“A fenomenologia de Edmund Husserl como fundamentação meta-teórica para uma ética argumentativa não-praxiológica”, de Xavier Meulders

Tempo de Leitura: 42 minutos

Por Xavier Meulders

[Traduzido por Gabriel Marculino e Vitor Gomes Calado]

Nota:

Em grande parte, este artigo é baseado em minhas próprias notas para uma palestra informal que eu dei para o Rothbard Institute em junho passado na pitoresca cidade de Leuven, na Bélgica.

Resumo: O escopo e método da ética argumentativa ainda permanece amplamente debatido entre os estudantes libertários. Provavelmente a elaboração mais bem conhecida a respeito da ética argumentativa foi dada pelo professor Hans-Hermann Hoppe, Entretanto, professor Hoppe foi, de fato, alvo de ataques ferozes nos últimos anos por oponentes (libertários) do método da ética argumentativa, talvez mais explicitamente na crítica feita por Robert Murphy e Gene Callahan publicada no Journal of Libertarian Studies na primavera de 2006.

Embora Murphy e Callahan certamente tenham alguns pontos válidos contra a ética argumentativa Hoppeana, sua crítica não é sólida o bastante para invalidar o corpo e escopo todo da ética argumentativa em si. No máximo, ela contesta sua variante Hoppeana. Entretanto, pode ser de grande interesse estudar a forma da ética argumentativa como apresentada pelo professor Frank van Dun; que é infelizmente menos conhecida no mundo anglófono, em parte por causa do fato de que seu maior tratado a respeito da filosofia do direito foi publicado em holandês em 1983.

De fato, tentaremos provar a validade da ética argumentativa de Van Dun por dar a ela uma fundamentação meta-teórica. Essa fundamentação já foi entregue pelo famoso filósofo Alemão Edmund Husserl (1859-1938), o fundador do movimento filosófico chamado “fenomenologia”, cujos escritos ostensivos sobre epistemologia, método e ontologia parecem muito frutíferos para elaborações além para a ética argumentativa.

A síntese entre as teorias de Frank van Dun e Edmund Husserl lançará alguma luz esclarecedora sobre o método, uso e escopo da ética argumentativa. Essa síntese tem então um objetivo triplo que se pode alcançar: primeiro, fornecer uma base muito sólida para a ética argumentativa de Van Dun; segundamente, seria sólida o bastante para resistir às críticas recebidas por Murphy e Callahan, e terceiro, parecerá uma versão mais frutífera do que a edição da ética argumentativa de Hoppe, uma vez de que ela deixa de lado o uso da categoria praxiológica da escassez (economica).

    I.        Introdução Geral

Desde a publicação de seu Theory of Socialism and Capitalism em 1989, professor Hans-Hermann Hoppe tem tentado prover um link essencial entre a praxiologia Misesiana e a filosofia política libertária, usando os frutos filosóficos pelo seu ex-tutor Jürgen Habermas. Esses frutos, por assim dizer, são conhecidos por nós como ética do discurso ou argumentativa. Nos dias de hoje, o método da ética argumentativa do professor Hoppe é provavelmente o mais amplamente conhecido entre libertários estudantes anglófonos. Uma vez que eu suponho que o leitor geral esteja familiarizado com os contornos gerais da teoria de Hoppe, eu não darei um sumário dela neste artigo.[1]

Apesar disso, a ética argumentativa deve ser … argumentada, é claro. E como tal, na atenção da publicação da teoria de Hoppe, isso provocou também algumas reações pesadas contra ele, publicadas em diferentes revistas em média por estudiosos libertários tais como Douglas Rasmussen, Roderick T. Long e David Friedman. Uma vez que o propósito deste artigo não é o de se dirigir a cada uma dessas críticas, restringirei-me a responder algumas objeções feitas pela, na minha opinião, ampla crítica lida nos círculos Austro-Libertários, a saber a resposta de Robert Murphy e Gene Callahan à Hoppe,[2] embora algumas das objeções de Murphy e Callahan estejam, em verdade, corretas, como iremos ver.

Mas se Murphy e Callahan estão, em verdade, certos em algumas das críticas que eles fizeram em seu paper, então isso sugere que algumas falhas fatais devem ter ocorrido na própria teoria de Hoppe. Essa é, na verdade, a reivindicação que eu irei fazer na seção V deste artigo.

É claro, a teoria da ética argumentativa de Hoppe não é a única que foi elaborada entre os círculos libertários. Menos conhecida para o mundo falante de Inglês é, por exemplo, o método da ética argumentativa como exposta pelo professor Frank van Dun, uma vez que o centro dela foi publicado no tratado em Holandês de 1983 Het Fundamenteel Rechtsbeginsel (O Princípio Fundamental do Direito).[3] Por razões que serão elaboradas em seções posteriores, a visão do professor Van Dun sobre a ética argumentativa forma um sistema mais sólido e coerente para provar a validade da ordem política libertária (embora isso é também um termo que deve ser rigorosamente definido).

O propósito deste artigo é, ademais, confrontar a teoria de Van Dun com um corpo totalmente diferente de filosofia, a saber a fenomenologia do filósofo Alemão Edmund Husserl (1859-1938). Aquele que está familiarizado com a história da filosofia pode estar na verdade surpreso. O que tem os abstratos, até mesmo metafísicos, escritos sobre lógica e epistemologia de um filósofo Alemão – que foi inicialmente treinado como um matemático — a ver com a ética argumentativa? Além do mais, o próprio Edmund Husserl não escreveu uma única nota sobre filosofia política ou filosofia do direito durante toda sua carreira. Mas, como investigaremos, o fundamento inovador de Husserl nos fornece com um grande tesouro de conceitos filosóficos e ideias que podem lançar alguma nova luz sobre toda a questão da ética argumentativa (Van Duniana).

No fim deste artigo, irei me referir a ética argumentativa de Hoppe e os erros feitos em sua teoria, logo re-colocando a teoria de Hoppe com um novo paradigma da ética argumentativa que pode ser chamado de edição “sabor ultra Van Dun” [Van Dun ultra flavour]. A esse respeito, as críticas feitas por Murphy e Callahan também serão abordadas. Veremos que minha própria visão sobre o método e escopo da ética argumentativa não usará mais a pressuposição da escassez econômica, tornando essa, portanto, a minha própria abordagem da ética argumentativa a um nível, em vez disso, transcendental. As implicações metodológicas e éticas dessa versão não-praxiológica da ética argumentativa também serão discutidas.[4] Irei também elaborar a relação entre liberdade, propriedade e a então chamada propriedade intelectual.

Mas desde que possa ser útil começar com essas coisas que podem não ser muito familiares ao leitor geral, começarei com um breve panorama da filosofia de Husserl.

  II.        Alguns conceitos chaves da fenomenologia de Husserl[5]

Alguém pode descrever a fenomenologia Husserliana como um domínio que pode ser acessado através de muitos portões diferentes. Suponho que muitos dos leitores deste artigo sejam treinados na Escola Austríaca de economia. Tomarei a estrada para um portão bastante familiar, a saber a discussão sobre o anti-psicologismo. Na Escola Austríaca, foi o próprio Ludwig von Mises que advertiu contra os perigos de um tipo particular de psicologismo, chamado polilogismo.[6] E mesmo nos dias de hoje, alguns estudiosos austríacos ainda investigam a respeito do possível perigo de uma epistemologia psicologista.[7]

O próprio Edmund Husserl foi também um dos oponentes mais ardentes da doutrina psicologista. Mas que tipo de doutrina é de fato o psicologismo? Atualmente, psicologismo pode ser traçado de volta ao início do século XIX, quando o positivismo era a doutrina geral que mantinha a filosofia ocidental em sua balança. De acordo com o pensador positivista francês Auguste Comte (1798-1857), o positivismo colocaria um fim ao então chamado estágio “metafísico” de filosofar, no qual conceitos metafísicos redundantes — tais como a existência de Deus ou ideias inatas — seriam finalmente jogados fora. Também o claro método racionalista de pensar, no qual a lógica pura era usada a fim de fazer declarações apodíticas sobre a realidade, seria desbancado por uma descrição positivista ou empirista na qual apenas a experiência (externa) desempenharia um papel. Portanto, o método da indução, sobre o qual leis gerais concernentes a realidade física e social seriam estabelecidas pelo uso de hipóteses e sua verificação ou falsificação através do método experimental, também tornaria obsoleta a filosofia como uma ciência propriamente dita. Tomando como certo que o positivismo seria a fundamentação meta-teórica de todas as ciências, Comte pensou que depois de sua implementação bem-sucedida nas ciências tal como a astronomia, física e biologia, chegou a hora de usá-lo também nas ciências sociais. Por isso, Comte foi seduzido a fazer a declaração fantasiosa de que a ciência da “física social” — ou “sociologia” — se tornaria a “joia da coroa” absoluta das ciências positivistas. Pode ser de surpresa nenhuma aos meus leitores austríacos que o sonho positivista de Comte na verdade se tornou um pesadelo arrependido …

Apesar disso, Comte estava errado em asserir que as ciências sociais se tornariam o alfa e ômega do raciocínio positivista. Meio século depois de Comte, novos avanços científicos também tomaram lugar no campo de pesquisa da psicologia, que até meados de 1800 permaneceu um desses campos escolásticos “turvos”. De fato, as faculdades de psicologia separadas não existiam nesse tempo, e foram ainda incorporadas no currículo todo da filosofia.[8] Nessa hora, foi o psicologista Alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) que tentou tirar a psicologia de sua origem filosófica através do uso do método positivista. Por isso, uma nova disciplina nasceu, chamada psicologia experimental.

