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Estoppel Dialógico, Direitos Erga Omnes e a Teoria Libertária de Punição e Autodefesa

Tempo de Leitura: 15 minutos

Por Łukasz Dominiak, Igor Wysocki, e Stanisław Wójtowicz

ESTOPPEL E A QUESTÃO DO ESCOPO

A teoria de estoppel dialógico apresentada por Kinsella refere-se a um princípio jurídico amplamente utilizado que bloqueia (“estops”) uma parte de uma disputa legal de apresentar uma posição que entra em conflito com ações que ela empreendeu no passado, particularmente quando a outra parte na disputa confiava em tais ações prévias em seu prejuízo. Em outras palavras, ao justificar suas ações, A não deve invocar o princípio P se suas ações passadas deram a B um motivo legítimo para pensar que ele não acredita em P. No exemplo de Kinsella (1996a, 61-62), se um pintor começa erroneamente a pintar a casa de A ao invés de B e A não o corrige, mas se comporta como se ele tivesse ordenado seu serviço (por exemplo A oferece-lhe uma bebida, pergunta-lhe como vai o trabalho e quando vai terminar), A não pode mais tarde fugir ao seu pagamento alegando que não o contratou para fazer a pintura. Embora seja verdade que A não encomendou tal serviço ao pintor, A deliberadamente agiu como se o tivesse feito, e por isso está impedido de alegar que não possui obrigações com ele. A situação seria bem diferente se, ao ver que o pintor equivocado está começando seu trabalho, A imediatamente o informou que confundiu as casas e que ele não encomendou seu serviço. Se o pintor ainda continuasse com seu trabalho, A não seria obrigado a pagar-lhe, pois ele não cairia em contradição ao argumentar que não ordenou o serviço.

Kinsella aplica esta ideia de estoppel ao campo da teoria libertária da punição e faz dela o fundamento de seus dois argumentos, um mais amplo e um mais estreito. Dentro do mais amplo, o estoppel é uma justificativa para os direitos individuais. Aqui, Kinsella procura justificar a existência de direitos individuais sobre seus corpos e propriedade, apontando que alguém que inicia violência contra outra pessoa não pode, sem cair em contradição performática, objetar a punição simétrica aplicada contra ele. Em outras palavras, ele é impedido de fazer tal objeção. Como ele não pode se opor ao uso de força física contra ele, a justificativa para o uso de tal força não encontra nenhum obstáculo. E como a possibilidade legítima de usar a força em defesa da propriedade própria ou alheia é um elemento definidor dos direitos de propriedade privada libertária, isto significa que a vítima do ataque tem tais direitos. Como aponta Kinsella (1997, 613):

[O argumento de estoppel] pode ser usado para justificar a concepção libertária de direitos devido à reciprocidade inerente ao credo libertário de que a força é legítima apenas em resposta à força e devido à consistência que deve ser aplicada aos agressores que tentam argumentar por que não devem ser punidos. A percepção básica por trás desta teoria de direitos é que as pessoas que iniciam a força não podem se opor consistentemente a serem punidas. Elas são dialogicamente, por assim dizer, impedidas de afirmar a impropriedade da força usada para puni-las por causa de seu próprio comportamento coercitivo.

Este artigo, no entanto, está interessado apenas na teoria mais restrita dentro da qual o estoppel funciona como um fundamento da teoria libertária da punição. Aqui, o argumento de estoppel pretende dar uma resposta adequada à questão de como se pode punir uma pessoa que tenha violado os direitos de outro indivíduo de exercer pleno controle sobre seu próprio corpo e propriedade. O uso mais restrito de estoppel justifica apenas a tese que havia sido apresentada anteriormente na teoria libertária, a saber, que um indivíduo que viola os direitos de outro perde seus próprios direitos na medida em que violou os do outro (Rothbard 1998, 85-91). Sob este princípio, a vítima (ou seus representantes) possuem o direito de fazer ao agressor o que o agressor lhe fez: se a vítima foi espancada, ele tem o direito de espancar o agressor; se ele foi assassinado, seus representantes têm o direito de matar o agressor; etc. A teoria de estoppel fornece uma justificativa convincente para este princípio, mostrando que o agressor, que deseja se defender contra tal resposta, ao apontar que a vítima não tem o direito de infligir tal punição a ele, pode ser impedido e sua defesa declarada inválida. Como ele próprio iniciou a violência contra uma pessoa inocente, ele não pode afirmar reconhecer como injustas, imorais ou injustificáveis as ações violentas (isto é, aquelas em que uma pessoa exerce controle sobre o corpo ou propriedade de outra contra sua vontade). No caso da teoria mais ampla, Kinsella—usando algumas suposições auxiliares extraídas principalmente do trabalho de Hans-Hermann Hoppe—tenta mostrar que, porque o agressor é impedido de objetar receber punição simétrica pela agressão que cometeu, a vítima tem tanto o direito de autopropriedade quanto o direito de propriedade privada. Isto é diferente da teoria mais restrita, segundo a qual Kinsella argumenta que a vítima tem o direito de punir o agressor de forma simétrica e nem o agressor nem ninguém tem o direito de impedir que a vítima o faça.

