No âmago do pensamento anticapitalista está o repúdio à desigualdade social e, mais ainda, à ideia infantil e ridícula de que as classes mais altas são culpadas por toda miséria do mundo. Isso deriva de uma lógica equivocada, no entanto muito comum, de que a economia seria uma conta simples de soma zero, como se existisse no mundo uma quantidade exata e imutável de valor e que o fato de alguém possuir muito implica em outro possuir proporcionalmente pouco.
A falta de conhecimento econômico e os frequentes ideais igualitaristas presentes na sociedade, ainda que muitas vezes hipócritas, dão à desigualdade social e ao capitalismo um caráter maligno.
Para que a desigualdade possa ser compreendida de forma objetiva é necessário esclarecer, desmistificar e desmentir o conceito de “capitalismo” presente no senso comum, que classifica tal sistema como um suposto “DEUS” que controla a sociedade. O capitalismo é definido, única e exclusivamente, como “livre mercado”, mas de fato um livre mercado, sem nenhuma intervenção governamental (tributação, propriedade intelectual, regulamentação ou leis trabalhistas).
Desta forma, o capitalismo per se só existe aparte do estado. Toda e qualquer forma de intervenção governamental no sistema capitalista deve ser chamada de “corporativismo”, ou ainda “capitalismo de estado”.
Portanto nenhuma nação é inteiramente capitalista, afinal, para que possa haver o capitalismo pleno seria necessária a extinção completa de qualquer instituição de poder coercitivo (estado). A sociedade de mercado (capitalismo), em sua plenitude, permite toda e qualquer iniciativa econômica, qualquer indivíduo pode livremente vender sua propriedade no valor que julgar adequado para qualquer outro que queira comprar.
Assim percebemos que o capitalismo nada mais é do que uma sociedade de trocas voluntárias, uns produzem e outros consomem. Esclarecido o fato de que a sociedade de mercado consiste apenas na liberdade plena da ação humana, e não seria, portanto, nada parecido com a entidade metafísica que muitos pensam que é (provavelmente derivado da má interpretação popular do conceito da “mão invisível” de Adam Smith).
Vamos agora analisar algumas críticas a tal sistema e justificar seu funcionamento.
O mutualismo do livre mercado
O sistema de trocas voluntárias funciona de forma que dois grandes grupos (consumidores e produtores) agem em beneficio próprio e assim acabam por cooperar. Os produtores vendem seus produtos com o objetivo de obter renda para se sustentar, e os consumidores compram os produtos, pois acreditam que estes irão satisfazer suas necessidades.
Veja, um vendedor de laranjas prefere receber cinco reais pelo quilo de seu produto, enquanto o comprador prefere as frutas a seus cinco reais. Perceba que ambos, comprador e vendedor, agiram em beneficio próprio, porém acabaram por cooperar, visto que um não se beneficiaria sem a ação do outro.
A mesma lógica se dá para empregados e empregadores: os primeiros oferecem seus serviços em troca de dinheiro (salário), enquanto os segundos oferecem parte da renda da empresa em troca de serviços. É importante compreender que há uma relação mutualista em um genuíno sistema de mercado, nunca exploradora. Todas as trocas são completamente voluntárias, se alguém julgar insuficiente o que recebe em troca do que oferta este é livre para romper com a troca.
Os anticapitalistas, como argumento, apresentam uma suposta injustiça no sistema, a “mais-valia”, que seria a diferença entre o valor final do produto produzido pelos empregados e o que estes de fato recebem. Digamos que João produz 1.000 reais por mês em peças de motor, porém o salário que Roberto (seu patrão) lhe paga é de 800 reais ao mês e embolsa o restante, os 200 reais de diferença representam a “mais valia”.
Essa lógica seria injusta, segundo o pensamento antimercado, uma vez que o empregado produziu mais do que obteve e seu patrão que nada produziu recebeu em cima de sua produção. No entanto, quando analisamos todo o funcionamento de uma empresa, percebemos que tal crítica não faz sentido e se a “justiça”, na visão dos críticos, fosse feita não haveria sequer emprego para os supostos injustiçados.
A lógica por trás de uma empresa
Para que uma empresa possa ser fundada, o empresário precisa fazer um investimento, arcando com os custos de infraestrutura, mão de obra e materiais de produção. Esse dinheiro inicial só é recompensado (ou ao menos remunerado) após o processo produtivo e da venda de seus produtos, isso se sua produção obtiver lucro, ou seja, for bem sucedida.
