Breve Resumo da Crise Financeira e Corona

Tempo de Leitura: 7 minutos

Dois cenários:

1. Isso tudo é só um pânico momentâneo por conta do coronavírus e vai passar logo.

2. O Corona foi só o estopim no barril de pólvora que era um mercado já extremamente esticado e uma economia cheia de fragilidades. Uma recessão profunda pode estar chegando.

Se 1 está correto, a estratégia é simples: BTFD (Buy The Fucking Dip), compre tudo que está bem descontado e aguarde a recuperação. Mas eu sinceramente não vejo isso como algo momentâneo, acho 2 mais provável. Já há algum tempo tem aparecido vários sinais de que a economia global não vai bem e pode entrar em recessão:

a) Até o ano passado o Fed vinha aumentando os juros, que tinham jogado no chão na tentativa de conter a crise de 2008 (que tem suas raízes nas ações do Fed que incharam a bolha de 2000 e nas subsequentes ações do Fed e do governo americano tentando conter o estouro da bolha), mas no meio do ano passado, do nada, eles cortaram pela primeira vez em uma década. Se está tudo bem, porque essa mudança abrupta de estratégia?

Fed Cuts Interest Rates for First Time Since 2008 Crisis

b) 1 mês após esse primeiro corte do Fed, a curva de rendimentos dos títulos americanos inverteu, isso significa que o mercado estava comprando títulos de longa duração apostando que esse não seria o único corte do Fed, e indiretamente que a economia não ia tão bem assim, senão não haveria necessidade de continuar a cortar (quanto mais cortes, mais sobe o preço dos títulos de longa duração, por isso estavam comprando). Esse tipo de inversão previu basicamente todas as últimas recessões e é um sinal claro de que o mercado não está agindo como deveria (títulos de mais longa duração logicamente deveriam pagar mais que os mais curtos, não o contrário). No mesmo mês o Fed agiu comprando títulos de curta duração (bills), algo que não costumam fazer, na esperança de impulsionar o preço, derrubar o rendimento e desinverter a curva, não funcionou por muito tempo;

What the Yield Curve Says About When the Next Recession Could Happen

Fed Sees $60 Billion-a-Month T-Bill Buying to Rebuild Reserves

c) Desde então (setembro/outubro 2019) o mercado interbancário (todo fim de dia os bancos emprestam dinheiro entre si para fechar o balanço) vem apresentando crises de liquidez. Isso não deve ocorrer em uma economia saudável e é um péssimo sinal porque indica que os bancos estão desconfiados de emprestar um para o outro (mesmo que por 1 dia!), o motivo só eles sabem, mas muito provavelmente é porque vêem que a economia não vai muito bem e desconfiam que o coleg pode quebrar antes de pagar eles, então se recusam a emprestar. O Fed, tentando acalmar a situação, entra como “lender of last resort” e começa a emprestar bilhões para os bancos que não estão conseguindo pegar dinheiro emprestado para fechar o balanço. Veja que isso não é uma solução para o problema raiz (porque os bancos estão desconfiados a ponto de não emprestar dinheiro por 1 dia, em primeiro lugar?), isso tende a agir só como um paliativo que evita (temporariamente) uma quebradeira geral (se um banco quebra, pode levar vários juntos, a la Lehman Brothers/Bear Stearns em 2008). No Brasil o BC diminuiu os requerimentos de reserva bancária e cortou juros, basicamente a mesma coisa mas com o efeito pior de causar pressão no câmbio também;

The Fed has been injecting hundreds of billions into markets since September’s rate crisis. Here’s why it might not be enough to calm lending conditions. | Markets

d) Em janeiro tivemos o conflito EUA/Irã. Guerras causam volatilidade no mercado e geram gastos deficitários, que intensificam os problemas mencionados acima;

U.S.-Iran tensions will spark increased volatility — here’s how to play stocks, fund manager says

e) Semana passada o preço do óleo desabou com a Arábia Saudita começando uma guerra de preços. Mais volatilidade.