Grosseiramente dito, a mira da psicologia experimental também pode ser explicada como um tipo de fisicalismo: tenta-se explicar diferentes fenômenos físicos investigando os diferentes estratos psicofísicos subjacentes a essas experiências conscientes. Foi nesse momento que o famoso filósofo Franz Brentano (Mentor de Husserl!) publicou seu Psychology from an Empirical Standpoint em 1874 como uma reação contra Wundt, enfatizando o fato de que não se pode explicar a gênese causal do fenômeno mental sem primeiro investigar o que esses fenômenos mentais realmente são, por isso enfatizando a importância da intencionalidade do sujeito.

Mas as consequências desastrosas do psicologismo não permaneceram dentro do campo da psicologia e filosofia da mente. Wundt – e junto com ele o filósofo Britânico John Stuart Mill – também mantinham a opinião de que a psicologia (experimental), como uma disciplina positivista, poderia fornecer uma base científica para a lógica. Como tal, o último pilar do que uma vez foi o grande, sólido distrito da filosofia seria finalmente demolido.

A lógica, como foi elaborada nos tempos antigos por Aristóteles, era — até a emergência da doutrina psicologista — considerada sendo um estudo sobre as verdades formais do ser em geral. Por olhar meramente ao seu conteúdo formal, pode-se facilmente compreender o fato de se uma certa proposição é verdadeira ou falsa. Quando digo que estou tanto em Antuérpia como em Bruxelas nesta mesma hora, alguém pode identificar essa declaração como falsa, não passível de observação “experimental” (isto é, por andar através de diferentes ruas e quarteirões de Antuérpia e Bruxelas, e procurar por mim), mas simplesmente pelo fato de que isso implica uma contradição formal. Mas essencialmente, a concepção de lógica de Aristóteles lida com as leis da realidade: uma certa proposição sobre um estado de coisas pode ser verdadeira ou falsa, independente da “crença” mental que o sujeito julgador atribui a essa proposição. Ele simplesmente obedece as regras da lógica; não é criada por ele, como os positivistas (ou os Kantianos) argumentariam.

Este último é o que os psicologistas consideravam verdadeiro. Uma vez que a psicologia experimental nega completamente a existência da intencionalidade (isto é. o fato de que um ato consciente é sempre direcionado em direção à um certo objeto (interno ou externo), isso tem também a implicação ontológica de que o psicologismo demole a “ponte” entre o sujeito julgante, e o mundo externo. Por isso, o psicologismo lógico declara que a lógica não é uma ciência sobre as verdades formais que podem ser descobertas na realidade, mas uma ciência que ordena as leis do pensamento.

À primeira vista, essa exposição pode soar talvez um pouco metafísica demais a fim de entender o perigo imenso que estão ocultos na doutrina psicologista. Mas considerando então, seguindo o exemplo ridículo que J. S. Mill nos fornece para ilustrar seu psicologismo. Tome a soma “3+2 = 5”. Qual, então, é a base ontologicamente subjacente que dá a essa operação matemática sua verdade inegável? De acordo com os Aristotélicos “clássicos” (e Husserl também), essa soma pode reivindicar sua verdade a priori agradecendo ao fato de que ela repousa totalmente sobre as regras formais da matemática, e através dessas regras formais, cada operação matemática pode resultar em um resultado verdadeiro ou falso. Mas de acordo com Mill, a soma “3+2 = 5” repousa totalmente sobre nosso ato psicológico de que quando, através da experiência exterior, vemos objetos diferentes que formam uma unidade-”três” que formam uma unidade-”dois”, devemos acreditar depois de um certo tempo que seu resultado será cinco unidades. Tome duas maçãs, e então adicione três maçãs a ela. Então repita esse processo algumas vezes, e “experiencie” o fato de que no fim você verá cinco maçãs cada vez. Dessa forma John Stuart Mill tentou lidar com a matemática. E com a lógica também, onde Mill declarou que o princípio da contradição não é uma verdade formal, mas simplesmente é um resultado do ato mental de não aderir “crença” a duas proposições contrastantes.

É claro, quando se declara que a lógica (e a matemática) não é nada além de uma forma de “crença justificada”, então as portas ao ceticismo lógico estão amplamente abertas. Na verdade, reduzir as leis da lógica às leis de nosso pensamento factual sugere que algumas leis lógicas podem ser falseáveis, que é, é claro, parte da agenda positivista. Segundamente, a reivindicação dos positivistas deve levar a um regresso infinito: se as leis da lógica que devem ordenar nosso pensamento são elas mesmas baseadas sobre experiências mentais, então sobre que tipo de experiência elas, por sua vez, repousam, pois é necessário que a lógica encontre um ponto de ancoragem definido no qual confiar.

A agenda psicologista é, desse modo, baseada em alguns defeitos e erros fatais, que Husserl discute no primeiro volume de seu Logical Investigations (1900). Mas rejeitar uma certa teoria é uma coisa. O que podemos colocar no lugar disso?

Husserl enfatiza — em uma antiga moda Platonista/Aristotética — que a matemática e a lógica não lidam com o então chamado fenômeno psicológico; mas que elas representam verdades formais apodíticas. Assegurando o postulado de um paraíso Platônico com Entidades Ideais é, é claro, uma coisa, mas como provar a “existência” desse campo?

Portanto, Husserl começa suas investigações novamente em … psicologia! Não na psicologia experimental Wunditiana essa vez, mas na então chamada “psicologia descritiva”, um campo de pesquisa que foi elaborado pelo tutor de Husserl mencionado anteriormente, Brentano. A quintessência da psicologia descritiva é que cada fenômeno mental é intencional, isto é, direcionado rumo a um objeto. Pensamento, sentimento, desejo, juízo, … não são atos mentais que ocorrem em um tipo de vácuo irrefletido, mas sempre apontam para um certo objeto.

Mas para Husserl, intencionalidade tem uma clara conotação epistemológica. De fato, o emprego da palavra “intencionalidade” pode ser traçado de volta desde São Tomás de Aquino. Pode ser esclarecedor focar sobre a teoria de Aquino a fim de compreender totalmente o uso de Husserl, uma vez que ambos Aquino e Husserl usam do termo são muito similares.

De acordo com Aquino, o começo de cada forma do conhecimento humano é a percepção sensorial. Quando percebemos algo — um objeto físico no mundo de fora — nosso então chamado “intelecto passivo” é ativado. Através do intelecto passivo, o objeto percebido deixa sua identificação, assim como um carimbo imprime sua forma em um selo de cera; que é denotado por Aquino como a species impressa. Mas nesse momento, nenhum conhecimento genuíno existe ainda. Portanto, o então chamado intelecto ativo irá operar: o intelecto ativo irá atribuir um certo significado ao objeto percebido. Como tal, Aquino distingue entre a forma in re (universais em coisas) — que é dado ao intelecto pela forma impressa — e a forma post rem (universal alcançado pelo intelecto ao objeto). A “forma post rem” deve estar em correspondência com a forma in re, e é como tal chamada de intentio. Assim, Aquino é um dos principais proponentes da então chamada teoria da verdade por correspondência, que declara que uma certa proposição deve estar em concordância com um certo estado de coisas no mundo externo.

Husserl explicitamente constrói sua teoria sobre essa estrutura epistemológica Tomista. Como Aquino, Husserl reivindica que a intencionalidade é sempre adequada (cf. Aquino: adaequatio intellectu et rei, ou o verbete latino indicando a mencionada teoria de correspondência). Mas o que significa a intencionalidade ser adequada? Portanto, poderíamos apontar para uma noção filosófica que é frequentemente usada por Husserl, a saber aquela de uma intuição “categorial” ou “eidética”. O adjetivo “eidético” pode ser reminiscente à antiga noção Grega de “eidos”, como usada na filosofia de Platão. “Eidos”, então, pode ser literalmente traduzido como “ideia”, e o próprio Platão na verdade usou a palavra para indicar sua suposta esfera celestial de Ideias eternas e imóveis de forma mais realista [down-to-earth-fashion], como usada por Husserl, a palavra “eidos” pode ser melhor traduzida como “essência”.

Como resultado, quando Husserl declara que a psicologia (descritiva) é o maior portão de entrada a fim de manter uma investigação nas leis apriorísticas e essências que estruturam a realidade,ele enfatiza a importância de investigar esses atos mentais que ele chama de “experiências puras” (reine Erlebnisse), isto é. aqueles atos que pode compreender certas essências em seus modos intencionais. A fenomenologia, então, como entendida por Husserl, é a ciência que investiga aquelas experiências psicológicas que depois buscam certas essências e leis a priori governando a realidade. São esses atos puros que são chamados “adequados” por Husserl, e são, desse modo, objeto da investigação fenomenológica.

A questão sobre a qual devemos focar agora nossa atenção, então, é qual deve ser o método próprio da fenomenologia. Husserl portanto introduz dois conceitos chaves: a redução transcendental (a parte intellectu) e a eidética (a parte rei). Nos deixe primeiro elaborar a respeito da redução transcendental, ou epoché, como ela é frequentemente chamada por Husserl com uma palavra Grega emprestada dos céticos antigos.

A palavra “epoché” pode ser melhor traduzida como “abster-se de qualquer juízo”. De fato, a fim de analisar a consciência sobre uma base fenomenológica pura, deve-se ser literalmente “purificada” de cada pressuposição. Em nossa experiência diária — que Husserl chama de “atitude natural” — tomamos por garantido diferentes pressuposições ou categorias que ordenam nossa compreensão do mundo; por exemplo a ocorrência do fenômeno físico em um constructo do espaço e tempo, ou a existência do mundo exterior, ou as famosas doze categorias Kantianas. Mas de acordo com Husserl, existem pressuposições que devem ser suprimidas a fim de analisar o conteúdo de uma experiência fenomenológica pura. Assim, Husserl declara que as pressuposições decorrendo fora das nossas atitudes naturais devem ser colocadas temporariamente entre parênteses (“einklammern”), a fim da consciência para experienciar a coisa como ela aparece como tal. Na verdade, o método Husserl, por este meio, usa para nos lembrar do princípio da dúvida metodológica, como iniciada por René Descartes. Mas contrário a Descartes, não é a mira de Husserl fazer um comprometimento ontológico e negar a existência de – por exemplo – o mundo exterior; nem foi a intenção de Husserl declarar que os sentidos nos “enganam”. Mas devemos manter em mente que a fenomenologia é uma ciência essencialista, e que para o bem dela, a redução transcendental permanece um passo muito importante no método de Husserl.

