, que são, na moda atual, consideradas “falsificáveis”. Às vezes parece que os empiristas usam da dicotomia analítico-sintético da moda, como o filósofo Hao Wang acusou, para se livrar de teorias que acham difíceis de refutar ao descartá-las como necessariamente ou definições obscuras ou hipóteses incertas e debatíveis.[24] Mas e se submetermos à análise as alardeadas “evidências” dos positivistas e empiristas modernos? O que são? Descobrimos que há dois tipos de tais evidências para ou confirmar, ou refutar, uma proposição: (1) se ela viola as leis da lógica, por exemplo, implica que A = −A; ou (2) se é confirmada por fatos empíricos (como em um laboratório) que podem ser verificados por muitas pessoas. Mas qual é a natureza de tal “evidência” senão o trazer, por vários meios, da proposição até então nebulosa e obscura à visão evidente e clara, isto é,  tornar evidente aos observadores científicos? Em suma, processos laboratoriais ou lógicos servem para fazer evidente aos si-mesmos dos vários observadores que as proposições são ou confirmadas, ou refutadas, ou, para usar uma terminologia fora de moda, ou verdadeiras, ou falsas. Mas, nesse caso, proposições que são imediatamente evidentes aos si-mesmos dos observadores têm, pelo menos, status científicos tão bons quanto as outras formas, correntemente mais aceitáveis ou não, de evidência. Ou, como o filósofo tomista John J. Toohey colocou,

Provar significa tornar evidente alguma coisa que não é evidente. Se uma verdade ou proposição é evidente-ao-si, é inútil tentar prová-la; tentar prová-la seria uma tentativa de tornar evidente alguma coisa que já é evidente.[25]

O axioma da ação, em particular, deveria ser, de acordo com a filosofia aristotélica, indesafiável e evidente-ao-si uma vez que o crítico que tenta refutá-lo descobre que ele precisa usá-lo no processo da alegada refutação. Assim, o axioma da existência da consciência humana é demonstrado como sendo evidente-ao-si pelo fato que todo ato de negação da existência da consciência precisa  ser per se performado por um ser consciente. O filósofo R.P. Phillips chamou esse atributo de um axioma evidente-ao-si de um “princípio bumerangue”, uma vez que “ainda que o joguemos para longe, ele retorna para nós novamente.”[26] Uma autocontradição similar encara o homem que tenta refutar o axioma da ação. Pois ao tentar fazê-lo, ele é ipso facto uma pessoa tomando uma escolha consciente de meios na tentativa de chegar em um fim adotado: nesse caso o fim, ou objetivo, de tentar refutar o axioma da ação. Ele emprega a ação ao tentar refutar a noção de ação.

É claro, uma pessoa pode dizer que ele nega a existência de princípios evidentes-ao-si ou outras verdades estabelecidas do mundo real, mas esse mero dizer não tem validade epistemológica. Como Toohey apontou,

Um homem pode dizer qualquer coisa que desejar, mas ele não pode pensar ou fazer qualquer coisa que deseja. Ele pode dizer que viu um quadrado redondo, mas ele não pode pensar que viu um quadrado redondo. Ele pode dizer, se desejar, que viu um cavalo montado nas próprias costas, mas saberemos o que pensar dele se ele dizer isso.[27]

A metodologia do positivismo e do empirismo modernos se dá mal até mesmo nas ciências físicas, às quais é muito mais adequada do que nas ciências da ação humana; em verdade, ela falha particularmente onde os dois tipos de disciplinas se interconectam. Assim, o fenomenologista Alfred Schütz, aluno de Mises em Viena, quem foi pioneiro em aplicar a fenomenologia às ciências sociais, apontou a contradição na insistência dos empiristas no princípio da verificabilidade empírica na ciência, ao mesmo tempo em que nega a existência de “outras mentes” enquanto inverificáveis. Mas quem deveria estar fazendo a verificação laboratorial senão essas mesmas “outras mentes” dos cientistas reunidos? Schütz escreveu:

É não entendível que os mesmos autores que estão convencidos de que nenhuma verificação é possível para a inteligência de outros seres humanos tenham tal confiança no próprio princípio da verificabilidade, que pode ser realizado apenas através da cooperação com outros.[28]

