A diferença entre a Blockchain do Bitcoin e outras moedas

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Hoje vamos entender a diferença fundamental entre Blockchains e DLTs e entender como isso foi responsável por ajudar o Bitcoin a ser o que é hoje. Interessado? Então vamos lá! 

Necessário se faz alguma exposição teórica do que é o Bitcoin antes de prosseguirmos. Então, comecemos pelo básico. Qual o primeiro problema que o Bitcoin veio resolver? Partindo-se do princípio que toda moeda é um meio de troca indireto entre dois indivíduos que estão trocando o produto A pelo produto Moeda para então irem com a Moeda no estabelecimento X que vende o produto D que eles queriam, ao invés de múltiplos escambos, ou seja, fazer trocas de A com B, B com C e então C com D para obter D; nós entendemos que a moeda é um ativo circulante que depende estritamente da nossa capacidade de irmos até o estabelecimento X e vermos a moeda aceita ali. 

 Só que para isso é necessário confiar-se que a moeda em questão, usada para comprar o produto A, de fato será aceita no estabelecimento X. Para isso, não basta apenas que estes aceitem a moeda Real, por exemplo. É necessário que no ato de venda do produto A pela moeda Real, de fato a moeda Real esteja sendo usada e não uma falsificação ou coisa do tipo. 

Para isso, a solução dada pelo estado foi relativamente simples e consistiu em dois lados – um sistema de verificação físico, a famosa marca d’água da nota, e a proibição de todos os outros de emitirem moeda, ainda que eles tenham ouro para lastrear essa emissão. Daí surge a casa da moeda. Veja que houveram dois sistemas unidos aqui, um sistema jurídico de oposição a novos emitentes e um sistema prévio de verificação das moedas para apoiar os comerciantes. 

O sistema jurídico aqui evidentemente só precisa existir justamente porque, apesar de dificultar o processo de falsificação, o sistema tinha falhas. Agora, qual a única forma de resolver esse problema sem a utilização de um sistema central lidando com os casos em que as falsificações passassem? 

O processo de autenticação tem que ser extremamente rigoroso, eficiente a ponto de não depender de um ente coercitivo forçando o sistema na outra ponta. Fisicamente, não era possível resolver esse problema sem chamar atenção do estado. Para lidar melhor sem a intervenção do governo, essa luta por uma moeda sem controle estatal partiu para o mundo digital.

Existe um problema bem simples, mas inacreditavelmente complexo para uma moeda virtual e que impediu essa solução de surgir durante anos. Uma vez que eu gasto meu dinheiro físico em um estabelecimento, não há formas de gastar novamente esse dinheiro. Ele agora é propriedade de outra pessoa. 

Mas, em virtude da forma como funciona a computação, em essência é tudo uma série de 0 e 1, assim há o problema desse dinheiro poder ser gasto duas vezes e você acreditar que o dobro, o triplo, o quanto mais um sujeito mal intencionado quisesse, de riqueza estaria circulando na economia. Uma catástrofe que faria até mesmo os keynesianos mais radicais questionarem a oferta monetária dessa economia virtual. 

Além disso, uma moeda que surge em oposição ao componente centralizador da moeda estatal é naturalmente uma moeda sujeita a ataques por parte dos estados e de uma série de bandidos que com o estado são lidados pelo uso da força física. É necessário encontrar uma forma de impedir seguramente ataques ao sistema, por meio de um sistema de coordenação que permita a aqueles que são boas figuras se distanciar daqueles que seriam problemas para a moeda. 

O problema que melhor ilustra isso é o problema dos generais bizantinos. Um castelo deve ser invadido, um bem equipado e bem guardado. Os generais estão cercando o castelo. O general A planeja lançar o ataque. Entretanto, como o exército está bem espalhado, o general não tem um controle centralizado sobre ele. O único jeito de derrotar o castelo é se as forças bizantinas lançarem um ataque planejado e sincronizado. Se houver alguma comunicação errônea, o ataque vai falhar. 