Mas a ideia de que o agressor perde seus direitos na medida em que violou os direitos da vítima parece pouco definida, pois não está claro a quem o agressor perde esses direitos—seja apenas em relação à vítima e seus representantes (ou seja, apenas in personam) ou também em relação a outras pessoas (ou seja, erga omnes). Rothbard favorece a solução anterior. Ele enfatiza repetidamente que toda a questão da punição é uma questão entre o agressor e a vítima, não entre o agressor, a vítima e o resto da sociedade. Mas não parece haver uma justificativa clara para esta posição. Agora, o estoppel pode fornecer tal justificativa, mas é preciso primeiro perguntar como esta teoria aborda a questão da direcionalidade da perda dos direitos. O estoppel se aplica somente in personam ou também erga omnes? Dito de outra forma, se o problema básico no contexto da teoria da penalização libertária é se o agressor perde seus direitos in personam ou erga omnes, então, no contexto de estoppel, o problema é se o agressor é apenas impedido de argumentar que a vítima não tem o direito de usar força simétrica contra ele ou se ele também é impedido de argumentar que outras pessoas não têm o direito de usar força contra ele—naturalmente na medida em que ele tenha usado agressão contra a vítima.

Em seus textos sobre o assunto, parece que Kinsella supõe tacitamente que o estoppel pode ser usado, na linha de Rothbard, somente pela vítima (ou seus representantes) e não por terceiros. Assim, em sua opinião, o estoppel implicaria que o agressor perderia seus direitos não em erga omnes. Além disso, a própria lógica de estoppel parece apoiar esta interpretação. Por exemplo, A espancou B. B denunciou isso à polícia, porque quer que a polícia puna A em seu nome, espancando A e obtendo dele danos. Entretanto, antes que a polícia tenha começado a perseguir A, C localizou A e começou a espancá-lo. Quando A começa a protestar que C não tem o direito de espancá-lo, C alega que se recusa a levar em conta este protesto porque A cai em uma contradição: como, ao espancar B, ele demonstrou sua crença de que a agressão é o método de ação apropriado ou legítimo, ele não pode argumentar—ele é impedido de fazer tal tentativa—que ele tem o direito de não ser espancado por C. Contra este, A ainda poderia argumentar—sem entrar em contradição—que C não pode espancá-lo, pois o único argumento que o envolveria numa contradição seria argumentar que B não tem o direito de espancá-lo. Afinal, foi B, não C, quem foi espancado por A. Mas como A argumenta que é C, não B, quem não tem o direito de espancá-lo, não parece que ele cai em qualquer contradição. Assim, parece que o agressor é reprimido em sua oposição à punição somente com respeito à vítima ou a seus representantes, e não erga omnes. Isto, no entanto, é verdade apenas prima facie.

ESTOPPEL E ERGA OMNES

Depois que o agressor simplesmente caminha até a vítima e começa a espancá-la, o último inflige violência defensiva sobre a primeira. O agressor faz a seguinte queixa: “Por que você está se defendendo? Quem é você para reagir?” Uma resposta apropriada por parte da vítima seria: “Foi você que demostrou como correta, por suas ações, a crença de infligir violência aos outros. Então, como você pode reclamar quando estou agindo segundo a mesma máxima?” Claramente, o infrator é dialogicamente impedido de dialogar com a vítima. Tecnicamente falando, o infrator é de todas as maneiras impedido in personam. Isso é realmente reconhecido por Kinsella, que afirma que “uma vítima de agressão pode infligir ao agressor pelo menos o mesmo nível ou tipo de agressão anteriormente infligida” (1997, 633). Afinal, como estabelecido acima, o agressor não poderia objetar argumentativamente que a vítima se defendesse ou o punisse adequadamente. Pois, se o agressor tentasse alegar que a luta da vítima estava errada, o que surgiria seria a inconsistência entre a ação anterior do agressor (ou seja, espancar a vítima) e sua reivindicação atual. Em outras palavras, é a agressão anterior do infrator que de forma prática contradiz sua reivindicação atual. Assim, para permanecer consistente, ele seria forçado a desistir de sua reivindicação atual.

