Não Há Princípios Absolutos

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Texto por Claude Frédéric Bastiat em Economic Sophisms (1845). Traduzido de mises.org por Gabriel Camargo.

Jamais podemos nos perguntar o suficiente sobre a facilidade com a qual os homens se resignam a continuar ignorantes sobre o mais importante que deveriam saber; e podemos estar certos de que tal ignorância é incorrigível para aqueles que se aventuram a proclamar este axioma: não há princípios absolutos.

Entra-se nos recintos legislativos. O tema do debate é se a lei deve proibir os intercâmbios internacionais ou proclamar a liberdade.

Um parlamentar se levanta, e diz:

Se você tolerar estas trocas, o estrangeiro o inundará com seus produtos: Inglaterra com seus tecidos, Bélgica com carvão, Espanha com lãs, Itália com sedas, Suíça com gado, Suécia com ferro, Prússia com trigo; de modo que a indústria doméstica não será mais possível.

Outro responde:

Se você proibir os intercâmbios internacionais, as diversas dádivas que a natureza lavrou em diferentes climas serão para você como se não existissem. Você não pode participar da habilidade mecânica dos ingleses, da riqueza das minas belgas, da fertilidade do solo polonês, da exuberância das pastagens suíças, dos baixos custos da mão de obra espanhola, do calor do clima italiano; e você deve obter de uma produção não lucrativa e mal direcionada aquelas mercadorias que, através da troca, teriam sido fornecidas a você por uma produção fácil.

Com certeza, um destes parlamentares deve estar errado. Mas qual? Devemos tomar cuidado para não nos enganarmos sobre o assunto, pois não se trata meramente de uma questão de opinião abstrata. Você precisa escolher entre dois caminhos, e um deles leva necessariamente à pobreza.

Para nos livrarmos do dilema, nos dizem não haver princípios absolutos. Este axioma, que está tão na moda hoje em dia, não apenas tolera a indolência, mas apoia a ambição.

Se a teoria da proibição prevalecer, ou se a doutrina do livre comércio triunfar, uma breve promulgação constituirá todo o nosso código econômico. No primeiro caso, a lei proclamará que todos os intercâmbios com países estrangeiros são proibidos; no segundo, que todos os intercâmbios com países estrangeiros são livres; e diversos grandes e distintos personagens perderão, assim, sua importância.

Mas se o intercâmbio não possuir um caráter peculiar; se não for regido por nenhuma lei natural; se caprichosamente for às vezes útil e às vezes prejudicial; se não encontrar sua força motriz no bem que realiza, seu limite no bem que deixa de realizar; se suas consequências não podem ser estimadas por aqueles que realizam trocas—posto de outra forma: se não houver princípios absolutos, então devemos proceder a pesar, equilibrar e regular as transações, devemos equalizar as condições de trabalho e tentar descobrir a taxa média de lucros—uma tarefa colossal, bem merecedora dos grandes emolumentos e da poderosa influência concedida àqueles que a realizam.

Ao entrar em Paris, que vim visitar, disse a mim mesmo que aqui está um milhão de seres humanos que morreriam todos em um curto tempo caso mantimentos de todo tipo deixassem de fluir em direção a esta grande metrópole. A imaginação fica perplexa quando tenta apreciar a vasta multiplicidade de mercadorias que devem passar amanhã através das barreiras a fim de preservar os habitantes de cair nas convulsões da fome, da rebelião e da pilhagem. E, no entanto, todos dormem neste momento, e seus pacíficos sonos não são perturbados por um único instante pela perspectiva de uma catástrofe tão assustadora. Por outro lado, oitenta departamentos têm trabalhado hoje, sem acordo, sem qualquer compreensão mútua, para o abastecimento de Paris. Como cada dia seguinte leva o que se quer, nada mais, nada menos, a um mercado tão gigantesco?

Qual é, então, o poder engenhoso e secreto que rege a surpreendente regularidade dos movimentos tão complicados, uma regularidade em que todos possuem fé implícita, embora a felicidade e a própria vida estejam em jogo? Esse poder é um princípio absoluto, o princípio da liberdade nas transações. Temos fé naquela luz interior que a Providência colocou no coração de todos os homens, e à qual confiou a preservação e a melhoria indefinida de nossa espécie, ou seja, a consideração do interesse pessoal—já que devemos lhe dar seu nome correto—um princípio tão ativo, tão vigilante, tão sábio, quando for livre em sua ação.

Em que situação, pergunto, ficariam os habitantes de Paris se um ministro decidisse substituir por este poder as combinações de seu próprio gênio, por mais superior que possamos supor—se ele pensasse submeter à sua direção suprema este prodigioso mecanismo, decidir por quem, ou de que maneira, ou em que condições, tudo o que é necessário deve ser produzido, transportado, trocado e consumido?

Em verdade, deve haver muito sofrimento dentro das muralhas de Paris—pobreza, desespero, talvez fome, causando mais lágrimas do que a caridade ardente é capaz de secar; mas eu afirmo que é provável, não, que é certo, que a intervenção arbitrária do governo multiplicaria infinitamente esses sofrimentos, e espalharia sobre todos os nossos concidadãos aqueles males que atualmente afetam apenas um pequeno número deles.

Esta fé, então, que repousamos em um princípio, quando a pergunta se refere apenas às nossas transações domésticas, por que não devemos reter quando o mesmo princípio é aplicado às nossas transações internacionais, que são, sem dúvida, menos numerosas, menos delicadas e menos complicadas?

E se não for necessário que o município regule nossas indústrias parisienses, pese nossas oportunidades, equilibre nossos lucros e perdas, constate que nosso meio de circulação não está esgotado e equalize as condições de nosso trabalho doméstico, por que seria necessário que a alfândega, afastando-se de seus deveres fiscais, finja exercer uma ação de proteção sobre nosso comércio externo?

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