O Papel das Expectativas na Economia como uma Ciência Social

Tempo de Leitura: 20 minutos

Por Ludwig M. Lachmann[1]

[Tradução de The Role of Expectations in Economics as a Social Science por José Aldemar, retirado de Capital, Expectations, and the Market Process, parte II]

1.

A introdução das expectativas na teoria moderna tem aberto novas perspectivas aos economistas e, ao mesmo tempo, colocou um novo problema para ele. Os tem feito perceber que a ação econômica preocupada com o futuro, longe de ser estritamente determinada por um conjunto de “dados” objetivos, é frequentemente decidida em meio a uma penumbra de dúvida e incerteza, esperanças vagas e medos inarticulados, nos quais a decisão definitiva pode muito bem depender de perspicácia mental, habilidade de ler os sinais de um mundo em mudança, e prontidão em encarar o desconhecido. Mas isso também os compele a refletir sobre as explicações causais das expectativas, a se indagar por que elas são o que são. Esse problema está coberto de dificuldades.

Dado a esse fato e a tendência natural de toda ciência em se tornar mais limitada em seu escopo na medida em que fica mais consciente de suas premissas, talvez fosse inevitável que economistas confrontados com esse problema devessem tentar se livrar disso relegando as expectativas à categoria de “dados” juntamente com os desejos, os recursos, e os fatos técnicos de produção. Essa linha foi de fato tomada por Lord Keynes,[2] Dr. Morgenstern,[3]Professor Myrdal,[4]e o Dr. Rosenstein-Rodan.[5]Mas prontamente se vê que as expectativas devem se sentir desconfortáveis com essa companhia. O que nos dá o direito de tratar desejos e recursos como dados e nos desinteressa sobre suas derivações causais é o simples fato que enquanto economists não temos nada a dizer sobre elas. Por que a distribuição geográfica de recursos minerais é de determinada forma, por que os frequentadores de cinema dos anos 30 preferiram filmes dirigidos por René Clair a filmes dirigidos por Ernst Lubitsch, são em si mesmas questões interessantes, mas o economista não tem resposta para elas. Expectativas, por outro lado, estão num plano um tanto diferente como são, enquanto necessidades e recursos não, em grande parte resultado da experiência de processos econômicos. Dificilmente é surpreendente que o tratamento das expectativas como dados, cuja explicação não é tarefa do economista, deva ter levantado fortes protestos. Excepcionalmente entre as críticos estão os Dr. Lundberg e Professor Schumpeter.

“É sensato relacionar ações às expectativas”, afirma Dr. Lundberg, “apenas se a última puder ser explicada com base nos eventos passados e presentes. A total falta de correlação aqui significaria a completa eliminação da economia como uma ciência. Nem mesmo uma suposição de certas previsões como dadas e uma análise de consequentes planos e ações com base no que foi mencionado seria de mínimo interesse. […] Em todo processo de raciocínio econômico nós, portanto, temos que fazer determinadas suposições, frequentemente não especificadas, acerca das relações entre expectativas, de um lado, e preços atuais e passados, lucros, etc., por outro.”[6]

“Expectativas não podem ser usadas como parte de nosso dado definitivo da mesma maneira que o gosto por tabaco pode”, escreve o Professor Schumpeter. “A menos que saibamos por que pessoas esperam o que esperam, qualquer argumento é completamente sem valor que apela a elas como causae efficientes. Tais apelos entram na classe de pseudo-explicações já entreteram Molière.”[7] “Se interrompermos a prática de tratar expectativas como se fossem dados definitivos, e tratar-las como são — variáveis cuja nossa tarefa é explicar —, relacionando-as apropriadamente com as situações de negócios que as originaram, teremos êxito em restringir as expectativas àqueles que realmente observamos e não apenas reduzir suas influências às suas devidas proporções mas também entender como o curso dos eventos as moldam e em determinados momentos conduzem-nas a funcionar em direção ao equilíbrio.”[8]

