Artigo de autoria de Ralph Raico
Tradução de Gabriel Gavenas
Poucas ideias estão tão intimamente associadas ao marxismo quanto os conceitos de classe e conflito de classes. É impossível, por exemplo, imaginar o que seria uma filosofia marxista da história ou uma teoria revolucionária marxista na ausência desses conceitos. No entanto, como acontece com muitas outras coisas no marxismo, esses conceitos permanecem ambíguos e contraditórios.[1] Por exemplo, enquanto a doutrina marxista supostamente fundamenta as classes no processo de produção, O Manifesto Comunista afirma em suas famosas linhas iniciais:
“A história de toda a sociedade existente até agora é a história das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de guilda e trabalhador braçal, em uma palavra, opressor e oprimido, estavam em constante oposição uns aos outros…[2]”
Quando examinados, esses pares opostos acabam sendo, no todo ou em parte, categorias não econômicas, mas jurídicas. [3]
Nem Marx nem Engels jamais resolveram as contradições e ambiguidades de sua teoria nessa área. O último capítulo do terceiro e último volume de O Capital, publicado postumamente em 1894, é intitulado “Classes”.[4] Aqui Marx afirma “A primeira pergunta a ser respondida é a seguinte: O que constitui uma classe?” “À primeira vista”, parece ser “a identidade da renda e das fontes de renda”. No entanto, Marx considera isso inadequado, uma vez que “desse ponto de vista, médicos e funcionários, por exemplo, também constituiriam duas classes…” Classes distintas também seriam geradas pela
“infinita fragmentação de interesse [sic] e posição em que a divisão do trabalho social divide os trabalhadores, bem como os capitalistas e proprietários de terras – estes últimos, por exemplo, em proprietários de vinhedos, proprietários de fazendas, proprietários de florestas, proprietários de minas e proprietários de pesca.”
Nesse ponto, há uma nota de Engels: “Aqui o manuscrito é interrompido”. No entanto, isso não ocorreu por causa da morte repentina de Marx. O capítulo data de um primeiro rascunho composto por Marx entre 1863 e 1867, ou seja, de dezesseis a vinte anos antes de sua morte.[5] A explicação de Engels é que “Marx costumava deixar esses resumos conclusivos para a edição final, pouco antes de ir para a imprensa, quando os últimos desenvolvimentos históricos lhe forneciam, com infalível regularidade, provas da mais louvável atualidade para suas proposições teóricas”.[6] Essa explicação seria mais convincente se, nos anos que antecederam sua morte, Marx tivesse fornecido em outro lugar uma definição clara de classes consistente com as outras partes de sua teoria.
Mas sejam quais forem os defeitos do conceito marxista de classes e de conflitos entre elas, o fato é que o marxismo está tão intimamente identificado com essas ideias que muitas vezes se perde de vista um fato importante: não apenas a noção de conflito de classes era um lugar-comum décadas antes de Marx começar a escrever, mas uma teoria bastante diferente de conflito de classes havia sido elaborada e ela própria desempenhou um papel na genealogia das ideias de Marx.
MARXISMO E A DOUTRINA LIBERAL CLÁSSICA
Adolphe Blanqui foi o protegido de Jean-Baptiste Say e o sucedeu na cadeira de economia política no Conservatoire des Arts et Métiers. No que provavelmente é a primeira história do pensamento econômico, publicada em 1837, Blanqui escreveu:
“Em todas as revoluções, sempre houve apenas dois partidos se opondo; o das pessoas que desejam viver de seu próprio trabalho e o daqueles que viveriam do trabalho de outros…. Patrícios e plebeus, escravos e livres, guelfos e gibelinos, rosas vermelhas e rosas brancas, cavaleiros e cabeças redondas, liberais e servis, são apenas variedades da mesma espécie.[7]”
Blanqui esclarece rapidamente o que ele entende estar em questão nessas lutas sociais:
“Assim, em um país, é por meio de impostos que o fruto do trabalho do trabalhador é arrancado dele, sob o pretexto do bem do Estado; em outro, é por meio de privilégios, declarando o trabalho uma concessão real e fazendo com que se pague caro pelo direito de se dedicar a ele. O mesmo abuso é reproduzido sob formas mais indiretas, mas não menos opressivas, quando, por meio de impostos alfandegários, o Estado compartilha com as indústrias privilegiadas os benefícios dos impostos cobrados de todos aqueles que não são privilegiados.[8]”
Blanqui não foi, de forma alguma, o criador dessa análise liberal do conflito de classes; em vez disso, ele se baseou em uma perspectiva que era muito difundida nos círculos liberais nas primeiras décadas do século XIX. Marx e Engels estavam cientes da existência de pelo menos algumas formas dessa noção anterior. Em uma carta escrita em 1852 para seu seguidor, Joseph Weydemeyer, o primeiro expoente do marxismo nos Estados Unidos,[9] Marx afirma:
“nenhum crédito me é devido por ter descoberto a existência de classes na sociedade moderna ou a luta entre elas. Muito antes de mim, os historiadores burgueses já haviam descrito o desenvolvimento histórico dessa luta de classes e os economistas burgueses a anatomia econômica das classes.[10]”
No entanto, como em muitas outras coisas no marxismo, esses conceitos permanecem ambíguos e contraditórios.
Os dois “historiadores burgueses” mais proeminentes que ele cita são os franceses François Guizot e Augustin Thierry [11]; dois anos depois, Marx se referiu a Thierry como “o pai da ‘luta de classes’ na historiografia francesa “. [12]
Essa linhagem “burguesa” da teoria marxista foi admitida livremente pelos seguidores imediatos de Marx. Perto do fim de sua vida, Engels sugeriu que os indivíduos contavam tão pouco na história, em comparação com as grandes forças sociais subjacentes, que mesmo na ausência do próprio Marx, “a concepção materialista da história” teria sido descoberta por outros; sua evidência é que “Thierry, Mignet, Guizot e todos os historiadores ingleses até 1850” estavam rumando em direção a ela. [13] Franz Mehring, Plekhanov e outros estudiosos do marxismo no período da Segunda Internacional enfatizaram as raízes da doutrina marxista do conflito de classes na historiografia liberal da Restauração Francesa.[14] Lênin também creditou à “burguesia”, e não a Marx, a origem da teoria da luta de classes.[15]
FONTES DO INDUSTRIALISME
Dos historiadores franceses mencionados, apenas Augustin Thierry se aprofundou no assunto e, de fato, participou da formação de uma análise coerente e radical-liberal das classes e do conflito de classes. O objetivo deste artigo é esboçar o histórico e o conteúdo dessa análise original e discutir vários pontos que surgem em relação a ela. Também será examinada a possibilidade de que ela possa se mostrar superior ao marxismo como instrumento de interpretação da história social e política.
A teoria do conflito de classes liberal surgiu de forma polida na França, no período da Restauração Bourbon, após a derrota final e o exílio de Napoleão. De 1817 a 1819, dois jovens intelectuais liberais, Charles Comte e Charles Dunoyer, editaram a revista Le Censeur Européen; a partir do segundo volume (edição), Augustin Thierry colaborou estreitamente com eles. O Censeur Européen desenvolveu e disseminou uma versão radical do liberalismo, que continuou a influenciar o pensamento liberal até a época de Herbert Spencer e depois. Ele pode ser visto como um constituinte central – e, portanto, um dos elementos historicamente definidores – do liberalismo autêntico.[16] Nesse sentido, a consideração da visão de mundo do Censeur Européen é de grande importância para ajudar a dar forma e conteúdo ao conceito “liberalismo”. Além disso, por meio de Henri de Saint-Simon e seus seguidores e por outros canais, ele também teve um impacto no pensamento socialista. Comte e Dunoyer chamaram sua doutrina de Industrialisme, Industrialismo.[17]
Havia várias fontes importantes do industrialismo. Uma delas foi Antoine Destutt de Tracy, o último e mais famoso da escola Idéologue de liberais franceses, cujo amigo, Thomas Jefferson, providenciou a tradução e a publicação de seu “Tratado de Economia Política” (Treatise on Political Economy) nos Estados Unidos antes de sua publicação na França.[18] A definição de sociedade de Tracy foi crucial:
“A sociedade é pura e exclusivamente uma série contínua de trocas. Ela nunca é outra coisa, em qualquer época de sua duração, desde seu início, o mais informe, até sua maior perfeição. E esse é o maior elogio que podemos fazer a ela, pois a troca é uma transação admirável, na qual as duas partes contratantes sempre ganham; consequentemente, a sociedade é uma sucessão ininterrupta de vantagens, incessantemente renovada para todos os seus membros.[19]”
A posição de Tracy era de que “o comércio é a própria sociedade… É um atributo do homem… É a fonte de todo o bem humano… “[20] Para Tracy, nas palavras de um estudante de seu pensamento, o comércio era uma “panaceia”, “a força civilizadora, racionalizadora e pacificadora do mundo”.[21]
Comte, Dunoyer, Augustin Thierry e seu irmão Amédée eram convidados frequentes do salão de Tracy na rue d’Anjou, um centro da vida social liberal em Paris. Lá, os jovens intelectuais liberais se misturavam com Stendhal, Benjamin Constant, Lafayette e outros.[22]
Marx escreveu: “Nenhum crédito é devido a mim por ter descoberto a existência de classes na sociedade moderna ou a luta entre elas. Muito antes de mim, os historiadores burgueses já haviam descrito o desenvolvimento histórico dessa luta de classes…”
A obra de Constant, “De l’esprit de conquête et de l’usurpation”, publicada em 1813, é outra fonte importante do pensamento industrialista. Dunoyer atribui a Constant o mérito de ter sido o primeiro a distinguir nitidamente entre a civilização moderna e a antiga, abrindo assim a questão do objetivo distintivo da civilização moderna e da forma de organização adequada a esse objetivo.[23] Do autor reacionário Montlosier derivaram a visão da importância da conquista na predominância social da nobreza sobre os plebeus. A reação liberal contra o militarismo e o despotismo do período napoleônico também desempenhou um papel importante.[24]
O PAPEL DE JEAN-BAPTIST SAY
Há pouca dúvida, entretanto, de que a principal influência sobre o industrialismo foi o “Traité de l’économie politique”, de Jean-Baptiste Say, cuja segunda edição foi publicada em 1814 e a terceira em 1817.[25] Comte e Dunoyer provavelmente conheceram Say pessoalmente durante os Cem Dias, na primavera de 1815. Comte e Dunoyer provavelmente conheceram Say pessoalmente durante os Cem Dias, na primavera de 1815. Juntamente com Thierry, eles participaram do salão de Say.[26] (Comte mais tarde se tornou genro de Say.) A terceira edição do Traité de Say recebeu uma resenha em duas partes de mais de 120 páginas no Censeur Européen.[27]
Say sustentava que a riqueza é composta por aquilo que tem valor, e o valor é baseado na utilidade.
