A Pedagogia De Henri Bergson Na Obra a Evolução Criadora

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Neste ensaio pretendo apresentar as contribuições e colaborações do filósofo Henri Bergson à pedagogia bem como elaborar em que medida a sua leitura, em particular da Evolução Criadora, pode atuar pedagogicamente nos afastando dos objetos reportados pelo senso comum. Irei pontuar, dessa forma, o que é perdido e o que é ganho nesse processo.

O filósofo Henri Bergson¹ ao escrever sua obra A Evolução Criadora (1907) postula que, em nosso rumo de aprendizagem, nós nos deparamos com obstáculos e dificuldades, mas raramente enxergamos nesse processo algo benéfico. Essa concepção de educação explica que as dificuldades implicam um ato pedagógico de esforço de remoção destas para o reestabelecimento de um novo pensamento. Trata-se de uma pedagogia do movente na qual o educando irá em direção ao porvir.

Em A Evolução Criadora, o autor propõe sua maneira de pensar as práticas educativas em todos os momentos da vida, o que faz dessa ideia uma ética pedagógica que se direciona ao livre aprendizado e ao livre pensamento. No entanto, essa filosofia não diz respeito à uma espontaneidade ou uma tentativa espontânea de aprender e de pensar, tampouco de um iluminismo ou uma atividade na qual se realiza por meio da busca de inspirações para realizar inteligências, como também não é um tecnicismo ou um oferecimento técnico facilitador da chegada eficaz de uma aprendizagem dinâmica ou de um pensamento complexo.

Na verdade, essa pedagogia investiga o problemático, o trabalho intelectual e o esforço. Pois seu modus operandi é de remoção e retirada; de obstrução do impedimento ou dificuldade do movimento de pensar e de aprender. Isso ocorre para recuperar a processo do pensamento em direção ao que ainda não foi pensado. É necessário ao indivíduo nesse processo pedagógico recriar a si mesmo.

A educação é, dessa forma, um processo criador. Entretanto, a vida cotidiana e a educação doméstica tentam paralisar essa educação com conformismos e automatismos, i.e., no nosso dia-a-dia e em nossos lares nos conformamos com as coisas como elas são e cumprimos nossos afazeres e nossa rotina de uma forma automática. Nesse processo, não há reestabelecimento do pensamento no movimento inventivo de ideias, de percepções ou de sentimentos. Mas isso precisa ser feito para uma evolução. O lançamento ao novo, ao porvir, ao que ainda não se pensou se forma por meio do desimpedimento da livre corrente de pensamento. Se transfigura, desse modo, uma educação voltada para o futuro, inventando novas formas de pensar, sentir, ver e agir no mundo. É na mudança que encontramos nossa evolução. Bergson pontua que:

“[…] a mudança parece residir na passagem de um estado ao estado seguinte: com relação a cada estado, tomado em separado, quero crer que permanece o mesmo durante todo o tempo em que ocorre. No entanto, um leve esforço de atenção revelar-me-ia que não há afecção, não há representação, não há volição que não se modifique a todo instante; caso deixasse de variar, a sua duração deixaria de fluir. Tomemos o mais estável dos estados internos, a percepção visual de um objeto exterior imóvel. Por mais que o objeto permaneça o mesmo, por sob a mesma luz, a visão que dele tenho nem por isso é menos diferente daquela que acabo de ter, quando mais não seja pelo fato de estar agora um instante mais velha. Minha memória está aí, empurrando algo desse passado para dentro desse presente. Meu estado de alma, avançando pela estrada do tempo, infla-se continuamente com a duração que ele vai juntando; por assim dizer, faz bola de neve consigo mesmo.” (BERGSON, 1907, pp. 2)

A duração, na obra de Bergson, é o correr do tempo uno e interpenetrado, isto é, os momentos temporais somados uns aos outros formando um todo indivisível e coeso. Ao passo que seus estados mudam de forma contínua, a duração faz parte desse processo como uma bola de neve, somando na sua experiência profundamente interiores, como os desejos, as sensações e os afetos, que são constituintes da vontade. É nesse sentido que somos impulsionados a evoluir.