Considere o seguinte experimento mental de Steinhoff, no qual ele convida seus leitores a imaginar duas partes envolvidas em uma discussão, tendo uma delas tentado anteriormente matar uma pessoa inocente e a outra vindo agora em socorro dessa pessoa, tentando matar o agressor. Escreve Steinhoff (2020, 92):

Como alguém que tenta matar uma pessoa inocente pode ter uma reclamação válida … contra uma terceira pessoa que tenta matá-lo? Ele poderia dizer: “Como se atreve a me matar? Eu tentei matá-lo?” A resposta óbvia da terceira pessoa seria: “Não, você não tentou. Mas esse homem que você está atacando também não tentou matá-lo—ainda assim, você tentou matá-lo de qualquer maneira. Então, quem é você para reclamar? Você é um maldito hipócrita.” Esta resposta parece inteiramente apropriada.

Claramente, o comportamento do infrator demonstra que ele acredita que agir com a máxima de atacar pessoas que não o atacam é correto. Mas se assim for, então a resposta da terceira pessoa é de fato apropriada. Para colocar o mesmo ponto nos próprios termos de Kinsella, ao emitir sua reclamação, o infrator está sendo pragmaticamente incoerente. O infrator empreendeu uma ação precisamente deste tipo à qual ele agora se opõe. Afinal de contas, ele atacou uma pessoa que não o havia atacado. Portanto, a única maneira de o infrator permanecer consistente é desistir de sua reivindicação atual contra o terceiro que defende a vítima.

Além disso, o que deve ser levado em conta neste ponto é que a identidade do terceiro é irrelevante. Assim, se há um par de pessoas A e B tal que A está infligindo violência sobre B, então parece que A é dialogicamente impedido de protestar contra literalmente qualquer pessoa que venha em socorro de B, mesmo que essa pessoa não aja como agente de B. Mas, se assim for, então aparentemente o infrator é reprimido em sua queixa não apenas pessoalmente contra sua vítima ou seus agentes, mas também erga omnes.

PUNIÇÃO E AUTODEFESA

Rothbard abraçou o seguinte ponto de vista sobre a confiscação do direito (1998, 85):

Na sociedade libertária, existem…apenas duas partes em uma disputa ou ação judicial: a vítima, ou requerente, e o suposto criminoso, ou réu. É o requerente que pressiona os tribunais contra o infrator. Em um mundo libertário, não haveria crimes contra uma “sociedade” mal definida e, portanto, nenhuma pessoa como um “procurador distrital” que decide sobre e depois pressiona essas acusações contra um suposto criminoso. A regra da proporcionalidade nos diz quanto de punição um autor pode exigir de um infrator condenado, e não mais; ela impõe o limite máximo de punição que pode ser infligido antes que o próprio punidor se torne um agressor criminoso.

E em outros lugares, Rothbard (1998, 85-86) diz que:

No direito libertário, não haveria nenhuma obrigação sobre o requerente, ou seus herdeiros, de exigir esta pena máxima. Se o requerente ou seus herdeiros, por exemplo, não acreditassem na pena capital, por qualquer razão, ele poderia perdoar voluntariamente a vítima [sic!] de parte ou de toda sua pena. Se ele fosse um Tolstoiano, e se opusesse à pena total, ele poderia simplesmente perdoar o criminoso, e pronto.