Infelizmente, por mais que concordemos com o ponto de vista desses autores, não é fácil levar a cabo suas propostas que não são de forma alguma inequívocas. A fim de vincular expectativas “com as situações de negócios que as originaram” nós devemos antes definir uma “situação de negócio”. Se definirmos isso em termos objetivos (como uma combinação de preços pagos, quantidades produzidas e vendidas, etc.) nós rapidamente descobrimos que a relação entre situações de negócios e expectativas não é exclusivamente determinada, já que a mesma “situação de negócio” pode originar vários tipos de expectativas. Um aumento no preço, por exemplo, pode acarretar expectativas tanto de uma futura queda se as pessoas no mercado têm algum tipo de “nível normal” em mente, quanto de um futuro aumento, se forças inflacionárias estão sob suspeita de funcionamento. Se, por outro lado, nós definimos “situação de negócio” em termos subjetivos, a saber, como uma interpretação que as pessoas dão a fatos objetivos, existirão tantas “situações de négocio” quanto existem diferentes interpretações dos mesmos fatos, e elas irão coexistir lado a lado.

A ausência de uma relação uniforme entre um conjunto de eventos observáveis que poderiam ser descritos como uma situação por um lado, e expectativas por outro lado, é portanto visto como o ponto mais importante de todo o problema. Expectativas, em verdade, são grandemente responsáveis por eventos experienciados no passado, mas o modus operandi da resposta não é o mesma em todos os casos ainda que seja a mesma experiência. Essa experiência, antes de ser transformada em expectativas, tem, por assim dizer, que passar por um “filtro” na mente humana, e o caráter indefinível desse processo faz o resultado ser imprevisível. Nós provisoriamente concluimos que as expectativas são o resultado de uma variedade de fatores dos quais apenas alguns são eventos observáveis, e dos quais apenas alguns são de natureza econômica. Daí se segue que eles têm de ser considerados como economicamente indeterminados e não podem ser tratados como “variáveis cuja nossa tarefa é explicar”.

Sob essas circunstâncias, o que os economistas podem fazer além de construir vários tipos hipotéticos de expectativas concebidas como respostas a várias situações hipotéticas, e então deixar o processo de seleção para a verificação empírica à luz da história econômica? Numerosos “tipos ideais” de expectativas quaisquer, como as expectativas de “longo prazo” e as expectativas de “curto prazo” de Lorde Keynes, ou de portadores de expectativas, como o “produtor estático” e o “empreendedor dinâmico” do Professor Schumpeter ou os negociantes “sensíveis” e “insensíveis” do Professor Hicks, já foram envolvidos e serviram para elucidar importantes problemas dinâmicos. Esse é o mais promissor campo de pesquisa e muito progresso pode ser alcançado ao longo dessa linha. Nos parece, entretanto, que é possível levar a teoria geral das expectativas a um estágio mais avançado, e à demonstração dessa possibilidade que o presente artigo é dedicado.

O próximo passo no estudo das expectativas, para ser claro, tem que consistir em envolver “tipos ideais” hipotéticos e testá-los à luz da história econômica. Mas nunca é demais enfatizar que se esses esforços forem confinados ao estudo das relações entre fatos objetivos e expectativas eles seriam bastante inúteis. O Mundo Social consiste não de fatos mas de nossa interpretação dos fatos. Nada será conquistado na rota de um estudo indutivo de expectativas até que as respostas expectacionais das pessoas aos fatos de uma situação se tornem inteligíveis para nós, até que sejamos capazes de entender por que os indivíduos agentes e expectantes interpretaram um conjunto de fatos da maneira que eles realmente interpretaram. A partir desse ponto de vista nós não precisamos lamentar indevidamente a indeterminidade das expectativas, pois é a inteligibilidade e não determinidade que a ciência social deve se esforçar para conquistar.