Desse modo, os empiristas modernos ignoram as pressuposições necessárias do próprio método científico que defendem. Para Schütz, o conhecimento de tais pressuposições é “empírico” no sentido mais amplo,

desde que não restrinjamos esse termo às percepções sensoriais dos objetos e eventos no mundo exterior, mas incluamos a forma experimental, pela qual o pensamento de senso comum na vida do dia a dia entende as ações humanas e seus resultados em termos de seus motivos e objetivos subjacentes.[29]

Tendo lidado com a natureza da praxiologia, seus procedimentos e axiomas e sua fundação filosófica, vamos agora considerar qual é a relação entre praxiologia e as outras disciplinas que estudam a ação humana. Em particular, quais são as diferenças entre praxiologia e tecnologia, psicologia, história e ética — todas as quais estão, de algum modo, preocupadas com a ação humana?

De modo breve, praxiologia consiste das implicações lógicas do fato formal universal que pessoas agem, que elas empregam meios para tentar atingir fins escolhidos. Tecnologia lida com o problema de conteúdo de como alcançar fins pela adoção de meios.  Psicologia lida com a questão de por que as pessoas adotam vários fins e como eles lidam ao adotá-los. Ética lida com a questão de quais fins, ou valores, as pessoas devem adotar. E história lida com fins adotados no passado, quais meios foram usados para tentar alcançá-los – e quais foram as consequências dessas ações.

Praxiologia, ou teoria econômica em particular, é, assim, uma disciplina única entre as ciências sociais; pois, em contraste às outras, ela lida não com o conteúdo dos valores, objetivos e ações dos homens — não com o que fizeram ou como eles agiram ou como deveriam agir —, mas puramente com o fato que eles têm objetivos e agem para atingi-los. As leis da utilidade, demanda, oferta e preço se aplicam independentemente do tipo de bens e serviços desejados ou produzidos. Como Joseph Dorfman escreveu sobre Outlines of Economic Theory (1896) de Herbert J. Davenport:

O caráter ético dos desejos não era uma parte fundamental de seu inquérito. Os homens trabalhavam e passavam por privações por “uísque, cigarros e pé de cabra de arrombadores”, disse ele, “bem como por comida, estatuários ou máquinas de colheita”. Na medida em que os homens estivessem dispostos a comprar e vender “bobagem e maldade”, as primeiras mercadorias seriam fatores econômicos com posição de mercado, pois utilidade, enquanto um termo econômico, significava apenas adaptabilidade aos desejos humanos. Na medida em que os homens as desejavam, elas satisfaziam uma necessidade e eram motivos para a produção. Portanto, a economia não precisava investigar a origem das escolhas.[30]

Praxiologia, bem como os aspectos sólidos das outras ciências sociais, reside sobre o individualismo metodológico, sobre o fato que apenas indivíduos sentem, valoram, pensam e agem. O individualismo tem sido, sempre, acusado por seus críticos — e sempre incorretamente — com a suposição que cada indivíduo é um “átomo” hermeticamente selado, cortado de outras pessoas e não influenciado por elas. Essa absurda leitura errônea do individualismo metodológico está na raiz da demonstração triunfante de J.K. Galbraith em The Affluent Society (Boston: Houghton Mifflin, 1958) de que os valores e escolhas dos indivíduos são influenciados por outras pessoas e que, portanto — supostamente — a teoria econômica é inválida. Galbraith também concluiu de sua demonstração que essas escolhas, por serem influenciadas, são artificiais e ilegítimas. O fato de a teoria econômica praxiológica repousar sobre o fato universal dos valores e escolhas individuais significa, para repetir o resumo de Dorfman do pensamento de Davenport, que a teoria econômica “não precisa investigar a origem das escolhas”. A teoria econômica não é baseada na suposição absurda de que cada indivíduo chega a seus valores e escolhas no vácuo, isolado da influência humana. Obviamente, indivíduos estão continuamente aprendendo uns com os outros e influenciando uns aos outros. Como F.A. Hayek escreveu em sua justamente famosa crítica de Galbraith, “The Non Sequitur of the ‘Dependence Effect’”:

O argumento do Professor Galbraith poderia ser facilmente empregado, sem qualquer mudança dos termos essenciais, para demonstrar a inutilidade da literatura ou de qualquer outra forma de arte. Certamente, o querer de literatura de um indivíduo não é original dele mesmo no sentido de que ele a experimentaria se a literatura não fosse produzida. Isso significa então que a produção de literatura não pode ser defendida como a satisfação de um querer porque é apenas a produção que provoca a demanda?[31]

