De Joel Williamson. Artigo original: Autonomy and Action, de 12 de julho de 2016. Traduzido para o português por Gabriel Camargo.
“Em seus esforços para realizar o impossível, o homem atinge o que é possível. Aqueles que, com cautela, não fizeram mais do que acreditavam ser possível, nunca deram um único passo à frente.” – Atribuído a Mikhail Bakunin no livro The Explorers de Paolo Novaresio.
Um revolucionário é alguém que entende o mundo político no qual deseja viver e toma atitudes verificáveis para criá-lo. Promover a revolução política é uma coisa; agir de fato é outra. Em qual mundo você deseja viver, e o que você está fazendo para alcançar esse objetivo?
Eu desejo viver em um mundo no qual a governança é legítima e as relações humanas consensuais. Quero viver em um mundo de experimentações espontâneas e pacíficas, onde os indivíduos podem moldar seu contexto político; um mundo com comunidades que realizam suas capacidades de forma plena para criar suas próprias normas sociais e políticas sem a interferência de agentes coercivos. Em resumo, possuo um sincero desejo em ver destruídos o estado e o capitalismo corporativo, substituídos pela autonomia e cooperação humana. Eu desejo a anarquia.
Há muitos que compartilham o mesmo sonho e que compreendem ser tal mundo possível, teoricamente. Mas o que realisticamente devemo esperar conquistar? Ficará a anarquia limitada a pequenos bolsões ou se espalhará pelo mundo? Veremos a anarquia ser implementada em nosso tempo de vida ou apenas como esforço multigeracional?
Se dissecarmos os específicos e articularmos respostas razoáveis a essas questões, poderemos desenvolver táticas sensatas. Permitir que nossas perspectivas evoluam com a experiência e o discurso nos permite moldar continuamente uma estratégia viável. Para seguir em frente, a única questão relevante é como traçar o caminho e quais ferramentas utilizar.
Primeiro, esqueça a política eleitoral. Reformismo progressista e gradualismo conservador são uma perda de tempo, dinheiro e energia, devendo ser evitados se o alvo é a transformação revolucionária. Como o dito popular, geralmente atribuído a Emma Goldman: “Se votar mudasse algo, seria ilegal”. A verdade é que votar pode ter certo efeito, mas de nenhuma forma previsível que garanta a continuidade da mudança. As reformas propostas por políticos comumente chegam em pacotes que entregam liberdade em uma mão enquanto retiram pela outra. Ainda, não há garantias que seu político de escolha será eleito, que suas promessas serão cumpridas ou mesmo significativas para o avanço da liberdade. Há um problema intransponível de conhecimento. Por tempo demais as pessoas se agarraram à esperança de liberdade pela via política tradicional, sob o pretexto de pragmatismo. O que constitui uma tática prática deve ser determinada por seu sucesso. Os resultados estão aí: a politica eleitoral falhou conosco.
Nós que nos abstemos da política convencional somos acusados de querer muito, muito rápido. Nada poderia ser mais falso, e o mesmo poderia ser dito aos que primordialmente agem dentro do sistema. A construção de alternativas e a exploração de táticas fora do método recomendado de mudança social requer experimentação e planejamento, e isso requer paciência. Contrariamente, a reforma por via eleitoral visa gratificação imediata, levando comumente a mudanças triviais sem nenhuma promessa de permanência.
É muitas vezes dito por aqueles que decidem se abster da política que “votar é violência”. Mas seria isso verdade, ou mesmo algo efetivo? Argumento que, quando você vota, você participa diretamente na tentativa de instalar alguém em uma posição coercitiva, portanto, participando de um ato de iniciação de violência. Esse tipo de ação é digna de crítica, mas as coisas não são assim tão simples. Considere o voto realizado contra uma proposta que infrinja liberdades civis, por exemplo. Esse tipo de voto se apresenta em um contexto diferente que dificilmente aparenta ser um ato de violência. Pode, inclusive, ser considerado um ato de legítima defesa, mesmo que realizado por meio da via estatal; não está claro para mim que todo voto é um ato de violência. Levando tudo isso em conta, é importante compreender que esses atos são essencialmente insignificantes se o objetivo é atingir liberdade. Se quisermos radicalizar outros anarquistas que participam do sistema, teremos mais chances com uma análise de consequências do que com o uso da condenação moral.
Se rejeitamos o estado, também devemos rejeitar os métodos por ele permitidos para termos voz. Não há dignidade em participar das distrações do inimigo e consistentemente devemos tentar deslegitimá-lo tanto na teoria quanto na prática. Um dos exemplos mais óbvios da inutilidade do reformismo pode ser encontrado na história política dos Estados Unidos. Os assim chamados “Pais Fundadores” imaginaram um mundo no qual o governo seria limitado pela constituição. Esse governo cresceu para se tornar um dos maiores impérios já existentes, mesmo com os esforços parlamentares para tentar impedi-lo. A história nos mostra que operar dentro dos modos prescritos para a mudança política se mostrará inútil no longo prazo. Objetos em movimento assim permanecerão a menos que sob a ação de uma força externa. Precisamos nos tornar essa força.