Nós agora chegamos a um ponto em que deve ser evidente que estamos encarando aqui um problema fundamental na metodologia da economia, e da ciência social em geral. A complexidade de nosso problema é derivada da inadequação dos métodos tradicionais de análise em um caso de indeterminidade. Antes que possamos levar nosso estudo de expectativas adiante, teremos que reconsiderar alguns dos primeiros princípios da análise econômica.

2.

Toda ação humana é direcionada à propósitos. Então, como o Professor Kinght tem repetidamente nos lembrado nos anos recentes, toda atividade humana é solucionadora de problemas. O homem, antes de estabelecer o seu curso de ação, precisa fazer um plano incorporando os meios a sua disposição e os obstáculos prováveis de serem encontrados, de outra forma sua ação não é uma conduta (racional) mas mero comportamento (não-racional).  Antes de iniciar sua empreitada ele tenta esquematizar o caminho que leva a conquista de seu propósito na topografia de sua mente. Se dizemos que desejamos “explicar” uma ação, o que queremos dizer não é simplesmente que desejamos saber seu propósito, mas também que desejamos ver o plano por trás da ação. O plano, um produto da mente, é tanto o denominador comum de toda ação humana quanto seu padrão mental, e é reduzindo “ação” a “plano” que “entendemos” as ações de indivíduos. Plano é o tertium comparationis entre nossa mente e a mente da pessoa que age.

Na ação econômica o problema a ser resolvido é desenvolver um plano para a alocação de recursos escassos para desejos alternativos de maneira tal que maximize a satisfação. A teoria do equilíbrio, que estuda o problema e suas implicações, nos ensina que, ao menos para cada indivíduo, o problema tem uma determinada solução. E uma vez que os elementos do plano são quantificáveis, se não mensuráveis, o problema e sua solução podem ser ilustrados more mathematico. No entanto, que um problema tenha uma determinada solução não implica que aqueles tentando sua solução realmente terão sucesso, de outra forma não existiria falhas nas avaliações ou nos negócios. Um plano pode falhar, é claro, por praticamente qualquer número de razões. Por exemplo, pode ter sido falho desde o começo por causa da falta de consistência entre os vários elementos; ou, enquanto era perfeitamente consistente, obstáculos inesperados podem ter sido encontrados no curso de sua execução os quais falhou em levar em conta; ou o planejador pode ter sido infeliz na avaliação da extensão e eficiência dos recursos em sua disposição. Será notado que na segunda e terceira instâncias, mas não em primeira, fracassar é devido a expectativas erradas. Expectativas portanto assumem um espaço proeminente na teoria da ação econômica; mas até agora tal teoria não existe.

Deve-se admitir  que até agora o escopo da teoria econômica tem sido indevidamente restrito às características formais dos problemas econômicos e suas implicações. A economia do equilíbrio (que o Professor Hayek nomeou de “A Lógica Pura da Escolha” estuda implicações completas de um conjunto de dados, as “condições de equilíbrio”; ela não estuda as formas nas quais essas implicações lógicas são traduzidas em ações humanas, que é, portanto, concebida como uma resposta quase-automática a um “estímulo” externo. Mas na teoria da ação econômica nenhuma preconcepção mecanicista é admissível, um ponto em que a introdução de expectativas exibe com toda clareza necessária. Infelizmente, a Lógica Pura da Escolha preencheu as mentes dos economistas a tal ponto que o estudo de meios e formas reais pelas quais os homens tentam realizar seus objetivos vem a ser tristemente negligenciado.[9]Economistas, não naturalmente, preferem fazer seu trabalho de campo num prazeroso vale verde onde registro populacional é completo e todo mundo sabe viver tanto no lado direito quanto esquerdo de uma equação. Apenas em raras ocasiões – e quase nunca por vontade própria – eles embarcam em excursões para as terras altas e grosseiras do Mundo da Mudança para mapear o país e registrar os costumes de seus habitantes selvagens; de onde eles retornam com contos sinistros de horror e frustração. Vestígios de tal conto podem ser encontrados na tocante saga sueca da parceria infeliz do Ex Ante (o plano) e o Ex Post (o resultado da ação).