Que a economia da Escola Austríaca reside firmemente desde o começo em uma análise do fato dos valores e escolhas subjetivas individuais infelizmente levou os primeiros austríacos a adotar o termo escola psicológica. O resultado foi uma série de críticas mal direcionadas de que as últimas descobertas da psicologia não haviam sido incorporadas à teoria econômica. Isso também levou a equívocos como o de que a lei da utilidade marginal decrescente se baseia em alguma lei psicológica da saciedade dos quereres. Actualmente, como Mises apontou firmemente, essa lei é praxiológica e não psicológica, e não tem nada a ver com o conteúdo dos quereres, por exemplo, que a décima colher de sorvete possa ter um sabor menos prazeroso do que a nona colher. Em vez disso, é uma verdade praxiológica, derivada da natureza da ação, que a primeira unidade de um bem será alocada ao seu uso mais valioso, a próxima unidade ao próximo mais valioso e assim por diante.[32] Em um ponto, e apenas em um ponto, no entanto, a praxiologia e as ciências relacionadas da ação humana tomam uma posição na psicologia filosófica: na proposição de que a mente humana, a consciência e a subjetividade existem e, portanto, a ação existe. Nisso se opõe à base filosófica do behaviorismo e das doutrinas relacionadas e se une a todos os ramos da filosofia clássica e à fenomenologia. Em todas as outras questões, no entanto, praxiologia e psicologia são disciplinas distintas e separadas.[33]

Uma questão particularmente vital é a relação entre teoria econômica e história. Aqui, novamente, como em tantas outras áreas da economia austríaca, Ludwig von Mises fez a contribuição excepcional, particularmente em seu Theory and History.[34] É especialmente curioso que Mises e outros praxiologistas, enquanto alegados “a prioristas”, tenham sido comumente acusados de serem “opostos” à história. Mises, em verdade, sustentou não apenas que a teoria econômica não precisa ser “testada” por fatos históricos, mas também que não pode ser assim testada. Para que um fato seja utilizável para testar teorias, ele precisa ser um fato simples, homogêneo com outros fatos em classes acessíveis e repetíveis. Em suma, a teoria de que um átomo de cobre, um átomo de enxofre e quatro átomos de oxigênio se combinarão para formar uma entidade reconhecível chamada sulfato de cobre, com propriedades conhecidas, é facilmente testada no laboratório. Cada um desses átomos é homogêneo e, portanto, o teste é infinitamente repetível. Mas cada evento histórico, como Mises apontou, não é simples e repetível; cada evento é uma resultante complexa de uma variedade deslocável de causas múltiplas, nenhuma das quais permanece em constante relação com as outras. Todo evento histórico, portanto, é heterogêneo e, portanto, eventos históricos não podem ser usados para testar ou construir leis da história, quantitativas ou não. Podemos colocar cada átomo de cobre em uma classe homogênea de átomos de cobre; não podemos fazê-lo com os eventos da história humana.

Isso não é dizer, é claro, que não haja similaridades entre eventos históricos. Há muitas similaridades, mas nenhuma homogeneidade. Assim, houve muitas similaridades entre a eleição presidencial de 1968 e a de 1972, mas foram eventos escassamente homogêneos, uma vez que foram marcados por diferenças importantes e incontornáveis. Nem a próxima eleição será um evento repetível para colocar em uma classe homogênea de “eleições”. Portanto, nenhuma lei científica, e certamente nenhuma quantitativa, pode ser derivada desses eventos.

A oposição radicalmente fundamental de Mises à econometria agora se torna clara. A econometria não apenas tenta imitar as ciências naturais usando fatos históricos heterogêneos e complexos como se fossem fatos de laboratório homogêneos e repetíveis; ela também comprime a complexidade qualitativa de cada evento em um número quantitativo e então compõe a falácia agindo como se essas relações quantitativas permanecessem constantes na história humana. Em contraste marcante com as ciências físicas, que se baseiam na descoberta empírica de constantes quantitativas, a econometria, como Mises enfatizou repetidamente, tem falhado em descobrir uma única constante na história humana. E dadas as condições em constante mudança da vontade, conhecimento e valores humanos e as diferenças entre os homens, é inconcebível que a econometria possa de algum modo fazê-lo.