Por outro lado, os empregados não fazem investimentos financeiros na empresa, apenas oferecem sua mão de obra e são recompensados de forma extremamente rápida (mensalmente). Percebe-se assim que o rendimento de uma empresa se deve tanto ao serviço de seus empregados quanto ao investimento inicial e de manutenção de seu empregador, justifica-se assim a chamada “mais-valia”.
Outra grande crítica do pensamento antimercado é que, em um sistema sem regulação governamental nem leis trabalhistas os donos de empresas iriam facilmente explorar seus trabalhadores com salários baixíssimos e encarecer seus produtos de forma abusiva forçando seus consumidores a pagar altos preços.
Leis trabalhistas
Não é difícil evidenciar o fato de que as leis trabalhistas tão defendidas pelos sindicatos, são absurdamente prejudiciais tanto para a economia quanto para os trabalhadores. Para isso, basta analisar os países que importam um grande contingente de trabalhadores e os que exportam.
Canadá, Austrália, Cingapura, EUA, Reino Unido, são todos grandes importadores de trabalhadores, e isso se deve ao fato de que são países com pouquíssima legislação trabalhista, enquanto Venezuela, México, Portugal, Espanha, Indonésia, são grandes exportadores de mão de obra, dado as suas enormes cargas legislativas.
No entanto, surge o questionamento: se as leis trabalhistas supostamente buscam favorecer os trabalhadores, por que esses evitam os países em que tais leis mais atuam? A resposta é simples, a legislação do trabalho encarece e dificulta o empreendimento no país, reduzindo consideravelmente o número de empresas e, consequentemente, a quantidade de empregos que o país oferece, gerando um enorme contingente de desempregados que acabam buscando outros países para trabalhar.
Além disso, leis como a do salário mínimo são extremamente elitistas e segregacionistas, especialmente em regiões com menor desenvolvimento educacional. Veja, em um país em que o empresário é obrigado a pagar um mínimo de 1.000 reais mensais a todos os seus funcionários, um trabalhador pouco capacitado (que produza apenas 900 reais ao mês, por exemplo), se empregado, irá dar 100 reais de prejuízo para seu empregador. Obviamente esse sistema é insustentável, os trabalhadores menos capacitados serão segregados e eternamente desempregados, visto que obrigatoriamente devem receber mais do que produzem.
Em um sistema livre-mercadista, em que não há lei trabalhista alguma, todo e qualquer funcionário que se sentir explorado por seu patrão tem o direito de recusar oferecer seu serviço e procurar outro emprego. O ambiente propício que o livre mercado oferece para o surgimento de novas empresas facilita muito o reemprego e alocação de trabalhadores nos locais que oferecem mais benefícios a esses (as empresas mais bem sucedidas naturalmente são as que melhor tratam seus empregados, tanto por serem mais atrativas quanto por incentivarem o melhor rendimento desses).
Apenas em um mercado artificialmente monopolizado pelas grandes empresas em corporativismo com o estado (por meio de regulamentações e leis trabalhistas que beneficiam empresas específicas e impedem o surgimento de concorrência que o livre mercado propõe) é possível haver exploração contínua de trabalhadores e desemprego em massa.
Preços abusivos no livre mercado
Os preços abusivos em um sistema de mercado livre é um tema extremamente batido e facilmente evidenciado como incoerente. Se a livre concorrência é constante em um livre mercado, a empresa que aumentar os preços de forma abusiva é logicamente ultrapassada pela concorrência. O aumento dos preços de um produto sem ser justificado pelo aumento proporcional de qualidade torna-o pouco atrativo, e logo uma concorrência surgiria com uma oferta melhor e seria bem sucedida em relação à empresa abusiva.
A oposição ao sistema capitalista justifica que os monopólios do livre mercado iriam facilmente abusar de seus consumidores e aumentar seus preços visando o lucro. No entanto, esse argumento não considera o fato de que uma economia livre de regulamentação governamental só apresenta monopólio se esse se der de forma natural, por oferecer um serviço mais atrativo que toda sua concorrência.
Dessa forma, se uma empresa monopolista aumentar abusivamente seus preços, ela perderá o monopólio por perda de qualidade, e será superada pela concorrência que, rapidamente, se apresentará de forma mais atrativa ao mercado consumidor. Apenas em um sistema de mercado corporativista altamente regulado é possível que surjam monopólios abusivos sem concorrência em potencial (garantindo passe livre para exploração).
A desigualdade social
Os críticos do capitalismo definem o luxo como um privilégio das classes mais altas em detrimento das mais baixas, apresentando a desigualdade social como um problema. Não sabem eles que a desigualdade é, na verdade, força motriz do desenvolvimento social e que um sistema igualitário, além de impossível devido a condições naturais, é extremamente problemático e imerge a sociedade em um contínuo desavanço econômico.