“Todas [as diferentes formas de produzir] consistem em pegar um produto em um estado e colocá-lo em outro no qual ele tenha mais utilidade e valor… de uma forma ou de outra, a partir do momento em que se cria ou aumenta a utilidade das coisas, aumenta-se seu valor, está-se exercendo uma indústria, está-se produzindo riqueza.[28]”
Todos os membros da sociedade que contribuem para a criação de valores são considerados produtivos, mas Say concede um lugar de destaque ao empreendedor. Say foi um dos primeiros a perceber as possibilidades ilimitadas de uma economia livre, liderada por empreendedores criativos. Como um comentarista resume sua mensagem:
“O poder produtivo da indústria é limitado apenas pela ignorância e pela má administração dos Estados. Espalhe o esclarecimento e melhore os governos, ou melhor, impeça-os de causar danos; não haverá limite que possa ser atribuído à multiplicação da riqueza.[29]”
Existem, entretanto, categorias de pessoas que simplesmente consomem riqueza em vez de produzi-la. Essas classes improdutivas incluem o exército, o governo e o clero apoiado pelo Estado30 – o que poderia ser chamado de classes “reacionárias”, associadas, em geral, ao Antigo Regime.
No entanto, Say tinha plena consciência de que a atividade antiprodutiva e antissocial também era possível e, de fato, muito comum, quando elementos produtivos empregavam o poder do Estado para obter privilégios:
Mas o interesse pessoal não é mais um critério seguro, se os interesses individuais não forem deixados para se contrapor e controlar uns aos outros. Se um indivíduo, ou uma classe, puder recorrer à ajuda da autoridade para afastar os efeitos da concorrência, ele adquire um privilégio à custa de toda a comunidade; ele pode, então, certificar-se de lucros não totalmente devidos aos serviços produtivos prestados, mas compostos em parte por um imposto real sobre os consumidores para seu lucro privado; imposto esse que ele comumente compartilha com a autoridade que, dessa forma, injustamente dá seu apoio. O órgão legislativo tem grande dificuldade em resistir às demandas insistentes por esse tipo de privilégio; os requerentes são os produtores que se beneficiarão com isso, que podem representar, com muita plausibilidade, que seus próprios ganhos são um ganho para as classes trabalhadoras e para a nação como um todo, sendo que seus trabalhadores e eles próprios são membros das classes trabalhadoras e da nação.[31]
Assim, embora houvesse uma harmonia de interesses entre os produtores (entre empregadores e trabalhadores, por exemplo), havia um conflito natural de interesses entre produtores e não produtores, bem como entre os membros das classes produtoras quando eles escolhiam explorar outros por meio de privilégios concedidos pelo governo. Como disse um acadêmico, o grito de Say — e de seus discípulos — poderia ser: “Produtores do mundo, uni-vos!”[32]
A FILOSOFIA SOCIAL DO CENSEUR EUROPÉEN
A principal conquista de Comte, Dunoyer e Thierry no Censeur Européen foi pegar as ideias de Say e de outros liberais anteriores e forjá-las em um credo de luta.[33]
O industrialismo se propõe a ser uma teoria geral da sociedade. Tomando como ponto de partida o homem, que age a fim de satisfazer suas necessidades e desejos, ele postula que o objetivo da sociedade é a criação de “utilidade” no sentido mais amplo: os bens e serviços úteis ao homem na satisfação de suas necessidades e desejos. Ao se esforçar para satisfazer suas necessidades, o homem tem três meios alternativos disponíveis: ele pode tirar proveito do que a natureza oferece espontaneamente (isso é pertinente apenas em circunstâncias bastante primitivas); ele pode saquear a riqueza que outros produziram; ou ele pode trabalhar para produzir riqueza ele mesmo.[34]
Em qualquer sociedade, pode-se fazer uma distinção nítida entre aqueles que vivem da pilhagem e aqueles que vivem da produção. Os primeiros são caracterizados de várias maneiras por Comte e Dunoyer; eles são “os ociosos”, “os devoradores” e “os vespões”. Os segundos são chamados, entre outras coisas, de “os industriosos” e “as abelhas”.[35] A tentativa de viver sem produzir é viver “como selvagens”. Os produtores são “os homens civilizados”.[36]
A evolução cultural tem sido tal que sociedades inteiras podem ser designadas como primariamente saqueadoras e ociosas, ou como produtivas e industriosas. Assim, o industrialismo não é apenas uma análise da dinâmica social, mas também uma teoria do desenvolvimento histórico. De fato, grande parte da teoria industrialista está embutida em seu relato da evolução histórica.
O “MANIFESTO INDUSTRIALISTA”
A história de todas as sociedades existentes até o momento é a história da luta entre as classes pilhadoras e as produtoras. Seguindo Constant, diz-se que a pilhagem por meio da guerra foi o método preferido pelos antigos gregos e romanos. Com o declínio do Império Romano no Ocidente, os bárbaros germânicos se estabeleceram, por meio de conquistas, como os senhores da terra: o feudalismo se desenvolveu — especialmente na França, após a invasão franca, e na Inglaterra, após a conquista normanda. Era essencialmente um sistema de espoliação dos camponeses domésticos pela elite guerreira dos “nobres”.[37] No feudalismo, havia
“um tipo de subordinação que submeteu os homens trabalhadores aos homens ociosos e devoradores, e que deu a estes últimos os meios de existir sem produzir nada, ou de viver nobremente.[38]”
Durante toda a Idade Média, a nobreza explorou não apenas seus próprios camponeses, mas especialmente os comerciantes que passavam por seus territórios. Os castelos dos nobres não passavam de covis de ladrões.[39] Com o aumento das cidades no século XI, pode-se até falar de “duas nações” compartilhando o solo da França: a elite feudal saqueadora e os plebeus produtivos das cidades.
À nobreza voraz sucederam-se os reis igualmente vorazes, cujos “roubos com violência, alterações na moeda, falências, confiscos, impedimentos à indústria” são o que há de comum na história da França.[40] “Quando os senhores eram os mais fortes, consideravam que tudo o que conseguiam obter lhes pertencia. Assim que os reis estavam no topo, eles pensavam e agiam da mesma forma. “[41] Com o crescimento da riqueza produzida pelos plebeus, ou Terceiro Estado, outras riquezas ficaram disponíveis para serem expropriadas pelas classes parasitárias. Comte é particularmente severo com relação à manipulação real do dinheiro e das leis de curso legal, e cita um escritor do século XVII sobre como “os descontos [les escomptes] enriqueceram os homens do dinheiro e das finanças às custas do público”.[42]
Nos tempos modernos, os principais tipos de classes ociosas têm sido os soldados profissionais, os monges, os nobres, os burgueses que foram enobrecidos e os governos.[43]
“PAZ E LIBERDADE”
Uma posição a favor da paz era fundamental para o ponto de vista industrialista — de fato, o lema na página de rosto de cada edição do Censeur Européen era: paix et liberté —”paz e liberdade”.
