O Falsificacionismo de Karl Popper e o Falibilismo de Friedrich Hayek

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Sir Karl Popper é, sem dúvidas, um dos maiores epistemólogos do século XX, com ampla influência na teoria científica, na epistemologia contemporânea, e também nas concepções filosóficas de Friedrich August von Hayek, um prodigioso economista austríaco e neurocientista laureado com o Nobel de Economia e muito influente na Escola Austríaca.

A limitação do conhecimento humano

Um dos principais pontos de Popper é a ausência de justificação epistemológica das afirmações assertadas por seres humanos, pois a estrutura e conteúdo da mente humana impede esse tipo de certeza.

Tal concepção contraria o posicionamento justificacionista, que acredita na capacidade de se afirmar proposições que são, de fato, epistemologicamente justificadas.

A defesa falsificacionista de Popper choca-se com o justificacionismo, pois nega a possibilidade de uma indução geral, isto é, a coadunação de várias evidências ou constatações empíricas que implicariam em um princípio universal e geral sobre o universo, e nega também a veracidade absoluta de um raciocínio dedutivo.

Estes problemas relacionados a justificação de qualquer conhecimento humano ocorrem pois qualquer indução carece de justificação epistemológica, pois como David Hume já havia tratado, fenômenos empíricos são particulares, e portanto, contingentes na medida em que a ocorrência de um determinado acontecimento só é garantida se este for observado a todo momento no espaço-tempo, e tendo isso em mente, um caso particular fenomênico não detém em si qualquer partícula de necessidade, universalidade ou de causalidade, como conclui Hume:

“Se tomarmos em nossas mãos qualquer volume, de teologia ou metafísica escolástica, por exemplo, deixemo-nos perguntar: ‘Será que ela contém algum raciocínio abstrato a respeito de quantidade ou número?’ (Relações de ideias) Não. ‘Contém algum raciocínio experimental a respeito de matéria de fato e existência?’ (Matérias de fato) Não, cometê-la, em seguida, para as chamas, pois ele pode conter nada além de sofismas e ilusões”

O raciocínio dedutivo também é injustificável, pois parte de princípios que não são demonstráveis conceitualmente, pois a tentativa de prová-los incorreria na arbitrariedade de se usar a lógica para provar a si mesma, e vale lembrar que esta é utilizada como um critério para demarcar e distinguir aquilo que é concebível e razoável para a mente humana.

Conclui-se, então, que o conhecimento humano carece de qualquer justificação epistêmica, e que este é constituído pelas experiências que um indivíduo agrega a partir de sua agência espaço-temporal, e que antes de passar por algum critério metodologicamente rigoroso, este não pode ser considerado como próximo da realidade, tal como ela é (para nós), ou logicamente procedente.

Necessita-se frisar que o próprio método a ser utilizado para demarcar o conhecimento em qualquer categoria epistemológica está passível de erros, pois não há como saber se existem métodos melhores ou algum erro durante a observação, em relação a realidade observada.

O Falsificacionismo

Mesmo com a limitação inerente que existe em relação ao conhecimento humano, haja vista que este é limitado a uma vivência particular, carente de justificação e passível de falhas, constituindo, portanto, numa impossibilidade em se verificar a veracidade das afirmações humanas, é possível, pelo menos falsear asserções e proposições incompatíveis com a realidade a partir da metodologia hipotética-dedutiva.

Tal método baseia-se em conjecturar uma explicação a um fenômeno da realidade, sem derivá-la de um caso particular (e portanto não caindo no problema da indução apontado por Hume), e a averiguação da validade desta conjectura procede com a observação e a experimentação, que permitirão analisar a compatibilidade desta hipótese com a realidade, onde o recolhimento dos dados empírico-quantitativos irão determinar se esta hipótese é realmente compatível com o que ocorre de fato na realidade, permitindo o acatamento dela como uma explicação ainda não refutada dos fenômenos com os quais lidamos (estabelecendo assim uma relação de proximidade entre a conjectura e a realidade, sem no entanto considerá-las como idênticas), ou ir-se-á falsear tal proposta com a constatação de um fenômeno particular ou um conjunto destes que se mostram contrários a esta hipótese.

Desta forma, a realidade pode ser parcialmente explicada, sem no entanto chegar a nenhuma conclusão absoluta.

Tal concepção falsificacionista-negativista que frisa a importância de se considerar a limitação do conhecimento humano que influencia veementemente o pensamento de Hayek (que inclusive era um grande amigo de Popper) no tocante a epistemologia, e que numa análise profunda e intelectualmente interessante leva as últimas conclusões o pensamento de Karl Popper, desenvolvendo a teoria falibilista.

O falibilismo

Hayek, levando em consideração a limitação e a possibilidade de falhas inerente ao conhecimento humano, traz essa concepção ao campo da economia, ou seja, como alocar os diversos fatores produtivos escassos com variados usos de forma a atender as necessidades mais urgentes dos indivíduos em um ambiente cujas condições e circunstâncias encontram-se em constante mudança?

Antes de dar uma resposta definitiva ao problema econômico é necessário constatar que os indivíduos tem suas próprias teorias empresariais para a resolução de problemas dinâmicos, isto é, cada indivíduo, a partir do seu conhecimento formado por suas experiências práticas, propõem uma forma de usar estes recursos escassos de maneira a tentar satisfazer suas próprias necessidades ou as dos demais indivíduos que convive.

