O ser agente
O ser humano faz ações¹. Ação é a vontade humana posta em funcionamento, visando modificar o estado de coisas, para atingir um estado de satisfação, que o ator considera como mais satisfatório, do que a situação que o agente considerava estar antes de iniciar a sua ação.
Existem alguns incentivos que colocam o ser humano na situação de agir. Algumas circunstâncias que resultam no ser humano fazer ações, que criam o incentivo do ser humano não permanecer no mesmo estado de coisas em que se situava anteriormente, mas fazem mudar as circunstâncias que estão em sua volta.
O ser humano tem em sua mente uma imagem de plena satisfação. Onde todos os desejos, necessidades, vontades estão saciados. Imagina um “paraíso” ao qual queira estar. Onde não há dor, não há sofrimento, não precisa de trabalho, onde não há insuficiências. É a situação, de máxima satisfação. E toda ação é movida a isto, sem nunca o ser humano atingir esta condição. Outro fator é que o ser humano está em uma condição de insatisfação, a natureza não lhe provê recursos infinitos, onde possa saciar de maneira ilimitada suas vontades. Se encontra uma situação que ele não quer estar, e gostaria de modificar esta situação de insatisfação.
O agente também tem a expectativa de que, por meio da sua ação, poderá atingir uma condição de satisfação maior do que estava antes de iniciar a ação. Expectativa de que poderá inibir a condição de insatisfação em que se encontra, por meio da sua ação. E de forma tácita aprende, ainda na fase inicial de sua vida, que sua ação irá gerar causalidades no mundo exterior, e que poderá mudar o rumo das coisas por meio dela. Saber que sua ação pode modificar as circunstâncias exteriores a si, de maneira a deixá-las da forma que o agente acredita que poderá deixá-lo em uma condição de satisfação maior.
Na constituição de toda ação o ser humano utiliza-se de meios para atingir fins. O fim é o resultado buscado em toda ação, com o intuito de inibir uma condição de insatisfação. O meio é tudo que é utilizado durante a ação para atingir um fim desejado.
No universo não existem meios, e somente recursos, que estão na natureza. Esses recursos se tornam meios a partir do momento que a mente humana enxerga alguma utilidade desses recursos que poderá culminar no fim que o agente quer alcançar. E ao agir com esses recursos o agente está os transformando em meios. Os meios são escassos, são limitados para alcançar apenas alguns fins, mas não são infinitos para alcançar todos os fins desejados. Em uma condição de recursos infinitos, o ser humano não os teria em conta, pois já terá alcançado a condição de plena satisfação imaginado em sua mente, e tendo atingido esta condição, não haveria incentivo para a ação, e portanto não haveria ação humana nesta circunstância.
O ser humano na sua mente pensa nos fins e meios e concebe de forma tácita num plano de ação². O valor é a apreciação subjetiva, com um certo nível de intensidade atribuído pelo agente quanto aos fins que busca. Em sua mente, o agente pensa e escolhe o fim que acredita ser mais importante para si, o que acredita ter maior valor. E discrimina todos os outros fins a que considera menos valorosos.
Utilidade é o quão eficiente o ator acredita ser o meio para atingir o fim que está buscando. O agente acredita que um meio poderá oferecer um serviço que o deixa em condição que considera mais satisfatória. Ao escolher o fim, de forma tácita, escolhe dentre os meios, o que acredita ser mais útil para atingir o fim escolhido. Quanto mais meios do mesmo recurso ou de recursos diferentes o agente tiver, é organizado através de uma escala de valores os planos de ação que o agente considera como mais valioso até os menos valiosos que podem ser atingidos com os meios que o agente tem. Buscará usar os primeiros meios para atingir os fins que considera mais valiosos, e depois conforme realiza estes fins, tenta realizar os outros fins menos valorados com os meios subsequentes, diferentes ou não³.
Ao fazer seu plano de ação o agente aplica-o em prática. Todo plano de ação surge pela valoração do fim escolhido que o agente visa atingir, e a discriminação de todos os outros fins somados que considera como menos valioso que o fim que deseja alcançar. E o valor de todos os fins que o ser humano está deixando de tentar alcançar, é o custo da sua ação.
