Distinção ou dicotomia: Repensando o limite entre timologia e praxiologia

Tempo de Leitura: 37 minutos

Por Don Lavoie e Virgil Henry Storr

[Traduzido por Alex Pereira de Souza]

Resumo: O objetivo deste artigo é reexaminar criticamente a tentativa de Ludwig Mises de separar os aspectos psicológicos da compreensão (timologia) da “ciência da ação” (praxiologia). Existem, afirmamos, distinções legítimas entre teoria, por um lado, e, por outro, psicologia ou história. Mas não há necessidade de dicotomizá-los uma da outra como Mises algumas vezes fazia.

Palavras-chave Timologia ⋅ Praxiologia ⋅ Hermenêutica ⋅ Mises ⋅ Metodologia da Escola Austríaca

1. Introdução

O nosso é um método de análise preocupado com o significado [Nota: meaning, traduzido em textos anteriores como “sentido”]. O homem age, ele aplica meios definidos para atingir fins definidos, e é nossa tarefa, enquanto praxiologistas, tornar essa ação inteligível. Essa tarefa, de apreender a ação intelectualmente, exige que prestemos atenção especial aos planos e propósitos humanos, pois o que distingue uma ação da outra, o que distingue as lágrimas de alegria das lágrimas de dor, o sorriso do sorriso malicioso, o roubo da troca, é apenas como os indivíduos que agem passam a vê-los e interpretá-los. Um foco analítico nos “significados” que os indivíduos com propósito atribuem às suas ações e na “teia de significados” (Mises 1966: 26) que dão vida às instituições sociais precisa, portanto, estar no centro de qualquer tentativa de estudar os esforços humanos.

O que Ludwig Mises defendia era uma ciência social interpretativa nos moldes da sociologia de Max Weber. Tanto Weber quanto Mises viam a explicação (erklären) e a compreensão (verstehen) da ação intencional como as principais funções das ciências humanas. Como tal, devemos estar particularmente sintonizados tanto com o contexto de significado quanto com o conteúdo da ação humana. E, nossos procedimentos metodológicos como cientistas sociais, se quisermos chegar ao significado, devem ser refinamentos das ferramentas que usamos em nossos esforços diários (como agentes humanos) para compreender e interagir uns com os outros. Assim como compreender o significado geral de uma sentença requer que prestemos atenção às palavras individuais que a compõem, para Mises, compreender o significado de totalidades sociais, por exemplo, o significado de instituições sociais, requer que prestemos atenção aos planos e propósitos individuais que constituem essas instituições.[1]

Da mesma forma, devemos lembrar que as palavras derivam seus significados em parte de sua localização em uma frase específica (importa se são sujeito ou objeto) e em parte do sentimento geral da frase (importa se o autor está sendo sarcástico ou sério). Para compreender o significado de ações humanas particulares, devemos, da mesma forma, focar na “teia de significados” na qual o agente está inserido (o contexto de significado da ação). Somos forçados a nos engajar no que Mises em seus escritos anteriores (Epistemological Problems and Human Action) chamou de psicologia e no que em seus esforços posteriores (Theory and History e The Ultimate Foundations) ele se referiu como timologia.[2] Aparentemente, Mises se sentiu compelido a empregar um termo incomum porque a palavra mais direta que ele teria usado, psicologia, havia sido adotada pela psicologia experimental, que envolve a aplicação dos métodos das ciências naturais ao estudo do comportamento humano. O tipo mais literário de psicologia que Mises tinha em mente empregava métodos que são “radicalmente diferentes” ([1962] 1978: 47) dos métodos das ciências naturais. Como Mises ([1962] 1978: 47) colocou:

O problema primário e central da “psicologia literária” é o significado, algo que está além dos limites de qualquer ciência natural e atividades de laboratório. Enquanto a psicologia experimental é um ramo das ciências naturais, a “psicologia literária” lida com a ação humana, a saber, com as ideias, juízos de valor e volições que determinam a ação.

Timologia, para Mises, é um “ramo da história” e “trata das atividades mentais dos homens que determinam suas ações ([1962] 1978: 47-48). Mises nos direciona especificamente para a escola do verstehen e afirma que o verstehen ou compreensão é uma “categoria timológica”. É “o que todo mundo aprende na relação com seus semelhantes” (Mises [1957] 1969: 266). É uma consciência dos fatores culturais que influenciam e afetam o comportamento de um homem e a “matriz de relações sociais em curso” na qual suas ações são implantadas. É “o que um homem sabe sobre a maneira como as pessoas valoram diferentes condições, sobre seus desejos e vontades e seus planos para realizar esses quereres e desejos”. Como Mises ([1949] 1966: 26) argumentou, “não podemos abordar nosso assunto se desconsiderarmos o significado que o homem que age atribui à [sua] situação, ou seja, o dado estado de coisas e seu próprio comportamento em relação a essa situação”. E não podemos chegar aos significados que o homem que age atribui às suas ações e ao seu ambiente se não considerarmos os fatores timológicos que influenciam seu comportamento.

Infelizmente, em nossa opinião, a própria posição metodológica explícita de Mises falhou em lidar adequadamente com as consequências de um foco teórico no significado, uma ciência da ação humana com os componentes necessários tanto do erklären quanto do verstehen. Isso é, em grande medida, culpa de Mises. Embora muitos de seus pronunciamentos sobre o significado da praxiologia enfatizem o verstehen e suas implicações para nossas práticas metodológicas, outros assumem um tom mais euclidiano, enfatizando a universalidade e a certeza apodítica dos preceitos praxiológicos. Em particular, ele transforma uma distinção legítima entre questões teóricas e históricas em uma dicotomia rígida entre elas. Às vezes, Mises parece estar argumentando que há uma estrita dicotomia entre teoria e história, que enquanto a história lida com o particular e o concreto (é contexto-expecífica), a praxiologia (teoria) é universal, é aplicável “independentemente de todas as  circunstâncias ambientais, acidentais e individuais de atos concretos” (Mises [1949] 1966: 32). E, uma vez que a teoria é “lógica e temporalmente anterior a qualquer compreensão dos fatos históricos”, a história não pode ser utilizada para falsificar ou verificar a teoria. Ele parece estar argumentando que a história, nunca pode informar a teoria.

Mises realmente precisava traçar uma linha indelével entre concepção e compreensão dessa maneira? Em vez de isolar esses dois processos cognitivos completamente um do outro, ele os pretendia como “dois aspectos inescapáveis ​​do que é, em última análise, um empreendimento intelectual integrado” (Lavoie 1986a: 194). A força das alegações de Mises sobre a distinção entre teoria e história, sua exclusão das preocupações timológicas do estudo da praxiologia e sua insinuação de que a história nunca pode informar a teoria, afirmamos, tudo vem de seu senso de que a própria economia estava sob ataque de vários lados distintos. As visões metodológicas de Mises precisam ser apreciadas no contexto do ambiente intelectual de sua época e das posições contra as quais ele argumentava. Enquanto Mises estava redigindo o Epistemological Problems of Economics ([1933] 1981), o Human Action ([1949] 1966) e o Theory and History ([1957] 1969), os historicistas, positivistas e vários tipos de polilogistas estavam articulando abordagens radicalmente alternativas à praxiologia que rejeitavam, por diferentes razões, os ensinamentos da economia. Assim, Mises via-se como o campeão de uma economia sob ataque.

Os inimigos da economia mudaram, no entanto, de modo que o principal perigo que a economia enfrenta não é mais que ela possa desaparecer em estudos psicológicos ou históricos indiferenciados, onde nenhuma de suas contribuições distintamente econômicas pode ser preservada. O perigo hoje é uma preocupação excessiva com a purificação, embora não do tipo que Mises tinha em mente. Como observa Boettke (1996), “os debates filosóficos das décadas de 1920 e 1930 que tanto influenciaram Mises e Hayek em seus pronunciamentos metodológicos progrediram”. É nossa opinião que a relação entre teoria e história e, particularmente, o posicionamento da timologia estritamente no lado histórico da divisão teoria-história precisa ser revisitado e revisto. Como Boettke (1996) argumenta, “[a] progressão no argumento para uma ciência social não positivista e não mecanicista precisa ser incorporada”.