Não é necessário dizer que, se nossa atenção é então confinada às características formais do problema econômico, se nossa abordagem permanece “funcional” em vez de “causal-genética”, iremos não apenas ser incapazes de encontrar explicações para o fracasso em resolver o problema, como também não estaremos de forma alguma equipados para lidar com exemplos característicos de fracasso, como crises e malinvestimentos; daí, a peculiar inefetividade da teoria de equilíbrio frente a problemas dos ciclos econômicos. Sempre que confrontados com tais problemas, nós iremos quase inevitavelmente ser enviesados em favor de uma explicação que funciona em termos da inconsistência inicial de, ao menos alguns, planos, pois consistência é precisamente uma daquelas características formais que somos melhor treinados para investigar. Um típico exemplo disso é a explicação de flutuações industriais que está atualmente em voga. Tais flutuações são consideradas por si só como variações no grau de utilização dos recursos da Sociedade, e a subutilização é explicada pelas inconstistencia entre os planos dos planejadores de investimentos e de poupadores-consumidores. Nós não podemos, portanto, ficar surpresos em aprender que tais teorias não tem real explicação para malivestimentos e perdas de capital em industriais de bens de investimento, e que uma de suas favoritas suposições é que todos tais bens (estanho, cobre!) são feitos “sob encomenda!”.

À luz dessas considerações agora seremos capazes de vislumbrar a indeterminidade das expectativas em sua perspectiva apropriadas. Em um mundo de previsão imperfeita no qual nenhum plano pode abarcar todas as contingências, toda atividade humana está fadada a ser indeterminada; a esse respeito, expectativas estão simplesmente no mesmo nível de todo o resto. O que pode (e no caso da atividade econômica ocorre de) ser determinado é o problema o qual essa atividade busca solucionar, mas não se segue que será bem sucedida; existe, afinal, uma diferença entre um problema a ser lidado e um problema solucionado. A determinidade, nós percebemos, é uma possível propriedade dos problemas; não é uma propriedade possível da ação humana.

O leitor não irá, esperamos, inferir de tudo isso que a Lógica Pura da Escolha com suas equações e curvas de indiferença seja completamente inútil. Ao contrário, ela serve a um propósito mais útil ao fazer a atividade econômica inteligível para nossa mente solucionadora de problemas. Pois é apenas reduzindo o aparentemente caótico Mundo da Ação para um padrão mental de relativa simplicidade que nossa mente solucionadora de problemas pode compreendê-lo. Tudo que nós temos que lembrar é que descrever uma ação em termos de um problema não é, claro, dizer que será bem sucedido em resolvê-lo.

Após essa longa digressão nós podemos agora retornar ao nosso estudo das expectativas. É evidente que se tão frequentemente fracassamos em resolver nossos problemas, em um mundo de previsão imperfeita a principal razão tem de ser procurada em nosso ser equivocado por expectativas erradas. Mais particularmente isso ocorrerá no campo econômico, no qual o interesse teórico nas expectativas surgiu, não por acidente, do estudo das crises e depressões, os exemplos clássicos de fracasso em solucionar o problema da alocação ótima de recursos. Que as expectativas são relevantes ao fracasso está suficientemente claro, mas qual, precisamente, é o caráter de suas relações?