Depois da elaboração a respeito da redução transcendental, Husserl procede para a redução eidética. Depois que a redução transcendental foi apresentada, o intelecto ganhou uma visão sem pressuposição a respeito do objeto que se pretende. Mas o que são essas características essenciais desse objeto? Essa é uma questão respondida pela redução eidética, algumas vezes também chamada de variação eidética. De fato, o intelecto brinca com experiências passadas semelhantes que teve no passado de objetos e/ou fenômenos semelhantes (“retenção”). Na imaginação, o intelecto varia essas experiências passadas a fim de compreender as essências que estão por baixo dessas experiências. Por exemplo, quando vemos uma mesa (em nossa “atitude natural”, Husserl adicionaria), nossa percepção sensorial nos diz  apenas que vemos um certo número de pés da mesa e um topo da mesa. Podemos vê-lo em diferentes tons e de diferentes ângulos na sala, mas o dado sensorial sozinho não nos dá uma clara e distinta ideia de que a coisa que nós percebemos é, de fato, uma mesa e não, digamos, uma cadeira. Mas através de seu processo de variação eidética, ademais, torna-se possível compreender a mesa toda em uma unidade singular, e, como tal, criar uma conceptualização dela. Mas uma vez que a fenomenologia é considerada como sendo um método formal de investigação lidando com ciências a priori, pode ser interessante implementar seu método no campo da matemática. Tome como um exemplo as seguintes somas (que, para o bem da claridade em meu discurso, toma lugar dentro de um conjunto de números naturais):

2 + 4 = 6

5 + 17 = 22

8 + 0 = 8

0 + 0 = 0

Embora essas são operações matemáticas distintas e claras, se pode ademais indicar que através do “reconhecimento de padrão”[9] [pattern recognition], podemos formular uma regra (formal) geral que aplica a todas essas somas, a saber A + B = C por meio do qual A ≤ C e B ≤  C.

Devemos também enfatizar o fato de que o método da variação eidética faz uso do princípio da parcimônia, melhor conhecido por nós como a navalha de Occam. Esse princípio, de fato, também se aplica às ciências formais.

Em um ensaio publicado em 1936, chamado The Origin of Geometry as an Historical and Intentional Problem. Husserl nos mostra como a redução eidética de fato funciona ao longo da gênese da geometria Euclidiana. A geometria é, com razão, concebida como uma ciência formal; através do qual o uso de axiomas e definições desempenham um papel central. E cada teorema geométrico, então, também repousa sobre esses axiomas formais. Por exemplo, a veracidade [truthfulness] do teorema Pitagórico repousa totalmente sobre a definição da essência de um triângulo. Mas embora a geometria repouse em algumas verdades inegáveis, Husserl enfatiza que suas teorias não seriam simplesmente criadas do nada. De fato, as origens da geometria podem ser traçadas de volta à um tempo e espaço definido na história, a saber o Egito antigo, onde os então chamados teoremas “geométricos” foram usados a fim de calcular a superfície de certos pedaços de terra próximas das margens do rio. Se pode, na verdade, pontuar o fato de que a palavra “geometria”, que é de origem Grega, significa literalmente “mensurar a Terra”. Por meio de certos métodos experimentais e orientados-práticos; aqueles antigos agrimensores egípcios usavam alguns princípios geométricos “inconscientemente”.

Mas pedaços e faixas de terra não são figuras geométricas “perfeitas”, é claro. Portanto, foi necessário que algum gênio “completo-geômetra” abstraísse dos cálculos imperfeitos usados pelos cartógrafos, algumas leis e princípios gerais que governam o reino da geometria pura. Assim, esses conceitos meramente teóricos – conceitos como o círculo perfeito ou o triângulo perfeito – poderiam ser usados novamente para desenvolver e aprimorar ainda mais as aplicações práticas no levantamento topográfico. Mas, e este é o ponto em que Husserl quer focalizar, esses conceitos teóricos contêm para si verdades eternas e apodíticas. Assim, o método de variação eidética parecia ser frutífero para obter insights sobre essas verdades apodíticas estabelecidas pela geometria. E uma vez que se abandone esse princípio eidético – como fariam os psicólogos –, é claro que todos os nossos conceitos a priori simplesmente desaparecerão.

Como já enfatizamos diversas vezes, Husserl começa suas investigações entrando em uma psicologia ou fenomenologia descritiva (o estudo das coisas tal como elas aparecem a uma consciência subjetiva, intencional, a partir da perspectiva de primeira pessoa). Não obstante, a fenomenologia Husserliana não está comprometida com as falhas fatais do psicologismo, nem adere ao idealismo (Kantiano) no qual a mente humana “constrói” a sua realidade. Portanto, para distinguir entre um assim chamado ato noético e seu conteúdo noemático (ideal),[10] Husserl também discorreu sobre diferentes tópicos considerando ontologia e a filosofia da linguagem, do qual darei uma breve visão geral.

De acordo com Husserl, uma determinada proposição pode ser analisada em não menos de quatro diferentes modos, que devem ser agudamente distinguidos um do outro. Portanto, Husserl distingue entre a expressão linguística de uma determinada proposição, o ato intencional (o pensamento sobre algo), o significado da proposição e, finalmente, o estado-de-coisas ao qual a proposição se refere. A última distinção é de qualquer modo uma distinção um tanto famosa na história da filosofia, embora que através da obra inicial do lógico alemão Gottlob Frege, e sua distinção entre sentido (Sinn) e referência (Bedeutung).

Considere por exemplo a sentença comum:

“As folhas são verdes”.

Essa sentença foi escrita em uma certa linguagem particular; Inglês nesse caso. Entretanto, o significado dela não é, é claro, dependente de sua expressão linguística. É possível escrever a sentença em diferentes línguas — “Die Blätter sind grün”, “Les feuiles sont vertes”, “De bladeren zijn groen”, … –- sem mudar nada ao significado da proposição. É também possível simplesmente pensar sobre isso em uma certa linguagem. Esse significado, então, é o conhecimento que temos acerca de uma certa linguagem. Esse significado, entretanto, é sempre sobre um certo estado de coisas; e não pode ser confundido com o estado de coisas em si, uma vez que se é possível para a árvore e suas folhas queimarem, mas o significado (como um certo “universal”) em si mesmo não pode se incendiar (embora pode ser bastante bobo falar sobre uma folha — isto é, não-existente — queimada). Nem pode o ato intencional, que sempre carrega o significado em si mesmo.

Isso sendo dito, por meio disto, fecho minha seção a respeito da filosofia de Edmund Husserl, e extraio a atenção do leitor de volta para coisas mais mundanas (seria?) como filosofia do direito e ética argumentativa.

III.        O sistema da ética argumentativa de Frank van Dun

Em seu brilhante tratado “Het Fundamenteel Rechtsbeginsel” (O Princípio Fundamental do Direito) de 1983, professor Van Dun começa sua teoria da filosofia legal libertária que apenas quatro ordens políticas diferentes são possíveis, a fim de fornecer uma resposta à questão: “O que é um ordenamento legítimo [rightful] da sociedade?”. Van Dun, por meio disso, usa os conceitos de mestre e escravo, i.e, pessoas que ditam aos outros como elas devem se comportar e o que devem fazer com seus meios, e pessoas que apenas tem de obedecer às ordens ditadas por seus mestres. As combinações que podem ser formadas com esses conceitos, são então as quatro seguintes:

  1. Todas as pessoas são escravas, e ninguém é seu próprio mestre

→ E.g.: (anarco-) comunismo, no qual todos os direitos sobre propriedade privada são abolidos. Teoricamente, o comunismo não reconhece a legalidade de um determinado mestre governante.

  • Algumas pessoas são escravas, e algumas delas são mestres

→  E.g.: democracia, onde algumas pessoas – eleitas para o parlamento – tem o “direito” de decretar leis, e compelir outros cidadãos a se comportar como eles querem. Uma oligarquia também se encaixaria nesse modelo teórico.

  • Uma pessoa é mestre, todas as outras escravas

            → E.g.: Ditadura; um regime autoritário

  • Nenhuma pessoa é uma escrava, e cada pessoa é mestre de si mesma

            → O então chamado “princípio fundamental do direito” ou uma ordem política libertária no qual a liberdade pessoal e direitos de propriedade privada existem

Essas são todas as diferentes ordens sociais que podem existir, escritas em um sistema formal abstraído de seus respectivos compromissos ideológicos. Mas como, então, como provamos que uma dessas quatro declarações é uma formalmente válida? Portanto, Van Dun, na verdade, volta sua atenção para a ética argumentativa, pois é somente através do curso da argumentação que se pode ser revelado se ou não uma certa proposição é verdadeira ou falsa; justa ou injusta.

Porque esse é o caso? Porque não podemos simplesmente jogar uma moeda a fim de decidir que ordem política pode melhor se ajustar como “justa”? A ética argumentativa funciona como um tipo de critério de demarcação a fim de filtrar proposições verdadeiras de falsas. Como cada conjunto normativo de possíveis normas reivindica resolver conflitos intersubjetivos, então não se pode negar que é somente através do curso da argumentação que sua validade pode ser justificada ou anulada. Alguém pode dizer: “Eu ordeno que você faça todas as coisas que eu peço!”. Mas uma vez que essa proposição é colocada em questão pela outra pessoa, então é na verdade óbvio que o curso da argumentação foi colocado em progresso.