Portanto, começamos a próxima seção com uma revisão das posições intelectuais contra as quais Mises estava escrevendo.[3] Depois de contextualizar os argumentos metodológicos de Mises nas seções 3 e 4 desafiamos a dicotomização entre teoria e história. Argumentamos que, independentemente dos pronunciamentos de Mises pelo contrário, uma praxeologia “pura”, isolada de considerações timológicas, não é desejável nem sustentável. A seção final tenta delinear como pareceria uma praxiologia timologicamente enriquecida.

2. O Methodenstreit: objetividade científica e o princípio do subjetivismo

Mises, como argumentamos, sentiu-se forçado a uma posição metodológica que dicotomizava a economia da psicologia e da história. Mises estava tentando separar a praxiologia dos estudos do verstehen para mantê-la livre de um certo tipo de contaminação: o pessoal. A história e a timologia podem ser feitas de maneira séria, pensou ele, mas não podem deixar de ser maculadas pelas conexões entre a pessoa que faz a pesquisa e as pessoas que estão sendo estudadas. Mises pensou que a praxiologia atinge um tipo de objetividade que a timologia e a história não deveriam sequer aspirar a alcançar.

Quando ocorreu o famoso Methodenstreit, aparentemente colocando os defensores da teoria (Menger) contra os defensores do verstehen (Schmoller), teria soado estranho afirmar, como fez um dos seguidores de Menger, que o que é necessário é uma economia verstehen. Veremos que Mises foi a figura central na mudança da escola austríaca da posição de principal oponente para a posição de colaboradora em uma única tradição de verstehen.

2.1 A dicotomia teoria/história no debate Menger/Schmoller

O Methodenstreit original, ou guerra de métodos, foi uma luta entre membros da Escola Historicista Alemã e economistas austríacos sobre os métodos de análise apropriados para o estudo da economia.[4] Deflagrada por Carl Menger em 1883, com a publicação de seu Investigations into the Methods of the Social Sciences, a batalha centrou-se no caráter epistemológico da economia. Os historicistas sustentavam que “não há conhecimento senão aquele fornecido pela história” (Mises [1957] 1969: 198-9). Menger, no entanto, rejeitou essa afirmação. Tomando a posição contrária à visão da Escola Historicista Alemã, Menger argumentou que a economia não era e não poderia ser uma disciplina de “base histórica” e, como tal, não poderia ser perseguida apenas pela aplicação do método histórico. Tanto o empirismo quanto o holismo tiveram de ser rejeitados porque produziram (poderiam produzir) apenas leis econômicas relativas (contingentes e contexto-específicas) e, em seu lugar, o método “exato” de deduzir as leis econômicas teve de ser adotado. O método “exato” de Menger exigia que primeiro “determinássemos os elementos mais simples de tudo o que é real” (Menger [1883] 1985: 60), ou seja, “primeiro procurássemos e estudássemos os elementos estritamente típicos, os mais simples, dos fenômenos humanos, ou seja, das valorações humanas”. Em seguida, “investigamos as leis pelas quais os fenômenos humanos mais complicados são formados a partir desses elementos mais simples, pensados ​​em seu isolamento” ([1883] 1985: 62). Essas leis “exatas” poderiam então ser usadas para examinar o fenômeno econômico.

Em vez de abraçar a virada metodológica de Menger ou envolvê-la no debate acadêmico, a reação da Escola Alemã aos argumentos de Menger foi polarizadora e cáustica. Menger e os historicistas pareciam ter falado principalmente um pelo outro e muitos na disciplina passaram a ver a rodada de abertura do Methodenstreit como uma grande perda de tempo. Schmoller, por exemplo, o líder da Escola Historicista, escreveu uma crítica mordaz do Investigations de Menger quando o livro foi lançado e Menger respondeu a essa crítica um ano depois em um artigo repleto de ataques pessoais dirigidos a Schmoller.[5] Para Mises, no entanto, o Methodenstreit foi muito mais do que apenas um debate sobre métodos que terminou em um empate (não tão amigável). Em vez disso, Mises viu o debate apenas como uma primeira rodada na batalha pela alma da economia.

No Methodenstreit original, a questão era teoria versus história; se havia de fato algum papel para a teoria no estudo da economia. No momento em que Mises deu a dica do que poderia ser chamado de segunda rodada desse debate sobre métodos, no entanto, o campo de batalha filosófico havia mudado e a questão central era se havia ou não maneiras distintas de saber (por exemplo, histórico versus científico). De fato, para Mises ([1949] 1966: 4), “muito mais estava em jogo [no Methodenstreit] do que a questão de que tipo de procedimento era o mais frutífero”. Em vez disso, “a questão real era o fundamento epistemológico da ciência da ação humana e sua legitimidade lógica”. Como Lachmann resumiu em seu prefácio ao Epistemological Problems of Economics de Mises, “para [Mises], o Methodenstreit não estava de forma alguma acabado. Em sua opinião, o que estava em jogo não era a teoria como tal, ou seja, generalizações empíricas; mas o tipo particular de teoria que Menger havia defendido, baseado no conhecimento necessário, não no contingente. Como afirmado anteriormente, a Escola Historicista Alemã, queria rejeitar os ensinamentos da economia e, como tal, seus argumentos não podiam ser ignorados.

2.2 A tricotomia de Mises: saber cotidiano, histórico e científico

A economia, acreditava Mises ([1949] 1966: 4), estava sob ataque de todos os quadrantes e “era impossível para o economista manter silêncio diante de todos esses ataques”. O historicismo, argumentou Mises, “visava substituir [a teoria econômica pela] história econômica; [enquanto isso] o positivismo recomendou a substituição de uma ciência social ilusória que deveria adotar a estrutura lógica e o padrão da mecânica newtoniana”. Tanto o positivismo quanto o historicismo, continua Mises, “concordavam em uma rejeição radical de todas as conquistas do pensamento econômico”.

Não era apenas que esses inimigos intelectuais desafiavam o status epistemológico da economia que preocupava Mises, mas também procuravam substituir a “ciência da economia” por alternativas extremamente radicais. E, foram motivados, em sua opinião, por uma agenda política insidiosa. De acordo com Mises ([1957] 1969: 200), por exemplo,

o que [os historicistas] queriam era fazer propaganda de seus programas intervencionistas ou socialistas. A rejeição total da economia era […] um item em sua estratégia. Isso os aliviou do constrangimento criado por sua incapacidade de explodir a crítica devastadora dos economistas ao socialismo e ao intervencionismo.

Os historicistas, de acordo com Mises, argumentavam contra os pronunciamentos da economia por razões políticas e não intelectuais. A maioria deles, segundo Mises ([1957], 1969: 201), “nem [mesmo] se preocupou com uma explicação epistemológica de seus procedimentos”. Aqueles que tentaram justificar seu método, articularam uma doutrina, que Mises chamou de periodalismo, que era profundamente falha.

Os periodalistas, de acordo com Mises, pensavam que era possível derivar leis a posteriori da experiência histórica, “que, uma vez descobertas, formarão uma nova — ainda não existente — ciência da física social ou sociologia ou economia institucional”. Como os positivistas, os periodalistas apenas apoiaram falsamente o “método histórico” e a prática genuína da história. Na realidade, eles “rejeitaram a história como conversa inútil e sem sentido, e queriam [como dito anteriormente] inaugurar em seu lugar uma nova ciência a ser modelada segundo o padrão da mecânica newtoniana” (ibid.). Ao contrário dos positivistas, porém, que queriam descobrir leis universalmente válidas, “os periodalistas acreditavam que cada período da história tem suas próprias leis econômicas diferentes das de outros períodos da história econômica” (ibid.). A história, para eles, era dividida em uma série de etapas, ou melhor, épocas, e em cada etapa sucessiva pensava-se que um conjunto (talvez inteiramente) diferente de princípios econômicos estava em ação. Nada, porém, foi dito sobre como ou por que surgiu uma nova época, nem nada foi dito sobre as leis econômicas que governaram o período de transição (ibid.: 202).

Mises estava sensatamente preocupado tanto com a agenda dos periodalistas quanto com suas posições filosóficas. E, procurou responder à sua sedição com severidade. Argumentando que os historicistas/periodalistas não podiam dizer honestamente nada sobre eventos futuros, Mises (ibid.: 203) afirmou que rejeitar a lei econômica “universalmente válida” significava que “não se pode dizer mais do que: se as condições permanecerem inalteradas por algum tempo, ela permanecerá inalterada”. Não havia como saber ex ante se as condições permaneceriam ou não inalteradas. Os historicistas, no entanto, fizeram pronunciamentos definitivos sobre o curso futuro dos eventos; livre por sua posição metodológica de ter que se defender contra os argumentos da ciência econômica.

