A lógica é o estudo dos argumentos, a ciência que separa quais argumentos são bons e quais são ruins. Argumentos são conjuntos de proposições, sendo proposições afirmações que podem ser verdadeiras ou falsas.
As Leis da Lógica
A lógica, por separar quais argumentos são bons e ruins, deve fazê-lo com base em certas leis objetivas, estas são as chamadas “leis da lógica”, sendo as clássicas a lei da não-contradição, a lei da identidade e a lei do terceiro excluído. Embora alguns lógicos considerem também a existência de mais leis da lógica (como a lei do terceiro não-incluído, a lei da razão suficiente, etc.), aqui me atentarei apenas às três leis clássicas.
A lei da não-contradição
A lei da não-contradição estabelece que uma mesma coisa não pode ser ao mesmo tempo ela mesma e sua negação, aquilo que não é ela, o que também implica que uma proposição não pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa. Parece algo óbvio não? Mas ela é ainda negada por muitas correntes. Apesar disso, o princípio da não-contradição é inegável e irrefutável, devendo, necessariamente, ser o princípio básico para a determinação da validez ou não de um argumento.
Explico: negar a não-contradição é negar os limites entre o verdadeiro e o falso, é negar os limites entre uma proposição e a negação desta proposição, ou seja, sem o princípio, uma mesma coisa pode ser sua negação, desta forma a negação de algo é (caso o princípio não exista) sua afirmação, pois a proposição que nega e a proposição que afirma a mesma coisa podem ambas ser simultaneamente verdadeiras segundo o negador do princípio da não-contradição.
Resumindo: a proposição “o princípio da não-contradição é falso” (ou alguma proposição equivalente) é, para quem nega o princípio da não contradição, o mesmo que “o princípio da não-contradição é verdadeiro”, pois, segundo esta pessoa, algo poderia ser ao mesmo tempo verdadeiro e falso, por isso quem nega o Princípio está na realidade afirmando-o, ou seja, quem diz “o princípio da não-contradição é falso” está dizendo que “o princípio da não-contradição é verdadeiro”, pois para ele não há diferença entre verdadeiro e falso.
Tendo o princípio da não-contradição como base podemos concluir, sempre que uma ideia chegar a uma contradição, que ela é falsa, e, assim, fazer nossa análise lógica corretamente, sempre evitando chegar a conclusões contraditórias e, assim, eliminando várias possíveis respostas a uma questão (pelo fato de elas entrarem em contradição).
Lei da identidade
A lei da identidade afirma que cada coisa é igual a si mesma, o clássico A=A. Assim como a lei da não-contradição, pode parecer algo meio óbvio, mas ainda assim é negado por algumas correntes de pensamento. A lei da identidade não pode ser possivelmente falsa, pois a validade da lei da não-contradição implica na validade da lei da identidade, já que para que algo possa não poder ser ao mesmo a si mesmo e a sua negação, este algo deve primeiro ser a si mesmo. As outras duas leis da lógica são, de certa forma, dependentes da da identidade.
Observação: as leis da não-contradição e terceiro excluído foram descobertas por Aristóteles, considerado o pai da lógica, mas não a lei da identidade. Embora seja geralmente considerado que esta lei esteja implícita no pensamento aristotélico, ela foi formalmente descoberta pelo filósofo escolástico Antonius Andreas.
Lei do terceiro excluído
E a lei do terceiro excluído estabelece que não existe terceira opção além de ser algo, ou a negação deste algo, e, consequentemente, que uma proposição só pode ser verdadeira ou falsa, não há terceira opção. Ela é verdadeira por causa do princípio da identidade, o conceito ao qual se refere na lógica quando se diz “negação” é o de “tudo aquilo que não pertence ao que foi negado”.
Então, por exemplo, a negação do conceito de cachorro é tudo o que não pertence ao conceito de cachorro, por isso, necessariamente, e por definição, se algo não é cachorro, é a negação de cachorro. O mesmo vale para a validade de proposições, se algo não é verdadeiro, é não-verdadeiro, ou seja, falso.
Axiomas
Em um argumento proposições são proferidas, uma proposição é justificada com base em outra, a justificada é chamada de conclusão, e a que a justifica, de premissa. Porém isso não poderia ir para uma regressão infinita, a justificação de uma ideia não poderia ir indefinidamente para infinitas premissas, que são justificadas por outras premissas, e por outras premissas, e por outras…
Pois, neste caso, não haveria certeza de nada. É por isso que necessariamente existem axiomas. Axiomas são proposições auto-evidentes, ou seja, que não precisam de outras proposições para serem evidenciadas, justificadas, elas podem justificar outras proposições, mas nunca serem justificadas por outras, e, por não poderem ser evidenciadas por outras, são evidentes por si próprias, são necessariamente evidentes, independentemente de outras proposições.