Oil crashes by most since 1991 as Saudi Arabia launches price war

f) A China é atualmente a maior contribuinte para o crescimento do PIB global (se não fosse contabilizada o mundo já estaria em recessão técnica), mas isso tem diminuído (a China tem desacelerado). Chegou o coronavírus causando um impacto econômico enorme na China (e agora no resto do mundo), parando regiões e indústrias inteiras. O mercado obviamente entrou em pânico, causando as quedas enormes dos últimos dias (a maior desde 1987).

Dramatic fall in China pollution levels ‘partly related’ to coronavirus

Coronavirus stock market drop: Dow down 10{7529245626f123a0a11bf41889cb8ba690cb90c74fae02a36ee52efe2dc2d99a}, its biggest drop since black Monday 1987

Coronavirus: Big Economic Shock Can Be Contained and Reversed

g) Essa enorme volatilidade aumenta a níveis estratosféricos a desconfiança dos bancos no mercado interbancário por dúzias de motivos (muitos estão expostos ao mercado acionário, por exemplo), o que essa semana causou uma enorme crise de liquidez que o Fed respondeu com um corte de juros emergencial e uma injeção de 1.5 TRIlhões de dólares (3/4 do PIB do Brasil injetados em 3 dias)! Mesmo assim essas crises continuam acontecendo e essa injeção esbarrou em alguns problemas legais nos EUA.

Fed announces $1.5 trillion in capital injections to combat coronavirus fallout and ‘highly unusual disruptions’

Essa é a situação atual. O que todo mundo tem feito é o chamado “flight to safety”, vendem tudo que tem muito risco (ações, crypto, investimentos em países emergentes como o Brasil (o que causa pressão no câmbio – dólar a R$5 – e quedas na bolsa) e isso causa mais quedas, que causa mais pânico, que causa mais crises de liquidez, que causa mais pânico, que causa mais quedas, um loop que possivelmente pode causar uma depressão… E correm para o que vêem como seguro: ouro, que tem agido como hedge nessas situações a séculos e os chamados “money equivalents” (como dinheiro e treasury bills, dívida do governo americano que “lastreia” o dólar, o motivo é que acham que mesmo com uma recessão o governo americano não vá calotear a dívida).

O que eu fiz foi basicamente isso, em janeiro, analisando a situação, vendi boa parte das ações, quase tudo, e fiquei em dinheiro (fiz caixa), comprei Puts (apostas em quedas do mercado, que já deram uma graninha – isso já é mais trading que investimento, então foi uma aposta pequena) e agora devo começar a comprar ouro também.

Em 2008 muita gente fez dinheiro comprando títulos americanos, apostando em fortes cortes de juros (quando os juros de um título caem, o preço sobe) e os cortes vieram. Os juros estavam em 5% quando a crise começou, o Fed em questão de meses cortou para 0% (o chamado “ZIRP”, Zero Interest Rate Policy) e os preços dos títulos dispararam.

Agora tem gente considerando a mesma estratégia novamente, mas já estão atrasados na minha opinião: a taxa de juros americana já está em 1%, deveriam ter comprado quando o Fed anunciou o primeiro corte em 2019, agora não tem muito o que cortar sem entrar em território negativo como a Europa (e já vimos pela Europa e pelo Japão que não adianta, juros negativos não funcionam, essas economias estão “zumbificadas”). Então o Fed está desesperado, numa sinuca de bico, tentando apagar o fogo simplesmente jogando mais dinheiro nele. Ninguém sabe como sair dessa, e na minha opinião não tem como sair sem muito sofrimento.

Uma possibilidade é o Fed começar a agir como o BoJ (banco central do Japão) e começar a comprar ativos de risco diretamente para impulsionar o preço (o BoJ é acionário de boa parte de todos os ETFs do Japão), não seria completamente sem precedente, visto que o Fed comprou bilhões de ativos lastreados em hipotecas em 2008 (e muito disso ainda está no balanço deles). Se o Fed seguir esse caminho, o provável é que consiga segurar o mercado, mas por quanto tempo e a que custo? Na minha opinião, não muito tempo e a um custo desproporcionalmente grande.