Nós vimos que não precisamos lamentar a indeterminidade das expectativas devido a essa qualidade que elas compartilham com todas as outras formas de atividade humana. Mas nós dissemos que é tarefa da ciência social torná-las inteligíveis. Tornar uma ação inteligível significa mostrar não apenas seu propósito, mas também o esquema geral do planejamento por trás dela. O que, então, são expectativas? Nós vimos que toda conduta humana (como distinta de mero comportamento) pressupõe um plano. Agora temos que notar que, como um pré requisito para fazer um plano, temos que esboçar uma imagem mental da situação na qual vamos agir, e que a formação de expectativas é incidental ao esboço dessa imagem. Tal imagem da situação será esboçada diferentemente por diferentes indivíduos confrontados com os mesmos eventos observáveis de acordo com diferenças físicas tais como temperamento, mas o grau de variação entre elas não depende inteiramente de fatores físicos. Em um mundo estacionário em que os mesmos eventos observáveis continuamente recorrem esse grau de variação seria pequeno, embora graças aos fatores físicos, provavelmente nunca chegaria a zero. Mas em um Mundo em Movimento seria grande, principalmente entre outras razões porque aqui cada vista de uma situação necessariamente implica num julgamento sobre o caráter das forças produzindo e governado o movimento. Dois fazendeiros confrontados com o mesmo evento observável, um aumemento no preço de maças, ainda terão diferentes panoramas da situação e reagirão diferentemente se um interpreta isso como um sintoma de inflação e o outro como indicando mudança na demanda sob influência do vegatarianismo.

A conclusão de tudo isso é, claro, a familiar proposição de que eventos observáveis como esses não tem significância exceto com a referência de uma estrutura de interpretação que é logicamente anterior a eles. Disso se segue duas conclusões, uma estritamente acerca das expectativas, e uma mais abrangente referente à formulação do problema econômico em um Mundo dinâmico.

Quanto à primeira, nosso argumento parece derramar alguma luz sobre a natureza do “filtro” que, como aprendemos, forma o elo entre eventos observáveis e expectativas. Nós agora sabemos que, enquanto permanecer verdadeiro que nossas expectativas quanto ao futuro são uma resposta a nossa experência do passado, o modo de nossa resposta é grandemente governado por nossa interpretação dessa experiência. Em um Mundo de Mudança essa interpretação está fadada a refletir fortemente o que nós acreditamos ser as principais forças operando neste Mundo, causando e governando a mudança. Nós agora percebemos que definitivamente é a natureza subjetiva dessas crenças que dão indeterminidade às expectativas, já que é sua natureza mental que as torna capazes de explicação.

Nossa segunda conclusão aponta para a desejabilidade de uma revisão dinâmica da formulação do problema econômico. O problema é geralmente afirmado em termos de “recursos” (objetivos) e “desejos” (subjetivos). Em um Mundo estacionário esses termos podem ter um significado não ambíguo, mas em um Mundo dinâmico o que é um recurso depende da expectativa, assim como o que constitui um desejo que vale a pena satisfazer. Em uma formulação propriamente dinâmica do prolema econômico todos os elementos tem que ser subjetivos, mas existem duas camadas de subjetivismo, enraizado em diferentes esferas da mente, que não devem ser confundidos, a saber, o subjetivismo do desejo e o subjetivismo da interpretação.

3.

Nós chegamos a um ponto em que podemos parar e procurar ao redor por uma oportunidade de testar a eficácia de nossas ferramentas analíticas recém-criadas. Definitivamente, claro, o único teste satisfatório de qualquer construção teorética é a luz que ela despeja sobre algum segmento da realidade, tornando o que outrora era um conjunto incompreensível de fatos inteligível para nós. Tal teste será aplicado na seção conclusiva, mas antes disso iremos embarcar em outro de natureza um tanto diferente. À luz do conhecimento até então adquidiro examinaremos o conceito de “elasticidade de expectativas” do Professor Hicks. Considerando o lugar proeminente que essa noção veio a ocupar no aparato analítico da teoria econômica mais recente, ela deve nos fornecer um adequado ponto de partida a partir do qual medir qualquer progresso adicional que pode possivelmente ser feito pelo auxílio de outros dispositivos. O propósito de nosso teste é ver se a lâmpada que contruimos é capaz de lançar luz nos cantos do problema das expectativas cujo aparato de luz até agora em uso tem deixado escuros.