A rejeição da economia pelo historicismo (e pelo positivismo), porém, não foi nada comparada ao “niilismo universal” do polilogismo. O polilogismo racial e marxiano cometeu o que para Mises era um pecado imperdoável; rejeitou “a uniformidade e imutabilidade da estrutura lógica da mente humana” (Mises [1949] 1966: 5). A versão marxiana “afirma que o pensamento de um homem é determinado por sua filiação de classe” enquanto “o polilogismo racial atribui a cada raça uma lógica própria” (ibid.).

É contra esse pano de fundo intelectual e contra essas posições que Mises construiu sua defesa de uma ciência da ação humana universalmente válida. No clima intelectual muito diferente de hoje, muitas das afirmações de Mises sobre a “pureza” da praxiologia soam um pouco forçadas. Hoje em dia, os teóricos econômicos não querem apenas libertar a análise econômica das máculas psicológicas e históricas, eles gostariam de vê-la livre da própria linguagem natural, tornando-a um ramo da matemática.

De acordo com Mises ([1957] 1969: 266), a timologia, “o conhecimento do ambiente social no qual um homem vive e age”, não tem relação especial com a praxiologia ou a economia. Embora, “o próprio ato de valorar seja um fenômeno timológico […] a praxiologia e a economia não lidam com os aspectos timológicos da valoração” (ibid.: 271). De fato, a praxiologia não se importa por que um indivíduo escolhe entre a opção A ou a opção B, ela “não está preocupada com os eventos que dentro da alma, mente ou cérebro de um homem produzem uma decisão definitiva”.

A timologia, para Mises, pertence estritamente ao lado histórico da divisão teoria-história; “ela deriva seu conhecimento da experiência histórica” (Mises [1957] 1969: 272). “Tudo o que a timologia pode nos dizer”, afirma Mises, “é que no passado homens ou grupos de homens definidos estavam valorando e agindo de uma maneira definida” (ibid.). Mises rejeita a possibilidade de que possamos teorizar sobre como as crenças afetam a ação, como a cultura afeta as escolhas ou sobre por que um agente possa selecionar um determinado conjunto de meios ou fins em detrimento de outro. E, embora conceda que abordar esse tipo de questão seja essencial para a prática da história, segundo Mises, a praxiologia “é neutra em relação aos fatores que determinam a escolha e não se arroga a competência de examinar, revisar, ou corrigir juízos de valor” (ibid.; ênfase adicionado). “Por que um homem escolhe água e outro vinho é um problema timológico”, continua Mises, “mas é de nenhuma preocupação para a praxiologia e a economia”.

Mises, em um esforço para combater os inimigos da economia em sua época, concebeu uma espécie de tricotomia metodológica entre os tipos de saber: saber cotidiano, histórico e científico. Contra o positivismo, questões de compreensão histórica são consideradas contribuições sérias e respeitáveis ​​para o conhecimento acadêmico, mas são necessariamente maculadas, inevitavelmente moldadas por aspectos pessoais da própria situação do historiador. Não pode haver um “Método Científico” estrito e objetivo para fazer história, mas depende de certas habilidades timológicas, habilidades para avaliar os propósitos de outras pessoas e são influenciados por certas considerações timológicas, a própria perspectiva e as experiências do historiador. Assim, a história pode atingir uma respeitabilidade sólida em contraste com a compreensão cotidiana, mas é mais “trêmula” (Mises [1962] 1978: 50) do que a compreensão científica, que é pura e imaculada.[6] Referindo-se aos tipos de suposições sobre o caráter humano e outros assuntos que se precisa fazer em estudos timológicos, Mises (ibid.) aponta,

Comparadas com a certeza aparentemente absoluta fornecida por algumas das ciências naturais, essas suposições e todas as conclusões delas derivadas parecem bastante instáveis; os positivistas podem ridicularizá-los como não científicos. No entanto, eles são a única abordagem disponível para os problemas em questão e indispensáveis para qualquer ação a ser realizada em um ambiente social.

Não vemos uma boa razão para que os praxiologistas não devam invadir livremente o território timológico (e vice-versa). Para fazer seu próprio trabalho direito, muitas vezes acham necessário dizer mais sobre as escolhas que as pessoas fazem, do que que aquele sempre escolheu o item que preferiu. Por que A em vez de B é uma pergunta muito interessante e importante para deixar sem resposta. De fato, em muitos casos, achamos necessário investigar mais profundamente como as pessoas individuais veem o mundo de forma tão diferente umas das outras.

Na teoria monetária, por exemplo, a maneira como seu modelo conceitual monetário funciona dependerá crucialmente das razões pelas quais os indivíduos têm uma demanda por saldos monetários. É para fins transacionais de curto prazo ou para fins de expectativa de longo prazo?

Novamente, como Boettke (1996) argumenta,

…todas as relações entre teoria (concepção) e história (compreensão) devem ser repensadas na esteira dos desenvolvimentos filosóficos modernos. Os debates filosóficos das décadas de 1920 e 1930 que tanto influenciaram Mises e Hayek em seus pronunciamentos metodológicos progrediram, e essa progressão no argumento por uma ciência social não positivista e não mecanicista precisa ser incorporada.

A praxiologia, a nosso ver, precisa agora ser enriquecida com considerações timológicas. Esse movimento, acreditamos, é consistente não apenas com o espírito da análise de Mises, mas com suas práticas reais. No trabalho de Mises, as preocupações timológicas nunca se encaixaram perfeitamente no lado histórico da divisão teoria-história, mas podem ser encontradas cruzando a linha “divisória”. Na próxima seção, exploramos nossa afirmação de que Mises, apesar de sua retórica, sempre incorporou a timologia em sua economia.

3. Reconsiderando as dicotomias teoria-história e praxiologia-timologia

Chegar aos significados que um ator atribui às suas ações e aos seus contextos envolve usarmos tanto nosso conhecimento teórico geral (por exemplo, a lógica da troca interpessoal) quanto nossa compreensão dos planos e propósitos concretos do agente. Embora Mises em suas declarações explícitas sobre sua metodologia a priori, se não em sua prática como economista, estivesse pedindo uma estrita dicotomia entre teoria e história, uma abstrata e geral, outra específica e particular, ele admitiu que a distinção foi arbitrária. Tanto a teoria quanto a história, sustentou ele, poderiam ser facilmente incluídas em uma única categoria de verstehen. E, no entanto, muito de sua escrita metodológica explícita parece insistir nessa dicotomia e exagerar sua significância.

Felizmente, Mises nunca conseguiu, na prática, exilar a timologia para o lado histórico da divisão teoria-história ou traçar uma linha indelével entre praxiologia e timologia. À luz de nossa compreensão dos debates filosóficos em que Mises estava engajado, parece provável que ele estivesse interessado, principalmente, em isolar a praxeologia e a economia de seus oponentes (como argumentado acima) ao invés de construir uma barreira intransponível entre teoria e história. De fato, embora Mises às vezes parecesse estar pedindo a construção de uma praxiologia a-histórica, sem perspectiva, divorciada inteiramente da experiência histórica, ele na verdade nunca construiu uma.

3.1 O projeto de Mises de uma praxiologia purificada

Mises evidentemente ansiava por uma ciência “purificada” da ação, que pudesse se isolar dos três tipos de inimigos que ameaçavam seu status científico: historicismo, positivismo e polilogismo. Mas ele teve sucesso? A economia que Mises realmente fez em seus livros e outras publicações acaba se parecendo com a pura ciência da ação descrita nas passagens metodológicas acima?

Mises não apenas apimentou suas próprias exposições teóricas com narrativas históricas, mas descreveu explicitamente a história e a praxiologia (economia) como sendo absolutamente necessárias uma para a outra (Lavoie 1986b). São os dois ramos principais das ciências humanas; duas partes inextricáveis do mesmo empreendimento intelectual. De acordo com Mises ([1949] 1966: 51), as ciências humanas tentam compreender tanto “o significado quanto a relevância da ação humana”. Para tanto, “aplicam […] dois procedimentos epistemológicos distintos: concepção e compreensão. A concepção é a ferramenta mental da praxiologia; compreensão é a ferramenta mental específica da história”.