Longe de ser oposto à história, o praxiologista, e não os supostos admiradores da história, tem profundo respeito pelos fatos irredutíveis e únicos da história humana. Ademais, é o praxiologista que reconhece que os seres humanos individuais não podem ser legitimamente tratados pelo cientista social como se não fossem homens que têm mentes e agem de acordo com seus valores e expectativas, mas pedras ou moléculas cujo curso pode ser cientificamente rastreado em supostas constantes ou leis quantitativas. Além disso, como a ironia suprema, é o praxiologista que é verdadeiramente empírico porque reconhece a natureza única e heterogênea dos fatos históricos; é o autoproclamado “empirista” que viola grosseiramente os fatos da história ao tentar reduzi-los a leis quantitativas. Mises escreveu assim sobre econometristas e outras formas de “economistas quantitativos”:

Não há, no campo da economia, relações constantes e, consequentemente, nenhuma medição é possível. Se um estatístico determina que um aumento de 10% na oferta de batatas em Atlântida em um momento definido foi seguido por uma queda de 8% no preço, ele não estabelece nada sobre o que aconteceu ou pode acontecer com uma mudança na oferta de batatas em outro país ou em outra época. Ele não “mediu” a “elasticidade da demanda” das batatas. Ele estabeleceu um fato histórico individual único. Nenhum homem inteligente pode duvidar que o comportamento dos homens em relação às batatas e a todas as outras mercadorias é variável. Diferentes indivíduos valoram as mesmas coisas de maneira diferente, e as valorações mudam com os mesmos indivíduos com condições variáveis. […]

A impraticabilidade da medição não se deve à falta de métodos técnicos para o estabelecimento da medida. É devido à ausência de relações constantes. […] A economia não é, como […] os positivistas repetem repetidamente, atrasada porque não é “quantitativa”. Ela não é quantitativa e não mede porque não há constantes. Os números estatísticos referentes a eventos econômicos são dados históricos. Eles nos contam o que aconteceu em um caso histórico irrepetível. Eventos físicos podem ser interpretados com base em nosso conhecimento sobre relações constantes estabelecidas por experimentos. Os eventos históricos não estão abertos a tal interpretação. […]

A experiência da história econômica é sempre a experiência de fenômenos complexos. Nunca pode transmitir conhecimento do tipo que o experimentador abstrai de um experimento de laboratório. A estatística é um método para a apresentação de fatos históricos. […] A estatística de preços é história econômica. O insight de que, ceteris paribus, um aumento na demanda precisa resultar em um aumento nos preços não deriva da experiência. Ninguém jamais esteve ou estará em uma posição de observar uma mudança em um dos dados de mercado ceteris paribus. Não há tal coisa como economia quantitativa. Todas as quantidades econômicas que conhecemos são dados da história econômica. […] Ninguém é tão ousado a ponto de sustentar que um aumento de A por cento na oferta de qualquer mercadoria precisa sempre – em todos os países e em qualquer época – resultar em uma queda de B por cento no preço. Mas como nenhum economista quantitativo jamais se aventurou a definir precisamente com base na experiência estatística as condições especiais que produzem um desvio definido da razão A:B, a futilidade de seus esforços é manifesta.[35]

Elaborando sobre sua crítica de constantes, Mises adicionou:

As quantidades que observamos no campo da ação humana […] são manifestamente variáveis. As mudanças que ocorrem nelas afetam plenamente o resultado de nossas ações. Toda quantidade que podemos observar é um evento histórico, um fato que não pode ser totalmente descrito sem especificar o tempo e o ponto geográfico.

O econometrista é incapaz de refutar esse fato, o que corta o fundamento de seu raciocínio. Ele não pode deixar de admitir que não existem “constantes de comportamento”. No entanto, ele quer introduzir alguns números, escolhidos arbitrariamente com base em fatos históricos, como “constantes de comportamento desconhecidas”. A única desculpa que ele apresenta é que suas hipóteses estão “dizendo apenas que esses números desconhecidos permanecem razoavelmente constantes por um período de anos”.[36] Agora, se tal período de suposta constância de um número definido ainda dura ou se uma mudança no número já ocorreu, só pode ser estabelecido mais tarde. Em retrospecto, pode ser possível, embora apenas em casos raros, declarar que durante um período (provavelmente bastante curto) uma razão aproximadamente estável que o econometrista escolhe chamar de razão “razoavelmente” constante prevaleceu entre os valores numéricos de dois fatores. Mas isso é algo fundamentalmente diferente das constantes da física. É a afirmação de um fato histórico, não de uma constante que pode ser utilizada na tentativa de predizer eventos futuros.[37] As equações altamente elogiadas são, na medida em que se aplicam ao futuro, apenas equações nas quais todas as quantidades são desconhecidas.[38]