Ao lidar com expectativas, o Professor Hicks sabiamente evita buscar determinidade. Ele distingue entre a influência dos preços atuais sobre expectativas e, por outro lado, todas as outras influências cujos efeitos são rotulados como “mudanças autônomas”. Desconsiderando o último, ele se concentra no primeiro tipo de influência. Mas vendo que “aquela influência pode ter vários graus de intensidade, e funcionar de vários modos diferentes”[10]nós percebemos que precisamos de um critério de classificação, e é para esse papel que a “elasticidade de expectativas” é invocada.[11]Seu grande mérito é que tornando desnecessário postular uma relação uniforme permanente entre as mudanças nos preços atuais e expectativas nos permite lidar com formas variáveis dessa relação. Sua falha, acreditamos, é que, sendo uma medida, ela não pode nos dizer por que essa relação deveria assumir essas formas variáveis mais do que o termômetro mais elaborado pode nos dizer sobre as causas da febre que acomete o paciente. No entanto, na maior parte de seus estudos de equilíbrio dinâmico, o Professor Hicks se contenta em fazer menos que o completo uso das potencialidades de sua arma e assumir a elasticidade como sendo unidade; ele de fato está assumindo uma relação uniforme, e na medida em que faz isso, esse defeito mencionado não causa muito dano. Mas tão logo ele, nessa discussão de rigidez salarial, abandona sua suposição restritiva e permite variações nessa relação, ele aparentemente se torna consciente do defeito e se sente compelido a dar algum tipo de explicação causal das formas que essas variações podem assumir. Infelizmente, entretanto, o estudo dessas variações é imediatamente restrito àquelas existentes simultaneamente entre diferentes grupos de pessoas, após o qual não é surpreendente que a explicação causal ocorre em termos de um estígma espúrio de “grupo psicológico”. É procurada na maior ou menor “sensibilidade” com a qual diferentes pessoas reagem a mudanças presentes idênticas.[12]

Não é fácil anexar nenhum significado preciso a esses termos. O Professor Hicks realmente sustenta que o mesmo indivíduo confrontado com o mesmo tipo de mudança invariavelmente irá reagir de maneira idêntica – e incidentalmente, previsível­? Apenas tal invariabilidade de reação nos daria direito de usar intensidade de reação como um critério de classificação. Se, em contrapartida, nós permitimos mudanças ao longo do tempo na “sensibilidade” dos indivíduos, e então mudanças na composição dos dois grupos, não seria precisamente nossa tarefa explicar essas mudanças? Uma vez que pode haver pouca dúvida que de fato as reações expectacionais dos homens são sujeitas a amplas flutuações, nós temos que achar um princípio que nos informe de acordo com o que essas reações variam. Pode haver numerosas razões, mas pareceria que elas podem todas ser reduzidas ao simples fato que as reações dos homens a eventos observáveis idênticos irão variar se por qualquer razão essas venham a ter um significado diferente para eles. A conclusão sugere por si mesma que se uma determinada mudança de preço­ – ou, para essa questão, qualquer outro evento observável – irá, em diferentes momentos, originar idênticas expectativas dependerá grandemente da forma na qual as pessoas a interpretam. Interpretar um evento significa adequar em uma imagem de uma “situação”, um conceito de uma estrutura que serve como estrutura de referência. Segue-se que a “elasticidade de expectativas”, se não nos leva a ter que aceitar absurdidades como “sensibilidade” invariável, por si só exige interpretação à luz de nosso argumento.

4.

Por agora o leitor irá provavelmente ter ficado impaciente para ver nossa teoria econômica da ação em funcionamento. Nós dissemos acima que definitivamente o único teste satisfatório de uma construção teórica é sua capacidade de lançar luz no que de outra forma permaneceria nos cantos escuros da realidade. Nós agora propomos testar o método que defendemos ao mostrar sua utilidade em elucidar um problema que se agigantou nas recentes controvérsias sobre a taxa de juros; nós iremos então nos preocupar com expectativas de juros, não com expectativas de preços. Mas antes de testá-lo vamos brevemente resumir a posição que defendemos.

