A diferença essencial entre qualquer dois grupos de pessoas, é fundamentalmente o seu conjunto de crenças básicas. Nesse sentido, a diferença entre homens e mulheres deve ser maior do que a diferença biológica entre eles. Pois, até mesmo entre dois homens há uma distanciamento biológico. Sendo assim, o que realmente configura a existência de homens e de mulheres é o conjunto de objetivos, interesses e crenças que eles possuem.
Essa percepção levou um grupo de homens a iniciarem um movimento chamado Os Guerreiros da Real. Esse movimento tinha a intenção de explicitar quais eram os elementos nesse conjunto de objetivos, interesses e crenças que pudessem fazer mal ao grupo Homem. A ideia era que com isso os homens passassem a tomar suas decisões levando em consideração os fenômenos femininos como um grupo.
Um conjunto de homens foi mais além. Eles tomaram a tal “Redpill MGTOW”. Essa “Redpill” seria supostamente uma consciência elevada da economia sexual e das bases sociais e psicológicas da relação homem-mulher. Uma das coisas que mais parece destoar, entretanto, é o fato de que as suas ponderações normalmente já começam por um estágio avançado, o do matrimônio monogâmico, além disso, ainda que reconheçam que a maior parte da sociedade era feminina, parecem acreditar que a autoridade advinha do patriarca.
Essas duas ponderações são ponderações confusas, primeiro não reconhecem que o estágio primário na economia sexual era de grande vantagem para o homem, que tinha diversas mulheres simultaneamente, e que se esse estágio possuía um elemento de autoridade nativo, os próprios homens devem ter se restringido em relação a esse aspecto. Assim, o casamento monogâmico como conhecemos só pode ter sido estabelecido pelo ceder de poder por parte da ala masculina.
Dito isso, por que dessa restrição? Aparentemente, o motivo da restrição seria um melhor equilíbrio nas relações matrimoniais, tendo homem e mulheres um conjunto de deveres iguais. Esse equilíbrio é confuso. Por que a autoridade seria masculina e os homens teriam aceitado perder consideravelmente sua influência dessa forma? Por acaso, não eram racionais? Bem, aceitando a hipótese de que eram racionais, que buscam o estágio de melhor conforto, então a autoridade não pertencia a eles propriamente dito, mas às próprias mulheres que impuseram essa mudança. Isso combina com a mudança de sociedades matriarcais para sociedades patriarcais, nesse modelo estamos falando de uma imposição auto imposta.
E por que ela se deu? Supondo que as mulheres são racionais, então isso só pode ter se dado porque elas acreditavam que esse era um estado melhor do que o anterior. Há ainda a hipótese de que um conjunto de homens considerados “beta” que não tinham acesso a mulheres foram os responsáveis efetivos pelo início da monogamia. Entretanto, essa ideia soa profundamente confusa, tendo em vista que a característica que define os “beta” é justamente a inferioridade física em relação aos “alfas” e esse tipo de interação deveria ser a regra, afinal, senão pela revolta, de que forma um beta passava a ser um alfa? Sendo assim, não soa linear a ideia de uma supressão dos “alfas” pelos “beta”, indicando que a autoridade não estava com os homens.
Então de que forma seres com menor potência física conseguiram mais autoridade? Bem, a resposta é simples. Ainda que em um primeiro momento, nós tivéssemos tido a noção de autoridade pela força, nós temos a noção posterior de um empreendimento linguístico que foi realizado pelas mulheres. Refletindo por um instante, nós temos que aqueles homens que estavam distantes de casa para a caça, não tinham como efetivamente propagar a autoridade pela presença deles. Sendo assim, havia um vácuo na presença que era justamente preenchido pelas mulheres que cuidavam de seus filhos. Durante esse processo de ensinar e criar uma criança, diversas formas de compreensão do mundo são inseridas. A mulher tem então o papel vital de instrução na sociedade, sendo responsável por delimitar o conjunto de ideias vencedoras em um determinado tempo.
Outra coisa muito importante é que parecem não enxergar a ideia de amor nas relações humanas como fenômeno primário. Essa ideia é profundamente removida da nossa experiência sensível e dos poemas e afins dos períodos anteriores. Homens e mulheres se apaixonavam constantemente e se casavam, matavam, mudavam e realizavam todos os mesmos elementos que nós temos hoje para o que chamamos de amor. Não temos motivos para acreditar que não haja amor na pré-história. Na verdade, o primeiro registro que se há notícia de amor é justamente na Suméria no ano 2030 A.C, através de um poema escrito numa placa literária. Segue o poema em questão:
POEMA AO REI SHUSHIN
Noivo, caro ao meu coração,
Agradável é a tua beleza, doce mel,
Leão, caro ao meu coração,
Agradável é a tua beleza, doce mel.
