A ideia de reciprocidade é algo profundamente inquietante porque na mesma medida em que justa, é simplesmente incompatível com a práxis. Pense bem, como é que poderia se dar a estrutura da interação social senão pela iniciativa? A iniciativa é o ato originador da interação.
Alguém há de efetivamente começar a interação e esse mesmo alguém por ter dado o primeiro passo não pode esperar reciprocidade do outro. Isso continua numa linha tão geral quanto metódica onde parecemos esperar esses estados na mesma medida em que não o sabemos definir.
Afinal, mesmo que os expressemos em formas genéricas, essas formas gerais nada podem dizer das formas específicas da interação. O entendimento dessa forma elevada da reciprocidade pode nos levar a uma confirmação estranha: ansiamos por algo que não possui uma forma definida.
Ansiamos pelas falas, atitudes e ações dos outros em relação a nós e nem sequer sabemos afirmar quais são exaustivamente as falas, atitudes e ações senão por princípios gerais que nada dizem das ações específicas. Essa percepção de que lidamos com abstrações nos leva a refletir até que ponto nós realmente podemos esperar e cobrar algo tal qual uma reciprocidade senão como um abstrato ideal que nada diz do que é aquela relação em si?
Até que ponto podemos afirmar algo que pareça remotamente com justiça vindo de algo que não se performa por meio de uma razão que atenda aos casos particulares, mas uma razão que engloba um princípio que pode simplesmente não se coadunar com o caso presente?
Esse é meu problema com estruturas como o estoppel. Elas são, em certa medida, belos demonstrativos de uma realização efetiva abstrata, mas que não são capazes de descrever especificamente os casos em suas próprias medidas senão pela analogia sistemática dos casos gerais.
Kant foi um dos primeiros que começou a falar de reciprocidade, hoje, me pergunto em que medida ele a conheceu e se gostaria de ter conhecido. É interessante observar essa dinâmica em “O Banquete”, de Platão, onde argumentam acerca da relação entre amante e amado, sendo o objetivo do amado fisgar o amante e o objetivo do amante tornar o amado também em amante, sendo essa situação o marco da reciprocidade.
Sobre a reciprocidade em si, creio que cobrar dela uma forma definida seria como cobrar da amizade ou do companheirismo uma forma definida; são entes, ondulações na alma (psicologicamente falando), ritmos que guiam a matéria do si, e com isso produzem um direcionamento em favor à busca do objeto a que o ente direciona, gerando comportamentos que, ao serem mutuamente performados, consolidam-se em um padrão a que chamamos amor ou amizade.
Sendo assim, enxergo o amor e a amizade como entes que se propagam, moldes etéreos que ondulam o comportamento, de maneira que o ente em interação com a essência de cada ser humano e os demais entes que guiam seu comportamento geram um resultado em ato, que forma o tal padrão de comportamento a que atribuímos o amar.
Este padrão, no entanto, depende de inúmeros fatores, psíquicos e materiais, e só se pode afirmar com certeza a reciprocidade da encarnação de determinado ente quando se utiliza o efeito do ente em si para observá-lo em suas diversas facetas e apreender o ente como aditivo a outrém. Creio que o conhecimento da reciprocidade se dá a partir da propagação de mesmo ente em amante e amado e ao possuir-se experiência e molde prévio ou momentâneo do ente em si próprio.
É necessário amar ou ter amado para reconhecer as diversas manifestações de amor e compreender o padrão de comportamento daquele que ama, mas também é necessário, para este último fim, conhecer também a essência da personalidade daquele que ama, e talvez só assim reconheça-se e observe-se que tal pessoa ama.
Coautor: Erick Kerbes – Twitter: (@kingocarrot)
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