Publicado originalmente em SEK3.
Suponha que você esteja escrevendo uma história de ficção científica ambientada no futuro. Você quer uma ou mais sociedades modelo para usar como pano de fundo e possivelmente contraste. Uma que você considera é libertária. Como deveria parecer; mais importante, no que não deve se assemelhar.
Sociedades do tipo libertária foram apresentadas por Heinlein, LeGuin, Russell, Kornbluth, Anderson e outros. Nenhum foi escrito à luz da recente “explosão” da teoria libertária (desde 1969); eram a ideia do autor de uma sociedade livre independente da nova literatura acadêmica e dos debates do movimento. Por volta de 1969, até minha própria Rann Gold Series está obsoleta. Tem-se o extremo de “Cloak of Anarchy” de Larry Niven, que se assemelha ao pensamento libertário apenas o suficiente para evocar uivos de “espalhamento” das posições atribuídas aos anarquistas que não são de fato defendidas por libertários radicais.
O que os Libertários Pensam?
Se você vai escrever diálogos para libertários, deve ter algumas ideias de seus preceitos, jargões e obsessões. Não vou explicar a filosofia aqui, apenas os traços de caráter. Naturalmente, como individualistas, os libertários têm muita variedade e muitas diferenças entre eles, mas há alguns pontos em comum.
Os libertários são conscientes da moralidade. Embora uma sociedade de liberdade de expressão e laissez-faire seja resultado do libertarianismo, os libertários estão fortemente preocupados com a moralidade. Geralmente sua posição libertária deriva de algum preceito superior: Direito Natural, Objetivismo, Cristianismo ou, no caso dos Stirnerianos, negação da moralidade universal. Assim, você poderia facilmente mostrar um grupo de libertários em um salão ou ao redor de uma fogueira ou em uma sala de estar desafiando-se vociferantemente em um debate acalorado — mas virando-se como um em desprezo a qualquer intruso que ousasse sugerir resolver um desacordo pela força, depois retornando alegremente aos seus árduos argumentos. É claro que alguns libertários discordarão sobre isso e ficarão do lado de fora das sessões de conversa tentando alcançar um estado suave.
Os libertários são voluntaristas. Enquanto um exército libertário é concebível, e provavelmente seria organizado como uma empresa de negócios altamente eficiente com unidades altamente autônomas usando um alto grau de julgamento independente abaixo nas “linhas de produção”, ele existiria como algo mais do que um apêndice rudimentar somente se um perigo presente e claro (grande Estado próximo) também existisse. Alguns fãs sugeriram em sua fanfic uma “polícia libertária” atacando não libertários, exilando-os, prendendo-os ou pelo menos cortando negócios com eles (incluindo alimentação e abrigo). Isso é tão absurdo quanto um retrato de uma sociedade medieval cristã com um clube “Cristãos por Satanás”. Pode-se retratar uma “ex” sociedade libertária que foi tomada por estatistas e corrompendo o nome, mas eles serão reconhecidos por muitos do caráter que corresponde a sua sociedade (provavelmente do submundo).
Os libertários são marqueteiros. Mesmo na anarquia muito “de esquerda” de Anarres, Ursula LeGuin foi forçada a introduzir uma imprensa privada para que seus rebeldes discordassem da linha anarquista coletivista. A grande maioria dos libertários hoje, mesmo de tendências socialistas, espera uma sociedade de livre comércio. A maioria vê uma organização altamente comercial e tecnológica em uma sociedade libertária e vê a própria existência do governo como garra nas engrenagens e altamente ineficiente (assim como imoral).
Qualquer tentativa de interferência nos negócios seria contraproducente para seus indivíduos, a competição seria exaltada e o crime contra a vida e a propriedade despertaria a população imediatamente.
Os libertários são variados. Embora os libertários tenham muitas ideologias rígidas, bem como posições de forma livre, não há uma linha partidária monolítica… o que nos leva à próxima seção.
Que Tipos de Sociedades Libertárias Existem?
A princípio, todas as sociedades libertárias são parecidas. Culturalmente, no entanto, pode-se não apenas conceber muitas sociedades libertárias diferentes, mas toda sociedade libertária, por sua natureza, terá inúmeras subsociedades. Do ponto de vista de um autor de Ficção Científica, o uso de uma sociedade libertária como cenário oferece a mais ampla latitude para a imaginação. Invente qualquer filosofia ou religião não coercitiva e não há razão para que você não possa ter vários praticantes dela em sua sociedade.
Um exemplo perfeitamente razoável seria ter um grupo de mercenários de elite, como Dorsai, coexistindo em um planeta (um “porto livre” talvez com os outros planetas controlados pelo estado) com empresários pacifistas, fazendeiros comunitários de clãs e cientistas e engenheiros de guildas. Jogue em um distrito de entretenimento libertino, alguns malucos errantes tanto religiosos quanto seculares, e alguns revolucionários refugiados de outros sistemas e presto! Você tem mais interações, crescimento de personagens, contrastes e “conflitos” do que poderia usar, sem mencionar amplas ideias de humor por justaposição.
