Este texto é uma continuação do artigo “Sobre o libertariansmo nas ruas”
A mídia, a engenharia do consentimento e o medo
O que o Oráculo faz em Matrix é a chamada Engenharia do Consentimento. O Oráculo introduz todas as informações de forma a controlar boa parte das motivações dos humanos. Mantendo assim suas ações dentro de um esperado padrão. Algo muito próximo ao que a mídia faz em nosso mundo real.
De fato, dos três poderes da república, o mais temido é o quarto. A mídia possui os meios para transformar um candidato em um herói nacional, condená-lo publicamente, cassar seu mandato, lhe atribuir amor ou ódio popular, causar medo, mastigando e digerindo informações que são passadas diretamente aos cidadãos.
Exatamente como em 1984, onde George Orwell retratou com o “grande irmão” fiscalizando os cidadãos pelo aparelho televisor, os grandes conglomerados de mídia possuem tentáculos profundos em nosso tecido social induzindo situações e controlando reações.
A rotina exaustiva nas grandes metrópoles é um grande fator determinante para a exposição dos cidadãos ao poder de engenharia de consentimento pela grande mídia. Cansados, aceitam sem contestar as informações processadas, embutidas e enlatadas dos telejornais. Trata-se da pílula azul, de Matrix. Um confortável véu de ignorância que impede o humano de acessar a verdade.
Como mencionado anteriormente, Fernando Collor de Melo foi beneficiado pelo Grupo Globo, maior grupo de mídia de banânia e um dos maiores do mundo, durante as eleições e quando resolveu opor-se ao oligopólio das montadoras de veículo, grandes clientes do grupo, sua remoção do cargo tornou-se vital para esta emissora, que iniciou uma verdadeira cruzada ao político, que gerou uma CPI, Comissão Parlamentar de Inquérito, e culminou em um processo de Impeachment, que mesmo após a renuncia de Collor lhe condenou.
É possível observar a manipulação midiática em todas as eleições. Sempre há um candidato que representaria o apocalipse, um antagonista, aquele que “trará o Comunismo a banania,” ou ainda que “vai matar negros e pobres nas ruas”. Trata-se do uso do medo, como informação, de forma a manter as motivações dos telespectadores, ouvintes e leitores dentro de um “padrão previsível”.
O medo é um dos instintos mais primitivos entre os humanos, trata-se do estado afetivo suscitado pela consciência do perigo ou que, ao contrário, suscita essa consciência. Foi primordial para garantir a sobrevivência do humano primitivo e ainda possui grande relevância dentre os fatores decisivos do homem moderno.
Com as rédeas em mãos, a grande mídia utiliza o medo para direcionar as ações de seu público de forma a manter seu público e as ações políticas dentro de um padrão que lhe seja minimamente previsível. Assim, a mídia pauta a política institucionalizada de forma a manter o controle sobre “as bordas da janela de Overton”[1].
Você deve ter percebido que neste texto preferi utilizar a expressão: “mídia” à expressão “imprensa”. Podem direcionar-se ao mesmo corpo de profissionais, contudo, não são sinônimos.
Vejamos os significados:
- Imprensa é a designação coletiva dos veículos de comunicação que exercem o Jornalismo e outras funções de comunicação informativa – em contraste com a comunicação puramente propagandística ou de entretenimento.
- Mídia vem do Latim “media”, significa meios, designa a função, o profissional, a área, o trabalho de mídia ou o ato de planejar, desenvolver, pensar e praticar mídia, nas agências de publicidade. E depois, passou a usar-se também para os meios de comunicação em geral.
Desta forma, temos que o termo “imprensa” não se relaciona com conteúdos propagandísticos e de puro entretenimento, neste texto incluo estes conteúdos, pois na engenharia do consentimento são induzidas necessidades, vontades, medos, desejos e até paixões ao público, por todos os meios midiaticamente possíveis, comerciais, filmes, telenovelas, reality shows, telejornais, há toda uma gama de produtos para manipulação e indução da massa.