Com certeza existem ações de boas empresas que estão bem descontadas agora em meio ao pânico, e tem grandes players “buying the blood”, como Buffet, que estava esperando justamente um momento como esse. O problema, na minha opinião, é que se isso realmente desenrolar em uma recessão como 2008, não importa quão boa a ação, ela vai ser puxada para baixo juntamente com o mercado (especialmente em uma era de “passive investing”, que todo mundo só compra índice). Então se é pra fazer uma aposta em ações agora, eu entraria extremamente conservador, comprando empresas de excelência que estão descontadas (as que tem dado lucro crescente todo ano, dívida equilibrada ou inexistente e um enorme caixa para segurar as pontas em caso de uma depressão prolongada), essa é a mesma estratégia do Buffet. Mas como eu disse, mesmo assim isso é muito arriscado no momento na minha opinião, tem que ter mão forte pra segurar se isso se arrastar por anos.

Para o investidor médio (não profissional e não trader), a maior preocupação agora não deve ser correr atrás de retorno, teorias ingênuas (“apostem em empresas farmacêuticas que vão se beneficiar do vírus”) vão causar perda de capital com certeza, essas pessoas estão a caminho de um mundo de dor. O foco agora deve ser em preservar capital, não em tentar ganhar mais. O kit pra isso é dinheiro, títulos governamentais e ouro, por menor que seja o retorno, não importa, esse não é o foco no momento. Quando a situação começar a se acalmar, aí podem pensar em começar a se expor aos poucos de volta aos mercados de risco, com mente de investidor são (realmente investindo em empresas, não só tentando apostar em ações). Quem está no Brasil deve, mais que nunca, pensar no câmbio e no risco país também, câmbio desvalorizado é sim perda de dinheiro e Brasil não tem a mesma confiança e porte que EUA.


Update 16/03/2019

O Fed anunciou ontem a tarde (essa é a segunda reunião emergencial do Fed logo antes da reunião agendada do dia 18/03, não podiam esperar 3 dias, a coisa está feia!) um novo plano para conter o pânico do e as crises de liquidez:

  • Meta de juros cortada para 0-0.25% (ZIRP voltou);
  • Injeção direta de liquidez no mercado (QE5) de $700 bi, vía compras de $500 bi de treasury bills (títulos de curto prazo) e $200 bi de MBS (títulos hipotecários, os mesmos que compraram em 2008 e que foram o estopim daquela crise);
  • Baixaram os requerimentos de reservas bancárias (o “compulsório” no Brasil) para 0%, ou seja, bancos estão livres para emprestar independentemente dos seus balanços. Isso é algo que o Fed nunca tinha feito, mas os ECB e o BoJ já estão nessa há algum tempo;
  • Aumentou a linha de crédito entre bancos centrais para tentar aliviar a falta de dólares no mercado (nesses momentos muitas empresas e outras entidades precisam de dólar (boa parte da dívida no mundo é denominada em dólar e petróleo é vendido a dólar, por exemplo), e está faltando).

Em 2008 o Fed foi muito criticado por “não agir rápido o suficiente e com a força necessária”. Minha visão é que não querem cometer o mesmo “erro” dessa vez e estão tentando se manter a frente da curva (desde aquele primeiro corte em 2019), executando agora medidas que da última vez só foram implementadas depois que a crise já tinha começado.

A questão é que agora a principal arma do Fed já está sem munição (a taxa de juros está em zero) e a brincadeira ainda nem começou… Em caso de recessão sobram duas opções: juros negativos e QE infinity (helicopter money), que não resolvem nada, no máximo uma nova bolha vai ser inflada (como as medidas contra a crise Dotcom inflou a bolha imobiliária que resultou na crise de 2008, que foi “resolvida” com medidas que inflaram a atual bolha). Praticamente impossível uma normalização da política monetária agora.

Enfim, isso deve temporariamente resolver os problemas de liquidez (ou não, a injeção de repo anterior não funcionou…), desvalorizar o dólar (index, $DXY, não necessariamente em relação ao real) e valorizar ativos que se beneficiam de desvalorização monetária (ouro…).

Rápido update: descobri agora que para comprar ações/ETFs diretamente, o Fed precisaria de aprovação do congresso americano.

Fed Panics: Powell Cuts Rates To Zero, Announces $700BN QE5, Unveils Enhanced Global Swap Lines

Observação: as análises não devem ser interpretadas como uma recomendação de investimento.

Gostou do artigo? Sobre esse tema, leia o maravilhoso livro de Murray Rothbard: Homem, Economia e Estado.

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