No tratamento matemático da física a distinção entre constantes e variáveis faz sentido; é essencial em todas as instâncias de computação tecnológica. Em economia não há relações constantes entre várias magnitudes. Consequentemente, todos os dados averiguáveis são variáveis ou, o que dá no mesmo, dados históricos. Os economistas matemáticos reiteram que o sofrimento da economia matemática consiste no fato de que há um grande número de variáveis. A verdade é que existem apenas variáveis e não constantes. É inútil falar de variáveis onde não há invariáveis.[39]

Qual, então, é a relação adequada entre teoria econômica e história econômica ou, mais precisamente, história no geral? A função do historiador é tentar explicar os fatos históricos únicos que são sua providência; para fazê-lo adequadamente ele precisa empregar todas as teorias relevantes de todas as várias disciplinas que impactam em seu problema. Pois fatos históricos são resultantes complexos de uma miríade de causas que derivam de aspectos diferentes da condição humana. Assim, o historiador precisa ser preparado para  usar não apenas a teoria econômica praxiológica, mas também insights da física, psicologia, tecnologia e estratégia militar junto de um entendimento interpretativo dos motivos e objetivos dos indivíduos. Ele precisa empregar essas ferramentas no entendimento tanto dos objetivos das várias ações da história quanto das consequências de tais ações. Porque o entendimento de diversos indivíduos e suas interações está envolvido, bem como o contexto histórico, o historiador que usa as ferramentas das ciências naturais e sociais é, em última análise, um “artista” e, portanto, não há garantia ou mesmo probabilidade de quaisquer dois historiadores julgarem uma situação precisamente da mesma maneira. Embora possam concordar com uma série de fatores para explicar a gênese e as consequências de um evento, é improvável que concordem sobre o peso preciso a ser dado a cada fator causal. Ao empregar várias teorias científicas, eles precisam fazer juízos de relevância sobre quais teorias se aplicam a cada dado caso; para se referir a um exemplo usado anteriormente neste artigo, um historiador de Robinson Crusoé dificilmente empregaria a teoria do dinheiro em uma explicação histórica de suas ações em uma ilha deserta. Para o historiador econômico, a lei econômica não é confirmada nem testada por fatos históricos; em vez disso, a lei, quando relevante, é aplicada para ajudar a explicar os fatos. Os fatos ilustram, assim, o funcionamento da lei. A relação entre a teoria econômica praxiológica e o entendimento da história econômica foi sutilmente resumida por Alfred Schütz:

Nenhum ato econômico é concebível sem alguma referência a algum agente econômico, mas o último é absolutamente anônimo; não é você, nem eu, nem um empreendedor, nem mesmo um “homem econômico” como tal, mas um “alguém” universal puro. Essa é a razão pela qual proposições da economia teorética têm justamente aquela “validade universal” que as dá a idealidade do “e assim por diante” e “Eu posso fazer isso novamente”. Contudo, alguém pode estudar o agente econômico como tal e tentar encontrar o que está ocorrendo em sua mente; é claro, ele não está, assim, engajado na economia teórica, mas na história econômica ou sociologia econômica. […] No entanto, as afirmações dessas ciências não podem clamar uma validade universal, pois elas lidam ou com sentimentos econômicos de indivíduos históricos particulares ou com tipos de atividade econômica para os quais os atos econômicos em questão são evidências. […]

Em nossa visão, a economia pura é um exemplo perfeito de um complexo-de-significado objetivo sobre complexos-de-significado subjetivos, em outras palavras, de uma configuração-de-significado objetiva    que estipula as experiências subjetivas típicas e invariantes de qualquer um que actue dentro de uma estrutura de operação econômica. […] Excluída de tal esquema teria de ser qualquer consideração dos usos aos quais os “bens” devem ser colocados após serem adquiridos. Mas uma vez que voltamos nossa atenção para o significado subjetivo de uma pessoa individual real, deixando para trás o anônimo “qualquer um”, então é claro que faz sentido falar de comportamento que é atípico. […] Certamente, tal comportamento é irrelevante do ponto de vista da economia, e é nesse sentido que os princípios econômicos são, nas palavras de Mises, “não uma afirmação do que geralmente acontece, mas do que necessariamente precisa acontecer.”[40]


[1] Consulte, em particular, Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1949); também consulte Mises, Epistemological Problems of Economics, trad. de George Reisman (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1960).