Se o resultado da ação do agente o deixar em condição mais satisfatória como havia planejado, do que o custo que obteve ao fazer a ação, terá tido sucesso em sua ação, e a diferença entre o resultado obtido e o custo da ação, é o lucro do agente nesta ação. Caso o resultado da ação não corresponder às expectativas do agente, e obteve um fim menos satisfatório do que o custo da ação, então o agente terá fracassado nesta ação, e obteve um prejuízo. Alcançou um fim que não esperava que iria alcançar, tinha a visão de que com sua ação poderia ter alcançado uma condição mais satisfatória, mas alcançou uma condição menos satisfatória do que se tivesse feito outro ação.
O ser humano está limitado a ter necessidades fisiológicas, é uma característica de sua natureza, e de qualquer ser vivo. Se o agente não satisfazer essas necessidades ele poderá estar em condições menos satisfatórias, isso pode incomodar o agente. Alguns exemplos dessas necessidades é a de comer, tomar água e urinar. Tudo isso possibilita a manutenção da vida do agente. Se o agente considera que viver seja mais satisfatório, do que não viver, e tiver ao seu dispor os meios necessários, ele optará em fazer ações que satisfaça essas necessidades, e fazer a manutenção necessária para o funcionamento normal de seu corpo.
Se ele considera que não viver é mais satisfatório do que viver, e sofrer as consequências de uma vida humana, ele faria ações buscando não atender essas necessidades básicas para sua sobrevivência, e objetivaria terminar com sua própria vida, ou seja cometer suicídio. Buscaria para o funcionamento do seu próprio corpo visando não viver mais. Assim a própria manutenção da vida do agente, depende do valor que o agente atribui aos fins que conseguira atingir em sua vida, depende da preferência de escolha do agente, se você está vivo, é por que prefere viver do que não viver.
Tempo na ação⁴
O que separa o agente do seu fim numa ação, são as etapas intermediárias que o agente considera de utilidade passar antes de atingir o seu fim⁵. A passagem por essas etapas intermediárias ocorrem no tempo, sentido e experimentado de forma tácita e subjetiva pelo agente, em que ao completar a ação, terá tido uma mudança de situação, de uma condição de insatisfação, para uma condição de satisfação maior.
Uma mudança de situação pressupõe que haja uma sequência temporal, onde as coisas são modificadas pela ação. Um universo sem sequência temporal implicaria em não haver mudanças de situação, e portanto não haveria ação já que não seria possível modificar o mundo exterior a si mesmo de maneira a modificar as coisas e deixar de uma maneira que o agente considere mais satisfatório.
Assim, a ação humana só existe porque existe tempo onde possa haver a modificação das coisas externas. E o que separa o agente de seu fim é uma certa quantidade de tempo que é sentido pelo agente. E só é iniciado uma ação visando a modificação das circunstâncias externas de si mesmo, no tempo futuro.
O presente (a ação posta em prática agora) separa as ações feitas no passado e as ações que ainda serão feitas no futuro. O presente é o momento em que a ação do agente ocorre. É a ação iminente. O presente possibilita a oportunidade de ação que antes parecia ser cedo para executar, e depois será tarde para iniciar a ação.
O tempo só é percebido por que o ser humano faz ações. A noção de tempo é adquirido de forma tácita ao agente fazer ações visando modificar o presente, em que se situa numa condição insatisfatória, para no futuro alcançar uma condição mais satisfatória. É preferível agir com vistas de mudar o futuro para uma condição de maior satisfação, do que não agir e continuar numa condição de insatisfatória no futuro. O passado se diferencia do presente por não ser possível fazer ações de oportunidades já não mais disponíveis. E o futuro com o presente, se diferencia por ainda estar por vir as oportunidades de ação.
Não é possível fazer duas ações ao mesmo tempo. O ser humano escolhe a ação no presente que acredita que lhe trará um fim mais satisfatório. Ao alcançar o fim que acredita ser mais satisfatório, inicia uma ação que alcance um fim mais satisfatório, do que poderia alcançar com outras ações, e que ainda não alcançou em ações feitas no passado.