Com efeito, a mídia só dará atenção a estas manifestações de rua enquanto a pauta for compatível com seus interesses ou de seus clientes. Trata-se de mera ilusão e uma gigantesca ingenuidade o libertário acreditar que será exposto em qualquer destas mídias sem que haja uma vexatória ridicularização e uma tosca exposição de uma versão cômica e distorcida de suas ideias.
O libertário será ridicularizado, pintado como um esquizofrênico, exposto como um utópico lunático. Afinal, “onde já se viu? Quem esse cara pensa que ele é para querer realizar suas conexões sociais e fazer trocas voluntárias sem um parasita, um bandido estacionário, lhe medindo, regulando e punindo?”.
Todo aquele que sair do padrão do Oráculo, ops… mídia, será marginalizado e desmoralizado. Serão utilizadas falácias[2] e outros meios ardis para desmerecer a pauta, o importante para a grande mídia não é a qualidade da informação mas o quanto estas informações veiculadas poderão ser utilizadas para a construção de uma narrativa que lhes permita a engenharia do consentimento.
A imprensa contudo, ao contrário do estado, não é essencialmente má e agressora. Apesar da toda a sujeira dos oligopólios e grandes conglomerados, a atividade de imprensa livre é essencial.
A informação e sobretudo a clareza nas informações é primordial para que o indivíduo formule seu juízo de valor. O juízo de valor de cada indivíduo é formado por ética, moral e consciência. As informações serão comparadas com o juízo individual e produzir motivações ou propósitos, os quais levarão o indivíduo a agir.
Até mesmo parasitas burocratas como Imperadores e políticos reconhecem a importância da informação na sociedade:
“O canhão matou o feudalismo; a tinta matará a sociedade moderna.”
Napoleão Bonaparte“Nossa liberdade depende da liberdade de imprensa, e ela não pode ser limitada sem ser perdida.”
Thomas Jefferson
No mesmo sentido se posicionam o romancista Orwell e, mais recentemente, o Cipherpunk Julian Assange:
“Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.”
George Orwell
“A liberdade é a liberdade de dizer que dois e dois são quatro. Quando se concorda nisto o resto vem por si.”
George Orwel“Não deve haver mais conversas tolas sobre perseguir qualquer meio de comunicação, seja o Wikileaks, seja o ‘The New York Times’.”
Julian Assange
Ora, e como não? o mesmo “poder” que pode ser utilizado para o mal, como frisamos neste capítulo, também poderiam ser utilizado para o bem.
O problema apontado aqui é a influência e existência de agressores, manipuladores, profissionais fajutos e redações vis, tais comportamentos sequer seriam aceitos em uma sociedade pautada em uma moral anti-agressão, seriam imediatamente removidos fisicamente, e nada importaria quanto dinheiro, apadrinhamento ou anunciantes estes agressores possuíssem.
Os sequestros do método e da pauta
O sequestro do método
De vez em quando uma parcela da população unida em protestos, levando uma mensagem, paralisando uma via, chamando atenção para um determinado ponto, poderia até ser um método midiaticamente relevante para a publicidade de uma pauta popular.
Poderia, mas não mais o é.
Por definição, a democracia é a sobreposição da ideia de uma maioria sobre uma minoria. Qual a diferença de como estas ideias da minoria serão expostas? A não ser que a mobilização conte com a adesão da maioria, ou seja, 50{7529245626f123a0a11bf41889cb8ba690cb90c74fae02a36ee52efe2dc2d99a}+1 (no Brasil, mais de 100 milhões de pessoas) daqueles eleitores, os políticos irão simplesmente ignorar.
Trabalhei em um dos locais preferidos dos manifestantes, a Av. Paulista, e é simplesmente incrível a quantidade de manifestações por ali. Em mais de 2 anos, rara foi uma quinta ou sexta-feira em que não houvesse a “paralisação da via”.