Nem todos os tipos de argumentação são discussões sobre um determinado conjunto de normas (intersubjetivas) legais, políticas ou éticas, é claro. Um adolescente pode ter uma discussão (quarrel) com seus parentes de que se ou não ele está permitido ir à festa na cidade, mas nesse caso, as únicas pessoas envolvidas na argumentação são os membros da família. Ninguém mais irá carregar as consequências do acordo que foi definido entre a criança e seus parentes.

Isso, entretanto, não é o caso quando lidamos com a ética argumentativa. De fato, se pesquisa por um certo conjunto de princípios gerais e metanormativos que governam cada tipo de ação intersubjetiva, seja uma briga entre filho e pais, um comprador e um vendedor fazendo um contrato, etc. Como a ética argumentativa busca princípios gerais e, portanto, universais, que governam nossa conduta; então se precisa também da suposição de certas condições metafísicas a fim de fazer seu trabalho frutífero. Essas condições metafísicas são, de fato, as pré-condições para uma argumentação bem-sucedida.

A tarefa da metafísica é ver se podem haver alguns princípios gerais, leis e conceitos na realidade que podem ser conhecidos com uma certeza apoditica. Como tal, pesquisas metafísicas para determinados universais que carregam verdades não-contingentes dentro da realidade.[11]

O que, então, são esses princípios universais que guiam o curso da ética argumentativa? Van un enfatiza a importância da racionalidade humana, que é um fato axiomático, inegável. Pode ser também comparado com o axioma da ação humana de Mises que abre seu epônimo tratado: “Ação humana é comportamento propositado.”. Isso é, na verdade, um fato inegável: não se pode simplesmente mudar a teleologia de seu próprio comportamento sem cair em uma contradição.

Nem a racionalidade humana pode ser negada, de acordo com Van Dun:

“Está fora de questão negligenciar ou menosprezar a racionalidade humana. Quando dizemos que uma pessoa é uma criatura racional, não afirmamos que ela seja razoável [reasonable]. “Racionalidade” é um termo descritivo, referindo-se ao modus operandi de uma pessoa humana como criatura agente. “Razoabilidade” [Reasonableness] é um critério pelo qual avaliamos o comportamento de uma criatura racional. “Razoável” significa o mesmo que “como uma criatura racional deve se comportar”, e só pode ser usado para avaliar o comportamento de uma criatura racional: é somente sobre uma criatura racional que podemos dizer que ela é irrazoável. Provavelmente ninguém é sempre razoável, mas essa afirmação não prova de forma alguma que o homem é uma criatura irracional, por exemplo um escravo indefeso de seus próprios sentimentos irracionais.”[12]

De novo, há uma distinta estrutura Aristotélica operando aqui. Foi Aristóteles quem descobriu o link óbvio entre a fala (speech) e a esfera política, assim definindo o homem como um zoôn logon echon, ou como o próprio Aristóteles declarou: “Agora, que o homem é mais um animal político do que abelhas ou qualquer outro animal gregário é evidente. A natureza, como frequentemente temos dito, não faz nada em vão, e o homem é o único animal que ela dotou com o presente da fala. […] o poder da fala destina-se a estabelecer o conveniente e inconveniente, e portanto de outro modo o justo e o injusto.”[13]. Se deve na verdade notar que o termo Grego para “palavra” – logos – também implica o uso de suas capacidades racionais (nosso termo corrente “lógica” tem, de fato, a mesmíssima origem etimológica!). Esta é evidentemente a razão pela qual Van Dun enfatiza o link entre a validade dos proferimentos de alguém (palavras ou logoi) e as leis da lógica.

Ao mesmo tempo, essa passagem mostra de fato a quintessência da ética argumentativa de Van Dun: a racionalidade humana é um universal comum a todos seres humanos. Se alguém devesse negar sua racionalidade durante o percurso da argumentação, ele simplesmente se envolveria em uma assim chamada contradição dialética[14]: ele argumentaria que não pode argumentar (um ponto que também tem sido legitimamente enfatizado por Hans-Hermann Hoppe). A mesma contradição aconteceria quando alguém afirmasse que ele, ele mesmo, é de fato uma criatura racional, endossada com uma certa quantia de direitos, mas a outra pessoa não: de acordo com o princípio metafísico de identidade, essa afirmação iria também, a saber, também deslegitimar [rule out] sua própria racionalidade, visto que esse é um princípio comum a todos os seres humanos. De fato, isso pode ser formalmente provado: suponha que cada pessoa é um ser racional (uma verdade metafísica), então isso significa que a pessoa A = B = C … de um ponto de vista (identidade metafísica) metafísico (essencialista). Agora, então, cada pessoa é, assim, endossada de uma quantia igual de direitos, de acordo com o mesmíssimo princípio de identidade metafísica: (x)A ^ (x)B ^ (x) C ^ etc. Suponha então que essa pessoa A afirmaria que ela é endossada de mais direitos que seus semelhantes, ele seria pego, de fato, em uma contradição dialética, pois de acordo com o princípio do terceiro excluído: ~(A ^ ~A),[15] pois se B e C têm uma menor quantia de direitos, então de acordo com o mesmíssimo princípio de  identidade, a pessoa A precisa também ter, automaticamente, uma menor quantia de direitos. Finalmente, pode-se de fato continuar a sustentar que ela não é uma criatura racional, mas, nesse caso, ela simplesmente torna a si mesma um fora da lei, uma pessoa que colocou a si mesma para fora da ordem legal.

Como cada pessoa humana é um ser racional, e deve se comportar como tal, Van Dun promove delinear o escopo da ética argumentativa: ela constitui regras gerais entre iguais.[16] E como tal, justiça é significada como uma relação horizontal entre seres humanos iguais, cada um deles dotados com uma igual quantidade de racionalidade. Isso, então, é a razão de porque as opções (2) e (3) no esquema são descartadas, uma vez que elas simplesmente não podem se conformar com o princípio da universalizabilidade. Mas a primeira ordem hipotética; desde que ela repousa sobre o modelo de consenso universal. Entretanto, tal modelo requer que um acordo entre todos os participantes envolvidos no discurso possa alguma vez estabelecer tal acordo. Por razões puramente teóricas e práticas, essa opção não parece muito plausível. Como Van Dun declara:

“A luta por um consenso universal, quando não existe consenso espontâneo, demanda tempo e esforço, e nem uma única garantia pode ser dada de que essa luta será bem-sucedida no final. Se nenhuma decisão puder ser feita antes que um consenso geral seja alcançado, então a maioria das decisões será tomada tarde demais e outras simplesmente nunca. […] É também o menos provável que as decisões que finalmente venham a ser tomadas serão mais do que uma espécie de compromisso que não será bem-vindo com a mais alta estima, porque todos sabem que o compromisso foi feito para acabar com as querelas que incomodam a todos. O resultado é ou que nada será feito, se a estrutura de pessoas que aderem ao princípio do consenso for realmente aquela que se resolve; ou, de outro modo,, que tudo o que será feito não pode ser justificado de acordo com o princípio do consenso, quando lidamos com pessoas cuja luta por sobrevivência é maior do que sua estima pelas regras da negociação universal.”[17]

Todas essas três opções sendo eliminadas, apenas o então chamado princípio fundamental do direito (PFD) permanece intacto. Em verdade, o PFD é ambos, uma condição necessária e suficiente a fim de falar de justiça. Necessário, porque apenas o PFD encontra o acordo com o princípio da universalizabilidade, e suficiente, pois além do princípio da autonomia humana, nenhuma outra condição é necessária a fim de se encontrar com o princípio de universalizabilidade.[18]

IV. Husserl e Van Dun convergem: Sobre os fundamentos fenomenológicos da ética argumentativa Van Duniana

Até agora, demos apenas uma breve visão geral das respectivas teorias de Husserl e de Van Dun. Suponho que o leitor ficará de fato bem curioso para saber que tipo de semelhanças podem surgir quando ambas as teorias são comparadas, e como isso pode levar a um aprimoramento das pesquisas acadêmicas atuais sobre a ética argumentativa. Isto, porém, será algo a ser feito na seção V.

Declaramos que a fenomenologia Husserliana estuda o fenômeno (puro) do ponto de partida da consciência intencional. Um ponto de partida a respeito da existência do fenômeno como tal – que deve ser uma discussão a respeito do realismo ontológico vis-à-vis idealismo – é então colocado para fora através da redução transcendental. Quando comparada com a filosofia do direito de Van Dun, se pode na verdade vir a observar que a ontologia do direito de Van Dun também tem o sujeito do julgamento individual como seu ponto de partida, por meio do qual o sujeito julgador opera através de um discurso argumentativo. O reino da justiça, de acordo com Van Dun, não forma uma esfera fora de nós (como foi o caso na, por exemplo, filosofia de Hegel; ou até mesmo na reivindicação do positivismo legal que a legalidade pode apenas ser encontrada em determinados escritos, leis impostas que são colocadas na sociedade por uma força externa. i.e, o estado). Entretanto, “intencionalidade” ou “tematicidade” [aboutness] em filosofia do direito de Van Dun não ocorre em um vão vazio: sempre se pesquisa por certas verdades dialéticas ou apodíticas, que não podem ser negadas, e assim forma uma certa esfera de condições necessárias que criam uma ordem legítima. Isso, novamente, pode ser comparado com o objetivo de Husserl para a intencionalidade de buscar verdades e essências apodíticas (“Wesensschau”) através da operação eidética. Essas essências ou “significados”, então, são independentes de expressões linguísticas ou de atos intencionais em que eles ocorrem. Um pensamento similar pode ser observado na ética argumentativa de Van Dun, onde verdades dialéticas são, na verdade, verdades universais, assim independentes de uma determinada cultura ou tempo e lugar na história.