Considerando que “a cognição da praxiologia é cognição conceitual […] [a] cognição de universais e categorias”, ou seja, generalizações sobre o que pode acontecer, a cognição da história tenta deduzir o que realmente aconteceu. Como Mises ([1949] 1966) escreve: “A liberdade do historiador é limitada por seu esforço para fornecer uma explicação satisfatória da realidade”. Ao chegar a uma explicação satisfatória do “significado e relevância da ação humana”, no entanto, é necessário que tecemos para frente e para trás entre os dois procedimentos epistemológicos. Com certeza, não podemos entender a história sem teoria. “Se não tivéssemos em mente os esquemas fornecidos pelo raciocínio praxiológico, nunca estaríamos em condições de apreender qualquer ação” (ibid.: 40). A menos, por exemplo, que tivéssemos em nossas mentes categorias praxiológicas como comprar e vender, lutar e cooperar, trabalhar e brincar, não seríamos capazes de perceber essas ações como nada além de meros movimentos. Como Mises (ibid.) afirma, a experiência “pressupõe o conhecimento praxiológico”. Os dados históricos, “não passariam de um acúmulo desajeitado de ocorrências desconexas, um amontoado de confusão, se não pudessem ser esclarecidos, arranjados e interpretados pelo conhecimento praxiológico sistemático” (ibid.: 41).

Mas, a relação entre teoria e história não é tão unilateral. É tão impossível desenvolver uma teoria útil sem uma apreciação da história quanto entender a história sem a aplicação da teoria. Ciência, Mises ([1949] 1966: 65) nos lembra, “não é [meramente] ginástica mental ou um passatempo lógico”, mas sim uma tentativa “genuína” de “conhecer a realidade”. Como tal, “a praxiologia restringe suas investigações ao estudo do agir sob aquelas condições e pressupostos que são dados na realidade”. E, é a experiência, admite Mises, que “dirige nossa curiosidade para certos problemas e a desvia de outro[s] […] [a experiência] nos diz o que devemos explorar”.[7] Como Mises (ibid.: 66) coloca, “a economia não segue o procedimento da lógica e da matemática. Não apresenta um sistema integrado de puro raciocínio apriorístico separado de qualquer referência à realidade”.

Há uma distinção legítima entre questões teóricas e questões históricas, mas é mais uma distinção gramatical do que uma dicotomia estrita. Se nossa investigação científica toma a forma de “o que pode acontecer?” ou “como funciona o mundo?” então é chamado de teórica. Se assumir a forma de “o que aconteceu neste momento e local específicos?” ou “como o mundo tem funcionado?” então é chamado de histórica. Se assumir a forma de “o que provavelmente acontecerá neste tempo e lugar específicos?” ou “como o mundo pode funcionar no futuro?” então é chamado de expectatórica. Os dois últimos tipos de perguntas são direcionados a situações específicas da ação humana (passada ou futura), enquanto o primeiro tipo visa entender como as coisas funcionam em geral, ou seja, o que podemos usar como lentes através das quais podemos ver qualquer detalhes. Qualquer explicação do que realmente aconteceu ou se espera que aconteça, em qualquer situação real, necessariamente faz pressuposições sobre o que pode possivelmente acontecer. Qualquer declaração do que pode possivelmente acontecer precisa ser baseada em uma compreensão do que aconteceu. Qualquer juízo expectatórico precisa ser baseado no melhor conhecimento teórico e histórico disponível. Essas são distinções entre partes do que são aspectos intimamente inter-relacionados e não estritamente separáveis ​​de nosso questionamento do mundo social ao nosso redor.

Na verdade, não estamos inevitavelmente tecendo nosso caminho entre o esclarecimento conceitual (que você pode chamar de raciocínio dedutivo, amplamente interpretado) e a aplicação (que você pode chamar de trabalho empírico, amplamente interpretado)? Precisamos mesmo escolher o que é absolutamente anterior? Ou não podemos permitir que estejamos inevitavelmente trabalhando em círculo, deduzindo teoria a partir do contexto de nossa experiência geral e interpretando experiências específicas a partir de nossa compreensão de teorias aplicáveis?

Muitos dos preceitos que estão na base de nossa análise foram alcançados pela experiência, bem como pelo raciocínio. Considere, por exemplo, o artigo de Mises de 1920 sobre a impossibilidade do socialismo. Esse artigo não apenas conecta os pontos entre o cálculo econômico racional e a propriedade privada dos meios de produção, mas também descreve as falhas dos esforços de planejamento central durante a guerra recém-concluída. Como observa McCloskey (1990a: 62), esse equilíbrio entre narração e construção de modelos contribui para a “melhor economia”.

Tomemos o exemplo do que Mises chamou de teorema da regressão, uma ideia que ele desenvolveu pela primeira vez em seu livro de 1912, The Theory of Money and Credit. O teorema pretende oferecer uma explicação puramente teórica dos determinantes do valor do dinheiro. Na seção de sua obra-prima, Human Action, dedicada a resumir o “teorema”, ele ([1949] 1966: 407) levanta uma possível objeção:

Por fim, foi objetado ao teorema da regressão que sua abordagem é histórica, não teórica. Essa objeção não é menos equivocada. Explicar historicamente um evento significa mostrar como ele foi produzido por forças e fatores que operam em uma data e um lugar definidos. Essas forças e fatores individuais são os elementos finais da interpretação. Eles são dados finais e, como tal, não estão abertos a qualquer análise e redução adicionais. Explicar teoricamente um fenômeno significa remontar sua aparência à operação de regras gerais que já estão compreendidas no sistema teórico. O teorema da regressão atende a esse requisito.

A defesa de Mises da natureza teórica de seu teorema de regressão é interessante. Ele faz uma declaração concisa do que diferencia as afirmações teóricas das históricas, o que reforça a interpretação que temos defendido em termos do particular versus o geral. Claramente, o que Mises está fazendo no teorema da regressão é o que ele chama de teoria, uma explicação do que poderia possivelmente acontecer. No entanto, para a maioria dos economistas, essa explicação parece claramente não teórica.

O teorema da regressão sugere que a valoração é um processo que depende de conhecimento prévio e do contexto, e não é um problema atemporal que pode ser abordado no mundo atemporal do equilíbrio geral. “Ele rastreia”, como Mises (ibid.) continua,

[…] o valor de troca específico de um meio de troca de volta à sua função como tal meio e aos teoremas relativos ao processo de valoração e precificação como desenvolvidos pela teoria catalática geral. Ele deduz um caso mais especial das regras de uma teoria mais universal. Mostra como o fenômeno especial emerge necessariamente da operação das regras geralmente válidas para todos os fenômenos. Não diz: Isso aconteceu naquela época e naquele lugar. Ele diz: Isso sempre acontece quando as condições aparecem; sempre que um bem que não tenha sido exigido anteriormente para o emprego como meio de troca começa a ser exigido para esse emprego, os mesmos efeitos precisam aparecer novamente; nenhum bem pode ser empregado como meio de troca que, no início de seu uso para esse propósito, não tenha valor de troca devido a outros empregos. E todas essas afirmações implícitas no teorema da regressão são enunciadas apodicamente como implícitas no apriorismo da praxiologia. Precisa acontecer desta forma. Ninguém jamais conseguirá construir um caso hipotético em que as coisas ocorreriam de maneira diferente.

O famoso economista monetário mainstream, Don Patinkin (1965), ficou bastante perplexo com a teoria incorporada de tempo de Mises. Ele achava que a coisa toda estava tentando resolver um problema falso em primeiro lugar, o problema da circularidade, que se preocupa com a ideia de que o valor do dinheiro depende do valor dos bens que ele pode comprar, mas o valor desses bens depende do valor do dinheiro. Para Patinkin, isso é facilmente resolvido analiticamente, reconhecendo as dependências mútuas de um estado de equilíbrio. Primeiro, faz-se um “experimento mental individual” (no qual o valor de todos os bens é calculado sob todas as condições possíveis para o valor do dinheiro) e, em seguida, insere-se essas respostas em um “experimento de mercado” para calcular o valor do dinheiro.