Eram sindicatos de funcionários protestando por melhores salários, contra projetos de lei de previdência, a favor de políticos de esquerda, a favor de políticos de direita, comemorando títulos de futebol ou lamentando fatos e atrocidades pelo mundo, a única certeza que se tem é que NINGUEM MAIS SEQUER LIGA.
Os motoristas de taxi e aplicativos de mobilidade urbana, já sabem como evitar estas manifestações, os programas de TV e de rádio já sabem como cobrir de forma a evidenciar os impactos no transito e não as pautas, os trabalhadores da região já sabem como contornar os impactos destas manifestações para ir ao trabalho e retornar à suas casas.
De fato, só é possível chamar a atenção do transeunte desavisado que se encontra em meio a uma algazarra destas e ao invés de criar empatia pela a pauta, cria-se um distanciamento entre este e os mobilizados, uma vez que lhe causaram apenas desconforto e não aproximação.
Como mencionado, o método encontra-se saturado, em uma metrópole como São Paulo, nem o trânsito causado por estas aglomerações consegue chamar a atenção para a pauta proposta, de fato, e infelizmente, bons propósitos e boas reivindicações seriam perdidas em meio a tantas e tantas manifestações sem qualquer efeito prático.
Porém, não irei negar que é possível algum benefício “à causa”. É possível que estas reuniões de pessoas atraiam os mais diversos interesses e dentre estes interessados, muitas pessoas que jamais tiveram contato com conteúdo libertário tenham um primeiro contato, contudo, vejam, o benefício seria apenas trazer alguns dos manifestantes à causa libertária e não levar publicidade à causa libertária por meio deste método.
Sequestro da pauta
As pautas das manifestações refletem uma vontade popular e, portanto, possuem certo grau de legitimidade formal, ou seja, a manifestação de vontade é publica e voluntária entre os manifestantes, então qual é o problema com a exposição de ideias da parte dos manifestantes?
Por principio, o estado não possui qualquer legitimidade, seja formal, aquela que produz efeitos entre os agentes, seja material, aquela que produz efeitos para além dos agentes.
Mesmo pautas formalmente legítimas necessitariam gozar de unanimidade dos que serão impactados, os “contribuintes” e “jurisdicionados”, para ter legitimidade material, o que somente ocorre nas pautas sob o prisma da ética.
Explico: o estado, apesar de ilegítimo de todas as formas possíveis(formal e material), não erra ao condenar crimes contra a propriedade como roubos, estupros, homicídios.
Pois há uma demanda social da parte dos jurisdicionados para que, apesar da ilegitimidade estatal, diversas agressões sejam punidas.
O que atribui legitimidade a estas punições não é a existência do estado, é a demanda popular por punição a estas agressões, indevidamente sequestrada e monopolizada pelo estado.
Há um sequestro destes temas pela via política para assim, utilizando-se de engenharia de consentimento, impor uma pseudo-legitimação psicossocial.
No mesmo diapasão ocorre com as pautas das manifestações populares, ao serem apresentadas a parasitas e aproveitadores políticos e elas se tornam mera propaganda eleitoral para seus “porta bandeiras”.
O que era para ser uma ação de conscientização política entre os manifestantes e demais “jurisdicionados”, “contribuintes”, torna-se então mera propaganda política para a oposição, que irá promover-se e angariar votos.
Um dos princípios da democracia representativa é a alternância de poder, que seria uma variação entre os agressores de forma que, de tempo em tempo, os comandantes deste sistema são trocados, com uma suposta ajuda do público que irá escolher quem serão os seus “novos representantes”. Chamo isso de “pêndulo democrático”. Aquele que promete políticas públicas sociais geralmente se coloca à esquerda, aquele que supostamente irá atuar de forma a romper esta cadeia de assistencialismo, se coloca à direita. Contudo, não passam de pernas da mesma tesoura.
