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Aristóteles: a propriedade privada e o dinheiro

Aristóteles: a propriedade privada e o dinheiro

Aristóteles: a propriedade privada e o dinheiro

Tempo de Leitura: 4 minutos

Por Murray Rothbard

[Retirado de História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva AustríacaAntes de Adam Smith, cap. 1, subcap. 7]

As visões do grande filósofo Aristóteles são particularmente importantes porque toda a estrutura de seu pensamento teve uma enorme e até mesmo dominante influência no pensamento econômico e social da alta e da tardia Idades Médias*, que consideravam a si mesmas como aristotélica.

Embora Aristóteles, na tradição grega, desdenhasse da obtenção de dinheiro e dificilmente fosse um partidário do laissez-faire, ele desenvolveu um argumento incisivo a favor da propriedade privada. Talvez influenciado pelo argumento da propriedade privada feito por Demócrito, Aristóteles lançou um ataque convincente ao comunismo de classe platônico. Ele denunciou a finalidade platônica de perfeita unidade do estado através do comunismo ao apontar que tal unidade extrema vai contra a diversidade da humanidade, e contra a vantagem recíproca que todos colhem através das trocas de mercado. Aristóteles então nos entregou um contraste ponto a ponto da propriedade comum e da propriedade privada. Primeiro, a propriedade privada é mais produtiva e levará, portanto, ao progresso. Bens possuídos em comum por um grande número de pessoas receberão pouca atenção, visto que as pessoas irão consultar principalmente o seu interesse próprio e negligenciarão todo dever que puderem e o deixarão aos outros. Em contraste, as pessoas dedicarão maior interesse e cautela para sua própria propriedade.

Segundo, um dos argumentos de Platão a favor da propriedade comunal é a de que ela conduziria à paz social, visto que ninguém teria inveja ou tentaria furtar a propriedade de outro. Aristóteles respondeu dizendo que a propriedade comunal levaria a um conflito intenso e contínuo, visto que haverá reclamações dos que trabalharam mais e obtiveram menos do que outros que fizeram pouco. Ademais, nem todos os crimes ou revoluções, declarou Aristóteles, são motivados por fatores econômicos. Como Aristóteles incisivamente afirmou, “os homens não se tornam tiranos para que não passem frio”.

Terceiro, a propriedade privada é claramente infundida na natureza humana: Seu amor por si mesmo, pelo dinheiro e pela propriedade são ligados um ao outro em um amor natural de donidade exclusiva. Quarto, Aristóteles, um grande observador do passado e do presente, apontou que a propriedade privada sempre existiu e em todos os lugares. Impor a propriedade comunal na sociedade seria desprezar os registros da experiência humana, e saltar ao novo e ao não-testado. Abolir a propriedade privada seria provavelmente criar mais problemas do que resolver.

Finalmente, Aristóteles entrelaçou suas teorias moral e econômica ao providenciar o insight brilhante de que apenas a propriedade privada providencia às pessoas a oportunidade de agir moralmente, e.g., praticar as virtudes da benevolência e da filantropia. A compulsão da propriedade comunal destruiria essa oportunidade.

Enquanto Aristóteles era crítico da produção de dinheiro, ele ainda se opunha a qualquer limitação — tal como Platão advogou — sobre a acumulação de propriedade privada de um indivíduo. Em vez disso, a educação deveria ensinar às pessoas voluntariamente a coibir seus desejos descontrolados e então levá-los a limitar suas próprias acumulações de riqueza.

Apesar de sua defesa congênita da propriedade privada e oposição a limites coercitivos sobre a riqueza, o aristocrata Aristóteles foi totalmente desdenhoso ao trabalho e às trocas tal como seus predecessores. Infelizmente, Aristóteles criou um problema para séculos posteriores ao cunhar uma distinção proto-galbraithiana falaciosa entre necessidades “naturais” que deveriam ser satisfeitas e quereres “não-naturais”, que são ilimitados e deveriam ser abandonados. Não há argumento plausível para mostrar porque, acredita Aristóteles, os desejos satisfeitos pelo trabalho e escambo são “naturais” de modo que aqueles satisfeitos por trocas monetárias muito mais produtivas seriam artificiais, “não-naturais” e, portanto, repreensíveis. As trocas por ganho monetário são simplesmente denunciadas como imorais e “não naturais”, especificamente atividades como varejo, comércio, transporte e contratação de mão de obra. Aristóteles teve um ânimo particular com as trocas de varejo, as quais obviamente serviam de forma direta o consumidor, e que ele gostaria que fossem completamente eliminadas.

Aristóteles é pouco consistente em suas elucubrações econômicas. Pois embora as trocas monetárias sejam condenadas como imorais e não-naturais, ele também aplaude tal rede de trocas como realizadora da manutenção da união da cidade através de doações-recepções mútuas e recíprocas.

A confusão no pensamento de Aristóteles entre o analítico e o “moral” é também manifesta em sua discussão acerca do dinheiro. Por um lado, ele vê que o crescimento do dinheiro facilitou grandemente a produção e as trocas. Ele vê também que o dinheiro, o meio de troca, representa a demanda geral, e “sustenta todos os bens juntos”. O dinheiro também elimina o grande problema da “dupla coincidência de desejos”, onde cada parte da troca terá de desejar diretamente os bens da outra parte. Agora, cada pessoa pode vender bens por dinheiro. Ademais, o dinheiro serve como uma reserva de valores a ser usada para compras no futuro.

Aristóteles, entretanto, criou um grande problema para o futuro ao condenar moralmente o empréstimo de dinheiro a juros como sendo “não-natural”. Visto que o dinheiro não pode ser usado diretamente, e é empregado apenas para que se facilite as trocas, ele é “estéril” e não pode por si mesmo aumentar a riqueza. Portanto, a cobrança de juros, que Aristóteles incorretamente pensou que implicava numa produtividade direta do dinheiro, era fortemente condenada como sendo contrária à natureza.

O Filósofo teria feito mais se tivesse evitado tal condenação moral apressada e tentasse descobrir o porquê de os juros serem, de facto, universalmente pagos. No final das contas, poderia não haver algo de “natural” sobre uma taxa de juros? E se ele tivesse descoberto a razão econômica da cobrança — e do pagamento — de juros, talvez Aristóteles teria entendido por que tais cobranças são morais e não são não-naturais.

Aristóteles, tal como Platão, era hostil ao crescimento econômico e favorecia uma sociedade estática, com tudo o que é cabível a sua oposição à obtenção de dinheiro e acumulação de riquezas. O insight do antigo Hesíodo sobre um problema econômico como a alocação de recursos escassos para a satisfação de desejos alternativos foi virtualmente ignorado tanto por Platão quanto por Aristóteles, que em vez disso, aconselharam a virtude de diminuir os desejos a qualquer custo que estivesse disponível.


*     Nota do Tradutor: Aqui, deve-se notar que a historiografia anglófona, em geral, periodiza a Idade Média de modo diferente da historiografia lusófona. O que se compreende por High Middle Ages (Tradução: Alta Idade Média) é o período da Idade Média que vai desde o século XI até metade do século XIII. Por Late Middle Ages (Tradução: Idade Média Tardia), entendemos o período que se segue da segunda metade do século XIII até cerca de 1500. As Low Middle Ages (Tradução: Baixa Idade Média) compreendem, junto  da Early Middle Ages ou Dark Ages (Tradução: Início da Idade Média ou Idade das Trevas)o período que na historiografia lusófona seria a Alta Idade Média, enquanto High Middle Ages e Late Middle Ages compreendem a Baixa Idade Média.

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