O ataque industrialista ao militarismo e aos exércitos permanentes foi selvagem e implacável. Em uma passagem típica, por exemplo, Dunoyer afirma que a “produção” dos exércitos permanentes da Europa consistiu em
“massacres, estupros, saques, conflagrações, vícios e crimes, depravação, ruína e escravização dos povos; eles têm sido a vergonha e o flagelo da civilização.[44]”
Particularmente anatematizadas eram as guerras engendradas pelo mercantilismo, ou “o espírito de monopólio (…) a pretensão de cada um de ser industrioso com a exclusão de todos os outros, exclusivamente para abastecer os outros com os produtos de sua indústria”.[45] No decorrer de uma série de reclamações contra a política externa imperialista dos ingleses, Dunoyer afirma, significativamente
“O resultado dessa pretensão foi que o espírito da indústria se tornou um princípio mais hostil, mais inimigo da civilização, do que o próprio espírito da rapina.[46]”
O monasticismo, na visão dos industrialistas, incentivava a ociosidade e a apatia. No período moderno, os nobres, que não conseguiam mais viver roubando diretamente os trabalhadores, começaram a ocupar cargos no governo e viviam de uma nova forma de tributo, “sob o nome de impostos”.[47] Os membros da burguesia que alcançaram o status de nobreza não cuidavam mais de seus próprios negócios e, no final, não tinham outros meios de subsistência além do tesouro público. Por fim, os governos, embora sobrecarregassem os produtores com impostos, “muito raramente forneceram à sociedade o equivalente aos valores que receberam dela para governar”.[48]
Os escritores industrialistas previam que, com o maior aperfeiçoamento da sociedade, viria o triunfo final de sua causa. Comte esperava “a extinção da classe ociosa e devoradora” e o surgimento de uma ordem social na qual “a fortuna de cada um estaria quase em proporção direta com seu mérito, ou seja, com sua utilidade, e quase sem exceção, ninguém estaria destituído, exceto os viciosos e inúteis”.[49]
FUNCIONÁRIOS DO ESTADO COMO EXPLORADORES
A classe de exploradores contemporâneos que os escritores industrialistas investigaram mais do que qualquer outra foi a dos burocratas do governo. Como disse Comte:
O que nunca se deve perder de vista é que um funcionário público, em sua capacidade de funcionário, não produz absolutamente nada; que, pelo contrário, ele existe apenas com os produtos da classe industriosa; e que ele não pode consumir nada que não tenha sido tirado dos produtores.[50]
A contribuição do industrialismo para a pré-história da teoria da Escolha Pública recebeu pouca atenção.[51] Fiel à concentração industrialista no “fator econômico”, Dunoyer pesquisou “a influência exercida sobre o governo pelos salários associados ao exercício de funções públicas”.[52] Nos Estados Unidos — sempre o país industrialista modelo — os salários oficiais, mesmo para o presidente, são baixos. Normalmente, as autoridades americanas recebem uma “indenização” por seu trabalho, mas nada que possa ser chamado de “salário”.[53] Na França, por outro lado, a opinião pública fica chocada não com o fato de o exercício do poder ser transformado em “uma profissão lucrativa”, mas com o fato de ser monopolizado por uma única classe social.[54]
Os gastos públicos, no entanto, têm uma relação quase inversa com o funcionamento adequado do governo: nos Estados Unidos, por exemplo, onde o governo custa cerca de 40 milhões de francos por ano, a propriedade é mais segura do que na Inglaterra, onde custa mais de 3 bilhões.[55] As características do emprego público são o inverso das características das empresas privadas. Por exemplo:
“A ambição, tão fértil em resultados felizes no trabalho comum, é aqui um princípio de ruína; e quanto mais um funcionário público deseja progredir na profissão que assumiu, quanto mais ele tende, como é natural, a aumentar e aumentar seus lucros, mais ele se torna um fardo para a sociedade que o paga.[56]”
À medida que um número cada vez maior de pessoas aspira a cargos no governo, surgem duas tendências: o poder do governo se expande e o ônus dos gastos e impostos do governo aumenta. Para satisfazer as novas hordas de candidatos a cargos públicos, o governo amplia seu escopo em todas as direções; começa a se preocupar com a educação, a saúde, a vida intelectual e a moral das pessoas, cuida da adequação do suprimento de alimentos e regulamenta a indústria, até que “em breve não haverá meios de escapar de sua ação para qualquer atividade, qualquer pensamento, qualquer parte” da existência das pessoas.[57]
Os funcionários públicos se tornaram “uma classe que é inimiga do bem-estar de todas as outras”.[58]
Desde que o usufruto de empregos no governo deixou de ser uma reserva particular da aristocracia, tornou-se o objetivo de todos na sociedade.[59] Na França, há talvez “dez vezes mais aspirantes ao poder do que a administração mais gigantesca poderia acomodar…. Aqui se encontraria facilmente o pessoal para governar vinte reinos. “[60]
SEMELHANÇAS COM O MARXISMO
A ênfase dos liberais do Censeur Européen na exploração voraz das classes produtivas pela crescente classe de funcionários do Estado abre outro ponto de contato com o marxismo. Como já foi observado algumas vezes,[61] o marxismo contém duas visões bastante diferentes do Estado: a mais evidente é que ele vê o Estado como o instrumento de dominação das classes exploradoras que são definidas por sua posição no processo de produção social, por exemplo, os capitalistas. Algumas vezes, entretanto, Marx caracterizou o próprio Estado como o agente explorador independente. Assim, Marx, em “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”, escreve, bem no espírito industrialista:
“Esse poder executivo, com sua enorme organização burocrática e militar, com sua engenhosa máquina estatal, abrangendo amplos estratos, contando com meio milhão de funcionários, além de um exército de outro meio milhão, com um terrível corpo parasitário, que envolve o corpo da sociedade francesa como uma rede e sufoca todos os seus poros, surgiu nos dias da monarquia absoluta…[62]”
Todos os regimes ajudaram no crescimento desse parasita, de acordo com Marx. Ele acrescenta:
“Todo interesse comum foi imediatamente separado da sociedade, contraposto a ela como um interesse geral mais elevado, arrancado da atividade dos próprios membros da sociedade e transformado em objeto de atividade governamental, desde uma ponte, uma escola e a propriedade comum de uma comunidade de vilarejo, até as ferrovias, a riqueza nacional e a universidade nacional da França… Todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina em vez de destruí-la. Os partidos que, por sua vez, disputavam o domínio consideravam a posse desse enorme edifício estatal como o principal espólio do vencedor (…)[63]”
Em uma obra posterior, “A Guerra Civil na França”, Marx escreve sobre “o parasita do Estado que se alimenta e obstrui o livre movimento da sociedade”.[64]
Assim, a concepção do “Estado-parasita” é claramente enunciada por Marx. A esta altura, no entanto, já deve estar claro como é incorreto afirmar, como faz Richard N. Hunt, que Marx originou essa concepção.[65] Várias décadas antes de Marx escrever, o grupo Censeur Européen já havia apontado o Estado parasita como o principal exemplo na sociedade moderna do espírito saqueador e “devorador”.
É interessante notar que outra semelhança entre o industrialismo e o marxismo está na noção de ideologia.[66] De acordo com a visão industrialista, há ideias e valores que servem aos interesses das classes produtivas e exploradoras, respectivamente. Comte menciona, por exemplo, o julgamento tipicamente feudal de que aqueles que suam para obter sua riqueza são ignóbeis, enquanto aqueles que “a obtêm derramando o sangue de seus próximos” são gloriosos; ele afirma que essa ideia essencialmente bárbara teve de ser ocultada e velada ao ser colocada no contexto da antiguidade clássica.[67]
Comte até mesmo indica a existência do que poderia ser chamado de “falsa consciência”, ou seja, o fato de os membros de uma classe abrigarem ideias contrárias aos seus próprios interesses e úteis aos interesses de uma classe oposta. Ele afirma:
“A guerra travada pelos escravos contra seus senhores tem algo de vil aos nossos olhos. São homens que lutam para que o produto de sua indústria não seja o espólio daqueles que os escravizaram; é uma guerra ignóbil. A guerra travada por Pompeu contra César nos encanta; seu objetivo é descobrir quem será o partido que tiranizará o mundo; ela ocorre entre homens igualmente incapazes de subsistir por seus próprios esforços; é uma guerra nobre. Se rastrearmos nossas opiniões até sua fonte, descobriremos que a maioria foi produzida por nossos inimigos.[68]”
O JOVEM THIERRY E O INDUSTRIALISMO [69]
No período de sua associação com o Censeur Européen, Augustin Thierry compartilhava a filosofia industrialista de Comte e Dunoyer, talvez com ênfases ainda mais radicais. Sua resenha-ensaio sobre o “Commentaire sur l’Esprit des Lois de Montesquieu”, de Tracy, é particularmente importante nesse contexto.[70] Thierry destaca a firme adesão de Tracy ao laissez-faire.