Em termos de planejamento comum, o único jeito que os generais tem de sincronizar os ataques é enviar mensagem por mensageiros. Dito isso, há diversos cenários que podem levar à falha. Os mensageiros podem ser traidores, passando mensagens incorretas. Um dos mensageiros pode ser capturado e a mensagem pode acabar vazando, algum dos generais pode acabar traindo o exército. 

Em suma, existem diversos obstáculos que concernem à possibilidade de coordenar generais afastados entre si. E é esse cenário que assolava todos os apoiadores de uma moeda privada virtual. 

A solução foi genial. Verificamos o dinheiro físico usando os elementos físicos contidos na moeda, então porque não verificar a moeda pelos atributos dela? Para isso, foi criado um grande mural público. Esse mural possui todas as transações que já foram realizadas. E cada nova transação terá necessariamente uma cópia de todo esse mural incluído nele. (Na verdade, o que consta na transação é uma divisão entre o cabeçalho e o corpo do bloco, onde em cada bloco consta uma menção a transação anterior, garantindo a preservação da rede em cadeia. Mas, esse é um detalhe técnico)

Incluiu-se um processo de checagem, esse trabalho de checagem era basicamente a tarefa ingrata, porém bem remunerada, de descobrir qual seria a numeração do próximo bloco que iria para o mural. 

O algoritmo escolhido foi o sha256, um algoritmo que tem a característica de só poder ser resolvido passando por todas as possibilidades dele e apresentando elas para o sistema. 

Isso impede que mensageiros, isto é mineradores, tentem achar o número por outro tipo de caminho mais curto, que não exigisse passar por esse processo de checagem dispendioso. Apenas a transação com maior número de blocos e confirmações é que é adotada pelo resto da rede. É uma forma de basear o sistema na prova de trabalho e não na confiança. (Na verdade, o sistema é baseado no consenso criado pela prova de trabalho, mas isso exigiria discutir outros modelos possíveis de consenso, tarefa que exigiria um espaço que não existe aqui.

Além disso, os blocos que entram no sistema são ajustados para terem uma dificuldade padrão, essa dificuldade faz com que os números dos blocos sejam encontrados a cada 10 minutos. Caso os blocos estejam sendo encontrados mais rápido do que em 10 minutos, então a dificuldade para achar o novo bloco será aumentada, o contrário irá diminuir a dificuldade da rede. Com esses sistemas, enquanto o Bitcoin tiver 50% + 1 dos seu poder computacional sendo utilizado por agentes bem intencionados, ele poderá manter-se íntegro como moeda.

Ufa! Agora podemos ir ao tópico em questão! Entendemos o que é uma Blockchain, agora fica a questão acerca do que é uma DLT (em português TLD). Em poucas palavras, uma DLT é uma Tecnologia de Ledger Distribuído e Ledger significa algo como “livro contábil” ou “livro registro”

Dessa forma pode se dizer que o “mural” do qual falamos mais cedo é uma forma de livro registro do Bitcoin, sendo assim uma DLT. Mas, não significa que todas as DLTs são blockchains e é atrás dessa diferença que faremos hoje nossa investigação. 

Um DLT é um banco de dados digital com informações copiadas, compartilhadas e sincronizadas, espalhadas geograficamente por vários pontos – os nós, ou nodes – em um ecossistema ou rede. Um exemplo de rede desse tipo é o Google Drive, onde cada arquivo pode ser compartilhado e sincronizado e alterar o arquivo é alterar para todos da rede. 

Não há um gestor central como em um banco de dados padrão, de uma instituição bancária ou de um governo, por exemplo. Em vez disso, os sistemas têm um banco de dados sincronizado que fornece um histórico verificável e auditável de informações que podem ser acessadas por qualquer pessoa nessa rede.