Embora Mises insista que ele não está mudando para a história para resolver a circularidade, em contraste com a economia neoclássica, a teoria que ele está construindo é um tipo de teoria muito mais historicamente orientada. Para Mises, tais experimentos artificiais como os de Patinkin podem ser de pouco valor para perguntar sobre os processos de valoração do mundo real. Mises defende que a valoração real do dinheiro tem um componente histórico e que não pode ser tratada em um modelo atemporal. A história de Menger sobre a evolução do dinheiro, da qual o teorema de Mises é uma adaptação, também é uma teoria historicamente orientada, não um modelo puramente analítico.[8]

De fato, estórias (história) respondem a modelos (teoria) e modelos respondem a estórias em praticamente todos os estágios da economia austríaca. Isso é verdade até mesmo para o conceito praxiológico mais fundamental, ação humana propositada. A ação humana como comportamento intencional forma a base de toda a nossa teoria da ação humana, mas sabemos que os homens agem intencionalmente por causa de nossa experiência, aprendemos com a história. Rothbard em seu Prefácio ao Theory and History (1957), faz a pergunta: “o fato da ação humana propositada é ‘verificável’? É ‘empírico’?” e concluiu que sim. Como ele afirma, “o empirismo é amplo e qualitativo […] é tão evidente […] claramente forma a própria essência de nossa experiência no mundo”. Embora Rothbard afirme que “não tem nada a ver com […] eventos históricos”, é difícil conciliar essa afirmação com seus argumentos pela natureza histórica de nossa consciência do ser propositado. De fato, se o ser propositado não fosse verdadeiro empiricamente (historicamente), se não fosse “a própria essência de nossa experiência no mundo”, então a praxiologia (uma teoria da ação propositada) não seria um modo apropriado para análise.[9]

Mises, no final das contas, não está claro sobre o que ele quer dizer com a priorismo. Há passagens em que ele parece afirmar que a teoria é estritamente deduzida de primeiros princípios, como os teoremas da geometria euclidiana. Mas também há lugares onde ele argumenta explicitamente que o estudo da ação é diferente das ciências puramente dedutivas e, em particular, que elas têm diferentes pontos de partida. “O ponto de partida da praxiologia não é uma escolha de axiomas e uma decisão sobre métodos de procedimento”, argumenta Mises ([1949] 1966: 39), “mas a reflexão sobre a essência da ação”. A praxiologia não começa com suposições arbitrárias, mas com experiências do mundo real. Embora não tenha sido tão claro quanto esperávamos, o que parecia estar tentando dizer era que a história influencia a teoria, mas que o tipo de influência que a história tem sobre a teoria não é o tipo que o historicismo e o empirismo ingênuo vinham sugerindo. Não construímos teoria a partir de uma acumulação de observações de fatos (brutos, sem teoria) até que algum tipo de generalização dos fatos possa ser preparada. Nós não entendemos, por exemplo, triângulos e a lógica da geometria observando centenas de triângulos do mundo real até que um padrão estatístico como o teorema de Pitágoras emerja dos dados. No entanto, mesmo que não procuremos “testar” tais teoremas procurando triângulos anômalos cujos ângulos não medem, não diríamos que a experiência do mundo é irrelevante para nossa construção de teoria. Algum tipo de apreciação de formas genéricas que vem de ter visto (ou tocado) coisas com formas triangulares (e não triangulares), por exemplo, certamente é fundamental para nossa capacidade de empreender o raciocínio geométrico. Dito grosseiramente, você precisa saber o que é um triângulo para fazer geometria e algum tipo de experiência primordial é certamente necessário.

Membros da escola austríaca, famosa por suas contribuições teóricas, metodológicas e histórico-intelectual, há algum tempo estão cientes da dificuldade de manter uma cisão nítida entre teoria e história. De fato, nas últimas décadas, muitos dos novos trabalhos publicados por estudiosos austríacos foram de natureza empírica.[10] A economia austríaca está começando a se parecer cada vez mais com a história econômica. A razão para a energia renovada por trás dos estudos empíricos tem a ver com uma mudança na compreensão que muitos austríacos têm da relação teoria/história. É cada vez mais reconhecido que não só a teoria é a base para o trabalho empírico, como Hayek e Mises sempre argumentaram, mas também o trabalho empírico é a base para a teoria. Uma maneira de avançar a teoria é fazer história econômica, mas com as antenas teóricas levantadas, mantendo-se alerta às oportunidades de refinar nossa compreensão geral do modo como o mundo funciona por meio do caráter exemplar de algum caso histórico particular.

Mas fazer história econômica não precisa ser considerado a única maneira de avançar a teoria. Pode-se às vezes envolver-se em um exame direto dos próprios pontos de vista teóricos. Uma segunda maneira de avançar a teoria é fazer o que algumas pessoas chamam de “história do pensamento”. Ou seja, a ideia é ler e estudar cuidadosamente e fazer uma contribuição crítica para alguma corrente específica de pensamento nos debates críticos em curso sobre questões teóricas. A questão não é tanto de método, ou seja, de aplicar procedimentos para resolver questões que já estão em cima da mesa, mas de encontrar boas perguntas para fazer em primeiro lugar.

Outra maneira de argumentar contra o contraste misesiano exagerado entre teoria e história é nos lembrar da extensão em que todas as afirmações teóricas são parte de um processo histórico. Os conceitos precisam ser entendidos historicamente. As afirmações teóricas que os austríacos fizeram sobre os ciclos econômicos na década de 1930, por exemplo, estão definitivamente ocorrendo dentro de uma conversa histórica sobre a teoria dos ciclos econômicos que vinha acontecendo em alemão e inglês há cem anos. Mesmo se olharmos para a teoria apenas em termos de argumento científico, o lugar de um argumento em relação a outros argumentos é a chave para o seu significado. O que é enfatizado depende do estado existente da conversa e só pode ser devidamente apreciado nesse contexto. (Em um debate metodológico contra um oponente que insiste em um a posteriorismo, pode-se, por exemplo, exagerar a relação inversa.) E, claro, há também o contexto histórico mais amplo. O fato de que havia uma grande depressão acontecendo na década de 1930 tem muito a ver com o que era a teoria dos ciclos comerciais, uma teoria que pretendia explicar as causas das depressões. De fato, nenhuma afirmação teórica fica fora das conversas históricas em andamento de contribuições anteriores à teoria. A teoria, simplesmente, não pode ser revogada da história.[11]

Quando examinada de perto, a tentativa de dicotomizar praxiologia e história falha. Que a praxeologia se preocupe com o significado apenas borra o que é, para nós, uma dicotomia já nebulosa. Como Mises ([1949] 1966: 26) conclui, é impossível “apreender a ação humana intelectualmente se alguém se recusa a compreendê-la como um comportamento significativo e proposital visando à obtenção de fins definidos”. E, como ele argumenta mais tarde, o “significado” só pode ser alcançado através do verstehen. Requer que examinemos fenômenos subjetivos. Requer que nos tornemos subjetivistas.

4. Subjetivismo e praxiologia manchada

Dentro da escola austríaca, esse princípio de subjetivismo evoluiu de um ponto técnico estreito na teoria do valor para um princípio mais amplo para o estudo da ação humana. Como Mises ([1949] 1966: 3) colocou,

Por muito tempo os homens não perceberam que a transição da teoria clássica do valor para a teoria subjetiva do valor foi muito mais do que a substituição de uma teoria menos satisfatória da troca de mercado por uma mais satisfatória. A teoria geral da escolha e da preferência vai muito além do horizonte que abarcava o escopo dos problemas econômicos conforme circunscrito pelos economistas de Cantillon, Hume e Adam Smith até John Stuart Mill. É muito mais do que meramente uma teoria do “lado econômico” dos empreendimentos humanos e da luta do homem por mercadorias e por uma melhoria em seu bem-estar material. É a ciência de todo tipo de ação humana.

Essa ampliação equivalia a uma ligação do trabalho austríaco na teoria do valor com a tradição de verstehen do pensamento social alemão, um grupo de filósofos e teóricos sociais de quem os austríacos tomaram emprestado e com quem (como vimos) lutaram.