As duas citações acima fornecem a lógica por trás da crença de Rothbard na perda de direitos apenas in personam. Suponhamos que a medida em que o infrator perdeu seus direitos devido à invasão dos direitos de sua vítima o tornava passível de prisão por um período de cinco anos. Se o infrator perdesse seus direitos contra a prisão erga omnes, então todos teriam o direito de prendê-lo, desde que sua prisão total não excedesse cinco anos. Se em tal situação a vítima perdoasse o infrator, isso significaria apenas que a vítima renunciou a seu direito de aprisioná-lo. De forma alguma significaria que a vítima assim extinguisse o direito de outras pessoas de encarcerar o infrator. É claro, portanto, que como ele acredita que se a vítima perdoasse o criminoso, “seria isso”, Rothbard não pode acreditar coerentemente que o criminoso jamais perdeu seus direitos erga omnes. Em vez disso, ele deve subscrever a opinião de que o infrator se torna responsabilizável apenas pela vítima ou por seus agentes. Somente então, perdendo seus direitos exclusivamente em relação à vítima o infrator não seria ao mesmo tempo responsável perante outras pessoas, e a misericórdia da vítima faria todo o trabalho exigido, segundo o julgamento de Rothbard.

O princípio de estoppel fornece uma razão para os Rothbardianos rejeitarem a ideia de que o infrator perde seu direito apenas em pessoa e, em vez disso, abraçar a “visão ampla” da perda do direito. No cenário considerado acima, o infrator foi impedido de reclamar da força que o terceiro havia tentado empregar contra ele porque sua reclamação—“Como se atreve a me matar? Eu tentei matá-lo?”—foi recebida com a resposta adequada do terceiro: “Quem quer que eu seja, estou agindo da mesma maneira que você agiu. Estou apenas tentando matar uma pessoa que não tentou me matar.” A partir disto, seguiu-se que o infrator não tinha, naquele momento, o direito contra o terceiro de não ser morto, o que, em última análise, significava que o infrator devia ter perdido este direito contra o terceiro. Além disso, como este artigo já estabeleceu, a identidade do terceiro não importa; a queixa do infrator não funcionaria contra qualquer pessoa agindo como terceiro no cenário em consideração. E se assim for, o infrator deve ter renunciado a seus direitos erga omnes. Portanto, deve parecer uma implicação bastante direta do princípio de estoppel que os Rothbardianos receptivos a esta doutrina agora realmente possuem boas razões para revisar seu entendimento sobre o confisco de direitos, abandonando a “visão estreita” em favor da “visão ampla.”

Além disso, uma análise mais detalhada do escopo de estoppel revela outra razão pela qual os Rothbardianos simpatizantes da doutrina de estoppel seriam aconselhados a reconsiderar sua teoria de confisco de direitos. Rothbard “avançou a visão de que o criminoso perde seus direitos na medida em que priva outro de seus direitos: a teoria da proporcionalidade” (1998, 85). Ou ainda, em outras palavras: “Devemos, portanto, voltar à visão de que o critério deve ser: a perda de direitos pelo criminoso na mesma medida em que ele retirou” (1998, 88). No entanto, como foi apontado acima, há uma estranheza na “visão estreita” da perda de direitos. Quando aplicada à teoria da proporcionalidade de Rothbard—o fundamento de sua teoria de punição e autodefesa—esta estranheza se manifesta da seguinte forma. Se é realmente o caso, como Rothbard diz, que o infrator perde seus direitos na medida em que ele retirou ou privou outro de seus direitos e o infrator—como sustentado pelo princípio de estoppel—priva outro de seus direitos erga omnes, então o infrator não deveria também perder seus direitos erga omnes e não apenas in personam? Não há algo desproporcional no fato de o infrator responder apenas para sua vítima? A lógica da teoria Rothbardiana da proporcionalidade não exige realmente que o infrator, que retirou os direitos erga omnes da vítima, também perca seus próprios direitos erga omnes? De qualquer forma, se os argumentos acima possuem alguma validade, poderia realmente valer a pena reconsiderar se, sob o libertarianismo, somente a vítima e seus agentes podem realmente punir o infrator e defendê-la contra a agressão.

Deve ser enfatizado que embora o status especial da vítima como o punidor seja de fato atenuado por este argumento, o status especial da vítima como demandante de restituição ou compensação permanece completamente intacto. Embora o agressor tenha violado os direitos erga omnes da vítima e deva, portanto, ser considerado erga omnes passível de punição, ele também tomou, danificou ou destruiu algo que era apenas propriedade da vítima, seja seus recursos ou seu corpo. Isto ele deve devolver ao seu legítimo proprietário e somente a ele. O agressor deve reparar o mal causado especificamente à vítima, fazendo a restituição de sua propriedade ou pagando indenização pelo que não pode ser recuperado em sua forma original. Assim, a vítima pode perdoar significativamente o autor do ato e também renunciar a exigir restituição ou indenização, ou exigir uma quantia menor dela.

