A Tirania dos Valores

Tempo de Leitura: 5 minutos

Por David Gordon

[Tradução de The Tyranny of Values por Alex Pereira de Souza, retirado de The Mises Review 5, N.º 3 (Outono de 1999)]

[After Liberalism: Mass Democracy in the Managerial State. Por Paul Edward Gottfried. Princeton University Press, 1999, xiv + 185 pgs.]

A chave para o brilhante livro de Paul Gottfried pode ser encontrada na nota 44 do Capítulo 4. Aqui ele comenta: “Essa noção weberiana original [de uma tirania dos valores] é mais completamente desenvolvida no controverso ensaio de Carl Schmitt, Die Tyrannei der Werte [A Tirania dos Valores]” (p. 161). O professor Gottfried tem sido um estudante cuidadoso, embora não um discípulo acrítico, de Carl Schmitt, um famoso e controverso teórico político alemão. De acordo com Schmitt, os intelectuais de hoje se afastam da realidade. Em vez de basear a ética no direito natural, como fizeram os medievais, eles exaltam seus próprios valores arbitrários em regras universais. O valor, argumenta Schmitt, tem sua própria lógica: uma vez que alguém eleva um valor particular como preeminente, ele tentará subordinar todo o resto a ele. A realidade torna-se quantitativa: todos os outros bens são reduzidos a unidades do suposto valor mais alto. Schmitt, seguindo uma frase que ele atribui a Nicolai Hartmann, chama esse processo de “A Tirania dos Valores”. (A propósito, o Sr. Gottfried traça a frase à Max Weber.) Muitos leitores, temo, há muito já terão levantado as mãos em perplexidade. “Que tipo de metafísica obscura é essa?” eles vão perguntar. A meu ver, há justiça nesta resposta. Não me parece convincente argumentar que o mero uso da noção de “valor” acarreta todas as consequências dolorosas que Schmitt imagina. E se um valor (ou algum conjunto de valores) realmente for objetivamente melhor que outros? Schmitt se refere a Hartmann e Max Scheler, que mantiveram exatamente essa posição, mas não refuta suas opiniões. Por que, além disso, uma hierarquia de valores tem que envolver a redução de todos os valores a unidades de um único valor?

Felizmente para aqueles constitucionalmente avessos à metafísica, não proponho ir mais longe na discussão desses assuntos. (Aqueles que pensam que eu já falei demais devem guardar suas opiniões para si mesmos.) Independentemente da precisão filosófica da análise de valor de Schmitt, ele, e o Sr. Gottfried que o seguiu, descrevem infalivelmente como muitos intelectuais de fato operam. Os intelectuais de esquerda, afirma nosso autor, têm uma agenda particular que desejam impor a todos os outros. Esses intelectuais afirmam continuar a tradição liberal clássica, mas na verdade eles atingem seu coração.

O liberalismo clássico favoreceu um estado estritamente limitado: os indivíduos são deixados em grande parte por conta própria em sua busca pela felicidade. Nesses esforços, as pessoas, é claro, contam com o principal motor da cooperação social, o livre mercado. Como Ludwig von Mises explicou melhor do que ninguém, o mercado funciona melhor sem interferência do estado.

Essa posição não era do agrado de um grupo de filósofos que floresceu no final do século XIX e início do XX. Entre estes, nosso autor conta com T.H. Green, Bernard Bosanquet e L.T. Hobhouse. Esses escritores, sustenta o Sr. Gottfried, “repreenderam o ‘liberalismo de Manchester’ de meados do século XIX, que eles equipararam a valores comerciais e a um estado vigia noturno […] eles exigiram que a crescente disjunção da era moderna entre o individual e a autoridade estabelecida deve ser superada pela criação de uma nova síntese entre liberdade e ordem” (p. 13).

“O que isso tem a ver com a tirania dos valores?” você pode muito bem perguntar. Paciência: as coisas logo ficarão claras. Esses escritores, sustenta o Sr. Gottfried, não estabeleceram eles próprios as linhas principais da tirania administrativa que se seguiu. Em vez disso, eles forneceram a “fachada” (p. 13) que permitiu que pensadores mais radicais afirmassem que eram verdadeiros herdeiros dos liberais clássicos. Eles foram pioneiros na tática de minar a tradição liberal fingindo continuá-la.

As linhas principais da discussão de nosso autor sobre os novos liberais me parecem eminentemente sólidas, mas acho que ele é muito duro com Bernard Bosanquet. Seu livro The Philosophical Theory of the State se desvia muito menos do liberalismo clássico do que comumente se acredita. (Aqui eu suspeito que o Sr. Gottfried foi muito influenciado pela discussão de Herbert Marcuse perto do final de Reason and Revolution.)

