Nos últimos tempos — com a expansão do poder e do controle do estado sobre a sociedade —, libertários e anarquistas das mais variadas vertentes passaram a divulgar ideias de liberdade que contrariam os parâmetros vigentes do estatismo político que governam a sociedade.
Mas quem parou para prestar atenção a tudo o que eles dizem percebe que as reivindicações destes grupos não apenas são coerentes e legítimas, como também apontam soluções alternativas para os problemas que afligem a sociedade humana. Ou seja, eles não querem caos, desordem e pandemônio, como desonestamente afirmam os estatistas.
Eles querem a substituição de um sistema violento e compulsório que enriquece poucos em detrimento de muitos por uma sociedade baseada em interações voluntárias e espontâneas, o que é totalmente plausível e aceitável, e experiências históricas como Cospaya e Couto Mixto mostram que a humanidade já viveu em plena harmonia de acordo com a lei natural, tanto quanto possível.
Se em uma determinada ponta do diagrama político, temos grupos que defendem a supressão imediata do estado, do outro lado temos aqueles que não apenas defendem sua existência, como exigem que o estado controle tudo e gerencie todas as coisas que regem a sociedade humana.
São grupos que defendem poder e controle total de tudo para o estado, sem limites ou restrições. Esses grupos sem dúvida nenhuma são os mais perigosos, pois são ingênuos e obtusos para o perigo daquilo que defendem. O estado — quando detém poder irrestrito, total e sem limites — não apenas pode como frequentemente descarrilha para o totalitarismo.
Quando esse não é o caso, o colapso se torna inevitável, pois as medidas keynesianas adotadas pelo governo invariavelmente levarão o país ao precipício da ruína econômica.
A diferença entre os estatistas e os libertários
Ao contrário dos estatistas, no entanto, libertários e anarquistas tem base moral onde amparar suas convicções. Ao passo que rejeitam qualquer forma de coerção e violência contra os indivíduos, estatistas fecham os olhos para os abusos, a corrupção, as ingerências, a violência, o roubo institucionalizado e todas as demais atrocidades perpetradas pelo estado.
Além do mais, eles enfatizam a importância do voluntarismo e da livre associação, e oferecem inúmeras soluções para substituir os serviços de péssima qualidade que são monopolizados pelo estado. Não há dúvida de que, colocadas em prática, as teses libertárias resultariam em uma sociedade muito mais justa, dinâmica, coesa e funcional.
Considerados utópicos pelos estatistas, no entanto, libertários e anarquistas conseguem ver a imoralidade de todas as ações protagonizadas pelo estado. Não obstante, para os estatistas — dependendo da agenda que tem a cumprir, se for de esquerda ela irá priorizar algumas coisas, se for de direita dará prioridade a outras —, o importante é persistir na consolidação das suas pautas ideológicas, que só podem ser efetivamente implementadas através do estado.
Sem a existência dessa estrutura tirânica, vil, autoritária e degradante, os estatistas não tem como impor sua ideologia sobre o restante da sociedade. Portanto, para os estatistas, a ética e a moralidade não são importantes. O importante é que o bandido estacionário, uma organização criminosa de natureza despótica e discricionária, possa ser usado para implantar as pautas políticas dos grupos que buscam controlar o estado. Esquerdistas tentam controlar o estado da mesma maneira que direitistas o fazem; ou seja, para impor sua agenda política sobre outras pessoas.
A Sociologia do Estado
Aqui, entramos em uma área delicada que poderia ser descrita como a sociologia do estado — esplendidamente analisada por Franz Oppenheimer em seu magnum opus Der Staat —, onde é analisada a estrutura do estado, como pensam os grupos que bucam controlá-lo, quais são os seus objetivos, qual é a influência que os partidos políticos exercem sobre o estado, como os diferentes poderes interagem entre si e como funciona a propaganda usada pelo estado para doutrinar a população; isso dentre outros pontos igualmente relevantes.
Basicamente, o que aprendemos é que o Leviatã é uma instituição complexa e autocentrada que possui vontade própria, e exercer controle sobre ela, ao contrário do que pensam os estatistas, é uma completa e total impossibilidade. Na verdade, essa é a verdadeira utopia. Acreditar que o estado um dia poderia funcionar, e efetivamente atender, com eficiência prática e responsabilidade logística, as necessidades da sociedade.