Mises ([1949] 1966: 49-50) aponta explicitamente para as contribuições da tradição inicial de verstehen; referindo-se à elaboração da noção de compreensão como “uma das contribuições mais importantes da epistemologia moderna”. Essa ligação traz alguns pontos fortes e alguns pontos fracos ao trabalho dos austríacos. E, importante para nossos propósitos aqui, questiona ainda mais a linha rígida que Mises desejava traçar entre teoria e história e prepara o terreno para reconsiderarmos a relação entre timologia (“o que todo mundo aprende na relação com seus companheiros”) e praxiologia ( “a ciência da ação”). De fato, a posição de Mises sobre verstehen de muitas maneiras antecipa o tipo de argumento que estamos fazendo aqui (um ponto que Lachmann, a propósito, sugeriu muito antes de nós).

Infelizmente, na época em que os austríacos estiveram em contato com ela, a tradição de verstehen ainda estava presa na bagagem metafísica da dicotomia sujeito/objeto do filósofo. Nos escritos de Wilhelm Dilthey, Heinrich Rickert ou Max Weber, ainda se pode ver uma luta para manter a dicotomia, para lutar por um certo tipo de objetividade nas ciências humanas, ao mesmo tempo em que se vê o conteúdo das ciências humanas como um questão de significado subjetivo. Os assuntos humanos práticos e a história parecem estar atolados em um certo tipo de subjetividade em contraste com o saber científico. Além disso, pensava-se que o verstehen era limitado a circunstâncias particulares e incapaz de lidar com a necessidade de encontrar explicações gerais para fenômenos recorrentes. Para os primeiros defensores do verstehen, explicar (erklären) não fazia parte do verstehen, mas um tipo separado de ato cognitivo. O slogan atribuído a Dilthey, que as ciências naturais explicam, mas as ciências humanas compreendem, capta o espírito da antiga tradição de verstehen, ainda que não seja inteiramente justo com as sutilezas do pensamento de Dilthey.[12] Explicações causais objetivas são opostas a interpretações subjetivas de significado.

Esses termos contrastantes de subjetivo e objetivo estavam no ar na teoria social do final do século XIX e início do século XX e na filosofia da história, carregando consigo todo um conjunto de conotações sobre a natureza do conhecimento. Assim, por exemplo, os escritores rotineiramente contrastam o “conhecimento de dentro” ou o mental, do “conhecimento de fora” ou o físico. O conhecimento externo, o que está fora de nós, como quando estudamos a natureza, é contrastado com o conhecimento interno, a introspecção, o que está dentro das mentes. As explicações objetivas lutam pela universalidade, as interpretações subjetivas se concentram apenas em circunstâncias particulares. Aparentemente, não haveria espaço nessa perspectiva para algo como uma praxiologia, uma teoria geral da ação humana significativa, esperando nos ajudar a explicar o funcionamento da economia. Ou se trata de significado, caso em que é subjetivo, particular e privado, ou não é, caso em que é objetivo e geral. Com o problema enquadrado dessa maneira, não é de surpreender que Mises sentisse a necessidade de lançar a praxiologia como uma “ciência da ação” objetiva e universal e parar de empurrar a tradição austríaca para seus fins subjetivistas.

O empreendedor, os austríacos queriam dizer, está criando riqueza real (objetiva) ao encontrar oportunidades para transferir recursos para seus usos (subjetivamente) mais valorados. O economista, eles queriam dizer, está engajado na ciência (objetiva) em seu estudo teórico das leis desse mundo (subjetivo) dos significados mentais. As preferências subjetivas subjacentes aos fenômenos de preços sistêmicos estão ocorrendo dentro do domínio do significado e do ser propositado humanos, que os austríacos tendiam a descrever como assuntos enterrados “nas mentes individuais”, mas os preços são objetivos, estão “lá fora”, são indicadores de possibilidades e limitações reais que os participantes do mercado e os economistas precisam tratar como duras realidades.

A tradição inicial de verstehen, embora forneça um relato atraente da natureza do trabalho histórico, não deixou espaço para esse tipo de reivindicação. Não deixou espaço para a “ciência objetiva dos fenômenos subjetivos” que Mises queria desenvolver.[13] Em particular, parecia excluir a possibilidade do tipo de generalidade e objetividade que Mises presumia (como praticamente todos os cientistas sociais de seu tempo faziam) necessários para uma ciência. O historiador, pensou Mises, é guiado pela busca da verdade, não está meramente engajado em uma expressão arbitrária de opinião pessoal. Mas, “então necessariamente entra na compreensão um elemento de subjetividade. A compreensão do historiador está sempre tingida com as marcas de sua personalidade. Ela reflete a mente de seu autor” (Mises, [1949] 1966: 57). A história tem um tipo de semiobjetividade, argumenta Mises, objetividade suficiente para ser levada a sério como uma parte dos estudos, mas não o suficiente para contar como uma “ciência”. É “tingida” com a personalidade de seu autor, enquanto a ciência genuína tem que ser impessoal.

Essa distinção entre concepção e compreensão, o próprio Mises ([1933] 1981) admitiu, era arbitrária; moldado mais pelos usos comuns de sua época do que por diferenças essenciais.[14] Mas, tendo feito a distinção, Mises estava para fazer mais do que o justificado. Lachmann, deve-se notar, pegou nessa admissão e afirmou corajosamente que o verstehen não pode ser relegada à metade empírica do estudo da ação humana. Como ele sugeriu, também se aplica à formação de conceitos teóricos; “característica da tendência de pensamento da escola austríaca é, a nosso ver, Verstehen (compreensão), introduzido como método nas ciências sociais teóricas” (Lachmann [1966] 1977: 47).

Admitidamente, esse movimento para introduzir o verstehen como “um método nas ciências teóricas” (que, claro, é apagar a linha que Mises traçou entre timologia e praxiologia), só pode realmente funcionar se corrigirmos as deficiências na abordagem tradicional do verstehen. Felizmente para os austríacos contemporâneos, os herdeiros contemporâneos da tradição de verstehen vêm corrigindo essas deficiências. Somente se o entendimento puder se referir não apenas a particularidades históricas, mas também a fenômenos gerais ou típicos, ele poderá servir nesse papel mais ambicioso. E, somente se pudermos nos livrar do historicismo, do psicologismo e do mentalismo latentes da antiga tradição de verstehen, podemos deixar que o método de compreensão sirva como base da teoria econômica. Todos os vários filósofos contemporâneos da compreensão nessa tradição, de Paul Ricoeur a Hans-Georg Gadamer, são muito explícitos sobre a ampliação da noção de compreensão para incluir explicação.

Lachmann (ibid.: 46) coloca a questão em termos de estilo:

Sustento que existe um “estilo intelectual” característico e demonstrável da escola austríaca e que esse estilo é voltado para a interpretação de fatos culturais […] [As] ideias e objetivos dos representantes da escola austríaca, talvez inconscientemente, sempre foram dirigidos não apenas para a descoberta de relações quantitativas entre fenômenos econômicos, mas também para a compreensão do significado das ações econômicas.

Lachmann quer desfazer essa dicotomia, mas nunca elabora realmente como a teoria da compreensão precisa ser mudada, libertada de sua bagagem sujeito/objeto, para acomodar a teoria econômica. Ele aponta para uma inconsistência fundamental do esquema de Mises: a praxiologia está preocupada com propósitos, mas não é um discípulo histórico, enquanto a confiança no verstehen (um procedimento puramente histórico) é uma consequência inevitável de um foco analítico nos significados. Mas, ele realmente não elabora como podemos começar a superá-lo. Uma resposta possível, afirmamos, é reconsiderar a relação entre timologia e praxiologia, ou seja, ver a timologia como a ponte entre ocorrências observadas e categorias praxiológicas, e não como uma disciplina puramente histórica.

A timologia, lembre-se, é uma consciência do ambiente social em que vivemos e agimos. Mises (1957: 264) descreveu a timologia como “a cognição das emoções, motivações, ideias, juízos de valor e volições humanos” e “uma faculdade indispensável a todos na condução dos assuntos diários”. Como tal, uma apreciação da timologia é sinônimo de uma consciência da cultura; uma consciência das instituições que restringem nossas escolhas, de nossas ideologias, crenças e práticas, dos significados que atribuímos a ações e objetos. Mises, tipicamente, enfatizou a natureza histórica da timologia. “É”, Mises (1957: 266) afirma, “o que todo mundo aprende na relação com seus semelhantes”.