Lógica Silogística
Um silogismo é um argumento estruturado com duas premissas das quais se obtém uma conclusão. Por exemplo:
“Kogos é paulista.”
“Todos os paulistas são brasileiros.”
“Logo Kogos é brasileiro.”
Este é um silogismo.
Nem todo o argumento precisa necessariamente ter duas premissas para chegar a uma conclusão. As premissas podem ser mais de duas, ou apenas uma (quando se extraí uma conclusão de uma premissa apenas se diz que aquela conclusão é corolário da premissa), mas, no caso do silogismo, há duas premissas e uma conclusão.
Em todo o silogismo há um termo médio, o termo médio é o termo que liga as duas premissas, o termo em comum nelas, ele não fica presente na conclusão, mas possibilita a sua existência. Veja, no exemplo dado acima, o termo “paulista” aparece em ambas premissas, conectando-as, mas não na conclusão.
É importante ressaltar que em todo o argumento as informações descobertas na conclusão são apenas as informações já presentes nas premissas, que são simplesmente rearranjadas logicamente para se conectarem de uma nova forma. Por isso, negar a conclusão de um argumento que tenha sido feito de forma logicamente válida (sem falácias, saltos lógicos…) é o mesmo que negar as premissas.
Lógica Proposicional
A lógica proposicional é o estudo das proposições lógicas, nela as proposições simples (sem nenhum conectivo com outras proposições) são representadas por simples letras (como “P”, “Q”… você provavelmente já viu o uso deste tipo de escrita), e são conectadas entre si por símbolos de conectivos. Obtêm-se, assim, as proposições compostas, que são conjuntos de proposições simples conectadas por um conectivo.
Tabelas Verdade
A tabela verdade é uma forma de analisar diferentes proposições e sua validez em diferentes possibilidades, ela funciona da seguinte forma:
Duas ou mais proposições são colocadas em uma tabela onde todas as possibilidades de combinações de resultados de validez (as duas verdadeiras, a primeira verdadeira e a segunda falsa, a segunda verdadeira e a premiria falsa, as duas falsas…) para que a validez de outras proposições possa ser analisada em referência à destas.
A seguir os tipos de conectivos serão explicados, a tabela verdade será essencial para o maior esclarecimento desta explicação.
Negação
Dizer que uma proposição é a negação da outra é dizer que se a outra é verdadeira ela é necessariamente falsa; e se a outra é falsa ela é necessariamente verdadeira. O símbolo utilizado é o ¬, o ~ou um traço em cima da letra representante da proposição, aqui o primeiro símbolo será utilizado. Então, por exemplo, se eu defino a proposição “cachorros existem” como P, então ¬P (não-P, ou seja, cachorros não existem) nunca poderá ter o mesmo status de validez de P.
Conjunção
A conjunção entre duas proposições é verdadeira se e somente se ambas proposições são verdadeiras. É geralmente representada pelo símbolo ∧ e lida como “conjunção” ou como “e(&)”. Exemplo: se digo que há uma conjunção entre “abacates são bons” e “abacates são frutas” então a proposição complexa que contém a conjunção, “abacates são bons e são frutas” (ou então “abacates são furtas boas”) só poderá ser verdadeira se ambas as proposições simples forem, P∧Q só será verdadeira se P for verdadeira e Q for verdadeira.
Disjunção
Uma disjunção é verdadeira se pelo menos uma das proposições envolvidas nela for, não precisam ser necessariamente as duas. É geralmente representada pelo símbolo ∨ e lida como “disjunção” ou como “ou” (lembrando-se que este não é um “ou exclusivo” e sim um “ou inclusivo”). Então, por exemplo, se “jacas são doces”, P, e “jacas são grandes”, Q, são suas proposições, então P∨Q é verdadeiro se pelo menos uma das duas for verdadeira.
Observação: lembre-se de que o “U” da palavra “ou” tem sua cavidade virada para cima, assim como o símbolo da disjunção, ∨, assim fica fácil de se lembrar corretamente de como é o símbolo da disjunção e de não confundi-lo com o da conjunção.