De acordo com Husserl, a consciência intencional ou “pura” deve ser precisamente distinguida da consciência empírica, ou a “atitude natural”. Usando essa distinção, Husserl tentou superar o desafio dos psicologistas de que todo conhecimento é baseado em certos “sentimentos” internos e intuitivos que até mesmo tornam  as disciplinas apriorísticas como matemática e lógica obsoletas. Quase exatamente as mesmas observações foram feitas por Frank van Dun, que enfatiza a importância e a predominância da racionalidade humana contra aqueles movimentos filosóficos – tais como o ceticismo, o pós-modernismo e o estruturalismo – que negam até mesmo a possibilidade de um discurso racional entre iguais.[19]

Podemos concluir nossa breve comparação entre Husserl e Van Dun com uma visão Geral Esquemática:

Edmund HusserlFrank Van Dun
Lógica e matemática como ciências formais (↔ ciências empíricas): a validade das proposições lógicas e matemáticas dependem de seus conteúdos ideais; não dos atos psicológicos que iriam “constituir” esses sentidos, como os psicologistas afirmam.Filosofia do direito como uma ciência formal: a validade das proposições enunciadas no discurso argumentativo depende de sua conformidade com certos princípios lógicos e metafísicos, como o princípio de identidade (A = A)  
Rejeição do psicologismo: o sujeito empírico não é uma fonte recorrível para se ganhar conhecimento acerca das ciências formais tais como lógica e matemática.Rejeição da declaração de Hume de que a razão deve ser escrava das paixões (portanto, Hume defendeu uma forma de psicologismo nas ciências sociais!)
Chegar a uma redução transcendental: por meio da colocação do eu empírico entre parênteses,[20] uma nova modalidade de consciência abri a si mesma, a qual é purificada de pressuposições subjetivas e ingênuas do mundo da vida cotidiano.Primordialidade da racionalidade humana → mandamento categórico que você deve ser racional.
Chegar a uma redução eidética: fenomenologia como uma ciência eidética, buscando por “formas” ou “essências” eternas nas ciências formais.Investigação pelas condições apodíticas de possibilidade de ação intersubjetiva → “redução eidética” como uma missão em busca daquelas condições que permanecem imutáveis e que são, portanto, universalizáveis.
Intencionalidade como um ato cognitivo no qual a consciência pura desenvolve a si mesma (cfr. São Tomás de Aquino).Intencionalidade pelo emprego de um diálogo racional → processo a fim de obter novo conhecimento
Distinção estrita entre expressão linguística e seu conteúdo ideal. Inferioridade embora necessidade da linguagem como um instrumento comunicativo.Universalizabilidade do diálogo racional por causa dos significados ideias proferidos no curso da argumentação.
Princípio de parcimônia como pré-condição para variação eidética (condições necessárias e suficientes para a variação imaginária).Princípio da parcimônia como pré-condição para as condições necessárias que guia a ação intersubjetiva “justa”: o princípio fundamental do direito como ambos condição necessária e suficiente para a justiça

É claro, a interpretação comparativa de Husserl e Van Dun é completamente de minha autoria. Agora procederemos para a próxima seção, onde a utilidade dessas investigações fenomenológicas a respeito da argumentação irá parecer frutífera. Para o bem da claridade do meu próprio discurso, por meio disso irei usar a crítica de Murphy e Callahan (frequentemente chamado de MC) como mencionado na nota de rodapé 2 deste ensaio como linha guia a fim de prover uma resposta à ambos, MC e Hans-Hermann Hoppe, uma vez que parece para mim que na verdade aquelas críticas de MC (algumas vezes justificada) são elas mesmas baseadas sobre os defeitos fatais da própria teoria de Hoppe. Mas isso, é claro, não invalida a utilidade da ética argumentativa.

V. Uma resposta fenomenológica a Murphy, Callahan e Hoppe

Não é meu propósito responder passo a passo a crítica de MC [Murphy e Callahan], pois esse trabalho já foi minuciosamente feito por autores como Frank van Dun e Stephan Kinsella. Tanto Van Dun quanto Kinsella forneceram, em particular, excelentes respostas a alguns princípios “metateóricos” óbvios da ética argumentativa, compartilhados por quase todos os autores no campo – isto é, questões como por que os direitos não são válidos apenas durante o curso da argumentação, por que não podemos discutir com os animais e por que não apenas as pessoas envolvidas no curso da argumentação, mas de fato toda a humanidade, estão sujeitas aos direitos descobertos no decorrer desse percurso (daí, por que Aristóteles de fato se envolveria em uma contradição dialética quando argumentasse com um bárbaro sobre sua inferioridade humana). Para essas questões, eu me referiria aos textos que já mencionei nas notas de rodapé 1 e 3 para evitar a repetição do mesmo argumento

Todavia, existem de fato algumas questões levantadas por MC a respeito das quais eles estão certamente corretos. Para que minha própria abordagem fenomenológica sobre a ética da argumentação apareça passo a passo, irei lidar com essas questões imediatamente. Então aqui vou eu.

O primeiro argumento feito por MC que quero discutir é o seguinte:

“Como afirmamos acima na introdução, acreditamos que, mesmo que se conceda a validade básica da abordagem de Hoppe, seu argumento ainda falha em defender completa propriedade se si mesmo [self-ownership]. Na melhor das hipóteses, Hoppe provou que seria contraditório argumentar que alguém não possui legitimamente sua boca, ouvidos, olhos, coração, cérebro e quaisquer outras partes corpóreas essenciais para se envolver em um debate. Mas isso claramente não inclui, digamos, as pernas de uma pessoa; afinal, é certamente possível alguém se envolver em um debate sem ter perna alguma.” (MC, p. 55-56)

Isso é na verdade uma frequente crítica escutada da ética argumentativa Hoppeana, e na minha visão, MC está, de fato, certo em criticar a descrição Hoppeana como tal. Pois de acordo com Hoppe: “Por uma coisa, ninguém pode possivelmente propor algo, e ninguém pode se tornar convencido de qualquer proposição por meios argumentativos, se o direito da pessoa de ter o controle exclusivo sobre o próprio corpo já não for pressuposto”. (Economics and Ethics of Private Property, p. 342)

Hoppe com isso se envolve de fato em uma falácia naturalista: não é porque eu possuo meu próprio corpo que, portanto, também sou proprietário dele. Posse e propriedade são duas categorias distintas, que não podem  ser combinadas (falaremos sobre isso mais detalhadamente nesta seção) uma com a outra. A propriedade, de fato, precisa de uma justificação intersubjetiva que só pode ser alcançada no percurso da argumentação, e não antes dela, como diria Hoppe. Isso não significa que eu esteja comprometido com um tipo de empirismo aposteriorista relativista, é claro, uma vez que foi bastante enfatizado nas seções III e IV deste ensaio que, durante o curso da argumentação, deve-se obedecer às regras da lógica. Portanto, MC estão certos em enfatizar que se pode argumentar sem ter pernas e braços. Eu iria ainda mais longe e diria que não é preciso nem mesmo olhos ou ouvidos para se envolver em um discurso racional, visto que é (teoricamente) até mesmo possível se comunicar com outros meios como linguagem de sinais, toque ou por meio de dispositivos eletrônicos ou aplicativos de computador.

Isso significa que eu defendo uma “ética argumentativa zumbi”, na qual somente pessoas com línguas cortadas, pernas amputadas e olhos dissolvidos se envolverão? Talvez possamos tentar isso na noite de Halloween, mas, em geral, a resposta do fenomenólogo seria não. Como então? Para começar, cada curso de argumentação racional sobre regras gerais intersubjetivas (legais) deve começar com uma redução transcendental intersubjetiva. Com isso, deixamos todos os nossos pressupostos – desejos, vontades e as assim chamadas ideologias (políticas) sobre o certo e o errado – de lado; para focar nos conceitos puros (lógica) que regem o percurso da ação intersubjetiva. Portanto, a redução transcendental nos proíbe de fazer qualquer afirmação carregada de valor sobre o estado de coisas intersubjetivo com o qual nos deparamos (cf. um método semelhante usado na Escola Austríaca de Economia). Essa proibição, ou abstinência, de juízo então torna inadmissível tanto interferir quanto não interferir na autonomia humana do outro; já que durante a operação da redução transcendental, até agora não foi estabelecida uma única norma intersubjetiva. Mas é claro que, de acordo com o princípio lógico da não contradição, é simplesmente impossível interferir e não interferir na integridade física do outro. Então, temos de tomar uma decisão e escolher qualquer um dos dois. Entretanto, se alguém se abstém de juízo durante a redução transcendental, então parece óbvio que se deve simplesmente deixar a realidade intacta como ela lhe aparece, portanto, não interferir na integridade física do outro, visto que ao aparecer a realidade, as partes do corpo os outros são de fato deles; como uma mera questão de fato fisiológico.

Mas essa escolha pela não intervenção, obviamente, ainda não é uma justificativa para a propriedade de partes do corpo de alguém. Essa é a tarefa da segunda etapa da argumentação, a saber, a redução eidética, na qual as precondições da intersubjetividade são investigadas por meio do discurso racional. Nesse momento, parece óbvio que um reconhece o outro como um ser humano igual, dotado da mesma quantidade de direitos inalienáveis, através do reconhecimento do princípio da identidade metafísica. E, é claro, então é preciso se aceitar a propriedade de, pelo menos, o corpo de cada ser humano como um princípio que é tanto condição suficiente quanto necessária para falar de justiça; já que propor a outra norma universalizável (de que ninguém é senhor de si mesmo, e cada um é escravo do outro) requer o arcabouço utópico do consenso universal. Nesse momento, o método fenomenológico estabeleceu, de fato, o direito de propriedade do corpo inteiro de si.

