Por David Gordon
[Tradução de Hegel’s Very Odd Definition of Freedom por Alex Pereira de Souza, retirado de https://mises.org/wire/hegels-very-odd-definition-freedom]
Todd McGowan, professor de estudos cinematográficos da Universidade de Vermont, fez algo notável. Em seu recém-publicado Emancipation After Hegel, ele escreve clara e vigorosamente sobre Hegel, um filósofo notoriamente difícil. As pessoas costumam ver Hegel como um inimigo da liberdade, mas McGowan diz que os críticos estão errados. Hegel, longe de ser um inimigo da “sociedade aberta”, como diria Karl Popper, oferece o melhor relato de liberdade que temos. Tentarei examinar o argumento de McGowan para essa visão surpreendente.
Hegel, ele nos diz, considera a liberdade da maior importância. Hegel escreve,
Para a vontade não há outro fim senão aquele criado fora de si mesma, o fim de sua liberdade. É um grande avanço quando se estabelece este princípio de que a liberdade é a última dobradiça sobre a qual gira a humanidade, o último cume de onde a humanidade não se deixa impressionar e não aceita nenhuma autoridade que vá contra sua liberdade. (pp. 134–35)
O que poderia ser melhor que isso? Como Hegel pode ser considerado um inimigo da liberdade? Logo se percebe que as coisas não são o que parecem. Quando pensamos em liberdade, naturalmente pensamos em liberdade de coerção. O princípio de não-agressão (PNA) proíbe ataques aos direitos das pessoas, e o estado leviatã é o perigo supremo para a liberdade assim concebida.
Não é isso que Hegel quer dizer com “liberdade”. McGowan diz que para Hegel, o PNA é muito estreito:
Quando se examina a concepção de liberdade de Hegel […] fica claro o quão longe ela está da concepção liberal. O liberalismo concebe a liberdade como a ausência de restrições. Se é livre, para o pensador liberal, quando ninguém impede injustamente o que se pode fazer. Mas o liberalismo perde como a restrição geralmente opera […] a restrição direta é a mais fácil de desafiar. A forma mais perniciosa dessa coação ocorre quando a autoridade externa se apresenta como substancial e, assim, impressiona o sujeito. (p. 135)
A última frase é inicialmente desconcertante, mas antes de tentar explicá-la, gostaria de chamar a atenção para um problema. Segundo Hegel, existem outros tipos de restrição além da coerção. Suponha que isso esteja correto. Não se segue que você possa coagir as pessoas sem violar sua liberdade. Como veremos, a principal afirmação de Hegel é que o estado liberta as pessoas de tipos não coercitivos de restrição. Mesmo que faça isso, ainda está usando ou ameaçando usar a força contra aqueles que a desobedecem. A coerção é suficiente para negar a liberdade, mesmo que não seja necessária, como pensa Hegel. Porque Hegel apoia um estado coercitivo, seu argumento de que o estado é uma condição necessária para a liberdade certamente falhará.
Deixemos de lado esse ponto crucial e tentemos examinar o argumento de Hegel em seus méritos. Como McGowan apresenta esse argumento, Hegel pensa que sua liberdade está ameaçada se alguma pessoa ou instituição se apresentar como fonte suprema de verdade. Você deve obedecer a esta fonte de verdade sem questionar. Para derrotar essa ameaça à liberdade, você deve perceber que não existem fontes supremas de verdade:
O sujeito livre relaciona-se com a figura da autoridade como um semelhante dividido pela contradição e não como uma substância autoidêntica. A autoridade é apenas outro sujeito, não um ser autoidêntico elevado acima do sujeito. (p. 135)
O que quer que você pense dessa opinião sobre as fontes supremas da verdade, você pode se perguntar: o que isso tem a ver com o estado? A resposta de Hegel irá surpreendê-lo. Ele acha que precisamos do estado para que as pessoas não ajam apenas em seu próprio interesse:
Quando o sujeito individual se concebe sem referência ao estado, ele se concebe inicialmente como um ser de puro autointeresse […] o problema é que essa busca não é liberdade […] por isso, como Hegel o vê, o autointeresse nada tem a ver com a liberdade do sujeito, que depende do sujeito se alienar dos interesses que a sociedade e a natureza lhe deram. O sujeito livre aliena-se de seus próprios dados, e o estado é o veículo para explicitar essa alienação ao sujeito. (p. 203)
Os leitores naturalmente recuarão horrorizados. Pessoas guiadas pelo autointeresse são “não livres”. Existe um exemplo melhor da Novilíngua de Orwell? Mas podemos ir mais longe. Colocando de lado nosso horror justificado, podemos ver que o argumento ainda falha. Hegel, como McGowan o interpreta, se opõe a fontes inquestionáveis de verdade. Mas a passagem que acabamos de dar fala de interesses natural e socialmente dados aos indivíduos. Não se segue que tais interesses sejam inquestionáveis. O que impede alguém de pensar se deve ser guiado pelo autointeresse? Por que ele precisa que o estado se envolva em tal autoexame? E se ele examina a si mesmo e conclui muito corretamente que deve agir em seu autointeresse, qual é o problema com isso?
Para Hegel e McGowan, isso nunca funcionará. Mas mesmo que aceitemos — como não deveríamos — que um indivíduo precisa de alguma instituição externa para bloquear a busca acrítica do autointeresse, por que essa instituição deve ser o estado? A sociedade civil não pode fazer o trabalho?
Na visão hegeliana, não pode:
Mesmo que não leve ao autoritarismo, o grande perigo da modernidade não é um estado poderoso que colide com a liberdade individual, mas o fracasso em reconhecer o estado como um estado e confundir a sociedade civil com ele. Na sociedade civil (termo de Hegel para o vínculo social estabelecido por meio da troca econômica), os indivíduos beneficiam o todo seguindo seu autointeresse. (p. 205)
O problema com isso é óbvio. A sociedade civil inclui uma infinidade de pessoas e instituições, com todos os tipos de opiniões sobre o bem da sociedade. Se o medo de Hegel é que, na ausência do estado, as pessoas iriam, sem dúvida, buscar seu bem-estar econômico, é infundado.
Há ainda outro problema com o argumento. Por que a existência de um estado no qual as pessoas são livres para debater questões políticas e sociais — o tipo de estado que McGowan diz que Hegel quer — garante que as pessoas vejam seus autointeresses individuais de maneira crítica? O estado pode certamente enfraquecer ou destruir o livre mercado, mas como isso encoraja as pessoas a examinarem cuidadosamente as reivindicações de autoridade? O estado, como Hegel o descreve, provavelmente provocaria uma deferência irrefletida aos seus próprios ditames. A noção de liberdade de Hegel arroga ao estado a prerrogativa de Deus, “cujo serviço é a liberdade perfeita”, na frase familiar do Book of Common Prayer anglicano. Para Hegel, isso não seria uma objeção. Ele diz que o estado é a “marcha de Deus no mundo”. De alguma forma, eu duvido.