Implicação
Uma implicação é falsa apenas quando o implicante é verdadeiro e o implicado falso. Então, por exemplo, se eu digo que “eu escrevo este texto” (P) implica que “eu existo” (Q), então a implicação só poderia ser falsa se eu fosse capaz de escrever o texto sem existir (o que seria impossível, mas isso não vem ao caso agora). A implicação é representada por uma seta, como esta: ⇒
Observação: diferentemente da conjunção e da disjunção, a implicação não é comutável. Um conectivo comutável é um que se você inverter as proposições continua com a mesma validez. Por exemplo, se P∨Q é o mesmo que Q∨P então é comutável. A implicação não é comutável, então P⇒Q não é o mesmo que Q⇒P.
Equivalência
A equivalência é uma implicação na qual ambas proposições implicam uma à outra. Por exemplo, se digo que “A é um triângulo” implica que “A tem 3 lados” e que “A tem 3 lados” implica que “A é um triângulo”. É geralmente representada por uma seta dupla, como esta: ⇔
Demonstração Lógica
Fazer uma demonstração lógica é mostrar logicamente que determinado argumento é verdadeiro, justificá-lo de maneira logicamente válida.
Prova direta
A prova direta é basicamente provar que uma proposição implica a outra através das definições dos termos. Por exemplo, suponha que eu queria provar que se qualquer número impar ao quadrado é também impar…
A definição de um número ímpar é, matematicamente, “2a + 1″.
Se χ é ímpar, então χ é 2a + 1, se o “a” fosse 2, ele seria 5, se fosse 1, ele seria 3… Etc.. Sendo o “a” representante de qualquer número natural. Suponha então que nosso χ especificamente seja 2b + 1.
Então χ² é igual a (2b + 1)², sendo, assim, igual a 4b2 + 4a +1, que é igual a 2(2b² + 2b) +1.
Se considerarmos “c” como “2b² + 2b”, então χ²= 2c +1.
Sendo “a” qualquer número, inclusive “c”, χ² é 2a + 1, ou seja, por definição ele é ímpar.
Prova por contraposição
A prova por contraposição é, de certa forma, uma prova direta, porém feita com as negações da proposições. A prova contrapositiva funciona pois sabemos que P⇒Q é equivalente a ¬Q⇒¬P, e isso pode ser provado em uma tabela verdade, veja a seguir:
Assim, a prova contrapositiva prova de forma direta que ¬Q⇒¬P e, assim, prova que P⇒Q.
Prova por contradição
Também conhecida como reductio ad absurdum, a prova por contradição consiste em provar que a negação de determinada proposição leva necessariamente a uma contradição (um absurdo), mostrando, assim, que ela é necessariamente verdadeira.
Prova por indução
Uma indução é um raciocínio que sai de um caso particular e parte para um universal, provar por indução é, basicamente, provar que alguma proposição é verdadeira com base em um caso particular. A prova por indução é muitas vezes mal utilizada, por exemplo, se digo:
“90% dos ateus são comunistas.”
“Logo é mais provável que um ateu seja comunista.”
Muitas pessoas consideram um argumento como este como logicamente válido, mas este é um erro enorme. Explico: falta uma premissa para que a conclusão siga, para que o argumento ficasse correto ele deveria ficar da seguinte forma:
“90% dos ateus são comunistas.”
“Se duas crenças ocorreram juntas com mais frequência então há uma maior chance de voltarem a ocorrer juntas.”
“Logo é mais provável que um ateu seja comunista.”
Assim o argumento seria logicamente impecável, mas da forma como foi colocado anteriormente é apenas um salto lógico, e é uma grande infelicidade que muitos dos estudos na atualidade se baseiem em saltos como este. Embora possa ser verossímil (parecer intuitivamente ser verdade) que a conclusão segue da premissa 1 isolada, isto não é verdadeiro, uma pessoa poderá se tornar ateia e as suas chances de se tornar comunista nada tem a ver com o fato de ambas ideias terem ocorrido juntas ou não; verossímil é diferente de verdadeiro.
Pior ainda é quando um argumento tenta encontrar uma conexão causal sem base lógica, por exemplo:
“90% dos ateus são comunistas.”
“Logo o ateísmo causa o comunismo.”
Este é um salto lógico astronômico, mesmo se 100% dos ateus fossem comunistas isso ainda não implicaria que acreditar no ateísmo leva a pessoa a acreditar no comunismo, a pessoa está confundindo correlação (quando duas cosias ocorreram juntas) com causalidade (quando uma coisa causa a outra), no cenário no qual 100% dos ateus são comunistas um novo ser humano poderia muito bem nascer e se tornar ateu sem se tornar comunista.