“O governo deve ser bom para a liberdade dos governados, e isso ocorre quando ele governa no menor grau possível. Ele deve ser bom para a riqueza da nação, e isso ocorre quando ele age o mínimo possível sobre o trabalho que a produz e quando consome o mínimo possível. Deve ser bom para a segurança pública, e isso acontece quando protege o máximo possível, desde que a proteção não custe mais do que gera…. É na perda de seus poderes de ação que os governos melhoram. Cada vez que os governados ganham espaço, há progresso.[71]”
Em oposição a Montesquieu, Thierry está do lado de Tracy: “o comércio consiste em troca; é a própria sociedade”; e “a tributação é sempre um mal”.[72]
As funções do governo são garantir a segurança, “se há um perigo de fora ou se os loucos e os ociosos ameaçam perturbar a ordem e a paz necessárias para o trabalho”. Em um símile carregado de significado na retórica do industrialismo, Thierry afirma que qualquer governo que exceda esses limites deixa de ser um governo propriamente dito:
“sua ação pode ser classificada como a ação exercida sobre os habitantes de uma terra quando ela é invadida por soldados; ela degenera em dominação, e isso ocorre independentemente do número de homens envolvidos, do arranjo em que eles se organizam ou dos títulos que eles assumem… [73]”
Compartilhando o horror ao militarismo dos outros autores industrialistas, Thierry cita Tracy, com aprovação, sobre “as guerras absurdas e ruinosas que têm sido travadas com muita frequência para manter o império e o monopólio exclusivo sobre algumas colônias distantes”. Ele declara que esse não é o verdadeiro comércio, mas “a mania de dominação”.[74]
Thierry prossegue esboçando um programa radical-liberal de grande alcance, de fato. Em primeiro lugar, o espírito das comunas livres da Idade Média, que lutaram contra a nobreza saqueadora, deve ser revivido; esse espírito inspirará os homens a “opor a liga da civilização à liga dos dominadores e dos ociosos”. O movimento intelectual será aliado a um grande movimento social:
“Um poder invisível e sempre ativo, o trabalho impulsionado pela indústria, precipitará ao mesmo tempo toda a população da Europa nesse movimento geral. A força produtiva das nações quebrará todos os seus grilhões… A indústria desarmará o poder, provocando a deserção de seus satélites, que encontrarão mais lucro no trabalho livre e honesto do que na profissão de escravos que guardam escravos. A indústria privará o poder de seus pretextos e desculpas, chamando aqueles que a polícia mantém sob controle para os prazeres e as virtudes do trabalho. A indústria privará o poder de sua renda, oferecendo a um custo menor os serviços pelos quais o poder faz as pessoas pagarem [qu’il se fait payer]. Na medida em que o poder perderá sua força real e utilidade aparente, a liberdade ganhará, e os homens livres se aproximarão.[75]”
Apropriadamente, em vista da frase notável na passagem acima, para a qual foi dada ênfase, Thierry enuncia inequivocamente o cosmopolitismo de um liberalismo que tende ao puro anarquismo. Os Estados são meramente “aglomerações incoerentes que dividem a população europeia… domínios formados e aumentados por conquistas ou por doações diplomáticas”. Eventualmente, os laços que ligam os homens aos Estados serão eliminados. Então
“a passagem de uma sociedade para outra dificilmente será sentida. As federações substituirão os estados; as cadeias de interesses frouxas, mas indissolúveis, substituirão o despotismo dos homens e das leis; a tendência ao governo, a primeira paixão da raça humana, cederá lugar à comunidade livre. A era do império acabou, começa a era da associação.[76]”
Thierry enfatiza o papel da escrita histórica em ajudar na grande luta. “Somos os filhos desses servos, desses tributários, desses burgueses que os conquistadores devoraram à vontade; devemos a eles tudo o que somos”. A história, que deveria ter nos transmitido as lembranças dessa tradição, “tem estado a serviço dos inimigos de nossos pais (…) Escravos emancipados ontem, nossa memória há muito tempo nos lembra apenas as famílias e os atos de nossos senhores”.[77] Como se pressagiasse seu próprio trabalho sobre as cidades da Idade Média, ele acrescenta:
“Se uma caneta habilidosa e liberal finalmente se encarregasse de nossa história, ou seja, a história das cidades e associações… todos nós veríamos nela o significado de uma ordem social, o que a faz nascer e o que a destrói.[78]”
CRÍTICA DO INDUSTRIALISMO
No que diz respeito às críticas ao ponto de vista industrialista, apenas três problemas podem ser indicados aqui, e uma discussão mais abrangente de suas deficiências deve ser adiada para outra ocasião.
Em primeiro lugar, é provável que, ao contornar a questão dos direitos — a propriedade, afirma Comte, é melhor ser chamada de “um fato”, ou mesmo uma “coisa”, do que um direito[79] — os autores industrialistas prepararam o terreno para as dificuldades que surgiriam mais tarde em sua teoria.
Em segundo lugar, ao se concentrarem na produção em vez de na troca de propriedade legítima, eles criam falsos alvos de ataque. Assim, os “monges” — eles realmente se referem aos religiosos em geral — são considerados “ociosos”, colocados na mesma categoria dos senhores feudais e bandidos e, deliberadamente, não é feita nenhuma distinção entre os indigentes, entre os que vivem da caridade voluntária e os que vivem da ajuda do Estado.[80] (Parece que os industrialistas não entendiam totalmente as implicações de postular a existência de valores “imateriais” e “materiais”).
Finalmente, com relação ao Estado: mais uma vez, ao falar levianamente de produção em vez de troca voluntária, os industrialistas parecem estar tentando evitar a complicada questão da “produção” de um bem — segurança — que é imposta ao “consumidor”.[81]
GUIZOT E MIGNET
Embora Franois Guizot tenha sido frequentemente colocado na mesma categoria de Thierry como historiador do conflito de classes, especialmente pelos marxistas, suas opiniões eram substancialmente diferentes. Guizot não tinha nenhuma ligação com o grupo Censeur Européen, sendo, em vez disso, um defensor das visões de juste milieu do doutrinário Royer Collard. Como líder dos doutrinários (dos quais foi dito que nenhuma escola de pensamento jamais foi menos merecedora desse nome), Guizot não tinha nenhuma teoria orientadora, como o industrialismo, para aplicar em suas obras históricas. Sempre eclético, ele escreveu por um tempo, na década de 1820, no idioma então popular do conflito de classes. Mas ele nunca defendeu que uma das classes concorrentes iria ou deveria triunfar. Pelo contrário, a luta, de acordo com Guizot, já estava em sua própria época, resultando em uma grande síntese, na qual a aristocracia e o Terceiro Estado se combinariam na “Nação Francesa”.[82] Shirley M. Gruner resume adequadamente o ponto de vista de Guizot:
“[Ele] gostava de ser popular e, portanto, de ser considerado atualizado em suas ideias. Ele também não queria parecer “não científico”. Portanto, ele nunca nega nada completamente, mas procura modificar um pouco aqui e ali para que, finalmente, não reste nada. Não há oposição direta… Esse é, de fato, todo o problema de Guizot — sua capacidade de decisão indecisa, de modo que não apenas na história, mas também na política, o basicamente conservador constitucional parece, às vezes, desejar ser visto como um liberal radical. E também tem sido do interesse de certos grupos, por exemplo, os comunistas de 1848, sugerir que não havia muita diferença entre Guizot e os outros liberais “burgueses”.[83]”
“Como pensador (e, é claro, em seu papel político), Guizot era essencialmente orientado para o Estado. Um dos principais objetivos de seu relato sobre a história francesa era mostrar que “a burguesia e o poder da Coroa não eram apenas aliados, mas forças que se pressionavam mutuamente”.[84] Ele endossava totalmente a colaboração histórica entre a Coroa e o Terceiro Estado, que alcançou uma espécie de apoteose na Monarquia de Julho, especialmente sob o ministério do próprio Guizot. Com o passar dos anos, a influência de Guizot sobre Thierry cresceu e foi toda no sentido de enfatizar as contribuições históricas de todas as “classes” para a criação de la grande Nation, especialmente a assistência concedida ao Terceiro Estado pela Monarquia em sua ascensão ao reconhecimento e à preeminência. Essa tendência no trabalho de Thierry culmina em seu “Essai sur l’Histoire de la Formation et des Progrès du Tiers État”, que apareceu como introdução a uma coleção de documentos cuja publicação foi inspirada por Guizot.[85]”
François Mignet, amigo de Thierry e colega historiador, é frequentemente mencionado como outro dos precursores liberais da teoria marxista do conflito de classes. Mas, embora Mignet tenha, é claro, escrito sobre as lutas da aristocracia e do Terceiro Estado durante a Revolução, um imenso abismo o separava da análise original do conflito de classes dos industrialistas. Uma espécie de reductio ad absurdum da glorificação da burguesia em si mesma, independentemente de qualquer conexão com a produção, foi alcançada por Mignet quando, em 1836, ele escreveu sobre os exércitos da Revolução Francesa:
“Todos os antigos exércitos aristocráticos da Europa haviam sucumbido a esses burgueses, a princípio desdenhados e depois temidos, que, forçados a pegar a espada e tendo feito uso dela como antes da palavra, como antes do pensamento, haviam se tornado soldados heroicos, grandes capitães, e haviam acrescentado ao formidável poder de suas ideias o prestígio da glória militar e a autoridade de suas conquistas.[86]”
Mignet também criticou Charles Comte por sua depreciação dos “grandes homens” da história. As opiniões de Comte, nesse caso, faziam parte da “transvaloração de todos os valores” tentada pelos industrialistas, por meio da qual, por exemplo, um pequeno fabricante ou um pastor deveria ser mais valorizado do que conquistadores destrutivos como César ou Pompeu. Mas Mignet tinha uma mentalidade mais hegeliana, para não dizer mais ordinária. Segundo ele, Comte
“esqueceu que os maiores avanços da humanidade tiveram como seus representantes e defensores os maiores capitães… que a espada de Napoleão havia, por quinze anos, levado o princípio da igualdade moderna a penetrar em toda a Europa. Da mesma forma, ele contestou a difícil arte de governar os povos… [87]”
Amigo e colaborador de Adolphe Thiers (praticamente a personificação do estado burguês corrupto na França do século XIX) e, assim como Thiers, um glorificador de Napoleão, Mignet simplesmente habitava um mundo intelectual diferente de Say, Comte, Dunoyer e do jovem Thierry.