Poder-se-ia argumentar que porque a vítima perdoou o agressor, a punição que ele merece é menor. Mas uma vez que sua merecida punição é estabelecida—possivelmente levando em conta a circunstância atenuante que a vítima lhe perdoou—a vítima não pode (novamente) perdoá-la, pois neste aspecto o agressor é responsável erga omnes, não apenas à vítima.

Além disso, não conceder à vítima um status especial no contexto da punição parece ter efeitos inequivocamente positivos para a teoria libertária de punição. São resolvidos problemas que anteriormente surgiam quando se assumia que a vítima era o único capaz de punir. Um corolário preocupante do direito da vítima ao perdão seria que certas ações obviamente perturbadoras pudessem ficar impunes—e a comunidade libertária não pudesse fazer muito a respeito—porque a vítima, por alguma razão, optou por perdoar o infrator. Em outras palavras, a justiça poderia facilmente não ser aplicada in personam, enquanto na erga omnes, ela é muito melhor protegida. Curiosamente, o próprio Rothbard, um adepto da visão in personam, notou isso. Como ele indicou (1998, 86): “Um problema pode surgir no caso de assassinato—visto que os herdeiros da vítima podem se mostrar menos do que diligentes na perseguição do assassino, ou estar indevidamente inclinados a deixar o assassino livre de punição”. Mas por que os herdeiros da vítima—que herdaram o direito da vítima de castigar pessoalmente—deveriam ser vistos como indevidamente indulgentes? Afinal, sendo detentores exclusivos desse direito, eles têm o poder de renúncia. Não deve haver nada de indevido no exercício desse direito. E ainda assim, há, mesmo para Rothbard. A visão erga omnes lida muito bem com este problema porque abre espaço para a possibilidade de punir o infrator independentemente da vontade da vítima.

CONCLUSÕES

Este artigo abordou o escopo do princípio de estoppel e suas implicações para a teoria libertária de punição e autodefesa. Argumentou que a lógica de estoppel pode ser estendida a terceiros. Mais especificamente, ele apresentou, seguindo os argumentos de Uwe Steinhoff, que não é somente contra a vítima e seus agentes, mas também contra um terceiro que o infrator é impedido em suas queixas sobre o uso da força punitiva ou defensiva; portanto, o infrator perde seus direitos não somente em relação à vítima (isto é, in personam), mas erga omnes. Afinal, se o infrator não puder reclamar validamente sobre o uso da força por terceiros, esta parte deve ter o direito de usar força contra ele. Mas o terceiro só pode ter esse direito se o infrator tiver perdido seu direito para esse terceiro. Portanto, ao violar os direitos da vítima, o infrator deve ter perdido seus direitos não somente em relação à vítima, mas também em relação ao terceiro (ou seja, erga omnes). Uma estimativa adequada do escopo do princípio de estoppel fornece uma razão válida para estender o confisco de direitos subjacente à teoria libertária da punição e autodefesa de sua leitura restrita à ampla. Se assim for aplicado, a nova visão levaria naturalmente a uma reformulação significativa da teoria libertária da punição e da autodefesa, pois não seria apenas a vítima e seus agentes, mas também o terceiro que poderia legitimamente punir o infrator e defender a vítima contra a agressão.

COMENTÁRIOS FINAIS (ADENDO DO TRADUTOR)

Uma crítica que pode ser feita acerca do acima colocado não se trata do caráter erga omines da punição, mas do próprio uso do princípio de estoppel para a sua justificativa. O caráter erga omines é claramente visto quando em situação de agressão, na qual qualquer indivíduo poderá proteger a vítima de seu agressor. Quando em agressão, o violador perde seus direitos na proporção de sua violação, podendo, por exemplo, perder a vida caso apresente risco real e grave. Esse ato estaria plenamente justificado. Também é claramente visto no caso de já cessada a agressão e o agressor estando em fuga, pois todo o indivíduo que assim desejar poderá utilizar os meios razoáveis para capturá-lo e trazê-lo à justiça. Esse ato também estaria plenamente justificado, novamente mostrando ser a punição em caráter erga omnes.