Segundo, sinto que os anarquistas devem evitar o perfeccionismo filosófico. É certo que algumas formas de anarquismo são questionáveis e dignas de discussão, contudo, os conflitos internos limitam nosso poder de organização. Não se deve praticar a inclusão pela inclusão, mas pelo reconhecimento do verdadeiro potencial que possuímos como aliados lutando contra um inimigo comum. Vamos esmagar o estado e construir um novo mundo apesar de nossas imperfeições ideológicas mutuamente percebidas.
Em um mundo anarquista, os indivíduos terão a oportunidade de se organizar voluntariamente como bem entenderem. Eles podem isso fazer juntos ou separados dos que possuem diferentes valores. Não há motivos para as diferentes redes e comunidades estarem em guerra constante entre si na ausência do monopólio estatal para a resolução de conflitos. O mesmo deve ser aplicado em nossos meios para esse fim. Ao implementarmos este mundo, sejamos criativos na solução dos problemas e mantenhamos os olhos no prêmio. Quando mudamos nosso foco para um discurso revolucionário mais amplo, podemos construir alianças e cultivar o poder com um conjunto diversificado de táticas. Como disse Samuel Edward Konkin III no Novo Manifesto Libertário: “Não há Um Caminho, um gráfico de linha reta para a Liberdade, de fato. Mas uma família de gráficos, um Espaço repleto de linhas que levam o libertário ao seu objetivo de uma sociedade livre, e esse Espaço pode ser descrito”.
Assumindo que o estado não vai simplesmente colapsar por conta própria, há ações que podermos e devemos praticar para auxiliar em sua queda de uma vez por todas. Política eleitoral é um fracasso, mas seria a não participação suficiente para realizar o trabalho? Creio que não. A questão permanece: como fundamentalmente alteramos nossa condição estatista para uma libertária? Como apontou Konkin, a resposta é necessariamente multifacetada.
Devemos tomar nota de esforços anarquistas existentes como os guerreiros da liberdade de Rojavan. Eles possuem imensa bravura na luta armada contra a imposição e são uma grande prova de que a autonomia pode se manter mesmo nas situações mais hostis. Se os anarquistas do Ociente pudessem absorver tal tipo de fervor revolucionário para aplicá-lo em seus desafios, estariam, sem dúvidas, em uma posição melhor.
A Defense Distributed é outro excelente exemplo de ação direta que deve servir de inspiração. Sua criação de ferramentas como a Liberator, Ghost Gunner e Dark Wallet mudaram o jogo não apenas no abstrato, mas literalmente no mundo real. Eles estão ativamente expandindo a liberdade e moldando o discurso sobre armamento, privacidade e liberdade de expressão.
Peaceful Streets Project e outros projetos de vigilância da polícia estão na linha de frente de nossos esforços para mostrar a brutalidade das forças policiais. Esses grupos responsabilizam os policiais criminosos documentando suas interações com o público, bem como incentivam a criação de defesa comunitária para reduzir a dependência nas forças do estado. Grupos como esses são empolgantes e fazem a diferença de maneira radicalmente evidente.
Há também outras organizações que trabalham de forma menos arriscada. Grupos como o Food Not Bombs regularmente providenciam comida gratuita para os mais pobres e são um ótimo exemplo de como solucionar problemas sociais com esforços de base. O Food is Free Project, com fins similares, não possui nenhuma afiliação política oficial; está, no entanto, obtendo sucesso em seus esforços para fornecer alimentos e construir comunidades erguendo hortas nos quintais das pessoas e promovendo a cultura de compartilhamento nos bairros do Texas.
Trabalhe com grupos existentes, crie novos ou mesmo trabalhe sozinho. Não há uma única maneira correta de se criar um outro mundo. Além dos métodos utilizados pelas organizações mencionadas anteriormente, criei uma lista incompleta de táticas fora do sistema parlamentar que são dignas de consideração. Observe que nem todas essas táticas são equivalentes. Elas devem ser debatidas e outras devem ser acrescentadas:
* Prática da contraeconomia, autossuficiência e utilização de comunicação criptografada;
* Utilização do Bitcoin, experimentação com presentes, permutas e outros empreendimentos como o LETS;
* Desenvolvimento e compartilhamento de tecnologias disruptivas, incluindo mercados negros online sustentáveis e projetos de hacking;
* Construção de comunidades propositadas, formação de cadres, grupos de afinidade ou sociedades clandestinas de amigos e familiares confiáveis;
* Formação de sindicalização de base, não estatal, sob hegemonia corporativa;
* Publicação de literatura subversiva de forma anônima;
* Organização de atividades de assistência a presos;
* Criação de alternativas autônomas para escolas, assistência médica, justiça, serviços de emergência e defesa.
Não precisamos ter fé na conversão filosófica de massa para obtermos sucesso; apenas precisamos criar incentivos para que as pessoas participem de nossos esforços. Os não-radicais provavelmente estarão inclinados a adotar diferentes meios de vida, apesar de suas implicações políticas, caso for mostrado que a alternativa é superior ao que o estado e o capitalismo corporativo são capazes de lhe prover. A educação é importante para todas as fases da revolução e a mais útil surgirá com a construção de formas alternativas. As possibilidades são abundantes e a revolução requer ação, então escolha sua posição e se organize. O quanto queremos a anarquia e o que estamos dispostos a fazer para torná-la realidade?