A DESERÇÃO DE THIERRY
Este não é o lugar para tentar fazer um relato detalhado e uma explicação de como Thierry trocou sua análise industrialista relativamente sofisticada do conflito de classes por uma consideravelmente mais grosseira. Em algum momento, Thierry parece ter passado a acreditar que uma interpretação industrialista rigorosa “falsificava” a história ao submetê-la a um esquema teórico rígido demais.[88] Depois de seus primeiros ensaios sobre a história inglesa, no Censeur Européen, ele começou a sentir, acrescentou, a necessidade de deixar a cada época sua originalidade: “Mudei meu estilo e minha maneira; minha rigidez anterior tornou-se mais flexível….[89]
O tipo de considerações gerais e puramente políticas às quais eu havia me limitado até então me pareceu, pela primeira vez, muito árido e limitado. Senti uma forte inclinação a descer do abstrato para o concreto, a visualizar a vida nacional em todas as suas facetas e a tomar como ponto de partida para resolver o problema do antagonismo das diferentes classes de homens no seio da mesma sociedade o estudo das raças primitivas em sua diversidade original.[90]”
O ” tom de política foi apagado”, explica Thierry, pois ele se dedicou mais à “ciência”.[91] Na verdade, ele não deixou de escrever como o historiador dos oprimidos, como o cronista, primeiro, dos sofrimentos das “raças” derrotadas, como os saxões na época da conquista normanda, depois da ascensão ao poder e do orgulho do Terceiro Estado na França.
Mas o tratamento dado por Thierry ao conflito de classes em suas obras mais famosas é defeituoso e, em última análise, fatalmente falho: o aparato conceitual que ele emprega é um instrumento muito brusco para fins de dissecação social. Quando ele lida com a história da França no período medieval e no início do período moderno, por exemplo, o elemento industrioso e criativo da sociedade é identificado tout court com o “Terceiro Estado”, os ociosos e parasitas exploradores apenas com a nobreza feudal e seus descendentes. Assim, as distinções cruciais existentes no Terceiro Estado, ou burguesia, do tipo que Say já havia exposto e chamado a atenção, são omitidas. A linha divisória analítica anterior entre aqueles que agem no mercado, por meio da troca, e aqueles que usam a força, sobretudo por meio do Estado, desaparece. Assim, Thierry pecou contra seu próprio princípio metodológico: “O grande preceito que deve ser dado aos historiadores é distinguir em vez de confundir”.[92]
O ESTÁGIO FINAL
Na última grande obra de Thierry, “Ensaio sobre a História da Formação do Terceiro Estado”(Essay on the History of the Formation and Progress of the Third Estate), praticamente nada resta da doutrina industrialista original. Em vez disso, somos apresentados ao que equivale a um estudo de caso de historiografia whig complacente e autossatisfeita. Acontece que os eventos e as figuras de cerca de 700 anos de história da França conspiraram para o triunfo do que hoje é o ideal de Thierry, o Estado francês moderno e centralizado, baseado na igualdade perante a lei, com certeza, mas também rico em poder e glória histórica. Repetidas vezes, os reis franceses são elogiados por terem trabalhado para elevar o Terceiro Estado, em grande parte fornecendo empregos para seus membros, e, da maneira tradicional, por terem “criado” a França. Richelieu é elogiado tanto por suas políticas externas quanto internas, igualmente admiráveis, e por “multiplicar para os comuns, além de cargos, lugares de honra no Estado”.[93] Colbert, o arquiteto do mercantilismo francês, é glorificado como um plebeu que planejou “a regeneração industrial da França” e é aplaudido por sua distribuição de generosidade a escritores, acadêmicos e “todas as classes de homens”.[94] E por aí vai.
Thierry havia vivenciado a agitação socialista de 1848 e as Revoltas de Junho; o espectro da revolução social o assombrou até o fim de sua vida. Ele estava ansioso para que os socialistas causadores de problemas não pudessem se apoiar em seu trabalho sobre o papel das classes na história francesa. No Prefácio do Ensaio, Thierry dá a entender que agora, em 1853, não há mais necessidade do conceito de classes: “a massa nacional” é “hoje una e homogênea”. Somente “os preconceitos disseminados por sistemas que tendem a dividir” a nação homogênea em “classes mutuamente hostis” poderiam sugerir o contrário.[95] O antagonismo atual entre a burguesia e os trabalhadores, que alguns querem rastrear por séculos, é “destrutivo de toda a ordem pública”.[96] Assim, ironicamente, um dos pensadores que foi a principal inspiração para a ideia socialista de conflito de classes terminou negando categoricamente qualquer conflito de classes no mundo moderno, e ele fez isso em parte por medo dos perigos que a ideia representava agora que havia sido reformulada pelos socialistas.[97]
LIBERAIS E A MONARQUIA DE JULHO
A Monarquia de Julho de Luís Filipe, que chegou ao poder em 1830, era notória por sua corrupção massiva e flagrante em nome da burguesia.[98] Esse foi o regime sobre o qual Tocqueville escreveu:
“[A classe média] se entrincheirou em todos os cargos vagos do governo, aumentou prodigiosamente o número desses cargos e se acostumou a viver quase tanto do Tesouro quanto de sua própria indústria.[99]”
Muitos dos liberais foram os principais beneficiários do novo regime, recompensados pelo apoio que haviam dado, e continuaram a dar, a Luís Filipe. Dunoyer foi nomeado prefeito em Moulins e Stendhal cônsul em Trieste, enquanto Daunou foi reconduzido ao cargo de diretor dos Arquivos Nacionais.[100] Outros historiadores do partido liberal durante a Restauração se saíram tão bem quanto, ou melhor. Guizot, é claro, foi uma das principais figuras da nova ordem. Com Mignet, Thiers e Villemain, ele “dividiu os principais cargos do Estado, os mais brilhantes favores do regime”.[101] No entanto, o próprio Thierry, agora cego, teve que se contentar com subsídios ocasionais e se viu obrigado a implorar por um emprego estável como historiador pesquisador. Em um determinado momento, um plano para eliminar as pensões literárias, que incluiria a sua própria, o deixou extremamente angustiado.[102] Assim, qualquer análise das razões por trás da tendência conservadora de muitos liberais franceses depois de 1830 — e de seu abandono da perigosa ideia do conflito de classes — teria que levar em conta não apenas a crescente ameaça do socialismo, mas também os novos vínculos com o poder e a riqueza que o regime “liberal” de Luís Filipe.
Em 1817, no auge do movimento industrialista, Dunoyer lamentou o fato de que “a classe ociosa e devoradora tem sido constantemente recrutada entre os homens industriosos…”. “O destino da civilização”, declarou ele, “parece ter sido o de elevar os homens das classes trabalhadoras apenas para vê-los trair sua causa e passar para as fileiras de seus inimigos”.[103] Talvez essas palavras tenham sido proféticas em relação ao destino de alguns dos liberais da Restauração, incluindo os próprios pensadores industrialistas.
OUTRAS TEORIAS LIBERAIS DE CONFLITO DE CLASSES
A doutrina industrialista do conflito de classes não foi, de forma alguma, o primeiro nem o único tratamento dessa questão na história da teoria liberal.[104] Nos Estados Unidos, alguns jeffersonianos e jacksonianos também se debruçaram sobre a questão da classe, no sentido politicamente relevante, e chegaram a conclusões que lembram a escola industrialista. John Taylor of Caroline, William Leggett e John C. Calhoun foram observadores e críticos atentos dos grupos sociais que, segundo eles, estavam utilizando o poder político para explorar o restante da sociedade, os produtores.
John Taylor ficou indignado com o que ele viu como a traição dos princípios da Revolução Americana por uma nova aristocracia baseada em “interesses legais separados”, os banqueiros privilegiados por emitir papel-moeda como moeda legal e os beneficiários de “melhorias públicas” e tarifas de proteção. A sociedade americana foi dividida entre privilegiados e desprivilegiados por esse “substancial renascimento do sistema feudal”.[105]
Duas décadas depois, nos anos 1830, o radical nortenho, William Leggett, denunciou as mesmas classes exploradoras. Um jeffersoniano convicto e discípulo de Adam Smith e J.-B. Say, Leggett sustentava que os princípios da economia política eram os mesmos da República Americana: Laissez-faire, não governar demais. Esse sistema de direitos iguais estava sendo derrubado por uma nova aristocracia, entre os quais Leggett destacou especialmente os banqueiros ligados ao Estado para serem atacados.