E Hobhouse, longe de ser aliado de Bosanquet, escreveu um livro atacando-o. Talvez, porém, o Sr. Gottfried possa trazer contra mim a crítica de A.E. Taylor em Mind, janeiro de 1920, do livro de Hobhouse, The Metaphysical Theory of the State. Como nosso autor, Taylor, o maior de todos os críticos de livros filosóficos, via Bosanquet e Hobhouse como essencialmente semelhantes. Mas tudo isso a propósito.

Uma vez que idéias estranhas foram introduzidas no liberalismo, o verdadeiro processo de destruição poderia começar. John Dewey, Herbert Croly e outros “progressistas” tentaram estabelecer uma política científica. “O trabalho do amigo de Dewey, Herbert Croly, também ilustra a prática de esconder preferências pessoais por trás de ‘necessidades históricas’ e apelos à ciência. No final, ele também reduziu a democracia a um conjunto de problemas processuais e administrativos” (p. 59).

Aqui, então, está a conexão há muito prometida com a “tirania dos valores”. Os modernos pseudoliberais e democratas acreditam no governo de uma elite intelectual. Seus valores, assim como Schmitt sustentou, são considerados objetivamente verdadeiros. Como tal, eles devem ser impostos às massas ignorantes.

Como essa tarefa seria realizada? Primeiro, foi preciso estabelecer um estado de bem-estar social que tornasse as pessoas dependentes do governo para muitas de suas necessidades, como renda durante a aposentadoria e prestação de cuidados médicos. (Felizmente, o controle governamental da medicina é menos extenso nos Estados Unidos do que em outros países ocidentais.)

Junto com o aumento da dependência econômica vem o controle ideológico. A elite dominante tenta doutrinar a todos em uma “religião democrática”. “Mas logo ficou claro para [Arthur] Bestor e outros liberais que um pragmatismo combinando métodos experimentais com relativismo de valor é apenas um ‘dissolvant’. Ele não ensina o suficiente que é positivo. […] Portanto, é necessário propagar uma religião democrática militante através da educação pública” (p. 137).

As linhas principais do argumento do Sr. Gottfried aqui me parecem inteiramente corretas, mas é surpreendente que ele cite Arthur Bestor a esse respeito. Eu deveria ter pensado que Bestor rompeu decisivamente com a “educação progressista” e pediu um retorno à tradição.

Uma ideologia precisa postular inimigos — outro tema básico de Carl Schmitt. Os inimigos da nova disposição são todos os que duvidam que os seres humanos sejam objetos de plástico a serem moldados pela elite “democrática”. Assim, qualquer um que afirme que existem diferenças cognitivas importantes entre as raças deve ser expulso da sociedade educada. O Sr. Gottfried, descrevendo certos críticos de The Bell Curve, afirma que “eles realizam uma espécie de exorcismo liberal ao tentar expulsar seus parceiros de debate da comunidade de estudiosos respeitáveis” (p. 5). Nosso autor escreve não para endossar uma posição particular sobre raça, mas para observar como a conformidade ideológica é imposta.

O Sr. Gottfried apóia ainda mais sua análise com um relato detalhado da Frente Nacional Francesa. Os críticos deste partido alegam que é um grupo racista semelhante aos nazistas. O que interessa ao nosso autor não é montar uma defesa de Jean-Marie LePen e seu movimento. Em vez disso, ele deseja mostrar como a dissidência das visões da elite é artificialmente forçada em categorias, como o fascismo, que então são forçosamente excluídas de consideração. O Sr. Gottfried protesta contra essas táticas: “a Frente Nacional não pediu para negar aos judeus seus plenos direitos como cidadãos franceses. Não os atacou como racialmente estranhos, embora tenha ridicularizado seus oponentes políticos judeus. Portanto, é questionável se a Frente Nacional deva ser comparada à liderança nazista ou de Vichy” (p. 114).

O ponto-chave aqui não está na política de uma organização em particular. Em vez disso, a análise do Sr. Gottfried nos leva de volta ao tema principal de seu livro, a tirania dos valores. Todos os que não demonstram simpatia total pelas “vítimas” favorecidas pela elite dominante são lançados na escuridão. Os oponentes da ideologia esquerdista, aprendemos com The Authoritarian Personality, de Theodor Adorno, são doentes mentais. Eles devem ser controlados por um estado terapêutico dirigido pelos liberais modernos. O excelente estudo de Paul Gottfried oferece, de longe, o melhor relato disponível da elite intelectual liberal.

Vou encerrar com dois pontos críticos — o que mais você esperava? Por mais que eu admire as habilidades do Sr. Gottfried, não acho que elas incluam o poder de elevar Wilhelm Röpke à nobreza. E mesmo que não goste de Bernard Bosanquet, não deveria ter tirado onze anos de sua vida (p. 13).

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