Tu cativaste-me, deixa-me permanecer tremente perante ti,
Noivo, eu deixaria que me levasses para o quarto,
Tu cativaste-me, deixa-me permanecer tremente perante ti,
Leão, eu deixaria que me levasses para o quarto.
Noivo, deixa que te acaricie,
A minha preciosa carícia é mais saborosa do que o mel,
No quarto o mel corre,
Desfrutamos a tua agradável beleza.
Leão, deixa-me acariciar-te,
A minha preciosa carícia é mais saborosa do que o mel.
Noivo, tu de mim tomaste o teu prazer,
Diz à minha mãe, ela far-te-á gentilezas,
O meu pai, ele dar-te-á presentes.
O teu espírito, eu sei onde recrear o teu espírito,
Noivo, dorme na nossa casa até ao amanhecer,
O teu coração, eu sei como alegrar o teu coração,
Leão, durmamos juntos em nossa casa até ao amanhecer.
Tu, porque me amas,
Dá-me o favor das tuas carícias,
Meu senhor deus, meu senhor protetor,
Meu Shu-Sin que alegra o coração de Enlil,
Dá-me o favor das tuas carícias.
Teu lugar agradável como mel, por favor estende
a tua mão sobre ele,
Traz a tua mão sobre ele como um manto gishban
Cola a tua mão como uma taça sobre ele como um traje gishban-sikin.
Com esse poema, retirado do capítulo XX do “A História começa na Suméria”, de Samuel Noah Kramer, demonstra plenamente como tínhamos grandes indícios do amor já em épocas muito mais primitivas do que a própria inauguração da monogamia como um fato social.
Também precisa ficar nítida a ideia de que foram as próprias mulheres que optaram pelos “betas”. O fizeram porque a competição era muito grande pelos “alfas” e porque perceberam que quando um homem tinha menos mulheres, seus recursos eram divididos entre menos filhos, o que era mais benéfico para a prole. A segurança em questão já era fornecida em uma teia social unitária típica das primeiras comunidades pelos próprios “alfas”, o que possibilitava a própria escolha dessas mulheres. Essa escolha que gera mais recursos começa a ser tomada também pelos “alfas”, o que leva a adoção da monogamia.
A ideia estranha e recorrente de que as mulheres sem se casar com os homens não teriam quem as sustentasse é estranha, porque uma parte significativa das mulheres ficavam viúvas, sendo assim, quem as cuidava? Se cuidavam das viúvas, de que forma não cuidariam das que não se casaram? Muito provavelmente, os próprios remanescentes da família eram responsáveis por cuidar dessas pessoas, assim como o são para as viúvas.
Vasculhando as referências, falhamos em descobrir qualquer referência biológica ao conceito de hipergamia como instinto biológico nas mulheres e de dominância como natural nos homens. Entretanto, encontramos diversos pontos descartando o cérebro trino como possibilidade neuro científica. Caso haja evidências de que esse cérebro trino causaria esse tipo de instinto biológico (o que não conseguimos encontrar), esse mesmo cérebro seria extremamente evolutivamente linear, algo que os cientistas não mais acreditam.
Uma das coisas que é mais provocativa de todo esse contexto é a noção de que a empatia entre homens só surgirá quando existirem coisas profundamente mais elevadas como a própria ideia de moralidade. Esse tipo de conceito ignora que a linguagem tem origem primordialmente na empatia e confiança entre indivíduos. Sobre o tema, discorre atentamente David Hussey em seu A Origem da Linguagem:
A linguagem começa quando cada palavra dita de boa-fé implica a afirmação de que o que digo é verdadeiro, de que me defenderei se for atacado quanto ao que digo, e de que espero que o resto do comunidade acredite que digo a verdade. Ela patenteia sua vida histórica como uma interação, um drama entre minha crença em meu povo, minha fé na verdade e minha confiança em mim mesmo. Qualquer nome pronunciado em seu lugar autêntico é um ato de fé, de comunidade, de obediência, de interação social. Todo o seu poder advém de sua triplicidade, e um nome que já não produza a cadeia triúna entre o público, o orador e a inspiração está morto e deve ser enterrado.
E o mais importante é entender que a própria ideia de ordem é uma ideia que precisa constantemente da confiança, como esclarece nesse trecho:
A palavra específica “fogo” ou “água” ou “vai” patentear a confiança do falante em seu próprio conhecimento do mundo e do que está errado nele. A confiança do especialista em sua própria habilidade está presente na ordem da mãe, na do oficial ou do bombeiro. Os imperativos pressupõem o domínio de determinada matéria do universo. No imperativo o conhecimento está subordinado à responsabilidade. Nos indicativos “isso é uma resposta” ou “isso é um braço”, o falante não é responsável senão pela veracidade de sua afirmação. Nos imperativos, ele torna-se responsável não por declarar um fato, mas por executar um ato. O terreno de sua responsabilidade não é a “ciência”, ou o “pensamento”, ou a “verdade”, mas a retidão, a história, e a bondade. Sua sentença provê uma cura para dada deficiência do mundo real, para o cosmos como o conhecemos, material, físico, químico, biológico e social.