“Não temos nós, também, nossas ordens privilegiadas? nossa nobreza de escribas? aristocratas, revestidos de imunidades especiais, que controlam, indiretamente, mas com certeza, o poder do Estado, monopolizam a mais copiosa fonte de lucro pecuniário e arrancam a própria crosta da mão do trabalho? Não temos, em suma, como os miseráveis servos da Europa, nosso senhor? Se alguém duvida de como essas perguntas devem ser respondidas, que caminhe pela Wall Street.[106]”
A aristocracia americana naturalmente favorecia um governo forte, incluindo o controle do sistema bancário. Leggett, por outro lado, exigia “a separação absoluta do governo e do sistema bancário e de crédito”.[107]
John C. Calhoun, em sua “Disquisition on Government”, concentrou sua atenção nos poderes tributários do Estado, do qual “o resultado necessário”
“é dividir a comunidade em duas grandes classes: uma que consiste naqueles que, na realidade, pagam os impostos e, é claro, suportam exclusivamente o fardo de sustentar o governo; e a outra, naqueles que são os destinatários de seus recursos por meio de desembolsos e que são, de fato, sustentados pelo governo; ou, em outras palavras, dividi-la em pagadores de impostos e consumidores de impostos. Mas o efeito disso é colocá-los em relações antagônicas no que se refere à ação fiscal do governo e a todo o curso da política a ela relacionada.[108]”
A retórica do conflito de classes liberal foi aplicada com frequência ao longo do século XIX; na Inglaterra, é um tema recorrente na agitação pela revogação das leis dos cereais, usada por Cobden, Bright e outros. Ela é a base do ataque de William Graham Sumner aos “plutocratas”, capitalistas que usam o Estado em vez do mercado para enriquecer.[109]
TRAZENDO O ESTADO DE VOLTA
Atualmente, parece estar em andamento um renascimento do conceito de Estado como criador de classes e conflitos de classe. Por exemplo, um grupo de acadêmicos, incluindo Theda Skocpol, produziu uma antologia com o título significativo de “Bringing the State Back In” (Trazendo o Estado de Volta).[110] Em um capítulo introdutório,[111] Skocpol fala de “uma mudança intelectual radical” que está ocorrendo, pela qual as “formas centradas na sociedade de explicar a política e as atividades governamentais”, populares nas décadas de 1950 e 1960, estão sendo revertidas, e o próprio governo é visto como “um ator independente”.
Devemos reconhecer, afirma ela, a capacidade do Estado de agir independentemente dos vários grupos da “sociedade civil” de forma mais sistemática do que a permitida pela noção marxista de “autonomia relativa”. Em particular, no que diz respeito às relações com outros Estados, um Estado pode, muitas vezes, agir de maneiras que não podem ser explicadas por sua preocupação com interesses privados, nem mesmo com interesses privados coletivos. Skocpol observa que, embora as ações do Estado sejam muitas vezes justificadas com referência à sua adequação aos interesses de longo prazo da sociedade ou aos benefícios que delas resultam para vários grupos sociais (o que tenderia a deslocar o centro das atenções mais uma vez para a sociedade), “as ações autônomas do Estado assumirão regularmente formas que tentam reforçar a autoridade, a longevidade política e o controle social das organizações estatais cujos titulares geraram as políticas ou ideias políticas relevantes”. Citando Suzanne Berger, Skocpol enfatiza que a visão de que os “interesses” sociais determinam a política é unilateral e superficial, senão por outro motivo, porque
“O momento e as características da intervenção estatal afetam “não apenas as táticas e estratégias organizacionais”, mas “o conteúdo e a definição do próprio interesse”… Alguns estudiosos enfatizaram diretamente que as iniciativas do Estado criam formas corporativistas… a formação, e muito menos as capacidades políticas, de fenômenos puramente socioeconômicos, como grupos e classes de interesse, depende em grande parte das estruturas e atividades dos próprios Estados que os atores sociais, por sua vez, buscam influenciar.[112]”
CONFLITO DE CLASSES EM REGIMES MARXISTAS
Partindo de um ponto de vista científico, a teoria liberal — que localiza a fonte do conflito de classes no exercício do poder do Estado — parece ter pelo menos uma vantagem significativa sobre a análise marxista convencional: a teoria liberal é capaz de lançar luz sobre a estrutura e o funcionamento das próprias sociedades marxistas. “A teoria dos comunistas”, escreveu Marx, “pode ser resumida em uma única frase: Abolição da propriedade privada”.[113] No entanto, as sociedades comunistas, que essencialmente aboliram a propriedade privada, não parecem estar no caminho da abolição das classes. Isso levou a um profundo exame de consciência e a uma análise confusa entre os teóricos marxistas e a reclamações justificadas sobre a inadequação de uma análise puramente “econômica” do conflito de classes para explicar a realidade empírica dos países socialistas.[114] No entanto, a teoria liberal do conflito de classes é ideal para lidar com esses problemas em um contexto em que o acesso à riqueza, ao prestígio e à influência é determinado pelo controle do aparato estatal.
[Este artigo foi extraído do capítulo 5 do livro “Requiem for Marx” e baseia-se em uma palestra proferida na conferência Marx and Marxism do Mises Institute, realizada em outubro de 1988. A palestra do professor Raico está disponível em MP3.]
REFERÊNCIAS
- [1] “O conceito de classe tem uma importância central na teoria marxista, embora nem Marx nem Engels jamais o tenham exposto de forma sistemática.” Tom Bottomore, “Class”, em idem, ed., A Dictionary of Marxist Thought (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1983), p. 74; cf. outro teórico marxista contemporâneo, Charles Bettelheim, “Reflections on Concepts of Class and Class Struggle in Marx’s Work”, trans. Carole Biewener, em Stephen Resnick e Richard Wolff, orgs., Rethinking Marxism: Struggles in Marxist Theory. Essays for Harry Magdoff and Paul Sweezy (Brooklyn, N.Y.: Autonomedia, 1985), p. 22: Marx “não chegou a uma concepção única e coerente das classes e das lutas de classes”.
- [2] Karl Marx e Friedrich Engels, Selected Works in Three Volumes (Moscou: Progress Publishers, 1983), I, pp. 108-9.
- [3] Cf. Ludwig von Mises, Theory and History: An Interpretation of Social and Economic Evolution (New Haven: Yale University Press, 1957), p. 113: “Marx ofuscou o problema ao confundir as noções de casta e classe”.
- [4] Karl Marx, Capital: A Critique of Political Economy, III, The Process of Capitalist Production as a Whole, Friedrich Engels, ed. (Nova York: International Publishers, 1967), pp. 885-86.
- [5] Ibid., Friedrich Engels, “Preface,” p. 3.
- [6] Ibid., p. 7.
- [7] Jérôme-Adolphe Blanqui, Histoire de l’Economie Politique en Europe depuis les anciens jusqu’à nos jours (Paris: Guillaumin, 1837), p. x. (Itálico no original.) Ernst Nolte, Marxismus und Industrielle Revolution (Stuttgart: Klett-Cotta, 1983), p. 599, 79n, observa que Engels atacou a “miserável história da economia” de Blanqui em um artigo de jornal pouco antes de escrever os Princípios do Comunismo, que Marx utilizou para escrever o Manifesto. Os Princípios, no entanto, não contêm nada semelhante às linhas de abertura da primeira seção do Manifesto; cf. The Communist Manifesto of Karl Marx and Friedrich Engels, D. Ryazanoff, ed. (1930; repr., Nova York: Russell and Russell, 1963), pp. 319-40.
- [8] Blanqui, Histoire, pp. x–xi.
- [9] Marx para J. Weydemeyer, 5 de março de 1852, Karl Marx and Friedrich Engels, Selected Correspondence (Moscou: Progress Publishers, 1965), pp. 67-70.
- [10] Ibid., p. 69. Marx afirma aqui que suas próprias contribuições se limitam a ter demonstrado que as classes não são uma característica permanente da sociedade humana e que a luta de classes levará à ditadura do proletariado e, consequentemente, a uma sociedade sem classes. Charles Bettelheim, “Reflections on Concepts of Class”, p. 16, concorda com Marx nesse ponto: “Na falta desses elementos [“polarização, tendência histórica, resultado final”], nos deparamos com uma concepção já defendida há muito tempo por vários historiadores que reconhecem a existência de lutas de classe e sua ação no curso da história.”
- [11] O terceiro é o escritor inglês John Wade, muito menos significativo. Mais adiante na carta, Marx se refere aos economistas Ricardo, Malthus, Mill, Say, etc., que revelaram como as “bases econômicas das diferentes classes estão fadadas a dar origem a um antagonismo necessário e sempre crescente entre elas”. Marx e Engels, Selected Correspondence, p. 69. Vale a pena observar que, na mesma carta, Marx ridiculariza a visão do “fátuo [Karl] Heinzen”, de que “a existência de classes [está ligada] à existência de privilégios políticos e monopólios…” Ibid., ênfase no original.
- [12] Marx para Engels, 27 de julho de 1854, Selected Correspondence, p. 87.
- [13] Engels para H. Starkenburg, 25 de janeiro de 1894, Selected Correspondence, p. 468.