O eventual perdão da vítima não o exime de culpa ou responsabilidade por seu ato, pois o ato não pode ser desfeito, logo, a punição por ele não é anulada com a extinção da necessidade de reparação. Constituem coisas distintas. A restituição se estabelece para a recuperação do que foi perdido, dentro dos limites do possível, e a punição é acrescentada a ela por razão do ato de violação realizado. A punição varia de acordo com o crime e sua natureza, podendo ser uma indenização monetária com valor acima do dano material imediatamente causado, para compensar o sofrimento, por exemplo, ou tempo perdido (o tempo em si não é escasso, se tratando de um conceito, mas os bens escassos são também escasso no tempo, o desvio de sua utilização podendo ser passível de indenização). Em casos de risco razoavelmente considerado aos membros da sociedade, perda de liberdade, em caráter temporário ou perpétuo, afastando o indivíduo que nela não é capaz de conviver sem lhe apresentar risco grave, também é utilizado como punição.

Como todo ato de violação possui esse caráter duplo, que requer restituição e punição, e como apenas a punição é erga omnes, o violador não poderá ser legitimamente punido por terceiros com o mesmo ato que cometeu. Na verdade, parte da punição também é vinculante à vítima, reduzindo ainda mais o potencial de terceiros (não representantes da vítima) de exercer punição. Ainda, no contexto das possibilidades da vítima ou seus representantes, essa equivalência em nada garante ser esta a melhor forma de punição. A perda de direitos de forma proporcional assim surge pela necessidade de preservar direitos, restituir o dano causado e de impedir, ou razoavelmente dificultar, sua repetição, não como simples forma de vingança; ato reconhecidamente distinto de se fazer justiça em uma sociedade civilizada.

Como os autores indicam, não se pode justificar o uso legítimo de violência apenas como a aplicação do princípio de estoppel, pois, como no caso da ética argumentativa hoppeana, ele não existe no vazio, devendo ser lastreado em fundamentação precedente, sob o risco de ser utilizado para justificar um erro com outro. A contradição apenas indica que não há coerência entre os atos realizados, contudo, até para a compreensão dos atos e sua proporcionalidade razoável, por si mesma, não é capaz de justificar se uma punição é válida ou não; mas sendo uma ferramenta para esse propósito. A contradição resultante apenas diz que o argumento de rejeitar violência por parte do agressor não é condizente com suas ações anteriores. Caso seja apresentado contra uma punição legítima, deve ser descartado, sendo impedido de se defender por essa base argumentativa.

Também no caso da ética argumentativa, a prova não está na contradição performativa propriamente dita. A validade, então, deve ser encontrada com o aprofundamento do raciocínio. Por isso o dito caráter a priori da argumentação, pois ela sozinha nada prova, sendo consequência de algo mais profundo, já existente, mesmo que não explicitamente considerado. A meu ver, o a priori da argumentação está em seus pressupostos, no que ela carrega, pois mais do que a necessidade da argumentação em si, ela apenas possui valor justificacional por já carregar esses pressupostos na ocasião de seu uso. A análise do ato de argumentação serve como porta de entrada para a compreensão das relações humanas e a própria existência dessa classe, quando em um sentido (volta), e como resultado de um longo sistema de observação, análise e prova, quando em outro (ida). São ferramentas de exploração, utilizando inputs iniciais e os resultados das sucessivas etapas como embasamento para as seguintes. A ética argumentativa de Hoppe, como o argumento de estoppel dialógico de Kinsella, leva à cadeia lógica por ser, ao mesmo tempo, porta de entrada e resultado; uma consequência como método útil para se atingir as causas.

Por meio da utilização da lógica do estoppel dialógico, pode-se chegar na demonstração da legitimidade da punição, proporcionalidade, existência de direitos de autopropriedade e, como consequência, de direitos referentes aos bens externos ao indivíduo; como faz a ética argumentativa, sendo outro caminho para se chegar ao mesmo ponto da cadeia lógica de investigação dedutiva.


Artigo adaptado de: Łukasz Dominiak, Igor Wysocki, Stanisław Wójtowicz. Dialogical Estoppel, Erga Omnes Rights, and the Libertarian Theory of Punishment and Self-Defense. Journal of Libertarian Studies, Volume 27, no. 1, 2023. Ludwig von Mises Institute.

REFERÊNCIAS DO ORIGINAL

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