Mas, questionar a dicotomia teoria-história necessariamente coloca em questão a relação, como tradicionalmente concebida, entre timologia e praxiologia. Em Theory and History ([1957] 1969: 271-2) Mises argumenta que “a timologia não tem relação especial com a praxiologia e a economia” e que

[…] timologia é um ramo da história. Ela deriva seu conhecimento da experiência histórica […] a observação timológica tanto das escolhas de outras pessoas quanto da própria escolha do observador necessariamente sempre se refere ao passado, da mesma forma que a experiência histórica faz […] tudo o que a timologia pode nos dizer é que, no passado, homens ou grupos de homens definidos estavam valorando e agindo de uma maneira definida.[15]

Sustentar essa visão estrita da timologia, no entanto, negligencia o papel que a timologia deve desempenhar nas ciências humanas caso elas devam verdadeiramente interpretativas e obscurece o papel que a timologia desempenhou nas ciências sociais no passado. A teoria das ciências sociais sempre fez referência à timologia.

Considere o próprio Human Action de Mises ([1949] 1966), sua obra-prima na teoria econômica. Em seu capítulo sobre “O Papel das Ideias”, por exemplo, Mises teoriza sobre um assunto puramente timológico: como a visão de mundo de um indivíduo influencia suas escolhas. Como Mises ([1949] 1966: 178) escreve:

Uma visão de mundo é, como teoria, uma interpretação de todas as coisas, e como um preceito de ação, uma opinião sobre o melhor meio de remover o mal-estar tanto quanto possível. Uma visão de mundo é, portanto, por um lado, uma explicação de todos os fenômenos e, por outro, uma tecnologia, ambos os termos tomados em seu sentido mais amplo. Religião, metafísica e filosofia visam fornecer uma visão de mundo. Elas interpretam o universo e aconselham os homens a como agir.

De fato, uma visão de mundo tem ideias definidas sobre os limites da ação humana; circunscreve o que é possível e recomenda o que é preferível. A elucidação de Mises sobre como as visões de mundo influenciam as atividades humanas sugere que há um papel para as considerações timológicas na teoria.

Mises ([1957] 1969: 266) descreve a timologia tanto como “um desdobramento da introspecção” e como “um precipitado da experiência histórica”. É, portanto, de acordo com Mises, não apenas descoberto através da experiência, mas também alcançado através do raciocínio (como a praxiologia). Apesar dos apelos de Mises, a timologia (um desdobramento da introspecção) não pode ser vista como uma disciplina inteiramente histórica. Em vez disso, a timologia deve ser vista tanto como “o que todo mundo aprende com o relacionamento com seus semelhantes” quanto o que todo mundo precisa para ter relacionamento com seus semelhantes. A timologia é uma ferramenta não muito diferente da praxiologia; é crítico para nossa compreensão da história e também é informado por nossa experiência da história. Preocupar-nos com o porquê de um indivíduo escolher A em vez de B (uma preocupação puramente timológica), deve, portanto, ser visto como possível (sem abraçar o historicismo) e necessário (se a praxiologia quiser chegar ao significado).

5. Conclusão: com o que se pareceria uma praxiologia enriquecida pela timologia?

A ideia central por trás do conceito de “praxiologia” é ter uma ciência geral da ação humana, uma ciência que esteja à altura dos padrões críticos de qualquer outra ciência, mas que também seja “da ação humana”. Presta atenção aos significados que os fenômenos têm para os sujeitos humanos que os experienciam. Então, quão profundamente nesses significados o praxiologista deve penetrar? A demarcação metodológica de Mises pela qual a timologia é excluída do domínio legítimo da praxiologia parece estar colocando um muro arbitrário no caminho do pesquisador. Perguntar ao consumidor se ele prefere A em vez de B está legitimamente dentro da praxiologia, mas perguntar por que ele prefere A em vez de B nos leva para além do nosso domínio legítimo, para o território timológico. Por que ser tão sensível sobre em que território estamos? Podemos entender como Mises ficou preso entre o historicismo e o positivismo e pensou que estava protegendo o status científico de sua ciência da ação humana ao manter o verstehen, que muitos consideravam uma metodologia “trêmula”, fora de sua ciência formal. Mas hoje, à luz das mudanças que ocorreram na filosofia da ciência, e dentro da própria tradição de verstehen, pode-se argumentar que limites territoriais desse tipo são injustificáveis ​​e tendem a levar a sérios problemas.

Se no clima filosófico de hoje não há mais nenhum perigo de que a praxiologia perca sua estatura científica ao deixar as investigações de verstehen e timológicas “mancharem” nossa pesquisa, no entanto, devemos ainda perguntar o que temos a ganhar ao abrir a teoria praxiológica a tais questões. Como um pedaço de estudos praxiológico poderia diferir se fosse manchado ou poderíamos dizer “aprimorado” pela timologia?

Mas antes de ir longe demais aqui, precisamos reconhecer que muito do que foi dito sobre Mises pode ser dito da escola austríaca de forma mais ampla: a praxiologia já foi aberta às preocupações timológicas na prática, mesmo onde tal abertura é explicitamente proibida em escritos metodológicos. A praxiologia aprimorada pela timologia já existe, embora às vezes disfarçada. Em particular naqueles trabalhos que afirmam estar fazendo história econômica (praxiologia aplicada) há de fato importantes avanços teóricos sendo feitos.[16] A teoria não está, de fato, sendo impulsionada principalmente por contribuições internalizadas para um corpo hierárquico de etapas puramente teóricas de raciocínio.

E, no entanto, deve-se admitir que parte do trabalho central da economia austríaca foi distorcido de maneiras infelizes pela crença generalizada de que a teoria praxiológica se sustenta em suas próprias pernas, não depende da história. Gostaríamos de abrir a praxiologia à timologia. Gostaríamos de afirmar que a pessoa que faz a teoria praxiológica é uma pessoa historicamente situada e, portanto, a teoria que se desenvolve já está manchada. O teórico é uma pessoa plenamente situada tanto em uma economia específica quanto em um discurso intelectual sobre economia. Mises admite que a história pode moldar quais questões são levadas para análise entre os teóricos em primeiro lugar, mas não parece entender que isso realmente é uma concessão profunda.

De fato, a abertura da praxiologia à timologia não implica meramente uma abertura a uma disciplina profissional. Seria um erro interpretar esse argumento como nada mais do que um apelo para que psicólogos e economistas austríacos conversem entre si, embora isso seja bom. Enquanto a psicologia literária hoje, como Mises pensava que tinha em sua época, tem muito a dizer sobre por que as pessoas fazem o que fazem, no complexo cenário disciplinar de hoje, encontra-se um trabalho acadêmico sério acontecendo em todas as humanidades e ciências sociais, onde o que Mises chamaria de timologia está sendo feito, incluindo filosofia, teoria literária, história, antropologia, sociologia, ciência cognitiva, teoria política e social e assim por diante. Este artigo é um apelo para abrir ainda mais uma conversa que começou em uma gama extraordinariamente ampla de estudos e, no entanto, também é um corpo de trabalho surpreendentemente rico em interconexões e semelhanças. O fato de antropólogos e historiadores falarem línguas tão diferentes não exclui a possibilidade de que eles possam estar tentando chegar aos mesmos tipos de coisas, significados humanos.

Agradecimentos Este artigo foi preparado para a 71ª Reunião Anual da Southern Economic Association (17 a 19 de novembro de 2001; Tampa, Flórida). Gostaríamos de agradecer a Steve Horwitz, Peter Boettke e Paul Lewis pelos comentários úteis sobre um rascunho anterior. A ressalva usual se aplica.

Notas

[1] Mises ([1949] 1966: 42): “[…] todas as ações são realizadas por indivíduos. Um coletivo opera sempre por intermédio de um ou vários indivíduos cujas ações estão relacionadas ao coletivo como fonte secundária. É o significado que os indivíduos atuantes e todos aqueles que são tocados por sua ação atribuem a uma ação, que determina seu caráter”.

[2] Assim como ele passou a usar o termo “praxiologia” para descrever as ciências sociais, abandonando a “sociologia” por sentir que o termo havia sido cooptado, Mises, como ele apontou no prefácio da terceira edição de Human Action, veio usar o termo “timologia” em vez de “psicologia” por uma razão semelhante. Como Mises ([1949] 1966: vii) colocou,

“nas últimas décadas, o significado do termo “psicologia” tem se restringido cada vez mais ao campo da psicologia experimental, disciplina que recorre aos métodos de pesquisa das ciências naturais. Por outro lado, tornou-se comum descartar aqueles estudos que antes eram chamados de psicológicos como “psicologia literária” e como uma forma não científica de raciocínio. Sempre que se faz referência à “psicologia” nos estudos econômicos, tem-se em mente precisamente essa psicologia literária e, portanto, parece aconselhável introduzir um termo especial para ela. Sugeri em meu livro Theory and History ([1957] 1969: 264-274) o termo “timologia”, e usei esse termo também em meu ensaio publicado recentemente The Ultimate Foundation of Economic Science ([1962] 1978).”