Em certo sentido, cada indivíduo em uma sociedade libertária é uma unidade autônoma. Conhecer um é não saber quase nada sobre o resto. Em outro sentido, não pode haver mais de uma Sociedade libertária no sentido de unidades distintamente separadas com fronteiras ou limites definidos. Qualquer um pode ir a qualquer lugar que ele ou ela possa pagar ou ser convidado. Então, novamente, um grupo pode decidir retirar-se do resto e isolar-se de qualquer maneira.
Sem Política, Sem Guerras, Sem Impostos, …
Para um escritor, o conflito é especialmente importante. Infelizmente, uma sociedade libertária é particularmente carente disso. Sem desemprego, pois é preciso uma lei de salário mínimo para manter as pessoas desempregadas. Sem guerras porque você precisa de governos para travá-las. Sem eleições ou golpes porque não há líderes de governo. Sem opressão porque não há polícia. Nenhum crime grave porque a propriedade é protegida de forma eficiente como em qualquer outro negócio. Sem impostos porque não há governo para cobrar ou exigi-los.
Claro que ainda há desafios para viver, superar obstáculos naturais, ganhar dinheiro, inovar, tragédias e brigas pessoais, eternos triângulos e romances, erros e correções, invenções e maluquices. Mas se você quer males sociais em larga escala, você terá que adicionar um Estado ou dois.
Há problemas que você terá que lidar tendo uma sociedade libertária na fronteira com uma estatista, como por que os súditos do Estado aguentam quando veem o exemplo de uma anarquia funcionando ao lado. Mas pode-se ser imaginativo sobre tais coisas.
O Que Sociedades Libertárias Não São
Uma sociedade libertária precisa ter vindo de algum lugar. É concebível que possa ter surgido em algum planeta alienígena sem nunca ter conhecido o Estado e descoberto cedo o princípio de não agressão. Pode-se ter algum drama óbvio quando esta sociedade inocente encontra seus primeiros estatistas — como os terráqueos!
Mas se surgiu da nossa sociedade atual, então o povo precisa ter desenvolvido modos de comportamento libertários. Note que eu não disse teorias libertárias. Para que uma sociedade libertária tenha se desenvolvido, os libertários em pensamento precisam ter se tornado libertários em ação. Isso não tem nada a ver com inscrição, votação ou declarações.
Uma sociedade se torna libertária quando a população se recusa, em massa, a obedecer ao Estado, a submeter-se sob ameaça, a pagar impostos, a usar a moeda do Estado ou a aceitar benefícios e subsídios. Essa autossuficiência será mantida enquanto a sociedade existir, e isso se refletirá em todos os costumes, transações, tradições e até nos romances dos libertários.
Assim, padrões de comportamento em desacordo com um autogoverno individual — de filhos, de pais, até mesmo de “deficientes” — serão tolerados e poderão ser encontrados — mas seriam claramente notados como aberrações.
Sociedades Libertárias Alienígenas
A construção de sociedades alienígenas libertárias tem sido tão comum (ou incomum) quanto as dos humanos terráqueos. Asimov tinha uma sociedade anarquista em The Gods Themselves (embora eu o tenha surpreendido em um elevador ao apontar isso para ele); Anderson em Winter of the World (embora os alienígenas fossem ex-mutantes humanos). Muitos outros mencionam sociedades alienígenas de passagem, mas “esquecem” de lhes dar um governo ou política.
O libertarianismo é baseado na inteligência individual (livre-arbítrio) e sua interação com a matéria (propriedade). Portanto, qualquer ser com inteligência e posses materiais pode ter uma sociedade libertária. Se eles serão ou não mais ou menos propensos do que os humanos é o assunto para uma bela carta longa ou debate de comentários por correio. Para começar, Anderson achava que os mutantes eram mais capazes do que os humanos de “lidar com a anarquia” (op. cit.).
Como Ursula LeGuin tem tanto anarquias humanas funcionais quanto sociedades alienígenas em seu Ekumen, será interessante ver o que ela faz com as interações. Outros autores conhecidos atualmente de tendências libertárias cujos trabalhos futuros devem ser observados por anarquias são Heinlein, Van Vogt, Bester, Wilson (ambos), Moorcock e talvez até Richard E. Geis.
Profissionais dos quais você não esperaria uma anarquia (exceto inadvertidamente) são Niven e Pournelle, Asimov, Herbert e Reynolds. Não sei o que esperar do R.A. Lafferty.
DETALHES FINAIS
Há muitas questões técnicas que pode-se querer acompanhar se estiver construindo uma sociedade libertária em mínimos detalhes. Simplesmente não há espaço para mergulhar em todas as possibilidades. Por exemplo, como uma sociedade libertária lutaria contra um estado que apareceu de repente? Em que tipo de debates filosóficos pesados os membros da sociedade libertária ficariam presos? Como o lixo poderia ser coletado e mistérios de assassinato resolvidos? As respostas para tudo isso é que depende do contexto que você desenvolveu.
Para aqueles que desejam consultoria especializada em tecnicalidades libertárias, entre em contato comigo na NLE. Este artigo foi escrito simplesmente para evitar os erros mais óbvios e difamações inadvertidas (todas as difamações de libertarianismo serão de agora em diante assumidas como advertidas!). Agora você pode começar a escrever; classe dispensada.
Clear Ether!
Volume 4, Number 2 / March 1979
Pages 1, 4
