O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, tem dado um exemplo claro da realpolitik durante a crise do coronavírus, de como a política funciona de verdade nestes momentos.
No dia 1º de maio ele anunciou que a partir do dia 4 bloquearia algumas das principais avenidas da cidade com o objetivo de “fazer com que as pessoas fiquem em casa” para conter a epidemia na cidade. Das 7h às 10h da manhã, essas avenidas ficariam bloqueadas, deixando apenas uma faixa para ambulâncias, ônibus e profissionais da saúde passarem.
Uma atitude que claramente não fazia nenhum sentido: os paulistanos estão mais do que acostumados a pegar congestionamento, isso nunca foi um incentivo para eles ficarem em casa. Além disso, parecia óbvio que ia atrapalhar ambulâncias e profissionais da saúde a chegarem aos hospitais, uma vez que, apesar de terem passagem pela faixa liberada para eles, também ficariam presos no congestionamento até chegar lá. Sem falar da dificuldade de controlar quem é um “profissional da saúde”.
Para os mais ingênuos, era apenas mais uma das comuns trapalhadas dos “cientistas” do trânsito. Com boa intenção, mas que por um erro de cálculo não teria funcionado. Entretanto, conhecendo os políticos, desconfiei, e uma frase na notícia da Veja São Paulo anunciando os bloqueios me chamou a atenção:
“Caso a adesão da população ao isolamento não aumente a partir de segunda-feira, os bloqueios em vias da cidade poderão ser planejados e realizados durante todo o dia, como tentativa de aumentar a restrição e desestimular as pessoas a saírem de casa”, finaliza a prefeitura.
Alguma coisa estava estranha. Por que o prefeito considerava aumentar a oferta de transporte público? Claramente ele esperava um aumento do número de passageiros no transporte público, o que não faz o menor sentido, pois é um dos momentos com grande risco de contágio, podendo aumentar ainda mais a dispersão da doença.
Dois dias após a entrada em vigor da medida, os problemas ficaram claros e a população começou a se revoltar. Quem levava 30 minutos para chegar ao trabalho começou a levar mais de 2 horas, totalmente sem necessidade. Ambulâncias e profissionais da saúde tinham dificuldades para passar pelos bloqueios, colocando a vida de doentes em risco. A taxa de pessoas que ficam em casa, o declarado objetivo do prefeito, continuou caindo. E por fim, o Ministério Público iniciou uma investigação sobre a obstrução de ambulâncias.
Um desastre total. Era de se esperar que o prefeito ficasse quieto e desistisse de suas atitudes autoritárias. Mas não foi isso o que aconteceu, o prefeito aparentemente abriu mão de qualquer chance de se reeleger nas eleições de outubro e perdeu qualquer vergonha na cara, deixando claro os seus reais objetivos.
No dia 7 de maio ele anunciou um rodízio intensivo a se ter início na segunda-feira dia 11. Como sempre, a justificativa para tal medida autoritária é a epidemia (parece que hoje em dia isso justifica qualquer coisa!). As ações tomadas são:
- A cada dia, cerca de metade dos carros não poderá sair às ruas. Em dias pares, apenas carros com placa com final par poderá andar. Em dias ímpares, apenas carros com placa final ímpar.
- O rodízio será válido 24 horas por dia, 7 dias por semana (o rodízio normal em São Paulo é aplicado apenas das 7h às 10h e das 17h às 20h durante os dias úteis).
- Ônibus, táxis e profissionais da saúde estão isentos. Ubers e carros de aplicativo continuam sujeitos ao rodízio.
- A frota de ônibus poderá ser ampliada para atender a demanda superior.
Com isso, minhas suspeitas se confirmaram: o real objetivo do prefeito é salvar um pouco das receitas da máfia dos taxistas e da máfia das empresas de ônibus.
Aparentemente, na visão do excelentíssimo prefeito Covas, os pequenos empresários e provedores de “serviços não essenciais” podem falir e passar fome, mas os taxistas e os donos de empresa de ônibus não podem, mesmo que nesse último caso isso signifique que as pessoas tenham que correr mais risco de contaminação no transporte público.
Para salvar os amigos do rei vale qualquer coisa, até mesmo condenar quem antes ia de carro a ter que correr riscos muito maiores no transporte público. Obviamente o objetivo dessa medida não é proteger a população, apesar de essa ser a desculpa, mas permitir aos privilegiados um alívio financeiro. O custo de vidas nisso não interessa, no final vai entrar tudo na conta do vírus e o prefeito vai “ter feito tudo que era possível”.
Esse exemplo ilustra muito bem como os políticos definem suas ações. Quem conhece um pouco de public choice sabe que as decisões políticas nada tem a ver com o bem estar da população. E nessa pandemia não é diferente.
Poucos políticos tem a cara de pau que o prefeito de São Paulo teve, normalmente tentam disfarçar um pouco, mas não se engane, eles sempre tem seus próprios objetivos. E é nesses casos que isso fica evidente.
Agora resta aos moradores de São Paulo torcer para que mais essa medida autoritária não funcione e que ele volte atrás novamente. Se tivermos sorte, vai atrapalhar algum dos interesses do prefeito e ele cancelará essa medida. Se não tivermos, vai se juntar inúmeras outras leis absurdas, como o fechamento obrigatório do comércio, que tolhem a liberdade das pessoas sem que possamos nos defender.
Gostou do artigo? Leia nosso livro introdutório chamado Alvorecer da Liberdade.
Quer saber mais sobre Ética Libertária?
Acesse agora o curso de Introdução à Ética Libertária.
Faça parte do clube da liberdade.
Inscreva-se em nosso Canal Universidade Libertária no Youtube.