Só que dado que o conhecimento humano é conjectural e passível de falhas, como distinguir e demarcar quais dessas teorias empresariais estão erradas quanto a melhor forma de se ajustar a estrutura produtiva, e quais estão mais próximas da realidade econômica?

Para tal, seria necessário um mecanismo ou um processo de seleção dessas teorias que seja impessoal e isenta de deliberações humanas, ou seja, descentralizado, pois mesmo que a demarcação destas teorias fosse concedida a uma autoridade central, esta continua a ser constituída por seres humanos cujos critérios a serem estabelecidos são tão falhos e conjecturais quanto o de qualquer outro indivíduo, pois como poderia um único ser ou grupo articular, canalizar e armazenar todas essas teorias empresariais, dispersas entre milhares de indivíduos e não passíveis de articulação (pois são formadas a partir dos atos práticos dos indivíduos)? E supondo que isso fosse possível: como garantir que a demarcação das teorias empresariais, ou próprio planejamento central, cujas propostas são muitas vezes contraditórias entre si, são de fato precisas e absolutas, dado que o próprio processo em que essa seleção ocorreria é conjectural e passível de erros haja vista que este procedimento é efetuado por uma deliberação humana?

Diante deste impasse, muitos socialistas e intervencionistas, e principalmente os neoclássicos e marxistas ortodoxos, recomendam a utilização de fórmulas matemáticas, estipuladas com base no recolhimento de estatísticas econômicas e da produtividade marginal dos diversos empregos dos bens de capital e de produção, que ao serem aplicadas e utilizadas em uma determinada estrutura de produção, irão colocá-la em um estado de equilíbrio á longo prazo.

Primeiramente, necessita-se ressalvar que o processo que faz com que uma estrutura produtiva entre em equilíbrio ocorre num ambiente onde as circunstâncias particulares que indicam a melhor forma de se alocar os recursos escassos estão dispersas entre inúmeros indivíduos, como já foi assinalado anteriormente, e portanto o cálculo de produtividade marginal dos fatores produtivos é meramente especulativo pois não consegue incorporar as informações necessários para ser exato. Um outro problema reside no fato de que a economia é cambiável e dinâmica, ou seja, todas as circunstâncias específicas que determinam um processo de coordenação entre os indivíduos e a alocação eficaz dos fatores de produção escassos estão em constante mudança.

Isto se deve ao fato de que ao se alocar um recurso escasso para uma área onde este é demandado, ocorre uma satisfação das atuais necessidades dos consumidores, e levando em consideração que a capacidade dos indivíduos de estipular fins e necessidades é ilimitada em detrimento da limitada e escassa oferta de bens econômicas para a concretização dessas demandas, conclui-se que um indivíduo não pode satisfazer todas as suas necessidades ao mesmo tempo (e nem pode realizar todas elas, pelo mesmo motivo), de tal forma que ao atingir um determinado fim considerado mais urgente que os demais, novas necessidades e desejos irão surgir no lugar deste fim já realizado, e portanto, para a satisfação das pretensões individuais, é necessário que a estrutura produtiva se ajuste para tal, realocando os fatores de produção e coordenando os planos dos indivíduos as novas circunstâncias, e assim sucessivamente.

Por isso, o único fator que interessa a um empresário no momento de decidir como alocar um conjunto de fatores de produção é saber onde eles concedem maior retorno, para satisfazer as necessidades mais urgentes, e não qual a maneira de se fazer uma economia entrar em equilíbrio, sendo que para tal seria necessário o uso constante e incessante de fórmulas extremamente complexas que mudariam com frequência, tornando seu uso fútil e ineficaz, além de serem formuladas na pretensão de se alcançar equilíbrios com base em informações de uma economia que não está em equilíbrio.

O sistema de preços

Ora, se é impossível para qualquer ser humano determinar corretamente onde alocar todos os fatores de produção escassos em seus melhores usos, como o fazer?
Hayek propõem que a sociedade seja organizada em uma ordem social onde a liberdade individual seja assegurada e protegida, para que os indivíduos, num processo de interação pacífica e benéfico para todos os envolvidos, consiga ajustar seus planos para que as necessidades mais urgentes possam ser atendidas com a maior eficácia a partir do cálculo de preço.

Os preços refletem as relações de troca (que ocorrem sistematicamente na sociedade) dos diversos bens, serviços e fatores produtivos, de tal forma que estas podem ser expressas sob um denominador comum, que permite a comparação entre os preços de venda e de custo, sendo assim, é possível saber quais teorias empresariais estão próximas da realidade econômica, e quais estão erradas e devem ser ajustadas, a partir das análises de lucros e de prejuízos, onde os lucros indicam um excedente de ganhos sobre perdas, demonstrando que os fatores produtivos foram alocados para satisfazer as demandas consideradas mais urgentes pelos indivíduos, e os excedentes de perdas sobre ganhos indicam prejuízo, demonstrando que a alocação de bens de produção foi ineficaz e que não atende as demandas mais urgentes dos consumidores.

É nesse processo que as diversas teorias empresariais são criteriosamente validadas ou invalidas, ajustadas ou mantidas, descartadas ou acatadas, que só é possível num ambiente onde não haja interferência coercitiva de autoridades centrais e que tenha sistemas jurídicos consuetudinários capazes de assegurar as liberdades e propriedades individuais e garantir o cumprimento de leis e contratos para que tal sociedade seja harmônica e economicamente coordenada.

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