- [14] Em sua biografia clássica de Marx, Franz Mehring traça essa concepção até o período de Marx em Paris, em 1843-44: “O estudo da Revolução Francesa o levou à literatura histórica do ‘Terceiro Estado’, uma literatura que se originou sob a restauração Bourbon e foi desenvolvida por homens de grande talento histórico que acompanharam a existência histórica de sua classe até o século XI e apresentaram a história francesa como uma série ininterrupta de lutas de classe. Marx deveu seu conhecimento da natureza histórica das classes e de suas lutas a esses historiadores… Marx sempre negou ter originado a teoria da luta de classes.” Franz Mehring, Karl Marx: The Story of His Life, (1918) Edward Fitzgerald, trans. (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1962), p. 75. David McLellan analisa o processo descrito por Mehring quando afirma, em Karl Marx: His Life and Thought (Nova York: Harper and Row, 1973), p. 95: “Foi sua leitura [de Marx] da história da Revolução Francesa no verão de 1843 que lhe mostrou o papel da luta de classes no desenvolvimento social”. Nem Guizot nem Thierry se concentraram na Revolução em suas obras; de qualquer forma, é a ênfase deles na luta de classes como uma constante que abrange séculos de história medieval e moderna que se reflete no relato marxiano.
- [15] V.I. Lenin, State and Revolution (1917) (Nova York: International Publishers, 1943), p. 30: “A teoria da luta de classes não foi criada por Marx, mas pela burguesia antes de Marx e é, de modo geral, aceitável para a burguesia”. (Itálico no original.) A última parte da declaração de Lênin, no entanto, é problemática.
- [16] Ver Ralph Raico, “Review Essay: The Rise and Decline of Western Liberalism”, Reason Papers 14 (primavera de 1989): 163-64.
- [17] Leonard P. Liggio teve o mérito de reconhecer a importância dos escritores industrialistas e de ser pioneiro no estudo de seu pensamento nos últimos anos; veja seu artigo altamente importante, “Charles Dunoyer and French Classical Liberalism”, Journal of Libertarian Studies 1, no. 3 (1977): 153-78 (cujo escopo é consideravelmente mais amplo do que o sugerido pelo título) e as obras relevantes citadas nas notas finais, bem como, idem, “The Concept of Liberty in 18th and 19th Century France”, Journal des Économistes et des Études Humaines 1, no. 1 (primavera de 1990), e idem, Charles Dunoyer and the Censeur: A Study in French Liberalism ( a ser publicado); também, Charles Dunoyer, “Notice Historique sur l’Industrialisme,” Oeuvres de Charles Dunoyer 3, Notices de l’Economie Sociale (Paris: Guillaumin, 1880), pp. 173-199; Ephraïm, “Notice Historique sur l’Industrialisme,” Oeuvres de Charles Dunoyer 3, Notices de l’Economie Sociale (Paris: Guillaumin, 1880), pp. 173-199; Ephraïm Harpaz, “‘Le Censeur Européen’: Histoire d’un Journal Industrialiste”, Revue d’Histoire Economique et Sociale 37, no. 2 (1959): 185-218, e 37, no. 3 (1959): 328-357; Élie Halévy “The Economic Doctrine of Saint-Simon,” (1907), em The Era of Tyrannies: Essays on Socialism and War, R. K. Webb, trans. (Garden City, N.Y.: Anchor/DoubledaY, 1965), pp. 21-60; Edgard Allix, “J.-B. Say et les origines d’industrialisme”, Revue d’Économie Politique 24 (1910): 304-13, 341-62.
- [18] O que atraiu Jefferson foi a condenação de Tracy ao esbanjamento da riqueza social pelo governo por meio de dívidas públicas, impostos, monopólios bancários e gastos, o que se assemelhava às suas próprias opiniões anti-Hamiltonianas. Emmet Kennedy, A Philosophe in the Age of Revolution: Destutt de Tracy and the Origins of “Ideology,” (Filadélfia: American Philosophical Society, 1978), p. 228.
- [19] Antoine Destutt de Tracy, A Treatise on Political Economy, Thomas Jefferson, ed. (1817; Nova York: Augustus M. Kelley, 1970), p. 6.
- [20] Emmet Kennedy, A Philosophe in the Age of Revolution, p. 180. Isso leva Kennedy a se referir erroneamente à posição de Tracy como uma forma de “determinismo econômico”.
- [21] Ibid., p. 183.
- [22] Ibid., pp. 270-72. Em um momento posterior, Kennedy se refere a Augustin Thierry e Dunoyer como “velhos amigos” de Destutt de Tracy; ibid., p. 290. Consulte também Cheryl B. Welch, Liberty and Utility: The French Ideologues and the Transformation of Liberalism (Nova York: Columbia University Press, 1984), pp. 157-158. Augustin Thierry, em sua análise do Commentaire sur L’Esprit des Lois de Montesquieu, de Tracy, afirma que: “os princípios do Commentaire também são nossos”. Censeur Européen 7 (1818): 220.
- [23] Charles Dunoyer, “Notice Historique”, pp. 175-76; Ephraïm Harpaz, “‘Le Censeur Européen'”: 197.
- [24] Allix, “J-B. Say et les origines de l’industrialisme”: 305.
- [25] Ibid. Michael James, “Pierre-Louis Roederer, Jean-Baptiste Say, and the Concept of Industry”, History of Political Economy 9, no. 4 (Winter 1977): 455-75, argumenta a favor da dívida de Say com o Ideólogo Roederer em relação a alguns conceitos importantes, mas garante que foi Say quem influenciou direta e poderosamente o grupo Censeur Européen.
- [26] Harpaz, “Le Censeur Europen”: 204-05.
- [27] Censeur Européen 1 (1817): 159-227; 2 (1817): 169-221.
- [28] Jean-Baptiste Say, Cathéchisme d’Économie Politique, ou Instruction Familière (Paris: Crapelet, 1815), p. 14.
- [29] Allix, “J.-B. Say et les origines de l’industrialisme,”: 309. Cf. Harpaz, “‘Le Censeur Europeen'”: 356: “O imenso progresso da civilização material moderna é esboçado, ou pelo menos sugerido, nos doze volumes do Censeur Européen.”
- [30] Allix, “J.-B. Say et les origines de l’industrialisme”: 341-44.
- [31] Jean-Baptiste Say, A Treatise on Political Economy, or the Production, Distribution, and Consumption of Wealth, C. R. Prinsep, trans. da 4ª ed. (1880; Nova York: Augustus M. Kelley, 1964), pp. 146-47 (grifo nosso). Foi argumentado de forma persuasiva que Say foi uma fonte importante para a teoria moderna de “rent-seeking”; Patricia J. Euzent e Thomas L. Martin, “Classical Roots of the Emerging Theory of Rent Seeking: the Contribution of Jean-Baptiste Say,” History of Political Economy 16, no. 2 (verão de 1984): 255 – 62. Como Euzent e Martin apontam, Say sabia por que “aqueles que se dedicam a qualquer ramo específico de comércio estão tão ansiosos para se tornarem objeto de regulamentação…” Treatise, pp. 176-77.
- [32] Allix, “J.-B. Say et les origines de l’industrialisme”: 312.
- [33] Como Dunoyer, “Notice historique”, p. 179, disse: “Se é duvidoso que esses escritores tenham percebido as consequências políticas de suas observações relativas à indústria, essas observações lançaram uma nova luz sobre a política que foi singularmente favorável ao seu progresso. Seus escritos caíram nas mãos de vários homens que estavam fazendo dessa ciência seu estudo especial e provocaram uma revolução em suas ideias. Esse foi notavelmente o efeito que esses escritos produziram nos autores do Censeur.”
- [34] Charles Comte, “Considérations sur l’état moral de la nation française, et sur les causes de l’instabilité de ses institutions”, Censeur Européen 1: 1-2, 9. A semelhança com a análise de Franz Oppenheimer é óbvia. Veja seu The State, John Gitterman, trans. e C. Hamilton, introdução (Nova York: Free Life, 1975).
- [35] Charles Comte, “Considérations sur l’état moral”, Censeur Européen 1:11.
- [36] Ibid.: 19.
- [37} Ibid.: 9.
- [38] Charles Comte, “De l’organisation sociale considérée dans ses rapports avec les moyens de subsistence des peuples”, Censeur Européen 2 (1817): 22.
- [39] Charles Comte, “Considerations sur l’état moral”, Censeur Européen 1:14. O trabalho de Thierry sobre a conquista normanda já é prenunciado nesse primeiro ensaio de Comte, em seu ataque a Guilherme, o Conquistador. Ibid.: 19-20.
- [40] Ibid., pp. 20-21.
- [41] Ibid., pp. 21.
- [42] Ibid.
- [43] Charles Dunoyer, “Du systéme de l’équilibre des puissances européenses”, Censeur Européen 1 (1817): 119-26.
- [44] Ibid., p. 120.
- [45] Ibid., p. 131.
- [46] Ibid., p. 132
- [47] Charles Comte, “De l’organisation sociale”, Censeur Européen 2: 33..
- [48] Charles Dunoyer, “Du système de l’équilibre”, Censeur Européen 1:124. Dunoyer continua afirmando (124): “Se, ao prestar precisamente esse serviço [proteção da liberdade e da propriedade] a eles [os membros da sociedade], ela os faz pagar mais do que vale, mais do que o preço pelo qual eles poderiam obtê-lo por si mesmos, então tudo o que ela toma em acréscimo é algo verdadeiramente subtraído deles e, a esse respeito, ela age de acordo com o espírito da rapina.” Deve-se notar que Dunoyer está enfrentando um problema aqui, na medida em que ele concorda com o governo monopolista com poderes tributários. O mesmo é verdade em relação à sua afirmação (125) de que o governo, ao fornecer segurança, “não deveria tê-los obrigado [os cidadãos] a pagar mais do que naturalmente deveria custar [ce qu’il devrait naturellement coûter]”.