Mas uma prova por indução ainda é válida caso feita da forma correta, ou seja, mostrando que aquela conclusão é necessariamente verdadeira. Um bom exemplo de prova por indução válida é uma indução matemática.
Basicamente uma indução matemática prova que se determinada equação der certo com um valor ela dará certo com qualquer valor superior àquele. E então prova que ela dá certo com um valor, o que, por conta da outra premissa, acaba provando que a equação sempre, necessariamente, dará certo com qualquer valor superior àquele. Ela prova a equação (algo universal), com base num exemplo com um valor (algo particular). Darei um exemplo:
Suponha que eu queira provar que a soma dos primeiros “n” números naturais e ímpares é igual a “n” ao quadrado (por exemplo, que 1 + 3= 2²), ou seja, que 1 + 3 + 5 + … + (2n-1)= n².
Então 1 + … + (2n-1)= n² implicaria que 1 + … + (2(n–1)-1)= (n+1)².
Ou seja, 1 + … + (2n-1) +(2(n–1)-1) seria (n+1)².
Porém se a primeira proposição for verdadeira então…
1 + … + (2n-1) +(2(n–1)-1)= n² +(2(n–1)-1)
Pois se a primeira é verdadeira então 1 + … + (2n-1)= n², basta apenas substituir o 1 + … + (2n-1) por n² na equação 1 + … + (2n-1) +(2(n–1)-1)= (n+1)².
Agora, sabemos matematicamente que n² +(2(n–1)-1) é n² +2n + 1, por conta da distributiva do 2(n–1)-1.
Agora basta apenas fazer a equação…
n² +(2(n–1)-1)= n² +2n + 1
Porém n² +2n + 1= (n + 1)²
Logo…
n² +(2(n–1)-1)= (n + 1)²
Ou seja, provamos que, se 1 + … + (2n-1)= n² então 1 + … +(2(n–1)-1)= (n + 1)² , ou seja, se 1 + … + (2n-1) então para todos os casos com “n” maior que na equação inicial a mesma fórmula será verdadeira.
Agora basta apenas provar que 1 + … + (2n-1)= n² é verdadeiro para um n, e ele necessariamente será para todos os próximos.
1 = 1²
É verdadeiro? Vejamos:
1 = 1
É.
O mesmo poderia ser feito, por exemplo, com 2 e 3…
1 + 3= 2²
4= 4
A indução matemática é um exemplo de uma indução provada de forma logicamente correta.
A Lógica como a Arte da Eliminação de Possibilidades
Uma forma interessante de enxergar a lógica é a de que ela seja a arte de se eliminar possibilidades, tudo com base na não-contradição. A ideia funciona da seguinte forma: se você eliminar determinada possibilidade de resposta para alguma questão sobram as outras possibilidades, provando que determinada possibilidade é uma contradição você prova que ela é necessariamente falsa, ou seja, a elimina, assim, se conseguir provar que todas as possibilidades exceto uma são contradições, então aquela, por eliminação, é necessariamente verdadeira.
O mesmo vale para validar um axioma, se qualquer negação da proposição W é necessariamente uma contradição então a única possibilidade de resposta que sobra é a proposição W, ela é necessariamente verdadeira por eliminação.
Mas e os outros métodos de prova lógica diferentes do por contradição?
Ora, eles são, de certa forma, também baseados na contradição. Explico:
A prova direta, por exemplo, mostra pelas próprias definições dos termos que P implica Q, neste caso, se a pessoa nega a verdade descoberta nela ela está violando a lei da identidade e, por consequência, a da não-contradição. O mesmo vale para a prova por contraposição, que é simplesmente uma prova direta feita com a implicação das negações de P e Q.
Ou seja, a lógica é a arte de se eliminar possibilidades de respostas a uma questão com base no princípio da não-contradição, até que sobre apenas uma possível resposta, verdadeira por eliminação.
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Referências
Richard Hammack — The Book of Proof
P.D. Magnus — Forall X: Introductory Textbook in Formal Logic
Aristóteles — Órganon
Aristóteles — Metafísica
Leonard Peikoff — Aristotle the Father of Logic (trecho de seu curso sobre a história da filosofia)
Leonard Peikoff — Objectivism the Philosophy of Ayn Rand
Ayn Rand — Introduction to Objectivist Epistemology
Harry Binswanger — The Foundations of Knownleadge