A preferência de ação não é constante, pois ela advém de uma escolha de preferência subjetiva do ser humano, que pode mudar a qualquer momento. O ser humano pode depois ter feito algumas ações, pensar que poderia alcançar fins mais valiosos e então refazer o seu plano de ação para esses fins, com ações planejadas futuros diferente do que antes. A única constante é de que o ser humano valora um fim mais que outro, e que, portanto, visa atingir o fim mais valorado primeiro e depois o outro caso sua escala de valoração não mude.
Se o agente considerar o fim da ação A mais valioso do que o fim da ação B, o fim da ação B mais valioso do que o fim da ação C, e então o agente fazer a ação A, depois poderá fazer a ação B, mas se considerar agora o fim de C, como mais valioso que o fim de B, então fará C, e somente depois de ter atingido o fim de C, vai considerar o fim de B mais valioso, e então fará tal ação. Está escala de valores vai se concretizando conforme o ser humano age no tempo, vai de forma tácita planejando suas ações, vendo e revendo sua escala de valorações.
O futuro para o ser humano é imprevisível acerca de suas específicas ações ou em relação às ações de outros agentes. Caso fossem previsíveis o ser humano não agiria e somente seguiria um destino pré-determinado como um robô, ou um pinguim⁶. Em tal condição não haveria ações sem sucesso, e somente um destino que não poderia escapar ao ser humano, não poderia esquivar-se deste destino, e seria sempre bem sucedido, já que o futuro estaria já sido conhecido pelo ser humano a priori.
Assim a própria ação pressupõe incerteza quanto às ações que vão acontecer no futuro. E é por isso que não é possível estudar a ação humana como fenômenos constantes. Se um determinado preço durante um certo tempo no passado aumentou de forma constante, não significa que continuará aumentando no futuro na mesma proporção. A mudança do preço dependerá das ações e valorações humanas, que mudam a cada momento, e, por consequência, mudará o preço no futuro para mais ou para menos. Mas não poderá se determinar de forma objetiva que o preço aumentará para x ou para y, pois depende das preferências subjetivas de vários seres humanos, que não são possíveis de serem descobertas no presente de forma objetiva.
Referências:
[1] MISES, Ludwig von. Ação Humana: Um Tratado de Economia. Parte 1. Tradução por Donald Stewart Jr. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010. Disponível em <https://bibliotecalibertaria.com/article/acao-humana-um-tratado-de-economia>. Outros trabalhos sobre praxeologia: https://bibliotecalibertaria.com/category/axioma-praxeologia.
[2] SOTO, Jesus Huerta de. Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos. Tradução de Márcia Xavier de Brito. Capítulo 5. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2012. Disponível em <https://bibliotecalibertaria.com/article/moeda-credito-bancario-e-ciclos-economicos>.
[3] MISES, Ludwig von. Ação Humana: Um Tratado de Economia. Capítulo 7. Tradução por Donald Stewart Jr. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010. Disponível em <https://bibliotecalibertaria.com/article/acao-humana-um-tratado-de-economia>.
[4] IORIO, Ubiratan. Ação, Tempo e Conhecimento: A Escola Austríaca de Economia. p.61-75. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2012. Disponível em <https://bibliotecalibertaria.com/article/acao-tempo-e-conhecimento-a-escola-austriaca-de-economia>.
MISES, Ludwig von. Ação Humana: Um Tratado de Economia. Capítulos 5 e 6. Tradução por Donald Stewart Jr. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010. Disponível em <https://bibliotecalibertaria.com/article/acao-humana-um-tratado-de-economia>.
[5] SOTO, Jesus Huerta de. Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos. Tradução de Márcia Xavier de Brito. Capítulo 5. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2012. Disponível em <https://bibliotecalibertaria.com/article/moeda-credito-bancario-e-ciclos-economicos>.
[6] KIRZNER, Israel M. Competição e Atividade Empresarial. Tradução de Ana Maria Sarda. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2012. Disponível em <https://bibliotecalibertaria.com/article/competicao-e-atividade-empresarial>.
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