No dia 31 de março houve então o primeiro protesto em Hong Kong e naquele dia não havia nenhum tipo de instituição, governo ou país que imaginaria que mais de três meses depois ainda ocorreriam manifestações na cidade. Esse é um artigo em defesa da liberdade. Esse é um artigo em defesa de Hong Kong.
Parte I — A Historia e as Manifestações
Antes de qualquer coisa, como sempre deveria ser feito, vamos recapitular brevemente a historia da cidade e entender as razões para que o povo de Hong Kong lute com tanta veemência contra o autoritarismo chinês.
Foi em agosto de 1842, após a Primeira Guerra do Ópio e a assinatura do Tratado de Nanquim, que a cidade de Hong Kong tornou-se uma colonia do Império Britânico. Sendo que, após esse evento, toda a cultura da cidade passou a ser remodelada aos padrões britânicos, ou seja, criou-se um hibridismo entre a cultura oriental tradicional e os modelos ocidentais.
A cidade permaneceu sob o domínio britânico até o ano de 1997 quando, após acordos com o governo chinês, a cidade foi devolvida à China. Tais acordos levaram a China a criar o sistema politico de “um país, dois sistemas”¹, afinal o povo de Hong Kong teria passado mais de 150 anos cultivando uma cultura totalmente diferente do resto da China continental. Ou seja, estamos falando de uma cidade mudada pelo tempo, uma cidade que valoriza o valor do livre mercado, que não sofreu nas mãos de Mao Tse Tung, que podia observar os efeitos do Partido Comunista Chinês de perto e atestar sua violência aos diretos dos indivíduos.
As manifestações surgiram devido a um projeto de lei que seria regulado pelo governo de Hong Kong, o qual visava permitir que criminosos partissem em extradição de Hong Kong para a China, onde eles seriam réus da justiça chinesa. Todavia, ao receberem essa noticia, o povo de Hong Kong, interpretou como apenas uma maquinação do PCC (Partido Comunista Chinês) para que a extradição de opositores políticos e críticos ao sistema comunista tornasse-se legal.
Com essa interpretação, o povo de Hong Kong decidiu utilizar as redes sociais para convocar manifestações dentro da cidade, inicialmente pacificas, mas que devido a forte repressão do aparato estatal local tornaram-se cada vez mais “violentas” — alias, podemos chamar de “violência” o ato de lutar contra um tirano? Se sim, podemos chamar de “violência” a reação de uma vitima ao reagir contra um criminoso.
Os protestos começaram, como disse anteriormente, em forma de rejeição a lei de extradição, porém com a prisão de “líderes”, manifestantes e pela forte brutalidade empregada pela policia e agentes do governo, hoje o povo da cidade exige cinco politicas e deixam claro suas intenções de não cederem em nenhuma delas.
A 1º exigência: o enterramento completo da Lei de Extradição — algo que já foi prometido pelo governo de Lam.
A 2° exigência: a renúncia da governadora Carrie Lam.
A 3° exigência: sufrágio universal para eleger um substituto, com eleições diretas. As ultimas eleições ocorrem de forma indireta, onde todos os candidatos tiveram a “aprovação” do Governo Chinês para concorrem.
A 4° exigência: A criação independente sobre abusos cometido pela polícia.
A 5° exigência: A liberação de todos os presos/acusados durantes os protestos.
Parte II — As Consequências da Luta pela Liberdade
Agora que está, superficialmente, informado daquilo que ocorre na cidade de Hong Kong, desejo expandir a visão nesse assunto. Não deveríamos tratar como apenas uma questão de insatisfação momentânea — seja do governo chinês ou do povo livre de Hong Kong; o que estamos tratando aqui é uma luta árdua entre a liberdade e o autoritarismo e nenhum dos lados pode dar-se ao luxo de render-se.
Imagine durante mais de quinze décadas, um século e meio, cultivar uma cultura totalmente diferente de seus vizinhos. Imagine trabalhar de outras formas, viver de outras maneiras, sentir o gosto da liberdade e ao mesmo tempo observar tão próximo de ti o oposto disso, observar o autoritarismo, a fome e a completa violação do individuo.
É dessa maneira que um honconguês sente-se hoje, é por isso que milhares de Millennial’s lutam a meses contra o estado, pois eles vivem a realidade citada acima e não vão desistir de sua liberdade.
Contrariamente, o Governo da China entende que não pode permitir em nenhuma circunstância uma “luz no fim do túnel”. A simples ideia de um lugar tão próximo e insubmisso é um pecado capital em qualquer ditadura, afinal ou domina-se todo mundo ou se mata aqueles que não forem dominados.
Nesse “Davi e Golias” que acompanhamos, Davi não tem nenhuma chance de sair vivo. Vejo que inevitavelmente, Hong Kong irá tornar-se um palco de sangue e massacre, entretanto isso não quer dizer o fim da luta. De fato, quando o estado chinês cansar-se e exigir a rendição dos manifestantes, haverá um embate violento e provavelmente a morte de milhares, talvez com isso o governo consiga pisar definitivamente no ultimo suspiro de liberdade daquele povo, ainda sim, existe um outro cenário possível: a revolução.
Ironicamente, uma revolução pode ser a salvação de Hong Kong, ou melhor, de toda a China. A razão pela qual isso é uma hipótese é simples: se Hong Kong declarar-se independente estaremos falando de uma revolta declarada, que pode ganhar força com a então já vigente “revolta” de Taiwan, ao mesmo passo também podemos deduzir que haveriam agentes prol-independência por toda China continental, levando assim a series de revoltas e manifestações no país.
Eu sei que o ultimo cenário é otimista demais, mas não devemos esquecer que toda grande mudança começou por pequenos atos. Os EUA lutaram contra a Inglaterra por taxas e conquistaram sua autonomia, luzes e musicas² fizeram a URSS entrar em crise, por que não estão acreditar que o sacrifício de uma cidade será suficiente para libertar um país? Infelizmente, somente o futuro dirá qual dos finais teremos.
Notas:
[1]: Sistema onde existe apenas um país na comunidade internacional, ao mesmo tempo que existe a autonomia politica de cidades ou regiões, as quais tem suas próprias leis e mercados.
[2]: Referencia a duas revoltas ocorridas na União Soviética, a primeira é sobre as Luzes de Varsóvia (Polônia) e a segunda A Revolução da Canção (Estônia).
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