[2] Consulte Murray N. Rothbard, “Praxeology as the Method of the Social Sciences,” em Phenomenology and the Social Sciences, Maurice Natanson, ed., 2 vols. (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1973), vol. 2, pp. 323–35; reimpresso neste volume como capítulo 3 [“Praxiologia enquanto Método das Ciências Sociais”]; também consulte Marian Bowley, Nassau Senior and Classical Economics (New York: Augustus M. Kelley, 1949), pp. 27–65; e Terence W. Hutchinson, “Some Themes from Investigations into Method,” em Carl Menger and the Austrian School of Economics, J.R. Hicks and Wilhelm Weber, eds. (Oxford: Clarendon Press, 1973), pp. 15–31.

[3] Em resposta ao criticismo de que nem toda ação é direcionada a algum ponto futuro no tempo, consulte Walter Block, “A Comment on ‘The Extraordinary Claim of Praxeology’ by Professor Gutierrez,” Theory and Decision 3 (1973): 381–82.

[4] Veja Mises, Human Action, pp. 101–02; e especialmente Block, “Comment,” p. 383.

[5] N.T.: Em inglês, framework; refere-se ao arranjo basilar de “operação” ou “funcionamento”.

[6] Para um criticismo típico da praxiologia por não usar a lógica matemática, veja George. J. Schuller, “Rejoinder,” American Economic Review 41 (March 1951): 188.

[7] John Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest, and Money (New York: Harcourt, Brace, 1936), pp. 297–98.

[8] Veja Murray N. Rothbard, “Toward a Reconstruction of Utility and Welfare Economics,” em On Freedom and Free Enterprise, Mary Sennholz, ed. (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1956), p. 227; reimpresso neste volume como capítulo 17 [Rumo a uma Reconstrução da Utilidade e da Economia de Bem-Estar]; Rothbard, Man, Economy, and State, 2 vols. (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1962), vol. 1, pp. 65–66. Sobre a lógica matemática ser subordinada à lógica verbal, veja René Poirier, “Logique,” em Vocabulaire technique et critique de la philosophie, André Lalande, ed., sexta ed. rev. (Paris: Presses Universitaires de France, 1951), pp. 574–75.

[9] Bruno Leoni e Eugenio Frola, “On Mathematical Thinking in Economics” (manuscrito não publicado e privadamente distribuído), pp. 23–24; a versão italiana desse artigo é “Possibilità di applicazione della matematiche alle discipline economiche,” Il Politico 20 (1995).

[10] Jean-Baptiste Say, A Treatise on Political Economy (New York: Augustus M. Kelley, 1964), p. xxvin.

[11] Boris Ischboldin, “a Critique of Econometrics,” Review of Social Economy 18, no. 2 (September 1960): 11n; a discussão de Ischboldin é baseada na construção de I.M. Bochenski, “Scholastic and Aristotelian Logic,” Proceedings of the American Catholic Philosophical Association 30 (1956): 112–17.

[12] Karl Menger, “Austrian Marginalism and Mathematical Economics,” em Carl Menger, p. 41.

[13] Mises, Human Action, p. 34.

[14] John Wild, “Phenomenology and Metaphysics,” em The Return to Reason: Essays in Realistic Philosophy, John Wild, ed. (Chicago: Henry Regnery, 1953), pp. 48, 37–57.

[15] N.T.: Do inglês “togetherness, também conhecido no português como “complementaridade”. O slogan Kantiano, “pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas”(na edição inglesa, A51/B76), encapsula o que pode ser chamado de “princípio da complementaridade, ou, em uma tradução mais literal, juntidade. A “juntidade” neste trecho é a complementaridade cognitiva necessária e a interdependência semântica das intuições e dos conceitos.

[16] Harmon M. Chapman, “Realism and Phenomenology,” em Return to Reason, p. 29. Sobre as funções inter-relacionadas dos sentidos e da razão e seus respectivos papéis na cognição humana da realidade, consulte Francis H. Parker, “Realistic Epistemology,” ibid., pp. 167–69.