Uma sociedade desigual não implica em haver um abismo social, em que existem apenas os milionários e os miseráveis. Até mesmo porque, como visto antes, o livre mercado é um ambiente intrinsecamente mutualista, quando uma classe se beneficia, outra tende a se beneficiar também.
Desta forma, o aumento de riqueza, apesar de naturalmente ser concentrado em uma parcela específica da sociedade (os bem sucedidos no mercado), é evidenciado em todas as classes sociais. Fácil perceber isso quando analisamos o mundo antes e depois da revolução industrial, início da expansão capitalista e da produção em massa.
A desigualdade social era extremamente evidente antes da expansão produtiva, quando poucas famílias consistiam a nobreza detentora de muito poder e terras e o resto do povo sofria na miséria e na fome.
Os índices de pobreza foram rapidamente reduzidos com a revolução industrial e a desigualdade social se tornou menos brutal (classes baixas, classes médias e classes altas). Evidentemente a pobreza não foi erradicada no decorrer do sistema capitalista, mas certamente a possibilidade de ascensão econômica aumenta constantemente. Como evidenciei anteriormente, quanto mais livre o mercado, mais eficiente esse é no acolhimento de pessoas para que possam ter empregos de qualidade.
Luxo
Muitas coisas que hoje são consideradas importantes ou até mesmo essenciais já foram consideradas luxo em algum momento. Os talheres, que a nobreza utilizava para se alimentar enquanto o povo comia com as mãos, era considerado “luxo”. Possuir um automóvel, inicialmente, era “luxo”. Viagens de longa distância era (algumas ainda são) “luxo”.
No entanto, com o desenvolvimento do mercado os “luxos” se tornaram menos luxuosos e mais populares. Isso se deve ao fato de que, apesar de novas invenções serem extremamente caras de início, elas tendem a baratear conforme seu consumo.
Os altos custos só podem ser arcados pelas classes mais altas, que, assim, fornecem lucro as empresas produtoras do “luxo”, tornando o produto mais facilmente produzido e, consequentemente mais barato, garantindo seu acesso pelas classes mais baixas.
Como afirmou o economista austríaco Ludwig von Mises no início da década de 50 “Atacar o luxo é atacar o futuro padrão de vida dos mais pobres”.
O igualitarismo gera estagnação e miséria
Em uma sociedade em que todos os indivíduos possuem o mesmo poder aquisitivo só pode ser atingida a partir de um sistema governamental extremamente autoritário e impositivo. Um músico que não agrada ninguém deveria ganhar o mesmo que um músico famoso que lota estádios em seus shows. Um empresário que oferece ao mercado um produto que salva vidas deve receber a mesma quantia que outro que produz produtos banais.
Evidentemente esse sistema só seria possível se o poder estatal espoliasse os mais produtivos (ricos) e beneficiasse os menos (pobres), gerando assim igualdade de renda. De certo tal sociedade tenderia a estagnação econômica gerada por desmotivação, os que mais produzem seriam desmotivados por receber menos do que deveriam, e os que menos produzem continuariam assim por receberem mais do que deveriam. Isso levaria a miséria total.
A desigualdade social se põe assim como força motriz do desenvolvimento econômico. Em um livre mercado aqueles que produzem mais valor recebem mais e enriquecem mais, e os que produzem menos tenderiam a maximizar sua produção para que possam ganhar da mesma forma. Uma sociedade desigual é naturalmente motivadora de produção de valor e garantidora de enriquecimento.
Como visto anteriormente, as empresas e os novos produtos surgem no mercado a partir de um investimento inicial, que, geralmente, é feito por pessoas de classes mais altas (ricos). Uma sociedade igualitária não seria capaz de oferecer investimentos arriscados para
inovações no mercado, portanto seria impossível haver avanço econômico e popularização de bens que reduziriam a miséria.
Conclusão
Conclui-se assim a naturalidade e a necessidade da sociedade desigual, garantindo inovação tecnológica e riqueza a todas as classes. Prova-se também a importância do capitalismo (livre mercado) no desenvolvimento social e combate a miséria, desmentindo o senso comum que busca sempre criticar tal sistema, seja por benefícios políticos, pela falta de conhecimento econômico ou pura alienação ideológica.
Esse texto tem a intenção de esclarecer alguns pontos específicos da economia capitalista relacionados à desigualdade social. Para total compreensão desse sistema, bem como refutações a suas criticas, é importante estudar autores da “Escola Austríaca de Economia”, única escola econômica plenamente livre-mercadista e defensora absoluta de liberdade individual.
Gostou do artigo? Sobre esse tema, leia o maravilhoso livro de Murray Rothbard: Homem, Economia e Estado.
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