O erro intelectual tem uma característica peculiar e curiosa que o difere radicalmente das demais formas de erro. Tomemos como exemplo um caso simples onde um indivíduo erre em relação à forma pela qual passamos a conhecer as coisas. Que ele diga que as coisas são conhecidas pela forma como se fala delas e não pela forma através da qual essas coisas afetam nossos sentidos. Caso alguém diga isso no discurso, ainda poderá ver a escada não como foi descrita na propaganda ou no senso comum, baixa e firme, mas da forma real que ela se manifesta para ele nos sentidos e reconhecer a escada sendo alta e escorregadia. Assim, poderá não sofrer as consequências do que diz em virtude da completa distância entre o que discursa e o que pratica, apenas levantando mais a perna e tomando cuidado com a superfície.
A mesma coisa não acontece quando tropeçamos em nossas próprias pernas, a perna não é livre para errar da mesma forma que nosso intelecto o é. Se o nosso intelecto não tivesse essa liberdade, o que se pode ouvir alguém chamar por aí de movimento libertário brasileiro estaria inteiramente condenado. Vamos aos casos tal como se dão.
Paulo Kogos e o Voto Defensivo
Paulo Kogos defende a ideia de que devemos votar defensivamente para evitar que a ameaça mais séria e mais mortífera em qualquer eleição seja eleita. Do ponto de vista de uma ideia inexistente no mundo real, ela pode ser tomada sem maiores receios, afinal, se você está evitando o mal maior então tudo aquilo que for feito pelo homem que for eleito será menos grave do que o que seria realizado pelo homem não eleito.
Mas o que significa uma eleição? Será ela um delírio de um sistema de opressão que decidiu liberar seus escravos a cada quatro anos para decidirem quem mandará neles? Bem, essa ideia ingênua tem uma consequência efetiva e simples: o estado é uma escolha da maioria organizada. Caso a maioria organizada votasse corretamente, o estado apenas cederia e entregaria toda a liberdade que desejassem.
Expansão do Estado por Vias Democráticas
A democracia não apenas funciona nesse caso, ela é um instrumento desejável. Afinal, quem conhece sequer metade das leis vigentes? E quem poderia concordar com todas as normas presentes? Assim, a democracia deveria ser efetivamente um controle estrito sobre o estado, sempre o reduzindo e o limitando onde puder; mas não é isso que se vê com a expansão progressiva do poder do estado por vias democráticas.
E por que isso acontece? Porque não só o processo democrático não é um delírio do governo, mas é, na verdade, uma forma ordenada de exercer controle sobre a população, fingindo que irá entregar o controle sobre o rumo que o país vai tomar, mas, em verdade, limitando nosso controle profundamente.
Eleições de 2 em 2 anos
Em que sentido podemos dizer que a população é limitada no controle político da nação através do voto? A primeira etapa é a redução sistemática dos momentos em que é lícito que a população intervenha politicamente no rumo do país: de 2 em 2 anos. Há a criação de um momento específico que dura 1, no máximo 2 dias, para minimizar o atrito social que haveria com os políticos se pudéssemos trocar eles a qualquer momento, por qualquer motivo que seus eleitores decidissem.
A segunda é na transformação do processo de escolha de representantes em um processo eleitoral que seguirá determinadas regras e determinadas formas de organização pré-determinadas, bem como condições de vitória do pleito em questão. Pense, qual a condição de vitória ideal para o indivíduo quando escolhe um representante? Para Kogos ou qualquer outro eleitor, seria poder votar em alguém que representasse a sua mais absoluta escolha pessoal, suas vontades em relação ao rumo do país, seria poder revogar parte de suas responsabilidades e poderes, bem como poder escolher em que área ele as executará.
Porém, o voto de um indivíduo raramente é absoluto em todas as instâncias e a maioria das pessoas não está representada pelas pessoas em quem votou. E por quê? Não ocorre apenas porque os candidatos em que elas votaram não foram vencedores do pleito, mas porque a escolha daqueles que vão as representar não é livre e é, antes disso, condicionada a uma série de critérios sobre elegibilidade. Entre eles, os seguintes: nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição onde a pessoa pretende concorrer à eleição, a filiação partidária e o atendimento da idade mínima para o preenchimento do cargo.