[3] A explicação de Mises ([1949] 1966: 32) de por que as pessoas rejeitam o apriorismo faz um movimento semelhante ao que fazemos aqui, ou seja, ele explica sua rejeição do raciocínio a priori referenciando as filosofias com as quais eles tiveram que lidar. “Uma tendência da moda na filosofia contemporânea é negar a existência de qualquer conhecimento a priori. Todo o conhecimento humano, afirma-se, é derivado da experiência. Esta atitude pode ser facilmente entendida como uma reação excessiva contra as extravagâncias da teologia e uma filosofia espúria da história e da natureza”.

[4] Grande parte da discussão aqui é informada por Vaughn (1994) e Bostaph (1994).

[5] Os debates são descritos no livro de Lachmann (1971: 24) Legacy of Max Weber. A crítica em que Schmoller atacou Menger com tanta falta de simpatia foi uma resenha dupla, a outra metade era uma leitura muito simpática de Wilhelm Dilthey. É interessante que Mises, um dos seguidores mais entusiasmados de Menger, tenha endossado o trabalho de Dilthey como dando uma explicação convincente da natureza da compreensão histórica.

[6] O fato de Mises admitir que o trabalho do historiador é inevitavelmente tingido com o pessoal é bastante significativo, tanto que Gadamer mais tarde faria disso a mensagem central em sua crítica a Dilthey, que, pensava Gadamer, ainda estava tentando alcançar um tipo de objetividade que colocar-lo-ia em pé de igualdade com as ciências naturais. Para uma discussão sobre a relação entre Mises e Gadamer sobre essas questões, veja Lavoie (1986b).

[7] No entanto, Mises empenha-se para notar que isso não muda o caráter do conhecimento praxiológico. Mises ([1949] 1966: 65) diz que “essa referência à experiência não prejudica o caráter apriorístico da praxiologia e da economia […] ela nos diz o que devemos explorar, mas não nos diz como podemos proceder em nossa busca pelo conhecimento.”

[8] Os próprios seguidores de Mises também continuaram a tradição de desenvolver a teoria incorporada de tempo. A explicação de Hayek sobre a ascensão das sociedades de mercado em seu The Fatal Conceit é, por exemplo, uma teoria evolucionária na qual o tempo é fundamental para a análise.

[9] Essa circularidade de estórias e modelos informando e respondendo uns aos outros também afeta a ciência da ação humana em um nível ainda mais fundamental. Uma teoria da ação humana alcançada por meio do raciocínio só é possível porque podemos raciocinar. Mas, os humanos pensam em linguagem, a linguagem requer experiência e, portanto, a experiência (viver como humanos) é um pré-requisito para toda teorização.

[10] Se lermos a lista de artigos publicados em edições recentes do The Quarterly Journal of Austrian Economics e do The Review of Austrian, por exemplo, encontraremos “Do Entrepreneurs Make Predictable Mistakes? Evidence from Corporate Disvestitures” (Klein e Klein 2001), “Bankruptcy Reform in Russia: The Case for Creditor-Rights in Russia”’ (Moss 2000) e ”The Market Process and the Economics of QWERTY: Two Views”’ (Lewin 2001) entre peças austríacas mais tradicionais.

[11] Aceitar que teoria e história estão inextricavelmente ligadas tem implicações dramáticas para o estudo da história intelectual; implicações que devem ser reconhecidas. Por exemplo, fica claro que aqueles que pensam que podem dispensar a história do pensamento estão simplesmente permitindo que seus conceitos sejam involuntariamente moldados por discursos anteriores dos quais eles são ignorantes. Não se escapa à influência de Keynes declarando-a “história” e passando a “simplesmente fazer sua própria teoria” da relação entre poupança e investimento, onde todas as categorias que se desdobram têm uma história que remonta a Keynes e seus seguidores e críticos.

Da mesma forma, questiona-se a premissa que atribui um caráter secundário e derivativo à história intelectual. Presume-se geralmente que a construção de teoria é um tipo de coisa (e o tipo primário, para o qual se espera o maior prestígio) e que a história do pensamento é outro tipo de coisa (secundária à construção de teoria e de menor prestígio). A história do trabalho do pensamento é meramente a narração de estórias interessantes do trabalho criativo de teóricos anteriores e, portanto, é parasita daqueles que fazem o “trabalho real” da ciência. Muitos parecem pensar que só é realizado por aqueles que não são criativos o suficiente para inventar teorias por si mesmos. Interessa apenas aos antiquários, curiosos sobre o que outrora foi o caso da nossa disciplina. É fundamentalmente retrospectivo e, na melhor das hipóteses, visto como importante apenas para esclarecer quem descobriu o quê e quando, mas não é relevante de nenhuma maneira importante para a construção da teoria voltada para o futuro. A história do pensamento é “apenas história”. Aceitando que nenhuma afirmação teórica está fora da situação histórica em curso, no entanto, argumentaríamos que a história da teoria não é “apenas história”, mas que é teoria.

[12] Um resumo completo e justo de Dilthey que mostra por que esse slogan é enganoso é o livro de Ermarth (1978).

[13] Como argumentamos em outro lugar (Boettke, Lavoie e Storr 2004),

A noção que os austríacos estavam tentando esculpir “uma ciência objetiva de fenômenos subjetivos” é enganosa em ambos os lados; fenômenos de valor subjetivo são feitos para parecerem muito arbitrários, muito desconectados da realidade, muito inacessíveis enterrados no reino do mental. […]

O enredamento da literatura filosófica com a dicotomia sujeito/objeto remonta pelo menos à obra de Descartes, Kant e Hegel, alguns dizem até Platão […] [e] entre os filósofos contemporâneos há agora um amplo consenso de que a dicotomia causa mais problemas do que vale a pena, que tanto reivindicar a estrita objetividade da ciência quanto reivindicar a subjetividade da não-ciência (as humanidades, a experiência prática) são tipos altamente enganosos de reivindicações. Em várias tradições filosóficas diversas, desde as tradições continentais, analíticas contemporâneas e pragmáticas americanas, os filósofos concordam que é melhor deixar para trás as pressuposições metafísicas e psicológicas por trás dessa maneira de falar. A tradição analítica contemporânea defendeu esse ponto em termos de minar os pressupostos de toda a distinção mente/corpo. Da mesma forma, um dos principais desenvolvimentos da filosofia continental, a fenomenologia, lança um desafio muito semelhante a essa separação artificial do sujeito do objeto. Praticamente todas as principais figuras da filosofia do século XX passaram a desconfiar das conotações enganosas da dicotomia.

[14] Mises ([1933] 1981, p.133) escreve: “Por si só, teria sido possível incluir na definição de compreensão todo procedimento que é direcionado para a compreensão do significado. No entanto, como as coisas estão hoje, devemos nos acomodar ao uso predominante. Portanto, dentro dos procedimentos empregados pelas ciências da ação humana para a compreensão do sentido, devemos diferenciar entre concepção e compreensão. A concepção busca apreender o sentido da ação por meio do raciocínio discursivo. A compreensão busca o sentido da ação na intuição empática de um todo”.

[15] Ele repete essa afirmação no Ultimate Foundation of Economic Science ([1962] 1978, 46-52).

[16] Tomemos por exemplo o trabalho de White (1984) sobre Free Banking in Britain, ou o de Baetjer sobre a indústria de software nos EUA, ou o de Chamlee-Wright sobre empreendedorismo em Gana, todos livros que à primeira vista parecem estreitamente focados em detalhes históricos, mas que também nos fazem pensar de forma muito diferente sobre as questões teóricas levantadas. Esses trabalhos desafiam em um nível fundamental e praxiológico, a maneira como nossa teorização tem sido feita com relação à natureza da competição no setor bancário, capital e empreendedorismo. São trabalhos profundamente teóricos enterrados dentro de estudos históricos exaustivamente detalhados.

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