Publicado originalmente em SEK3.
Talvez há um século, a clássica divisão dos anarquistas em individualistas, comunistas e sindicalistas tivesse validade tanto na facilidade de comunicação quanto na correspondência à realidade. Vinte anos atrás, “anarcocapitalista vs anarcocomunista” provavelmente descreveu um sério cisma nas fileiras anarquistas, indubitavelmente estimulado pela mentalidade de facções da Guerra Fria dentro do Estado. Hoje ainda existem divergências de mentalidade entre aqueles que chegaram à necessidade de apatridia de várias direções. Não chegou a hora (se chegará) para o descarte de rótulos entre os defensores da Anarquia.
Afinal, não existe “anarquismo”. Somente as distorções extremas causadas pela existência do Estado poderiam levar a crer que os anarquistas baseiam toda uma ideologia — uma visão de como viver — no pequeno ajuste do estilo de vida da Humanidade para eliminar o incômodo mesquinho do parasitismo institucionalizado. Alguém basearia toda uma teoria da vida humana no extermínio de baratas, ou mesmo da lepra ou da Peste?
Na nossa sociedade atual, o Estado é de fato um problema premente. Mas aqueles que chegaram, por todas as suas muitas razões, à conclusão de que ele precisa ser abolido, são precisamente aqueles cuja visão é clara o suficiente para vislumbrar as possibilidades de vida não atrofiadas pela coerção desenfreada. Haverá Anarquia, e aqueles que perseguem este objetivo necessário e heróico são de fato Anarquistas; mas são muito mais: comunistas, sindicalistas, cristãos, cientologistas, utópicos, taoístas, novos filósofos… e agoristas.
Uma das mais sérias divisões das fileiras anarquistas decorre da especulação sobre o que acontecerá com a instituição da Propriedade quando o Estado for eliminado. Deveria ser óbvio que a dedução de onde surge a Propriedade é importante para este debate. Uma visão forte, quase dominante, da Questão da Propriedade entre os anarquistas é que a propriedade surgiu da conquista e, portanto, é totalmente ilegítima. Em uma sociedade de pessoas livres, a cooperação e a ação voluntária de alguma forma alocarão bens sem a necessidade de limites específicos ao redor do material no universo.
Os mercadistas (ágora = mercado livre e amplo) não compartilham dessa visão utópica e, em última análise, dominada pelo medo da Propriedade. Eles percebem que sua existência requer substância material, e não traçam suas linhas em torno dos limites estreitos dos corpos com os quais nascem. Os agoristas veem o limite do Ego surgindo apenas do contato com a bolha de outro Ego. Em suma, os Agoristas veem a Propriedade como um fato da natureza humana e não perdem tempo lamentando o que é. Eles abraçam esta Verdade com alegria e desenvolvem seu libertarianismo para eliminar o conflito entre os Indivíduos na Sociedade, e permitir que todos e cada um se expandam em dimensões permissíveis sem limites: Paz e Lucro!
As possibilidades de confusão e falhas de comunicação entre aqueles que vieram da tradição da esquerda (anti-propriedade) e aqueles da tradição de Livre Mercado (Centro na Europa, Direita na América) são ruins o suficiente pelo contato entre os semieducados em ambos os campos. A diferença de terminologia requer uma tradução efetiva para que Anarquistas de Mercado e de Não-Mercado se entendam sem se sentirem ameaçados “de Dentro”.
Alguns exemplos serão suficientes. Para o Anarquista de Não-Mercado, Lucro significa algum ato de exploração viciosa, envolvendo coerção e violência. Para o Agorista, Lucro é aquele aumento na riqueza material decorrente da inovação, i.e., a recompensa pelo gênio criativo. Algum anarcocomunista negaria a recompensa pelo gênio criativo? Algum anarquista de livre mercado aceitaria ganhos por coerção, pilhagem imerecida? A Associação de Pensamento Anarquista está lá, se for feito um esforço para cortar através da verborragia para ver e respeitar a Visão do outro.