[17] Veja Murray N. Rothbard, “In Defense of ‘Extreme Apriorism,’” Southern Economic Journal 23 (January 1957): 315–18; incluído neste volume como capítulo 6 [Em Defesa do “Apriorismo Extremo”]. Deveria ser claro a partir do capítulo atual que o termo apriorismo extremo é nome-enganoso para praxiologia.

[18] Say, A Treatise on Political Economy, pp. xxv-xxvi, xlv.

[19] Friedrich A. Hayek, “The Nature and History of the Problem,” in Collectivist Economic Planning, F.A. Hayek, ed. (London: George Routledge and Sons, 1935), p 11.

[20] John Elliott Cairnes, The Character and Logical Method of Political Economy, segunda ed. (London: Macmillan, 1875), pp. 87–88; italicos no original.

[21] Bowley, Nassau Senior, pp. 43, 56.

[22] Mises, Epistemological Problems, p. 19.

[23] Bowley, Nassau Senior, pp. 64–65.

[24] Hao Wang, “Notes on the Analytic-Synthetic Distinction,” Theoria 21 (1995); 158; veja também John Wild e J.L. Cobitz, “On the Distinction between the Analytic and Synthetic,” Philosophy and Phenomenological Research 8 (June 1948): 651–67.

[25] John J. Toohey, Notes on Epistemology, ed. rev. (Washington, D.C.: Georgetown University, 1937), p. 36; itálicos no original.

[26] R.P Phillips, Modern Thomistic Philosophy (Westminster, Maryland: Newman Bookshop, 1934–35), vol. 2, pp. 36–37; veja também Murray N. Rothbard, “The Mantle of Science,” em Scientism and Values, eds., Helmut Schoeck and James W. Wiggins (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1960), pp. 162–65; incluído neste volume como capítulo 1. [O Manto da Ciência].

[27] Toohey, Notes on Epistemology, p. 10; itálicos no original.

[28] Alfred Schütz, Collected Papers of Alfred Schütz, vol. 2: Studies in Social Theory, A. Brodersen, ed. (The Hague: Nijhoff, 1964), p. 4; veja também Mises, Human Action, p. 24.

[29] Alfred Schütz, Collected Papers of Alfred Schütz, vol. 1: The Problem of Social Reality, ed., Maurice Natanson (The Hague: Nijhoff, 1962), p. 65. Sobre as pressuposições filosóficas da ciência, veja Andrew G. Van Melsen, The Philosophy of Nature (Pittsburgh, Penn.: Duquesne University Press, 1953), pp. 6–29. Sobre o senso comum enquanto a fundação da filosofia, veja Toohey, Notes on Epistemology, pp. 74, 106–13. Sobre a aplicação de um ponto de vista similar à metodologia da economia, veja Frank H. Knight, “’What is Truth’ in Economics,” em On the History and Method of Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1956), pp. 151–78.

[30] Joseph Dorfman, The Economic Mind in American Civilization,5 vols. (New York: Viking Press, 1949), vol. 3, p. 376.

[31] Friedrich A. Hayek, “The Non Sequitur of the ‘Dependence Effect,’” em Friedrich A. Hayek, Studies in Philosophy, Politics, and Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1967), pp. 314–15.

[32] Mises, Human Action, p. 124.

[33] Veja Rothbard, “Toward a Reconstruction,” pp. 230–31.

[34] Ludwig von Mises, Theory and History (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1957).

[35] Mises, Human Action, pp. 55–56, 348.

[36] Cowles Commission for Research in Economics, Report for the Period, January 1, 1948-June 30, 1949 (Chicago: University of Chicago Press, 1949), p. 7, citado em Mises, Theory and History, pp. 10–11.

[37] Ibid., pp. 10–11.

[38] Ludwig von Mises, “Comments about the Mathematical Treatment of Economic Problems.” (Citado como “manuscrito não publicado”; publicado como “The Equations of Mathematical Economics” no Quarterly Journal of Austrian Economics 3, no. 1 (Spring, 2000): 27–32.

[39]Mises, Theory and History, pp. 11–12; veja também Leoni e Frola, “On Mathematical Thinking,” pp. 1–8; e Leland B. Yeager, “Measurement as Scientific Method in Economics,” American Journal of Economics and Sociology 16 (July 1957): 337–46.

[40] Alfred Schütz, The Phenomenology of the Social World (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1967), pp. 137, 245; também confira Ludwig M. Lachmann, The Legacy of Max Weber (Berkeley, Calif.: Glendessary Press, 1971), pp. 17–48.

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