Para evoluirmos, é necessário investir suas práticas no exercício da vontade. A vontade é caracterizada pelo elan vital, i.e., o impulso da vida. Bergson determina este conceito como a força fundamental dos seres vivos responsável por complexificar as formas de vida e de inteligência até que se chegue às consciências e intuições humanas. Nossa consciência, por sua vez, é formada pelo sentimento do passado e pelo elã (impulso) para frente. O elan que se expressa na nossa consciência constitui uma força em direção ao futuro orientada pelo porvir.

A manifestação da vontade se dá como uma energia espiritual na qual o movimento dela é uma ação, porque todo agir está relacionado a um querer ou a um desejar. Desse modo, a vontade é o elemento principal do espírito. De acordo com Bergson “a inteligência ou a memória é uma função de vontade” (BERGSON, 1972c, p. 982), uma vez que a recordação das nossas lembranças são, primordialmente o auxílio de nossa ação. Determinados rostos ou determinados nomes nos vem à consciência para tornar a ação efetiva.

A vontade nada mais é do que “[…] uma força capaz de se desenvolver a si mesma. […] Na vontade reside a maravilhosa virtude de crescer por si mesma” (BERGSON, 1972b, p. 1203). Ela corresponde de maneira indireta ao mundo material e se situa na dimensão espiritual mais ampla para se aproximar da nossa vida psicológica como um conjunto. Eis o ponto em que encontramos a importância da duração, pois ela é a concepção de uma continuidade entre todos os nossos estados de consciência. É por meio da duração que a vontade se depreende.

Além disso, a vontade pode adotar uma espécie de tensão ou impulso onde nossa vida psicológica em sua totalidade pode adotar. Mas o que significa vida psicológica? A vida psicológica representa os sentimentos, os desejos, a intensidade, é o campo do movimento contínuo, da duração, onde as mudanças não tem caráter quantitativo, apenas qualitativo. Ela se diferencia da vida material que é a vida no espaço, que não se modifica, que diz respeito ao prático, ao ordenado e à extensão. As mudanças são tão somente na ordem da quantidade. A vida material se refere a uma vida exterior, ao passo que a vida psicológica a uma vida interior.

É na nossa vida psicológica que reside nossa vontade. Mas durante esse processo há custos, pois existe uma tensão em prol de um único ato. Todavia, há graus de tensões as quais fundimos aos nossos estados de consciência para com a nossa vontade. E então, em resposta a essas tensões, surge a contra-vontade, que é o relaxamento, pois sofremos com os tensões da vida.

A tensão é uma síntese dos nossos estados de consciência, os quais nossa vontade se expressa, entre os momentos sucessivos dos quais o tempo constitui para nós. A tensão reúne passado e futuro no presente contínuo durante a passagem do tempo ao passo que por meio dele mesmo o passado e o futuro se desdobram.

Nessa perspectiva, é imprescindível destacar que é pelo fato de o espírito estar no corpo que se inclina na direção do futuro e possibilita a realização de uma ação ou de uma criação nova ao mundo. Em cada instante em que agimos, nossa atenção é um ato de expressão do grau de vontade ou de tensão psicológica entre os níveis de passado e presente.

Nesse processo, é necessário pontuar também que a duração, como forma de memória, corresponde aos graus variados de tensão corporal da nossa vida psicológica. A memória, por exemplo, na nossa consciência sobre o passado se encontra a condição na qual o futuro se encontra a partir do presente, porque é no passado da vida que há liberação do élan, movimentando-se em direção o futuro. A memória ajuda a dar consciência ou conservar algo uma vez criado. Ela fornece disposições para sermos melhores do que nós somos, reconstruindo e recriando, nos diferindo do pior que já fomos, para o devir de nós mesmos.

Para Bergson, existem obstáculos do senso comum para uma educação criadora. Alguns destes são a preguiça, pois ela enfraquece as nossas ideias, e a passividade para com ideias já prontas, recebidas por meio de empréstimos, sentimentos advindos de experiências e convenções sociais, que são constituintes de empecilhos ao pensamento e ao aprendizado. Além destes objetos reportados pelo senso comum, há um conformismo aos saberes e crenças que estão em nós como um difícil entrave da nossa vontade que precisa ser vencido para mover o que aprendemos e pensamos. O utilitarismo nos modos de perceber, pensar e agir é um impedimento do aprendizado do ainda não pensado e do ainda não conhecido. Esses dois obstáculos existem porque “[…] a vida cotidiana exige de nós soluções bem claras e decisões bem rápidas” (BERGSON, 1972d, p. 361).