Uma coisa nítida entre aqueles que se prestam a fazer a apologia do estado está no fato de que não raro essa apologia degenera para uma estadolatria beligerante, ríspida, autoritária e irracional. Estatistas tem medo da iniciativa privada tomando conta da sociedade — especialmente expansivos conglomerados e grandes corporações — e tem receio de que eles possam ficar desamparados, destituídos de assistencialismo, pleno usufruto de patrimônio “público” e benefícios “gratuitos” fornecidos pelo estado; receiam até mesmo que as pessoas acabem sujeitas a trabalho análogo a escravidão, caso não haja uma entidade para fiscalizar atitudes desumanas e colocar restrições nas imoralidades perpetradas pelo setor privado, como se estado fosse sinônimo de santidade, integridade, benevolência, pureza moral, harmonia social e segurança.
Estatistas não necessariamente acreditam que burocratas possam ser bons administradores ou que políticos sejam eficientes e preocupem-se de fato com a sociedade. Muitos até concordariam com a constatação de que eles não são capazes nem possuem os incentivos apropriados para serem competentes.
O que eles temem são os direitos, privilégios e benefícios que poderiam perder se o estado deixasse de existir e tudo aquilo que eles usufruem acabasse sob a tutela do setor privado, de uma propriedade privada ou for descontinuado. Para os estatistas, portanto, não convém que o estado deixe de existir. Eles temem os privilégios e benefícios que poderiam perder, caso o estado desaparecesse.
Quem é beneficiado pelo estado?
Convém enfatizar que o estado não beneficia apenas políticos. O estado beneficia principalmente dinastias e oligarquias excepcionalmente abastadas, ricas o suficiente para comprar favores dos burocratas, isso quando não possuem influência suficiente para controlar o estado diretamente. Além destes, corporativistas importantes compram favores do estado para que suas empresas sejam beneficiadas através de regulações protecionistas, e dessa forma se transformem em monopólios onipotentes.
Ou seja, para determinadas oligarquias e grupos de interesse, também não convém que o estado deixe de existir. Podemos presumir, portanto, que o estado é uma grande coalizão de ricos e poderosos, que trabalha continuamente a favor dos seus interesses.
Podemos até supor que, direta ou indiretamente, muitas dessas coalizões espúrias financiam partidos políticos para que lutem pelos seus interesses, embora comprar burocratas diretamente com malas de dinheiro seja muito mais fácil. Não obstante, estatistas não apontam os crimes e maledicências perpetrados pelo estado porque isso não é conveniente para a sua ideologia. Estatistas — sejam eles de direita ou de esquerda — estão apenas interessados no que eles tem a ganhar quando os políticos de sua preferência estão no poder.
O argumento de uma suposta “necessidade” do estado, no entanto, depende totalmente de uma exagerada e desproporcional demonização do setor privado. Estatistas — e nesse caso especialmente os de esquerda — temem o “grande capital”, normalmente representado por grandes empresas, megacorporações e expansivos conglomerados, que escravizam a força de trabalho pela necessidade da sobrevivência de seus integrantes, geralmente pessoas da classe trabalhadora. Seus apologistas afirmam que sem o estado, as classes mais baixas ficariam vulneráveis a condições de trabalho análogas à escravidão; e sem alguém que as defenda e atenda aos seus interesses, elas não teriam outra alternativa a não ser se sujeitar a deploráveis e precárias condições de trabalho para sobreviver.
Mas será isso verdade?
É necessário reconhecer que essa preocupação não é irrelevante ou fantasiosa. Ela existe, atende a uma demanda real que aflige uma expressiva parcela de trabalhadores no mercado de trabalho. Condições precárias de trabalho não apenas foram abundantes principalmente a partir da revolução industrial, como lamentavelmente continuam existindo nos dias de hoje. No entanto, vários elementos independentes e iniciativas descentralizadas atualmente contribuem para mitigá-las, e melhorar as condições de vida da classe trabalhadora.
No entanto, é fundamental entender que a proteção dos trabalhadores não requer a existência de um estado. O estado sempre estará buscando inúmeras prerrogativas para justificar a sua existência, e a defesa dos interesses dos trabalhadores e dos pobres estão entre os pretextos usados com mais frequencia; normalmente, são usados como retórica política por demagogos populistas em busca de um curral eleitoral no qual se apoiar.
Na verdade, quanto mais precárias forem as condições de trabalho, e quanto mais miseráveis forem as condições de vida da população, tanto melhor para o estado, pois assim ele poderá apresentar-se como a “solução” para os problemas destas classes mais carentes e destituídas de recursos. É necessário enfatizar que o estado — oportunista como sempre foi — se utilizará permanentemente de expedientes convenientes para apresentar-se como a única solução para todos os problemas e adversidades dos quais a sociedade sofre.