E quanto à propriedade; um enigma que não foi tocado até agora. Vou citar MC mais uma vez :

“Mas agora passamos para uma objeção mais fundamental ao argumento de Hoppe: não se é necessariamente o legítimo proprietário de um pedaço de propriedade, mesmo que o controle seja necessário em um debate sobre sua propriedade. Por causa desse fato, um elo crucial no argumento de Hoppe falha.” (MC, p. 60)

E quando analisamos sua teoria, Hoppe de fato mais uma vez confunde os conceitos de uso (ou posse) com propriedade. Como ele afirma: “Em segundo lugar, deve-se notar que a argumentação não consiste em proposições flutuantes, mas é uma forma de ação que requer o emprego de meios escassos; e que os meios que uma pessoa demonstra preferir ao se envolver em trocas proposicionais são os da propriedade privada”.

O direito de usar (e, portanto, de apropriar) meios escassos é, de fato, o segundo pré-requisito da versão Hoppeana da ética argumentativa e, portanto, considerado por Hoppe como uma condição necessária. Hoppe com isso até adere ao teorema lockeano da teoria do valor-trabalho, quando afirma que a propriedade é um elo objetivo entre uma pessoa que mistura seu trabalho com um pedaço de terra ou propriedade anteriormente sem proprietário [20]. Hoppe até nos fornece uma explicação filosófica de por que ele adere ao teorema lockeano: “Finalmente, agir e fazer proposições também seriam impossíveis se as coisas adquiridas por meio da apropriação original não fossem definidas em termos físicos objetivos (e, se correspondentemente, a agressão não fosse definida como uma invasão da integridade física da propriedade de outra pessoa), mas em termos de valores e avaliações subjetivas.”. (TEEPP, p. 343)

Para começar, talvez a falha fatal mais imperdoável na ética argumentativa de Hoppe – e que gera respostas céticas como as de MC – é o fato de que a escassez econômica é considerada uma condição necessária para que a argumentação comece. Mas seria realmente assim? Eu não acredito.

Suponhamos que vivêssemos em um mundo no qual a utopia marxista de um mundo de abundância econômica teria se concretizado. Poder-se-ia então afirmar que de fato não há razão para o surgimento de conflitos interpessoais, pois o problema da escassez estaria resolvido. E, de fato, de acordo com o credo marxista, o Estado então “definharia” (pelo menos uma ideia lúcida que Marx tinha em mente!) para dar lugar a uma ordem convivial pacífica e harmoniosa. Mas é realmente o caso que em um mundo de abundância o conflito não surgiria mais? Isso não parece plausível, já que a abundância econômica não tira o fato de que os seres humanos ainda devem agir como seres racionais, e que devem se comprometer a buscar sempre a verdade. De fato, a abundância econômica ainda não elimina as leis da lógica. Como tal, o princípio da autonomia humana – e o respeito recíproco pela integridade do corpo do outro – continua sendo o único que pode ser logicamente defendido. Podemos até ir mais longe: suponha que neste mundo proto-marxista um ser humano genial tenha finalmente encontrado um elixir pelo qual ele forneceu a toda a humanidade o dom da vida eterna. Não seria então possível lutar por um “consenso universal”, como formulado pelos marxistas? Mesmo assim, esta é uma afirmação de mera probabilidade que não pode ser levada em consideração em uma ciência formal como a ética argumentativa. É tão provável quanto a teoria do big crunch na astronomia atual e, portanto, deve ser negligenciada.[21]

Mas e a propriedade privada? Até agora, afirmamos que a aceitação da escassez econômica não é uma condição necessária para que a argumentação se desenvolva. Além disso, apenas comprovamos a validade da propriedade do próprio corpo de si como norma justificável, universalizável. Portanto, a abordagem fenomenológica de fato corta a ligação entre o corpo e a propriedade privada (a chamada unidade do corpo praxiológico), que é principalmente aceita por pensadores libertários como Hoppe. A abordagem fenomenológica, que tentei defender até agora, não deixa de provar a ética da filosofia política libertária, que inclui também o direito à propriedade privada? Não necessariamente. Deixe-me citar, longamente, uma passagem muito interessante e esclarecedora do Fundamental Principle of Law de Frank van Dun:

“Para cada ser humano conta o seguinte: que sua vida pertence a ele e a mais ninguém. Todas essas fórmulas são expressões lógicas equivalentes do mesmíssimo princípio fundamental do direito. Muitos estarão preparados para admitir que todo ser humano tem direito à autodeterminação, mas apenas desde que essa autodeterminação permaneça limitada à propriedade de seu próprio corpo (e talvez algumas utilidades “pessoais”) – isto é, somente os meios somáticos de um ser humano, mas não seus meios extra-somáticos, como terra, instrumentos e talvez bens de consumo. Surge então a questão de saber se essa interpretação é coerente, ou seja, se é possível dar uma justificativa filosófica adequada para uma concepção tão diluída de autodeterminação humana. De fato, trata-se então de uma interpretação teológica: ela pressupõe que os meios extrassomáticos não são propriedade de um produtor humano, mas de uma ou outra instância sobre-humana. […] Negar que o ator ou produtor tenha o direito de possuir seu próprio meio criado, implica que outra pessoa tenha esse direito. Tal negação só ganha seu valor cognitivo quando é seguida da resposta às perguntas: quem tem o título de propriedade, senão o próprio produtor? Quem tem autoridade sobre isso, se não o produtor? Quem é o responsável por isso? E se não o próprio autor ou produtor, por que então este não-produtor em particular, e não os outros não-produtores? Ou apenas todos os não produtores têm o direito de propriedade, e não o próprio produtor?”[22]

Como o princípio da escassez não é uma condição necessária para a ética argumentativa (a única condição necessária que levamos em conta é a racionalidade humana), o hoppeano pode reclamar que Van Dun nos fornece apenas uma defesa “fraca” da propriedade privada. De fato, nessa passagem esclarecedora, Van Dun percorre a via negativa para provar também a validade dos direitos de propriedade privada (enquanto Hoppe passaria pela via antiqua, ou a via afirmativa, afirmando que os direitos de propriedade privada são apoditicamente necessários para que o discurso aconteça): se ninguém tem direito à propriedade privada, então quem tem esse direito? Essa questão, de fato, não pode ser respondida adequadamente pelos oponentes da propriedade privada; porque se alguém tem o direito sobre seu próprio corpo, mas não o direito sobre seus meios extrassomáticos, então não há de fato ninguém a quem devamos ser responsáveis ​​para simplesmente usar os meios que encontramos no mundo ao nosso redor. Já que, quem seria? Não pode ser um ser humano, porque então ele teria mais direitos do que os outros e, portanto, teria violado as regras da argumentação. Deve ser então, de fato, um ser sobre-humano como Deus, a Ordem Cósmica ou a Mãe Natureza. Instâncias com as quais não podemos argumentar racionalmente e que provavelmente são construtos ideológicos. Portanto, podemos negá-los categoricamente e argumentativamente fazer a afirmação válida de que cada pessoa não só tem o direito sobre seu próprio corpo, mas também sobre seus meios extrassomáticos, ou seja, propriedade.

Mas essa prova da validade da propriedade privada dos meios usando a via negativa é meramente uma defesa “fraca”? Na verdade, o oposto é verdadeiro! Considere novamente nosso mundo hipotético de abundância material: mesmo neste lugar maravilhoso, o mesmo problema “teológico” surgiria quando alguém negasse o direito de propriedade privada. Mesmo em um mundo de abundância material, não se pode negar esse direito com justificativa.

Abordemos finalmente o fracasso do uso do princípio de apropriação original lockeana para defender esse direito sobre a propriedade privada. Já observamos acima a razão pela qual Hoppe adere a esse ditado lockeano, ou seja, porque estabelece um vínculo “objetivo” entre o criador e sua propriedade. Mais uma vez, a mistura do próprio trabalho com a matéria indeterminada é apenas uma questão de fato, que pode ser observada empiricamente, mas que ainda não nos fornece a justificativa para isso (ou seja, a distinção entre a quaestio facti e a quaestio iuris da propriedade) Sobre este tópico, já elaboramos o suficiente neste ensaio. Mas há outro problema com a adesão à teoria lockeana do trabalho da propriedade via mera apropriação original, a saber, o fato de que essa teoria da propriedade (novamente, este é um conceito legal, nitidamente distinto da posse!) escassez. Esta pode ser, de fato, a razão pela qual Hoppe foi seduzido pela teoria lockeana da propriedade, uma vez que também é o caso de Hoppe que os direitos de propriedade são estabelecidos para que a humanidade não pereça durante o percurso da argumentação. Isso tem algumas consequências muito graves, sobre as quais o próprio Locke já enfatizou (mas sobre as quais o próprio Hoppe permanece suspeitosamente silencioso…), a saber, o fato de que a quantidade total de direitos de propriedade deve ser limitada, e que somente aquelas pessoas que adicionam um certo , valor objetivo para ele, têm um direito genuíno a ele. Em seu Segundo Tratado do Governo Civil, depois de elaborar sua estrutura teológica na qual Deus deu a Terra à humanidade para torná-la sua, Locke continua assim:

“Deus deu o mundo aos homens em comum, mas como Ele o deu para seu benefício e as maiores conveniências da vida […] Ele o deu ao uso do trabalhador e racional (e o trabalho seria seu título); não à fantasia ou cobiça dos briguentos e contenciosos.” (Second Treatise of Government, § 34)

Mais uma vez, lembro ao leitor de minha surpresa que autores austro-libertários como Hoppe e Rothbard uma vez aderem à visão (correta) austríaca da teoria subjetiva do valor na economia, e na outra vez ao relato falho de Locke sobre a teoria do valor-trabalho,[23] pela simples razão de que a teoria do trabalho de Locke tem algumas consequências muito indesejáveis para uma teoria coerente e correta da propriedade privada. De fato, afirma que aquelas pessoas que não são “industriosas” o suficiente não podem ter nenhum título de propriedade. Mas quem, então, tem que decidir quem é industrioso? E industrioso para quem? Para a sociedade? Para Deus? E industrioso para que tipo de propósito? Uma vez que essas questões surgem, estamos caindo em uma regressão infinita. Essa teoria injusta e injustificável de fato estava no cerne da afirmação de Locke de que os direitos de propriedade dos índios nas colônias inglesas estavam prestes a expirar, já que eles não se importavam “industriosamente” o suficiente com os frutos terrestres dados por Deus.