A principal diferença entre a Blockchain e qualquer outro DLT pode ser ilustrada usando-se de tabelas. Imagine a situação em que João, Pedro e Marcos carregam 10 reais cada um. Pedro decide dar a João seus 10 reais. Agora, vamos ver como essa mudança se pareceria em DLTs habituais e uma Blockchain:

DLT Qualquer antes da Transação
PedroMarcoJoão
Saldo101010
DLT Qualquer depois da Transação
PedroMarcoJoão
Saldo01020
Blockchain Antes da Transação
Pedro Minerou o equivalente a 10 em BTC no tempo 10:00
João Minerou o equivalente a 10 em BTC no tempo 10:00
Marco Minerou o Equivalente a 10 em BTC no tempo 20:00
Blockchain Depois da Transação
Pedro Minerou o equivalente a 10 em BTC no tempo 10:00
João Minerou o equivalente a 10 em BTC no tempo 10:00
Marco Minerou o Equivalente a 10 em BTC no tempo 20:00
Pedro Transferiu 10 em BTC no tempo 30:00

Além disso, os blocos na Blockchain possuem um sistema imparcial e descentralizado de mineração utilizando-se da premissa temporal, sendo realmente P2P, sem termos de serviço ou intermediários entre você e o sistema de Ledger em questão. Esses dois fatores aliado ao fato que você é capaz de rodar seu próprio nó fazem com que seja improvável que outra rede consiga alcançar o estado de descentralização do Bitcoin num horizonte próximo, embora moedas como a Monero já estejam correndo atrás desse grau elevado de descentralização, adicionando a isso privacidade e outros elementos.

Agora, o que é tentado ser feito em moedas como Ethereum e Cardano é criar estados de rede em que as transações são vistas como estáticas diante do ponto de vista do momento de execução do código em questão. Como assim? Pense naquele comparativo feito mais cedo. É possível comparar os estados de rede atual com o anterior para efetivarmos um demonstrativo de como as operações se deram. Mas, para isso é necessário que tenhamos o mapeamento de cada um dos estados de rede e principalmente sermos capazes de monitorar o saldo atual de todas as carteiras como uma informação contida nos nodes dessas moedas.

Assim, cada um dos nodes passa a ver o problema não em termos de um trabalho de verificação realizado por verificação matemática, mas de validação e comparação da informação contida no Node contra a transação em questão. É o famoso “Proof of Stake” onde os ganhos dos “mineradores” é feito através da aposta em qual o estado de rede que é o válido. Assim, a segurança da rede é garantida pelo fato que os stackers perderão seus fundos caso “apostem” no estado de rede incorreto. É nesse sentido que se diz que o Proof of Stake é uma Prova de Participação, pois os nodes estão de fato “participando” do estado atual da rede.

Essa é uma blockchain apenas no sentido que o primeiro validador a acertar o estado de rede futuro é quem poderá produzir o estado de rede que será seguido, indicando qual o próximo bloco. Mas, não é uma blockchain no sentido de possuir uma rigidez necessária dos estados de rede anterior e futuro, com uma progressão sucessiva de estados temporais. Qualquer coisa pode ser “refeita” em redes que usam PoS, basta para isso que o estado de rede reconhecido possua um “outro histórico”. É isso que gera polêmicas enormes como o momento em que Vitalik optou pela regressão de um estado de rede anterior depois de um hacking enorme de $150.000.000 na rede em 2016, gerando assim a Ethereum Classic.

O simples fato de ter havido um fork significativo, como a Ethereum Classic, não é suficiente para descartar a Ethereum, afinal o Bitcoin também passou pelo fork do Bitcoin Cash, em virtude de diferenças de metodologia. Mas, é extremamente importante entender que a diferença fundamental entre esses forks é que o Bitcoin e o Bitcoin Cash partilham do mesmo histórico de transações até o momento do fork, mantendo a perpetuidade da rede.  São blockchains no sentido mais completo da palavra e superiores em sentido tecnológico no que tange a integridade das transações.

Existem inúmeras outras formas de consenso, cada uma delas criando diferenças em relação a blockchain do Bitcoin, mas é seguro admitir que seja lá qual for o modelo de consenso, nenhum deles preserva a memória da rede como o Bitcoin, sendo por isso muitas vezes chamadas de meras DLT, ao invés de serem Blockchains.

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