Além do mais, muito mais do que a classe empresarial, convém salientar que o estado é a instituição que mais rouba os trabalhadores, principalmente através dos impostos indiretos e da inflação. De fato, é o estado que está constantemente assaltando os trabalhadores, roubando indiretamente os seus dividendos através de tributação sobre consumo agregada ao valor dos produtos e tornando proibitivo que ele melhore o seu padrão e a sua qualidade de vida. Isso também impede que seus empregadores lhe paguem um salário mais elevado.
A verdade é que, para garantir condições mais salutares aos trabalhadores, o estado não é nenhum pouco necessário. Pelo contrário, o estado além de depauperar os trabalhadores ainda mais, frequentemente se associa a sindicatos mafiosos, que apenas exploram os trabalhadores com selvageria, depenando-os através de extorsivos expedientes parasitários, com quantias substanciais de seus salários sendo descontadas diretamente da folha de pagamento. Prova disso é que trabalhadores com frequência são obrigados a associarem-se a determinados sindicatos — de forma totalmente arbitrária —, sendo compulsoriamente coagidos a deixar parte dos seus salários para essas organizações, que não apenas não os representam, como não os beneficiam nem procuram lutar pelos seus interesses ou melhorar suas condições de trabalho.
A verdade é que um estado não é necessário para defender os interesses dos trabalhadores. Muito pelo contrário, eles estão entre as categorias mais espoliadas e depauperadas pelo estado e por sindicatos e organizações parasitárias associadas ao estado. Uma solução pontual para esse problema seriam sindicatos independentes e cooperativas de trabalhadores, onde as pessoas pudessem se filiar, por adesão totalmente voluntária. Da mesma forma, tribunais privados especializados em causas laborais poderiam ser acionados por modestas quantias, sempre que o contrato entre empregado e empregador fosse violado.
Fato é que o estado não é necessário para defender a causa dos trabalhadores. E isso não é novidade nenhuma; há séculos atrás, os anarquistas clássicos, os anarcocomunistas e diversos socialistas libertários já apregoavam isso. O estado, na verdade, é defendido como única solução para os trabalhadores por coalizões de parasitas que tem muito a ganhar monopolizando a causa da classe operária; em sua maioria, são associações de classe, sindicatos e partidos políticos, que, em uníssono, se autoproclamam os defensores da classe trabalhadora, e lutam para ter o monopólio da sua representação. A verdade, no entanto, é que todos eles arrumam formas de enriquecer às custas da classe operária, ao passo que, de forma aviltante e dissimulada, afirmam protegê-la.
Uma Sociedade de Conflitos
Infelizmente, muitas pessoas ainda não se deram conta que, há mais de um século, a humanidade entrou em um período que pode ser chamado de sociedade de conflitos. E o estado — assim como suas entidades associadas — é a instituição que mais lucra política e financeiramente com esses conflitos. Portanto, para o estado, não é interessante que esses conflitos algum dia sejam resolvidos ou solucionados. Para o estado, o melhor é que eles continuem existindo, e de formas cada vez mais irremediáveis e beligerantes. Assim, o estado pode apaziguá-los, promover soluções e parecer um mediador bondoso, indispensável, caridoso e eficiente aos olhos da sociedade.
O que é extremamente importante entender — mas infelizmente muitas pessoas ainda não perceberam — é que no mundo de hoje, especialmente a partir das últimas décadas do século 20, inúmeros grupos políticos, associações de classe e coalizões partidárias passaram a ganhar muito fomentando intrigas e perpetuando discórdias na sociedade.
Jogar mulheres contra os homens (o feminismo foi criado e difundido exatamente para isso), empregados contra patrões, pobres contra ricos, negros contra brancos, e no ambiente político comunistas contra capitalistas, socialistas contra liberais, progressistas contra conservadores, e assim por diante, gera enorme capital político — além de muitos dividendos financeiros —, para inúmeras associações que só tem a ganhar dividindo a sociedade continuamente, e colocando uns grupos contra os outros.
Dessa forma, a geração de conflitos beneficia e mantém no poder os catalisadores desses conflitos, que ao mesmo tempo são considerados seus benévolos mediadores, vistos pela massa alienada como as únicas possibilidades desses conflitos serem solucionados. A verdade, no entanto, é que o estado, juntamente com os grupos que o dominam, buscará sempre perpetuar tais conflitos, justamente porque isso lhe dá poder e capital político.
Para a esquerda, por exemplo, o conflito racial e o conflito de classes sempre será muito benéfico para a sua narrativa ideológica, que simplesmente morreria, caso esses conflitos fossem de fato solucionados e a sociedade se tornasse pacífica e harmoniosa. Portanto, para continuar existindo e exigindo seu suposto “direito” de reclamar o poder, a esquerda política precisa continuamente inflamar os ânimos e provocar conflitos entre diferentes grupos.