E parece-me que Hoppe também não evitou muito bem a armadilha deixada por Locke. Visto que em certo ponto Hoppe ousadamente afirma:

“No entanto, para que qualquer pessoa – passada, presente ou futura – argumente qualquer coisa, deve evidentemente ser possível sobreviver antes e agora. E para fazer isso a propriedade não pode ser concebida como sendo “atemporal” e inespecífica quanto ao número de pessoas envolvidas. Em vez disso, elas devem necessariamente ser pensadas como originárias da atuação em pontos definidos no tempo para indivíduos atuantes específicos”. (TEEPP, p. 343)

Claro, Hoppe é rápido o suficiente para continuar – de uma maneira genuinamente libertária – que a negação da regra do libertarianismo de primeiro-usuário-primeiro-dono, implicaria uma contradição e, como tal, o leitor nem notará o fato de Hoppe ter se desviado ligeiramente do caminho libertário por algumas frases. Uma vez que a citação acima citada revela que, pelo menos implicitamente, a ética argumentativa Hoppeana permanece em desacordo com sua dívida intelectual para com Locke. Pois, o que significa dizer que “a propriedade não pode ser concebida como atemporal e inespecífica em relação ao número de pessoas envolvidas”? Isso implica que, em um determinado momento, certos títulos de propriedade expirarão, pois não será mais possível para os que chegaram tarde sobreviverem? Por exemplo, pode-se argumentar nesse caso que a atual instituição legal de herança existente deve ser abolida e que, após a morte de uma determinada pessoa, seus pertences simplesmente se tornariam “res nullii” para que os que chegam tardiamente sobreviverem. Ou ainda pior, pode-se então defender uma teoria rawlsiana de justiça na qual uma “distribuição justa” da propriedade é necessária para que toda a humanidade, incluindo as gerações futuras, não pereça. Isso, é claro, é uma consequência com a qual Hoppe certamente não concordará (eu espero que sim…), mas infelizmente, ela está implícitamente – como a semente de um câncer mortal potencial para o libertarianismo – no coração da estrutura da filosofia lockeana. Então, quem é de fato aquele que defende uma defesa “fraca” dos direitos de propriedade privada?…

Agora, o Hoppeano pode de fato desafiar a postura fenomenológica/Van Duniana para a ética argumentativa. Se a pressuposição da escassez econômica for cortada do domínio a priori da argumentação ao se utilizar da navalha de Occam, e se a teoria lockeana da apropriação original não provar a justificação da propriedade privada; então a questão ainda permanece sobre que tipo de “coisas” podem ser justificadas como propriedade. Pois, se abstraímos o “elo objetivo” entre o trabalho de alguém e a matéria que ele transforma, devemos então aderir a uma teoria meramente subjetiva do valor, no sentido “austríaco”? E se sim, isso significaria que, de acordo com a abordagem fenomenológica, poderia haver uma justificativa para alguns tipos de “reivindicações de propriedade imaginária” subjetivas (não confundir com bens imaginários mengerianos, é claro) que não precisam de um portador “objetivo”,  como – para fazer uma travessura – propriedade intelectual? Assim, aos títulos de propriedade, onde quer que estejam, não é necessário ter nenhum controle físico sobre eles. Isso certamente soaria horrível para a maioria dos libertários.

E eles estão na verdade certos a fazer isso! Embora a abordagem fenomenológica na verdade rejeita a teoria trabalhista da propriedade, que fornece a nós um link “objetivo” entre produtor e certa matéria física, devemos por meio disso pontuar o fato de que títulos de propriedade não são objetivos, nem são eles fatos subjetivos. Ao invés disso, eles são fatos intersubjetivos, que emergem de um diálogo intersubjetivo, de acordo com os princípios do discurso racional. Um princípio maior do discurso intersubjetivo é que as proposições devem ser conhecíveis aos outros Posso dizer que esse pensamento particular que eu tenho “em mente” é minha própria propriedade, e que o outro tem que respeitar esse direito de propriedade intelectual/imaginário ou que ele deve caso contrário ser pegos em uma contradição dialética. De outro lado, a outra pessoa poderia então desafiá-lo com a declaração de que essa pilha de estênceis e esta máquina fotocopiadora em particular são dele, e que ele pode fazer com ela o que quiser.[24] Como tal, temos dois direitos de propriedade conflitando. Novamente, temos então que usar o princípio da parcimônia, e descartar uma daquelas reivindicações de propriedade, a saber a última conhecível. Que é, na verdade, a reivindicação de propriedade intelectual, uma vez que títulos de propriedade intelectual não ocorrem dentro de um mundo consistido de substâncias ontológicas. Como tal, temos na verdade aberto a porta de trás para a “objetividade” entrar em nossa teoria, e assim “objetificar” a intersubjetividade, mas isso ainda permanece apenas muito longe das rejeições libertárias “clássicas” da propriedade intelectual que são amplamente baseadas no princípio lockeano/hoppeano da escassez econômica[25]. Obviamente, mesmo de uma perspectiva fenomenológica, não se pode dar uma defesa racional da propriedade intelectual. E novamente, nossa defesa contra propriedade intelectual parece uma muito mais forte do que a tradicional “Hoppeana”, uma vez que, em nossa opinião, a propriedade intelectual não pode ser justificada – novamente – mesmo em um mundo de abundância econômica.

VI. Conclusão

Através de uma discussão da filosofia fenomenológica de Husserl, temos fornecido uma defesa meta-teórica da ética argumentativa como elaborada pelo professor Frank van Dun. Temos também tentado mostrar que a explicação é mais madura do que a outra explicação mais popular (certamente no mundo falante de inglês) do professor Hans-Hermann Hoppe, uma vez que, na essência, a ética argumentativa de Van Dun repousa totalmente sobre o princípio da parcimônia através da variação eidética; assim mostrando as pré-condições da ação intersubjetiva através do diálogo racional.

Na verdade, essa pré-condição é o simples fato da racionalidade humana, que não pode ser negado sem cair em uma contradição dialética. Deste princípio, também decorre automaticamente o princípio da universalizabilidade segundo o princípio metafísico da identidade (A = A). Esta, de fato, é a única pré-condição necessária que deve ser levada em conta para provar a ética do libertarianismo, ou o princípio fundamental do direito. Assim, é uma defesa mais forte, embora parcialmente não-praxiológica, da filosofia libertária do direito; uma vez que afirma que mesmo em um mundo de abundância econômica, a ética do libertarianismo, ou seja, a liberdade individual humana e o direito à propriedade privada (física), continua sendo a única que pode ser justificada.

Deixando de lado o axioma da escassez econômica, a explicação fenomenológica da ética argumentativa pode fornecer uma resposta adequada a autores como Robert Murphy e Gene Callahan, que tentaram destruir todo o escopo da ética argumentativa. E embora Murphy e Callahan estivessem de fato certos em algumas de suas alegações – especialmente a fusão de uso e propriedade de Hoppe (usus vis-à-vis dominium) – suas críticas são de fato válidas apenas, devido às próprias premissas traiçoeiras, principalmente lockeanas, do professor Hoppe e da ética argumentativa.

Seria isso uma elaboração não tão nova da ética argumentativa (já que se baseia quase totalmente nos relatos do professor Van Dun), então comprometida com uma espécie de misticismo? Não é completamente obsoleto falar em termos apocalípticos de “mundos de abundância”, já que não parece muito plausível que este Reino Marxiano na Terra (sic!) Na verdade, não foi de modo algum tentativa nossa negar a existência da escassez econômica, mas apenas de abstraí-la temporariamente, já que esse princípio não é absolutamente necessário para fornecer uma explicação clara do método, das premissas e do escopo da ética argumentativa. Espero que esta contribuição provoque alguma discussão, pois certamente deve haver um terreno comum sobre o qual defensores tanto Van Dunianos quanto Hoppeanos da ética argumentativa deveriam se basear, a saber, no fato de que ao menos o propósito da ética argumentativa deve ser… argumentado!

Referências

Livros

Hoppe, Hans-Hermann; The Economics and Ethics of Private Property, Auburn (AL): Ludwig von Mises Institute, 2006 (Kluwer 1993), 433 p

Locke, John; Two Treatises of Government, London: Everyman, 2004 (1993, 1924, 1689), 277 p

Ross, W.D. (ed.), The Complete Works of Aristotle: volume X, Oxford: Clarendon Press; 1966 (1938)

Smith, David Woodruff, Husserl, New York: Routledge, 2008 (2007), 467 p.

Van Dun, Frank; Het Fundamenteel Rechtsbeginsel: Een Essay Over De Grondslagen Van Het Recht, Antwerp: Murray Rothbard Institute, 2008 (Kluwer 1983), 575 p.

