A moeda é um elemento que constitui as diversas instituições sociais existentes e que acompanha a humanidade há séculos, sendo que vários pensadores tentaram explicar a origem deste meio de troca e seu funcionamento. Entre essas explicações existem inúmeras teorias absurdas e com várias inconsistências e que, apesar destes problemas, são laureadas por seguirem um método de pesquisa tão falho e errôneo quanto as propostas feitas por estes teoremas.
O presente artigo pretende tratar sobre a moeda a partir da perspectiva da Escola Austríaca de economia e objetar as postulações contrárias e apontar seus problemas metodológicos e econômicos.
A origem da moeda
Carl Menger, em seu “A Origem da Moeda” demonstrou que a moeda surgiu de um processo espontâneo, onde os indivíduos percebiam as vantagens das trocas indiretas (estas ocorrem quando as diversas mercadorias são transicionadas mediante a interposição de um meio de troca) e passaram a utilizá-la. De forma gradual, passaram a substituir as trocas diretas por tal conduta, até o ponto em que um determinada mercadoria foi instituída como um meio de troca geral e com as propriedades monetárias que a caracterizam. No entanto, sem ter este processo conduzido de forma consciente e deliberada por algum indivíduo.
Essa concepção de moeda, que era de certa forma primitiva em relação as posteriores abordagens da Escola Austríaca, contraria diversas postulações, tanto no âmbito metodológico (pois se utiliza de pressupostos teleológicos), quanto na fundamentação.
Mesmo que Menger tenha realizado vários avanços nas teorias de valor, com seus tratados acerca da utilidade marginal, não aplicou tais conceitos em sua teoria monetária, sendo tal aplicação considerada, na época, algo absurdo e irrealizável. Isso levou outros economistas a separarem o estudo da economia em uma área macro-econômica, que estuda os fenômenos monetários e gerais da economia com estatísticas e fórmulas econométricas, e uma área micro-econômica, que estuda os fenômenos que ocorrem no campo individual e do valor subjetivo, utilizando os conceitos subjetivistas de Menger (utilidade marginal) e de Böhm-Bawerk (preferência temporal).
O Teorema Regressivo da Moeda
Essa distinção dos campos de estudo da economia prejudicou e atrasou os avanços que uma análise austríaca faria no campo monetário, pois a moeda passou a ser estudada com metodologias insuficientes e que levaram a conclusões errôneas.
Ludwig von Mises, aluno de Böhm-Bawerk, demonstrou a insuficiência das demais teorias monetárias ao aplicar o conceito de utilidade marginal à moeda, cujo valor seria determinado pelas mesmas categorias mercadológicas dos outros bens e serviços, diferenciando-se apenas no fator essencial que a faz ser útil e demandada pelos indivíduos. Este teorema ficou conhecido como “Teorema da Regressão” e usou os pressupostos teóricos de Menger no estudo monetário, demonstrando a futilidade de se dividir o estudo da economia.
Tal teorema fundamenta-se em estabelecer duas categorias para a determinação do valor objetivo de troca, sendo tais a oferta de saldos monetários numa dada economia e a demanda que os indivíduos tem em relação a estes saldos para retê-los sob a forma de encaixes, como já assinalava a teoria quantitativa da moeda. O diferencial da análise de Mises é utilizar-se de pressupostos teleológicos e apriorísticos, ao invés de se basear em análises holísticas, e em relevar os elementos históricos que constituem as expectativas dos indivíduos com relação ao valor da moeda.
É importante frisar este ponto, pois, diferentemente dos demais bens econômicos, a moeda não nos é útil por satisfazer diretamente alguma necessidade humana, esta não é consumida como se fosse algum tipo de bem de consumo. Na realidade, ela só tem alguma utilidade pois já detém um valor previamente determinado, para ser permutada em outros bens.
É justamente este valor de troca que ela já possui que permite especular seu futuro estado, e assim, decidir se é mais viável desfazer-se dos saldos monetários o mais rápido possível, devido a uma iminente queda no valor de troca, ou se é mais viável poupar as quantias monetárias em posse mediante a uma possível alta no valor de troca.
Essas expectativas com relação ao valor de uma moeda constituem a demanda por esta, que interagindo com o nível de oferta monetária determina o valor objetivo de troca e as subsequentes variações nos preços.
Muitos economistas objetam esta proposta argumentando o seguinte: como a demanda de moeda e, portanto, sua utilidade, depende de seu preço pré-existente (ou poder de compra), como pode então este ser explicado pela demanda?
Esse aparente raciocínio circular é um engano com relação ao funcionamento e a interação das categorias que compõem a determinação do valor da moeda, pois esquece o componente histórico que envolve este processo.
Tal componente histórico diz respeito a uma regressão do valor da moeda até o ponto em que este é determinado pelo valor direto e utilidade de uma moeda-mercadoria, que pode ficar mais claro neste exemplo: Em um determinado dia T(x) tem-se a oferta de moeda interagindo com as expectativas dos indivíduos com relação ao seu valor futuro baseadas nos preços passados, especificamente do dia anterior T(x-1), cuja determinação deu-se pela oferta e demanda do dia T(x-2), que fora determinado por T(x-3), e este por T(x-4) e assim sucessivamente. Regredir-se-á tal sistema até o primeiro dia em que a moeda passou a ser utilizada como tal, digamos, T(1). Neste dia, a demanda por moeda é estipulada com base no valor direto para consumo da moeda-mercadoria do dia anterior, que pode ser nomeado de T(0), sem nenhum componente histórico, pois a demanda deste período é estipulada a partir da utilidade marginal que a mercadoria detinha para ser consumida, finalizando a regressão.