Outro problema surge da visão da “escravidão assalariada”, como a chamam os anarcossindicalistas. Pode surpreender alguns anarquistas da esquerda que os agoristas radicais zombem do sistema de salário como algo apropriado para a Europa Medieval (ou Rússia moderna), um resto de métodos organizacionais feudais incompatíveis com a livre iniciativa poderosa. Sua Visão de Divisão do Trabalho prevê o “definhamento” da função do Trabalhador com o surgimento da cibernética e da robótica, e uma grande expansão das funções econômicas capitalistas, e especialmente empreendedoriais, dos Humanos. A ascensão do Contratante Independente e do Consultor são tendências atuais elogiadas e anunciadas pelos marqueteiros.
Isso não quer dizer que não haja diferença de perspectiva. Os anarquistas de não-mercado veem o emprego de trabalhadores como “exploração” desejada e praticada pelos empregadores. Os anarquistas de mercado veem o emprego como um sacrifício escolhido pelos trabalhadores com inseguranças irracionais e relutância em aceitar riscos; quase compelido aos empregadores que seriam muito mais bem servidos (nos livros de contabilidade) ao lidar com empreendedores que aceitariam eles próprios riscos pela conclusão de projetos de trabalho.
Nem todos os anarquistas veem o fim da violência, embora todos busquem o fim da violência monopolizada e agressiva do Estado. Mas mesmo o pacifismo total não é exclusivo da tradição anarquista de esquerda. Os cerca de 10.000 graduados do esforço educacional de Robert LeFevre renunciaram à força defensiva em graus variados, dispostos a confiar nos processos de livre mercado para sua defesa. Isso dificilmente apoia a acusação de que o agorismo é um refúgio para plutocratas camuflados de grandes negócios que buscam sobreviver após uma Revolução Popular (uma acusação muitas vezes lançada descontroladamente contra os idealistas anti-utópicos do mercado não coagido).
Nem todos os anarco-comunistas estão abrindo caminho para uma aquisição bolchevique, ou anarco-sindicalistas arautos do fascismo (sindicalismo de estado). Há estatistas em ambos os campos disfarçados de anarquistas, com certeza. Eles são reconhecidos como professando os “Ideais” do Comunismo ou Agorismo, enquanto protestam contra a impraticabilidade de alcançar esses ideais no futuro previsível. De fato, eles gastam seu tempo acomodando-se a esse “fato da vida” chamado Estado.
Para concluir, dirijo-me àqueles que perguntam: “E daí? Então, existem todos os outros tipos de anarquistas; por que deveríamos alcançar algum grau de solidariedade? Vamos cada um perseguir nossas visões isolados, e cada um desferir seus golpes incidentalmente contra o Estado”.
Os Agoristas, os únicos pelos quais posso pretender falar por, em algum grau, não podem racionalmente ver tal separação em seu melhor interesse. Se o mercado é simplesmente composto por aqueles que entendem completamente o funcionamento do mercado, todos nós deveríamos ter perecido antes de adquirir nosso entendimento atual. Tampouco aqueles com uma educação econômica elementar são mais valiosos para nós no comércio e nas relações sociais se insistem em servir ao Estado (como Röpke e Friedman, dois vendidos excelentes) do que aqueles que imperfeitamente, mas efetivamente, veem e se opõem à ameaça comum.
Finalmente, espero que todos possamos ver que o Estado será imensamente prejudicado em enfrentar uma Associação de Anarquistas que defendem todas as visões da Natureza Humana. Como podemos ser manchados por associação com a monstruosidade soviética se defensores desenfreados do “laissez-faire” estão agitando suas bandeiras pretas com alegria para as câmeras de TV? Como a Anarquia pode ser identificada com o estatismo de grandes negócios se comunistas puros gritam das barricadas os slogans da liberdade? E o resto do mundo descomprometido não poderia deixar de se emocionar e influenciar ao ver o futuro de liberdade e tolerância mútua prometido pela Anarquia realmente funcionando aqui e agora, no Acampamento dos Anarquistas.
The Storm! A Journal for Free Spirits
Número 7 / verão de 1978
Páginas 26-27