Artígos

Friedmann, Wolfgang; “Phenomenology and Legal Science” in Natanson, Maurice (ed.), Phenomenology and the Social Sciences: volume 2, Evanston (IL): Northwestern University Press, 1973, p. 343 – 366

Husserl, Gerhart; “Justice”, International Journal of Ethics 47 (1937) 3, p. 271-307

Kinsella, N. Stephan; “Against Intellectual Property”, Journal of Libertarian Studies 15 (2001) 2, p. 1 – 53

Kinsella, N. Stephan; “Defending Argumentation Ethics: Reply to Murphy and Callahan”, N. Stephan Kinsella”s website, http://www.anti state.com/article.php?article_id=312 (N.T. Versão traduzida por mim disponível em: https://universidadelibertaria.com.br/defendendo-a-etica-argumentativa-resposta-a-murphy-e-callahan-de-stephan-kinsella/)

Murphy, Robert and Callahan, Gene; “Hans-Hermann Hoppe”s Argumentation Ethic: A Critique”, Journal of Libertarian Studies 20 (2006) 2 , p. 53 – 64

Van Dun, Frank; “Argumentation Ethics and the Philosophy of Freedom”, Libertarian Papers 19 (2009) 1, p. 1 – 32

Van Dun, Frank; “Can We Be Free If Reason is the Slave of the Passions?”, The Freeman 57 (2007) 8, p. 31- 38

Van Dun, Frank; “The Lawful and The Legal”, Frank van Dun”s website, http://users.ugent.be/~frvandun/Texts/Articles/ he%20Lawful%20and%20the%20Legal.html

Van Dun, Frank; “Vrijheid, Argumentatie en Contract”, Murray Rothbard Institute, http://rothbard.be/artikels/77 vrijheid-argumentatie-en-contract

Notas

[1] O ponto central da teoria da ética argumentativa de Hoppe é apresentada nos capítulos 11 e 13 de seu The Economics and Ethics of Private Property (Auburn, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 2006 (1993), 433 p.). Um sumário conciso foi fornecido pelo Dr. N. Stephan Kinsella em seu website Anti-State.com: veja http://www.anti-state.com/article.php?article_id=312

[2] Veja R.P. Murphy e G. Callahan; “Hans-Hermann Hoppe”s Argumentation Ethic: A Critique”, Journal of Libertarian Studies, 20 (2006)2, p 53-64

[3] Ademais, algum material em inglês foi fornecido enquanto isso pelo Professor Van Dun. Veja por exemplo seu excelente “Argumentation Ethics and the Philosophy of Freedom”, publicado em seu website de Libertarian Papers:    http://libertarianpapers.org/2009/19-van-dun-argumentation-ethics/.

[4] É claro, mesmo minha própria ideia de ética argumentativa irá ainda lidar com pessoas humanas agentes. Mas deixando de lado a ideia de escassez econômica, cortamos fora o segundo axioma da praxiologia, uma vez que o fenômeno praxiológico (não-cataláctico) tal como a escala de utilidade marginal e preferência temporal deve ser considerados simplesmente como non-sense sem escassez. Gostaria de notar no avanço que eu não tento negar a existência de escassez econômica (se isso for o caso, do que é pelo menos uma tentativa fútil a se fazer), mas irei apenas tentar demonstrar que o axioma da escassez não é, de fato, uma condição necessária a fim da argumentação tomar lugar.

[5] Minha discussão da filosofia de Husserl é amplamente baseada no excelente trabalho introdutório por David Woodruff Smith. Veja D.W. Smith, Husserl, Nova Iorque: Routledge, 2008 (2007), 467 p.

[6] Veja L. von Mises, Human Action, Capítulo III

[7] Veja por exemplo: R.T Long “Anti-psychologism in Economics: Wittgenstein and Mises”, Praxeology.net, praxeology.net/antipsych.pdf

[8] A maioria das faculdades psicológicas da época eram centros na chamada “filosofia pneumática”, no qual filologistas antigos entre nós podem reconhecer a palavra grega “πνεύμα” [pneuma], literalmente “respiração”. mas usada por filósofos estóicos para indicar o princípio (“espírito”) que anima ambos, o cosmos e o corpo.

[9] Essa ideia de “reconhecimento padrão”, que pode ser traçada de volta a concepção de Husserl de redução eidética, também tem grande impacto no campo da então chamada Psicologia Gestalt

[10] Os termos “noético” e “noemático”, ou os respectivos “noesis” e “noema” do qual eles são derivados, são – de novo – termos Gregos pego emprestado por Husserl em seus ultimos trabalhos de Ideas I (publicado em 1913) adiante. Embora seu significado ligeiramente difere dos primeiros trabalhos de Husserl, a noesis pode ser melhor definida como o ato intencional, enquanto que o noema é o conteúdo intencional do ato. Para uma elaboração a mais a respeito dessa questão, veja R. McIntyre e D.W. Smith, “Husserl”s Identification of Meaning and Noema”, The Monist 59 (1975) 1, p. 115-132

[11] A definição mais óbvia ainda permanece a única providenciada por Aristóteles (ou melhor: circunscrição, uma vez que o termo “metafísica” em si foi cunhado apenas alguns séculos depois de Aristóteles!):”“Por isso, investigar todas as espécies de ser qua ser é obra de uma ciência que é genericamente uma, e investigar as várias espécies é obra das partes específicas da ciência”. (Metaphysics, Book Gamma, 1003b20-23)

[12] F. van Dun, Het Fundamenteel Rechtsbeginsel: een essay over de grondslagen van het recht, Antuérpia: Murray Rothbard Institute, 2008 (1983), p. 6-7; tradução minha.

[13] Aristotle, The Politics, Livro I, 1253a8-15

[14] Comparada a contradição performativa de Hoppe, o escopo da contradição dialética é muito limitado. A contradição dialética apenas repousa sobre certos princípios puramente lógicos que seriam violados quando a pessoa profere uma proposição levando a tal contradição. A contradição performativa de Hoppe, de outro lado, faz também uso de certos princípios praxeológicos, tal como a escassez econômica. Assim Hoppe declara: “Simplesmente dizer que o primeiro-usante-primeiro-proprietário da ética de propriedade privada pode ser ignorado ou é injustificado implica uma contradição performativa, pois se alguém é capaz de dizer isso deve se pressupor a existência como uma unidade tomando uma decisão (decision-making) em um dado ponto do tempo e espaço”. (The Economics and Ethics of Private Property, 2006 (1993), p. 388 ). Mas como notado no começo de meu ensaio, iremos desafiar a ideia Hoppeana de contradição performativa na seção V.

[15] Leia como “Não é o caso que A e não-A”, e.g. Não é o caso que está ambos, chovendo e não-chovendo.

[16] F. van Dun, Het Fundamenteel Rechtsbeginsel: een essay over de grondslagen van het recht, Antwerp: Murray Rothbard Institute, 2008 (1983), p. 79-80 ; tradução minha.

[17]  Para um excelente ensaio a respeito da metafísica da filosofia do direito em geral, veja G. Husserl, “Justiça”, International Journal of Ethics 47 (1937) 3, p. 271-307

[18] Concernente a visão de Van Dun a respeito da natureza humana, veja tambem seu artigo “Can We Be Free If Reason is the Slave of the Passions?”,  The Freeman 57(2007)8, p. 31- 38, que explicitamente desafia a tradição “senso comum” do direito e moralidade, como adotada por David hume.

[19] É na verdade muito surpreendente ver que a maioria dos Austro-libertários – incluindo Hoppe mas também Rothbard, por exemplo – corretamente atacam a teoria do valor trabalho Lockeana/Smithana, mas então silenciosamente se infundem nesse paradigma quando entram na filosofia política. 

[20] Nota do tradutor: em Husserl considere a noção de “por em parênteses” como sendo sinômica a de “por em suspenso” ou “suspender”.

[21] Até onde sei, o big crunch é uma hipótese da astronomia atual que afirma que o universo irá colapsar em um determinado momento devido à influência da gravidade. A outra teoria – o big chill – sustenta a afirmação oposta e afirma que o universo continuará a se expandir para sempre. No entanto, devido a essa expansão, o universo ficará tão frio e ocioso que nenhuma vida será mais possível. A razão pela qual dei este pequeno exemplo astronômico é o fato de que é simplesmente redundante fazer qualquer afirmação sobre a eternidade, certamente quando aplicada à ética da argumentação.

[22] F. van Dun, Het Fundamenteel Rechtsbeginsel: een essay over de grondslagen van het recht, Antwerp: Murray Rothbard Institute, 2008 (1983), p. 37, 41 ; tradução minha.

[23] Concernente ao comprometimento de Rothbard com Locke em sua filosofia política, veja seu Ethics of Liberty, Nova Iorque: New York University Press, 2002 (1982), p. 45-61.

[24] Tão logo ele não esteja envolvido em operações fraudulentas, tais como violações de certas marcas registradas [trademarks], ou falsificação de assinaturas de outras pessoas; por exemplo. Mas isso deve ser uma matéria para discussão em outro paper.

[25]  Veja e.g. S. Kinsella, “Against Intellectual Property”, The Journal of Libertarian Studies 15 (2001) 2, p. 20 : “Natureza, então, contêm coisas que são economicamente escassas. Meu uso de tal coisa entra em conflito com (exclui) seu uso dela, e vice-versa. A função dos direitos de propriedade é prevenir conflito interpessoal sobre recursos escassos, alocando a propriedade [ownership] de recursos para especificar indivíduos (proprietários). Para performar essa função, os direitos de propriedade devem ser ambos visíveis e justos. Claramente, para que os indivíduos evitem o uso de propriedade de terceiros, fronteiras de propriedade e direitos de propriedade devem ser objetivos (intersubjetivamente averiguadas); eles devem ser visíveis”. Eu concordo totalmente com Mr. Kinsella que direitos de propriedade deve ser intersubjetivamente justificados, e devem assim ser “conhecíveis” ou “visíveis”, nos termos de Kinsella. Mas de novo, isso de fato não tem nada a ver com o princípio da escassez econômica: mesmo que a matéria esteja disponível para abundantemente disponível para nós, mesmo assim é apenas matéria – ou “substâncias aristotélicas” – das quais os títulos de propriedade podem ser compartilhados intersubjetivamente. Nem é o caso que a raça humana morreria de inanição – como Kinsella nota em uma moda própria Hoppeana na página 19 do mesmo texto – uma condição de fala da injustiça da propriedade intelectual: mesmo que a raça humana não morra por causa disso, não pode ser justificada de forma alguma sem cair em uma contradição dialética (desde negligenciar o princípio da parcimônia na justificação de determinados direitos de propriedade, seria uma negação das leis da lógica, pois não pode haver duas proposições – i.e, propriedade intelectual e propriedade física estando justificadas ao mesmo tempo – sendo verdadeiras ao mesmo tempo)

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