Os estudos quantitativos não podem substituir ou refutar esta teoria, pois estatísticas dizem respeito somente a uma particularidade e as implicações de um determinado fenômeno social, e o que foi possível mensurar e isolar não constitui os elementos essenciais e fundamentais deste processo, que correspondem aos elementos subjetivos da ação humana, que são complexos e mutáveis, e sequer estão passíveis de quantificação. Portanto, tais elementos não podem ser isolados e analisados quantitativamente, e conclui-se que não estão suscetíveis a testes empíricos, e só podem ser explicados de forma adequada a partir de teorias teleológicas e apriorísticas bem fundamentadas e logicamente consistentes, como no estudo praxeológico.
O Inflacionismo
A inflação é um fenômeno monetário que é alvejado por inúmeras falácias e inconsistências teóricas, sendo também um recurso muito utilizado pelos governos para financiar seus gastos e dívidas sem recorrer a tributação, além de fazer parte de várias propostas econométricas.
As maiores confusões acerca da inflação ocorrem por uma inversão de sua causa com o seu efeito, pois muitos economistas, e o próprio senso comum, considera o aumento geral de preços como a causa da inflação, tendo como efeito a desvalorização do poder de compra da moeda. Tal concepção leva a várias conclusões enganosas e que constituíram as propostas centrais de vários planejamentos centrais.
Para explicar o fenômeno da inflação é necessário entender que um aumento ou uma diminuição de preços em um determinado produto ou numa indústria específica não implica, necessariamente, em um fenômeno de caráter monetário, pois na realidade estamos lidando com variações na oferta e na demanda nestes setores específicos.
Agora, quando há um aumento ou uma diminuição geral em todos os preços tem-se um fenômeno monetário, pois houve alterações no poder de compra da unidade monetária que levou às subsequentes variações gerais nos preços. O que leva a essa valorização, ou desvalorização, do poder de compra da moeda são as alterações na demanda por esta (que constitui as expectativas com relação ao seu futuro valor) ou na oferta total.
Um aumento na demanda por moeda aumenta os encaixes e diminuí os níveis de consumo totais, o que leva a queda dos preços, e a queda na demanda leva um resultado contrário do que sua elevação geraria, e o aumento da oferta monetária total levaria a desvalorização do poder de compra das unidades monetárias devido ao aumento generalizado de preços que sua injeção faria. Ou seja, a causa da inflação é a queda do valor objetivo de troca da moeda, que tem como efeito o aumento geral de preços.
Esse aumento generalizado dos preços é, como já assinalado, um fenômeno de natureza monetária, e ocorre pois um acréscimo na quantidade total de moedas eleva a demanda por uma oferta inalterada de bens e serviços, e desta forma, aumenta os preços dos mesmos, fazendo com que a obtenção destes exija uma quantidade maior de unidades monetárias, constituindo uma desvalorização da moeda em questão.
Só que este aumento nos preços em razão de uma maior quantidade de moeda não ocorre de forma proporcional e uniforme ao longo da estrutura produtiva, pois os acréscimos de moeda são injetados em setores específicos, e estes setores irão aumentar sua demanda por outros fatores produtivos (em razão de seus maiores saldos monetários).
Isto faz com que os preços dos recursos demandados aumentem e a nova quantidade de moeda recém-acrescida seja repassada aos mutuários, e assim sucessivamente. Este processo irá se estender sistemática e gradualmente de um setor específico ao longo da economia, de tal forma que o aumento de preços seja mais rápido do que a velocidade que a moeda circula, fazendo com que certos grupos se beneficiem (os que estão recebendo primeiramente as novas quantias monetárias), e outros saiam prejudicados (os que estão recebendo tardiamente as novas quantias de moeda).
Tal fenômeno faz com que haja alterações nas proporções de preços de fatores produtivos e de venda (devido ao fato destes preços se alterarem em intensidades e momentos diferentes), e esta alteração nas relações monetárias traz consigo um reajustamento da estrutura produtiva para as novas circunstâncias. Portanto, os acréscimos monetários recém-criados são injetados em indústrias particulares, e as subsequentes elevações na demanda estendem-se gradativamente destes setores para os restantes da economia, o que alteraria os preços relativos e a forma que os fatores produtivos, incluindo a mão de obra, são alocados.
E mesmo que o dinheiro fosse injetado equitativamente entre todos os indivíduos, eles tem escalas valorativas próprias, distintas e mutáveis, que alterariam diferentemente e em diversos níveis os vários preços existentes.
Segue-se, a partir disso tudo, que um acréscimo de meios fiduciários (e o aumento nos níveis de demanda relativa que decorrem de tal fato) alteraria a forma que a estrutura de produção se ajustaria, e só poderia manter-se assim caso a demanda gerada pela inflação continuasse a ser mantida e estimulada por injeções constantes (ou, em certos casos, crescentes) de meios fiduciários.
Isto levaria à completa obstrução e calamidade do sistema monetário e a depressões econômicas graves quando isto for cessado (pois surgiria uma enorme discrepância entre a demanda por bens e serviços e a forma que os fatores produtivos estão alocados), que necessitariam de muito tempo até que os fatores de produção fossem realocados e os diversos preços se ajustassem as novas circunstâncias.
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