Essas ideias tornam muito estranha a noção de que a empatia demora a surgir na sociedade e só surge após convenções morais profundamente mais elaboradas e ainda descartam a ideia de que possamos ter intuições (e que pelo seu caráter fundacionista poderiam ocorrer mesmo primitivamente) morais de qualquer tipo. Outro fenômeno interessante é a ideia de que possa ter havido uma substituição completa do conceito de honra pelo conceito de adoração à mulher, mas se isso fosse verdade, não seria possível fazer a assimilação entre o conceito formal e o material e não seria sequer possível entender o conceito. Só conseguimos entender o que é virtude e honra porque a vemos na sociedade e a associamos seja literariamente ou literalmente.
Um elemento que parece estar totalmente desconsiderado dessa análise é a quem possa interessar a ideia de prudência, moderação na mulher. Pense bem, se as mulheres mais jovens têm um ímpeto sexual mais avançado, as mulheres mais velhas ficarão em uma clara desvantagem em relação a essas. Justamente pela pressão social causada pela distância entre mulheres mais jovens e mais velhas, é que surge a questão da moderação, pela instrução que as mais velhas foram repassando a mais novas e daí em diante.
Outra coisa que me parece ser deveras estranha, é a noção de que a aristocracia representaria a ideia corrente entre a maioria dos casais. Mais além, a noção de que uma guerra pelo amor de uma mulher não parecesse ser um ato de demonstração pública e contínua de afeto. Quase como se diversas paixões e investigações sobre o Eros não tivessem sido realizadas por Platão e outros. Me diverte que a ideia de virtude demonstrável, que remonta da época dos coliseus, seja reduzida depois a uma simples devoção a dama.
A verdade? O Gino centrismo sempre existiu e a autoridade sempre esteve com as mulheres. A própria ideia de uma mudança em prol das mulheres ter surgido depois da formação das próprias sociedades é uma noção muito estranha. Alias, os MGTOWS parecem não ter percebido ainda que a mulher moderna tem desvantagens na verdade, porque saiu da corrente de formação cultural em prol de uma formação em torno da produção. O verdadeiro emancipador do homem se chama capitalismo e é ele que está diminuindo a influência das mulheres na sociedade. Quando o MGTOW decide que irá efetivamente sair da hipótese do relacionamento matrimonial, o que ele está fazendo é justamente reequilibrando a balança de poder da mulher dentro do relacionamento.
Senão é mais a mulher que efetivamente ensina aos filhos e sim a tecnologia, então o papel de instrução da mulher perde força e por consequência, é justamente a perda significativa de poder da mulher no matrimônio que as feministas querem evitar. Ao invés de se manter no matrimônio e aproveitar que a disseminação de informação a custo mais baixo provocou a diminuição do poder das mulheres, o MGTOW está justamente reafirmando a possibilidade de manutenção de relacionamentos não matrimoniais com essas mulheres. Essas voltam a ter a possibilidade de terem filhos e de serem a única referência deles, ainda que numa relação voltada a ausência paterna. Entenda bem, a ausência paterna não é um fenômeno casual, mas na verdade, trata-se de um fenômeno causado. A escolha de homens de primeira ordem para terem os filhos e homens de segunda ordem para manterem esses filhos, sem que ela tenha que manifestar elementos de instrução desses filhos é justamente o que pleiteiam as feministas. Quando o MGTOW não percebe essa estrutura, na verdade ele está a fortalecendo. E isso acontece porque se a instituição casamento está mais frágil, porque um conjunto de pessoas a nega veementemente, então a estrutura dos outros relacionamentos sofre do mesmo efeito.
Pode-se comparar essa situação a quando um fenômeno que era tido como natural é colocado como especial. Um casamento que possua as características essenciais de um casamento às antigas, é deixado de lado em função do seu caráter provisório. Cada vez mais são feitas concessões em prol de interesses femininos e isso se deve principalmente pela percepção da possibilidade do divórcio como sendo alternativa real. Quando as mulheres querem retomar o poder, coisas como o aumento médio da escolaridade e o aumento de relações não monogâmicas passa a ser cada vez maior. As condições que geraram o poder feminino são levadas novamente à tona. E o efeito todos nós já conhecemos.
Mais artigos serão feitos abordando elementos jurídicos e filosóficos dos MGTOWS. Não deixem de comentar!
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Ótimo artigo. Seria bom se você colocasse referências bibliográficas, pois adoraria me aprofundar nisso.
Interessante como as mulheres podem mudar o rumo de um Estado