Além disso, é preciso destacar que existe uma dualidade na vivência humana. Tal como já foi demonstrado, existem dois tipos de vida humana: a vida psicológica, inclinada para o nosso ‘eu’ interior, e a vida na matéria, inclinada para o nosso ‘eu’ exterior. É possível traçar, a partir disso, o que é perdido e o que é ganho. Uma vida calcada inteiramente na duração é, possivelmente, uma vida que não diz respeito ao social, por estarmos presos ao fluxo da duração que não se exterioriza². Por outro lado, uma vida que só leva em conta a matéria não se permite entender a real experiência da vida psíquica e do eu interior, no qual se encontram os estados internos e reflexão aprofundada. Em último caso, não pode alcançar a liberdade e a verdade.

“Haveria, pois, dois ‘eus’ diferentes, sendo um como que a projeção exterior do outro, a sua representação espacial e, por assim dizer, social. Atingimos o primeiro por uma reflexão aprofundada, que nos leva a captar os nossos estados internos como seres vivos, incessantemente em via de formação, como estados refratários à medida, que se penetram reciprocamente e cuja sucessão na duração nada tem de comum com uma justaposição no espaço homogêneo. […] A maior parte do tempo, vivemos exteriormente a nós mesmos, não percepcionamos do nosso eu senão o seu fantasma descolorido, sombra que a pura duração projeta no espaço homogêneo. A nossa existência desenrola-se, portanto, mais no espaço do que no tempo: vivemos mais para o mundo exterior do que para nós; falamos mais do que pensamos; «somos agidos» mais do que agimos.” (BERGSON, 1988, p. 159)

Conclui-se, portanto, que a educação a partir de Bergson não propõe que as crianças, os jovens ou os adultos sejam mais inteligentes mas despertem e renovem seus espíritos à novas aprendizagens e ideias. Nenhuma atividade escolar pode fluir sem o esforço daqueles que aprendem, sendo assim, cada aprendizado, dependendo do seu objeto específico, se dá por ensino e também por aprendizagem. O esforço confere aptidão a aprender, a refazer a si próprio e de criar novos conhecimentos. A pedagogia bergsoniana se baseia em aprender a aprender. Uma atividade que compreende o saber como algo a ser criado. Engenha-se no pensamento o que se estuda ao invés de simplesmente aceitá-lo.

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NOTAS

[1] Filósofo francês que viveu entre 1859–1941. Bergson recebeu um Nobel de Literatura em 1927. Sua escola é tradição é o espiritualismo francês. Sua filosofia se consolida principalmente pelas obras Ensaios sobre os dados imediatos da consciênciaMatéria e MemóriaA evolução criadora As duas fontes da moral e da religião.

[2] “[…] à medida que se realizam mais completamente as condições da vida social, à medida também, que se acentua mais a corrente que impele os nossos estados de consciência de dentro para fora: pouco a pouco, estes estados transformam-se em objetos ou em coisas; não se separam apenas uns dos outros, mas também de nós. Então só os percepcionamos no meio homogêneo em que condensamos a sua imagem e através da palavra, que lhes empresta a sua banal coloração. Assim se forma um segundo eu que esconde o primeiro, um eu cuja existência tem momentos distintos, cujos estados se separam uns dos outros e se exprimem, sem dificuldade, por meio de palavras.” (BERGSON, Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência, 1988, p. 96)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGSON, Henri. A Evolução Criadora. 1º Ed. São Paulo, Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Martins Fontes, 2005.

______. Capítulo 1: Da Evolução da Vida. Mecanismo e Finalidade. Tradução deBento Prado. São Paulo, 2005.

______. Capítulo 4: Da Significação da Vida. A Ordem da Natureza e A Forma da Inteligência. Tradução deBento Prado. São Paulo, 2005.

MELO, Danilo. Notas para uma Pedagogia do Movente: sobre vontade e educação em Henri Bergson. Universidade Federal Fluminense, Rio das Ostras/RJ, Brasil. Artigo publicado em 9 de outubro de 2018.

Henri Bergson. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Henri_Bergson>. Acesso em: 21 de junho de 2019.

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