Caso contrário, as pessoas perceberiam que a esquerda política — assim como o seu oposto, a direita — não só não precisaria existir, como não faria a menor falta para a sociedade humana, visto que polarizações tendem a beneficiar os demagogos políticos que estão em perpétua disputa pelo poder, e que se beneficiam arduamente promovendo o caos latente que provoca o retrocesso e a estagnação da sociedade humana.
É fundamental entender, portanto, que essa polarização se dá também com os trabalhadores, que são frequentemente utilizados como massa de manobra por demagogos populistas que na verdade não estão interessados em defendê-los, mas unicamente em propagar um discurso que os leve ao poder. A verdade é que os trabalhadores não precisam do estado para resolver conflitos; não obstante, é do interesse do estado ser visto como o único mediador possível, a única solução para a resolução de contendas e discórdias, visto que o estado é um monopólio totalitário que usa o seu poder discricionário para expandir a sua esfera de atuação e intervenção na sociedade humana.
O estado faz isso deliberadamente, por sua própria necessidade. Se ele não se impuser de forma autoritária como solução para os problemas que acometem a sociedade, as pessoas começarão a resolver os seus problemas por conta própria, sem o estado. Dessa maneira, elas perceberiam que não precisam do estado para resolver conflitos, e o estado — em decorrência disso — rapidamente seria visto como uma instituição obsoleta e descartável.
O estado, portanto, procura se antecipar a esse tipo de constatação, agindo de uma maneira que não permita e não dê tempo às pessoas que descubram quão desnecessário ele realmente é. O estado sempre vai procurar ser “necessário”, à força, para a sociedade, impondo regras arbitrárias que beneficiam primariamente a ele próprio.
Portanto, é do interesse do estado promover conflitos e contribuir na difusão do caos. Uma vez que conflitos fossem solucionados — e o que o estado mais teme, fossem solucionados pacificamente pelas próprias pessoas ou por entes privados —, as pessoas perceberiam que não precisam do estado para viver, se organizar, interagir e resolver conflitos. Por essa razão, o estado precisa interferir continuamente de forma arbitrária na vida das pessoas, para parecer fundamental e indispensável, a única solução possível, impedindo-as assim de despertar para a realidade. O estado não quer que as pessoas descubram que ele é descartável e desnecessário.
Há muito tempo atrás, a sociedade já resolvia conflitos sem o estado, através do princípio da subsidiariedade — que inclusive era defendido pelos genuínos conservadores do século 19 —, que consiste em deixar as pessoas usarem seus talentos, suas faculdade mentais, seu livre-arbítrio, inteligência, liberdade e autonomia para que resolvam conflitos e solucionem os problemas que tem em comum da melhor maneira possível, de forma pacífica e civilizada.
Esse princípio, no entanto, começou a ser abandonado conforme a social-democracia conquistou espaço na sociedade, e o agressivo intervencionismo estatal passou a interferir negativamente na vida das pessoas, impedindo-as de resolverem conflitos sem a participação do estado. Ou seja, o estado começou a se meter arbitrariamente em todas as situações, e através do positivismo legalista e constitucionalista — que é monopólio da burocracia estatal —, normalizou essa interferência discricionária e vertical, criando um sistema autocrático que obriga as pessoas a dependerem do estado para tudo, inclusive para resolver conflitos.
É claro que a lavagem cerebral perpetrada pelo estado contribui muito na difusão do problema. Muitas pessoas realmente acreditam que apenas o estado pode resolver discórdias, contendas e adversidades, mas isso acontece porque elas ainda não tiveram a oportunidade de despertar do torpor e da letargia do sistema estatal. Artigos como esse se dispõem a tentar, ao menos em parte, contribuir para resolver esse problema.
O estado, por ter sequestrado, suplantado e suprimido o princípio da subsidiariedade, se impôs como a única fonte possível da resolução de conflitos, fazendo a sociedade esquecer completamente que antes disso, solucionava conflitos sem a intervenção do estado, obliterando de forma quase total esse conhecimento histórico. Por ser um monopólio totalitário, o estado atualmente interfere discricionariamente em todas as áreas de atuação da sociedade humana, fazendo as pessoas acreditarem erroneamente que apenas o estado está habilitado a solucionar conflitos. Precisamos quebrar esse paradigma, e exigir o direito de retorno ao princípio da subsidiariedade, visto que o estado sequestrou a autonomia, a liberdade e a independência dos invidíduos. Temos, portanto, a obrigação moral de lutar para resgatar essas virtudes — indissociáveis ao direito natural —, e que nos foram arbitrariamente usurpadas pelo estado.
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