O pêndulo democrático é uma estratégia de perpetuação do poder estatal, atua reciclando as “leis” (na verdade, meras regras autoritárias), de forma a agradar cada vez uma determinada parcela da população. Formando verdadeiros currais eleitorais, prendendo a visão política em uma falsa dicotomia.
As pautas populares contrárias à “ala esquerda” do pêndulo, quando esta estiver no poder, serão utilizadas pela “ala direita” do pêndulo para chegar ao poder, assim, o manifestante apenas fomenta o discurso político institucionalizado, criando assim um aparente conflito, favorecendo a suposta oposição interna estatal, sem contudo, contrapor-se de fato ao estado.
Outro princípio da ciência política que as democracias representativas se balizam são os freios e contrapesos. Trata-se da limitação de poderes entre os representantes de forma a nenhum deles possuir amplos poderes e assim, preservando o “interesse estatal”.
Desta forma, se por milagre um dos eleitos for pessoa integra, de caráter ilibado e de ideias anti-estatais, sua influencia será dissolvida em um mar de liberais, comunistas e socialistas, de forma a não produzir impacto algum.
Ao final, somente o estado ganha, a pauta exposta pela manifestação é anexada ao aparato estatal, seja como proposta política de engenharia social (o que seria uma agressão aos indivíduos que não se manifestaram a favor desta ideia), seja como “ponto de confronto sensível” o que, de forma eleitoreira, levará a evitá-lo, de fato, aqueles valores que seriam roubados naquele ano o serão, o estado criará outra forma de tomar este dinheiro.
Notem A ESSÊNCIA DO PROBLEMA NUNCA SERÁ ATACADA PELO ESTADO POR QUE ELE É A ESSENCIA DO PROBLEMA.
Conclusão, o verdadeiro inimigo
O inimigo de fato não é o político em si, que apesar de um agressor como qualquer outro bandido deve ter sua punição. O inimigo real é a moral estatizante, esta ilusão da necessidade de um aparato coercitivo centralizador para organizar e impor suas vontades ao tecido social, ignorando a razão apurada utilizada por cada indivíduo em suas conexões.
Desta forma, é muito mais relevante ao libertário que leve a pessoas de seu convívio informações sobre o quanto agressores são intolerantes e intoleráveis, formas práticas de contornar a existência do estado em mercados de forte influência e relevância social, como o monetário, comunicações, saúde e educação.
Causar esta aproximação com o mundo das pessoas que ainda não compreenderam esta causa é muito mais eficaz do que as já saturadas manifestações urbanas.
Saímos da caverna, vimos que os monstros são meros insetos projetados pela luz solar na parede da caverna, contudo, retornar bradando hinos e chamando as pessoas a enfrentar tais monstros é um erro crasso, elas têm medo. Elas foram doutrinadas neste medo, elas foram alienadas nesta pseudo-necessidade e até a creditar qualquer importância à existência estatal.
Precisamos então estudar muito, produzir muito conteúdo, conversar com os próximos, incentivar caridade, demonstrar por lógica, método, argumentos, citações, filmes, músicas, HQs, livros, inclusive juvenis, apontando que este medo é irracional, este medo reforça a tentativa de legitimação psicossocial do inimigo, este medo é o verdadeiro grilhão sobre os indivíduos.
O ESTADO É O MEDO DO ESTADO.
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[1] A janela de Overton, também conhecida como janela do discurso, descreve a gama de ideias toleradas no discurso público. De acordo com a descrição de Overton, sua janela inclui uma gama de políticas consideradas politicamente aceitáveis no clima atual da opinião pública, que um político pode recomendar sem ser considerado excessivamente extremo para obter ou manter cargos públicos.
[2] Envenenamento do poço ou Envenenando o poço, ou ainda, tentativa de envenenar o poço, trata-se de um dispositivo retórico em que informações adversas sobre um alvo são preventivamente apresentadas a uma audiência, com a intenção de desacreditar ou de ridicularizar tudo o que aquela pessoa tem a dizer.