Sempre o Candidato Perfeito para o Estado
Só esses critérios já são suficientes para eliminar boa parte dos candidatos mais radicais, porque precisam ser parte de um partido que terá critérios bem definidos e democráticos de atuação, principalmente tendo em vista a necessidade de uma vida de “ficha limpa” diante da justiça do estado, bem como a tentativa direta de manter o sentimento de normalidade das eleições longe da influência do “poder econômico”, sem falar do afastamento dos analfabetos e de outros grupos marginalizados pela lei.
Tendo isso em vista, podemos facilmente rejeitar a proposição de que se saiba distinguir, entre os sujeitos que ali estão, quais são os candidatos que darão mais liberdade aos sujeitos diante do estado. Aquela já é uma seleção refinadíssima do estado para criar os piores candidatos possíveis. Porém, será que seria possível fazer, a partir da ideologia que dizem professar e do partido ao qual estão filiados, um exercício mental que nos permitisse ver razão no argumento do Kogos?
Existem dois motivos para que não. O primeiro é entender o caráter de contenção do estado diante da animosidade, rixa dos indivíduos para com o estado. O segundo é o sentido geral que é dado à eleição após seu resultado efetivo, a famosa “festa da democracia”. Os dois são completamente contraditórios diante da possibilidade de elegermos alguém que seja “menos pior”.
As Viradas Políticas e seus Motivos Implícitos
Vamos pensar em algumas das principais viradas políticas dos últimos 34 anos. Algo poderia ter aplacado melhor a resistência da esquerda nas ruas do que uma assembleia constituinte? E ao final do governo FHC por acaso não havia uma população com ideais majoritariamente sociais de esquerda que radicalizou o discurso político a tal ponto que o próprio Alckmin (???) passou a ser considerado um fascista, e não poderia essa população ter se secessionado? E ao final do governo Temer não havia uma população majoritariamente conservadora diante das ofensivas progressistas na mídia, e não poderia essa população ter se secessionado?
Temos diversos exemplos nos estados com viradas de esquerda e viradas de direita acontecendo a torto e a direito, não devíamos nos perguntar como esse processo é possível sem que haja ruptura institucional? Por que essas viradas são possíveis sem a ruptura abrupta? A eleição está associada diretamente a isso. Ela tem a intenção de apaziguar a população, canalizando a energia de mudança social para uma mesa de cartas marcadas.
A Verdade sobre o Voto ainda NÃO lhe foi Contada
Quanto ao efeito social geral de sua criação, vale citar este exemplo:
A verdade sobre o voto ainda não lhe foi contada. Imagine-se num pequeno país, esse país tem exatamente 9 eleitores e você é um deles. Diante de você, aparentemente existem 2 opções.
A primeira opção é o candidato A, o candidato A possui ideias socialistas que representam a opinião de Pedro, Eduardo, Maria e Larissa. A segunda opção é o candidato B, o candidato B possui ideias liberais que representam a opinião de Marco, Ricardo, Letícia e Heloise. E então, ali no meio, está você, angustiado diante do fato que não concorda totalmente com nenhum dos dois candidatos. Caso não vá, um dos candidatos será escolhido por sorteio, o que seria entregar o destino à própria sorte.
Nesse caso, você deveria analisar as opções e ver qual desses candidatos representa melhor suas ideias, certo? Afinal, você não pode correr o risco do candidato A/B ganhar e ele ser o pior para sua vida, não é mesmo? Agora, você já se perguntou se votar no menos pior é sequer possível?
Pense assim, digamos que a democracia não seja exatamente um sistema feito para a melhoria da sociedade. Imagine isso por um minuto, ao menos um, por amor ao debate. Pense o que aconteceria se as opiniões da sociedade não se encontrassem representadas de alguma forma. Pense no que aconteceria se o candidato errado vencesse.
Por exemplo, se o candidato A vencesse apesar da maioria liberal e os liberais ficassem revoltados com o sistema e se recusassem a participar dele. O que aconteceria? Nesse caso, nossa sociedade de 9 eleitores iria se fragmentar em duas. As que concordam com as ideias de A e as que concordam com as ideias de B. Cada um iria para o seu lado e nós teríamos a quebra do sistema eleitoral vigente. A partir daí se formariam duas sociedades muito mais homogêneas em relação as suas ideias e onde cada um se sente muito mais representado. Uma sociedade com o esforço 100% liberal e outra com o esforço 100% socialista.
Agora, se a maioria quisesse manter o sistema vigente, em virtude da vitória ser favorável a eles, ficaria muito mais difícil para que houvesse uma separação, já que a maioria superaria a minoria em força física e em recursos. Assim, podemos ver que o principal interessado na vitória das ideias dominantes da maioria é O PRÓPRIO SISTEMA.