- [49] “Considérations sur l’état moral,” Censeur Européen, vol. 1: 88–89.
- [50] “De l’organisation sociale,” Censeur Européen, vol. 2: 29–30.
- [51] Veja, entretanto, o artigo de Patricia J. Euzent e Thomas L. Martin, na nota 31 acima.
- [52] “De l’influence qu’exercent sur le gouvernement les salaires attaches à l’exercice des fonctions publiques”, Censeur Européen, vol. 11 (1819): 75 – 118. 11 (1819): 75 – 118.
- [53] Ibid., p 77.
- [54] Ibid., p 78.
- [55] Ibid., p 80.
- [56] Ibid., p 81-82.
- [57] Ibid., p 86.
- [58] Ibid., p 88.
- [59] Ibid., p 89.
- [60] Ibid., p 103
- [61] Richard N. Hunt, The Political Ideas of Marx and Engels: I Marxism and Totalitarian Democracy, 1818-1850 (Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1974), pp. 124-3 1; David Conway, A Farewell to Marx: An Outline and Appraisal of his Theories (Harmondsworth: Penguin, 1987), pp. 162 – 64; Ralph Raico, “Classical Liberal Exploitation Theory A Comment on Professor Liggio’s Paper,” Journal of Libertarian Studies 1, no. 3 (1977): 1793.
- [62] Em Marx and Engels, Selected Works, vol. 1, p. 477.
- [63] Ibid. ver também a p. 432.
- [64] Ibid., vol. 2, p. 222.
- [65] Hunt, The Political Ideas of Marx and Engels, p. 124.
- [66] Estou usando o termo aqui no sentido marxista, não no sentido idéologue.
- [67] “Considérations sur l’état moral,” Censeur Européen, 1: 29–30.
- [68] Ibid., pp. 36–37n.
- [69] Sobre Thierry, consulte A. Augustin-Thierry, Augustin Thierry (1795-1856), d’après sa correspondance et ses papiers de famille (Paris: Plon-Nourrit, 1922); Kieran Joseph Carroll, Some Aspects of the Historical Thought of Augustin Thierry (1795 – 1856) (Washington, D.C.: Catholic University of America Press, 1951); Rulon Nephi Smithson, Augustin Thierry. Social and Political Consciousness in the Evolution of Historical Method (Genebra: Droz, 1973); e Lionel Grossman, Augustin Thierry and Liberal Historiography, Theory and History, Betheft 15 (Wesleyan University Press, 1976).
- [70] Censeur Européen, 7: 191-260. Uma versão em inglês desse ensaio, um pouco reorganizada, foi traduzida por Mark Weinberg e publicada sob o título Theory of Classical Liberal “Industrielisme,” Prefácio por Leonard P. Liggio, pelo Center for Libertarian Studies (Nova York, 1978).
- [71] Censeur Européen, 7: 228 and 230.
- [72] Ibid.: 206 and 205.
- [73] Ibid.: 244.
- [74] Ibid.: 218.
- [75] Ibid.: 256-57. Ênfase adicionada.
- [76] Ibid.: 257-58.
- [77] Ibid.: 251-52.
- [78] Ibid.: 255.
- [79] “Consideratjons sur l’état moral,” Censeur Européen, 1: 6.
- [80] Charles Comte, “De la multiplication des pauvres, des gens a places, et des gens a pensions,” Censeur Européen, 7: 1n.
- [81] Consulte também a nota 49, acima.
- [82] Cf. Shirley M. Gruner, Economic Materialism and Social Moralism (The Hague/Paris: Mouton, 1973), pp. 108–10.
- [83] Ibid., p. 110.
- [84] Dietrich Gerhard, “Guizot, Augustin Thierry, und die Rolle des Tiers État in der französischen Geschichte,” Historische Zeitschrift, 190, no. 2 (1960): 305.
- [85] Ibid.: 307.
- [86] François Mignet, “Le comte Sieyès: Notice,” Notices e tportraits historiques et littéraires, vol. 1 (Paris: Charpentier, 1854), p. 88 (grifo nosso).
- [87] François Miget, “Charles Comte: Notice,” ibid., vol. 2, p. 102.
- [88] “Depois de muito tempo e trabalho perdidos na obtenção de resultados artificiais, percebi que estava falsificando a história ao impor fórmulas idênticas a períodos totalmente diferentes.” Augustin Thierry, Dix Ans d’Études Historiques (1834; Paris: Fume, 1851), p. 3. Sobre suas visões políticas liberais radicais anteriores, ele diz: “Eu aspirava entusiasticamente por um futuro do qual não tinha uma ideia muito clara (…) [vers un avenir, je ne savais trop lequel].” Ibid., p. 7.
- [89] Ibid., pp. 6–7.
- [90] Ibid., pp. 8.
- [91] Ibid., pp. 12.
- [92] Citado em Peter Stadler, “Politik und Geschichtsschreibung in der französischen Restauration 1814 — 1830,” Historische Zeitschrift 180, no. 2 (1955): 283.
- [93] Augustin Thierry, Essai sur l’Histoire de la Formation et des Progrès du Tiers État (1853), nova edição revisada (Paris: Calmann Lévy, 1894), pp. 172-73.
- [94] Ibid., pp. 189 and 195.
- [95] Ibid., pp. 1-2.
- [96] Ibid., pp. 2.
- [97] Marx discute o Essai de Thierry na carta a Engels citada na nota 12, acima. É interessante notar que ele elogia Thierry por descrever “bem, se não como um todo conectado: (1) Como desde o início, ou pelo menos após o surgimento das cidades, a burguesia francesa ganha muita influência ao constituir o Parlamento, a burocracia etc., e não como na Inglaterra, por meio do comércio e da indústria. Isso certamente ainda é característico até mesmo da França atual.” Marx e Engels, Selected Correspondence, p. 88.
- [98] Veja, por exemplo, o panfleto popular de “Timon” (Louis-Marie Cormenin de la Haye), Ordre du Jour sur Ia Corruption Électorale, 7ª ed. (Paris: Pagnerre, 1846).
- [99] Recollections, trans. Alexander Teixeira de Mattos (New York: Meridian, 1959), pp. 2–3.
- [100] Allix, “J.-B. Say et les origines d’industrialisme” 318–19.
- [101] A. Augustin-Thierry, Augustin Thierry, p. 114.
- [102] Ibid., p. 131.
- [103] “Sur l’état present,” Censeur Européen, 2:97.
- [104] Ver Ralph Raico, “Classical Liberal Exploitation Theory”: 179–83.
- [105] Eugene Tenbroeck Mudge, The Social Philosophy of John Taylor of Caroline: A Study in Jeffersonian Democracy (1939; New York: AMS Press, 1968), pp. 151–204 e passim.
- [106] William Leggett, Democratick Editorials: Essays in Jacksonian Political Economy, Lawrence H. White, ed. (Indianápolis: Liberty Press, 1984), pp. 250-51. Consulte também Lawrence H. White, “William Leggett: Jacksonian Editorialist as Classical Liberal Political Economist”, History of Political Economy 18, no.2 (verão de 1986): 307-24.
- [107] William Leggett, Democratick Editorials, p. 142.
- [108] John C. Calhoun, A Disquisition on Government and Selections from the Discourse, C. Gordon Post, ed. (Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1953), pp. 17–18.
- [109] Veja, por exemplo, Harris E. Starr, William Graham Sumner, (Nova York: Henry Holt, 1925), pp. 241 e 458.
- [110] Theda Skocpol, Bringing the State Back In: Strategies of Analysis in Current Research (Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press, 1985). O título deriva de um ensaio anterior de Skocpol.
- [111] Ibid., pp. 3–37.
- [112] Um estudioso que enfatizou o papel do Estado na criação de formas corporativistas e, portanto, de “interesse de classe” (embora ele preferisse o termo sociologicamente mais preciso “casta” a “classe”) foi Ludwig von Mises; veja seu Theory and History, pp. 113-15. Mises, que examinou esse tópico há trinta anos, não é mencionado por Skocpol. Consulte também Murray N. Rothbard, Power and Market: Government and the Economy (Menlo Park: Institute for Humane Studies, 1970): pp. 12-13, onde Rothbard afirma: “Tornou-se moda afirmar que os ‘conservadores’, como John C. Calhoun, ‘anteciparam’ a doutrina marxiana da exploração de classe. Mas a doutrina marxiana sustenta, erroneamente, que existem “classes” no mercado livre cujos interesses se chocam e entram em conflito. A percepção de Calhoun foi quase o contrário. Calhoun percebeu que foi a intervenção do Estado que, por si só, criou as ‘classes’ e o conflito.” Rothbard também prefere o termo “casta”: “As castas são grupos criados pelo Estado, cada um com seu próprio conjunto de privilégios e tarefas estabelecidos.” Ibid., p. 198, 5n.
- [113] “Manifesto of the Communist Party,” em Karl Marx and Friedrich Engels, Selected Works, I, p. 120.
- [114] George Konrad and Ivan Szelényi, The Intellectuals on the Road to Class Power, Andrew Arato and Richard E. Allen, trans. (New York/London: Harcour-Brace Jovanovich, 1979), pp. xiv-xvi, 39–44. e passim.