Veja, nem A nem B lhe representam de verdade, você provavelmente se sentiria mais feliz fazendo parte de outro bloco, ou criando você mesmo o seu próprio bloco. Ainda assim, diante dessa ilusão de que possui apenas duas opções, você provavelmente pensou numa resposta para a pergunta lá em cima. Você foi apresentado a um jogo vazio. Todas as respostas que o jogo te daria seriam respostas para o desenvolvimento e a expansão do próprio sistema que o cria. Esse é seu efeito, considerado em sua generalidade.
A Implicação dessa Ideia na Prática
E o que isso significa na prática? De que forma isso é um problema para o próprio Paulo Kogos? Bem, vamos comparar o socialista de esquerda Luís Inácio Lula da Silva com o socialista de direita Jair Messias Bolsonaro. Caso levássemos a consideração de votar no menos pior do Kogos, teríamos de votar repetidamente em Bolsonaro porque ele partilha de fato os ideais “menos piores”. Agora, apenas para ilustrar dois exemplos.
Quem foi que sancionou a pior lei de enfrentamento a estados de exceção? A lei da quarentena foi sancionada por Bolsonaro, a temida lei 13.979/2020. Comparada a ela, as leis semelhantes sancionadas por Lula são brincadeira de criança. Porém, bem poderia ser o caso que se dissesse que não haviam escolhas e que o problema seria econômico e não de trato político.
Bem, vamos comparar então a expansão da oferta monetária, um “pecado econômico” do ponto de vista austríaco. Quem imprimiu mais? Resposta: Foi o Bolsonaro. Aquele que diga que em condições similares Lula teria impresso muito mais não deve estar lembrado da grande crise de 2008 ou até mesmo da H1N1. Lula as encarou com simplicidade diante de uma pressão significativa dos empresários do setor agrícola que viviam uma expansão significativa com a alta das commodities, situação análoga ao que nós mesmos passamos em 2019 e 2020.
Não só isso, sua recente sede em acabar com o PPI, privatizações malsucedidas e todo tipo de socialismo econômico, incluindo assistencialismo pesado na pandemia, parecem indicar que NÃO EXISTE uma resposta simples e imediata acerca de qual será o governo menos socialista que poderia surgir da eleição. No caso do Kogos, o seu erro significou diretamente a expansão deliberada e insana da oferta monetária com um dos maiores controladores da economia já existentes, Paulo Guedes, e a criação e circulação do PIX, aumentando grandiosamente o controle do estado sobre a economia.
Entender isso é entender o erro do Kogos. Ele está votando e escolhendo um candidato “menos pior” e exortando tantos outros a fazerem o mesmo sem ser capaz de delimitar quem poderia ser o menos pior. Tanto pela estrutura fundamental da eleição na qual o eleito é sempre o pior quanto pela incerteza política clara advinda das consequências do processo eleitoral.
Resultado? Pessoas tendo seus negócios fechados, nossa economia mais controlada, inflação a mil e uma sensação generalizada de que precisamos votar caso contrário o PT volta, quando o que precisa ser feito é a tomada imediata de medidas emancipatórias do estado diante do processo eleitoral, distinguir nossas finanças do rumo político vigente. Essa deveria ser nossa única prioridade neste momento. O erro intelectual de Paulo Kogos joga uma cortina de fumaça sobre esses fatos e ele nos coloca em uma condição mais miserável do que poderíamos estar. Um perigo a si e a todos que acreditem em seu conto da carochinha.
Assim segue-se igualmente para tantos outros. Vamos expor outros erros intelectuais e suas contrapartes em outros artigos. As próximas ofensivas serão:
- Raphael Lima e o Voto Ofensivo
- Fhoer e o Walmart
- Fhoer e suas mentiras sobre Hoppe
- Ancap.su e o Fatalismo Libertário
Nelas, abordaremos os erros de cada um desses indivíduos e suas implicações para outros indivíduos afetados indiretamente pela sua ignorância intelectual.
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Não existe voto defensivo, neste caso…a questão é bem mais ampla…”Ampliemos nosso campo de visão..
….O Estado e o sistema politico esta corroido, falido.. não existe conteudo, algo novo ou principio de mudanças…
….Séria voto defensivo se ja houvesse o “Partido Libertario, e dentre estes politicos alguem que estivesse dentro do sistema, e pronto para desconstrui_lo, na perspectiva de novoss “nossos” valores libertario “….eu não voto.”nenhum destes candidatos traduzem valores, muito menos a verdade..