Toda ação humana é direcionada a propósitos e, portanto, exige um plano. Planos não são feitos in vacuo e o planejador tem, dessa forma, que esquematizar uma imagem mental da situação na qual ele tem que agir, da constelação de circunstâncias que ele não pode, ou ao menos pensa não poder, mudar e que para ele são “dados”. Nós afirmamos que a formação de expectativas é incidental a essa atividade da mente, da qual deriva seu significado, e nós, portanto, concluimos que expectativas tem que ser interpretadas com referência à situação como um todo como o indivíduo expectante a enxerga.

O problema que discutiremos se refere à influência de expectativas sobre a taxa de juros. Não é nossa intenção tomar parte em nenhuma das numerosas e desafiadoras controvérsias que até recentemente têm se espalhado sobre teoria de juros. Ao contrário, nós tomamos como nosso ponto de partida uma proposição que acreditamos ser completamente além da controvérsia: que expectativas de juros são um dos fatores influenciando a taxa de juros. Talvez não seja proveitoso inserir aqui um breve esboço da evolução dessa ideia no pensamento econômico moderno. Ela foi introduzida por Lord Keynes que a usou como um pilar principal para dar forma e concretude a sua curva de preferencia de liquidez, a inclinação negativa da qual não poderia de outra maneira ser convincentemente demonstrada.[13] Mais tarde foi elucidado pelo Sr. Durbin, que apontou que “grandes estoques de títulos, assim como grandes estoques de mercadorias, constituem uma contínua e perigosa ameaça ao equilíbrio monetário, e a existencia de estoques de títulos é inevitável de uma maneira que estoques de mercadorias não são”,[14] pois maiores estoques são relativos a atual produção quanto maior o escopo por flutuações de preços especulativos e menor a influência da oferta de longo prazo sobre o preço de mercado. O Sr. Harrod esboçou a importante conclusão prática que em um mercado de capital que tem uma expectativa muito definida sobre a taxa de juros futura “parece ser improvável que aquela política bancária, embora inspirada e bem informada, poderia assegurar uma flutuação suficiente em taxas de juro de longo prazo para garantir um avanço estável”,[15] em taxas mais baixas do que o esperado a oferta de títulos se torna quase infinitamente elástica. Professor Hicks “não acredita que nós podemos contar com nada mais que uma pequena elasticidade de expectativas de juros.”[16] “Quando a taxa de juros (qualquer taxa de juros) aumenta ou cai demais, há uma pesunção real que voltará a um nível ‘normal’. Essa consideração pareceria impedir as expectativas de juros de serem muito elásticas.”[17] Mas na medida em que as expectativas são inelásticas outras influências sobre a taxa atual ficarão correspondentemente mais fracas. No Dr. Thomas Wilson, seu último expoente, a ideia de que a taxa de juros de longo prazo é grandemente fixada pela “especulação” no mercado de capital tem quase assumido o caráter de um importante princípio econômico e tem sido a pedra angular da teoria dos ciclos econômicos.[18]

Nós não questionamos a ocorrência de expectativas de juros inelásticas, mas é um corolário de nosso argumento que temos que insistir em uma explicação de tais ocorrências. Já é um tanto surpeendente que enquanto o que no linguajar comum é descrito como “mercados especulativos” são majoritariamente caracterizados por flutuações de preço largas e frequentes, “especulação” aqui é considerada como responsável pela inflexibilidade dos preços. Mas até aqui isso simplesmente vai mostrar que “especulação” pode ser um termo impróprio para o fenômeno sob discussão. Mais significante é que, quase sob nossas mãos, a proposição que expectativas são um dos fatores que infulenciam a taxa de juros tem mudado para a proposição que se expectativas são inelásticas nenhum dos outros fatores terão uma chance de influenciar o resultado, porque com uma oferta altamente elástica de títulos os outros fatores podem influenciar o volume de vendas, mas não podem afetar o preço. Isso já sugere que a menos que a taxa de juros seja “deixada para se sustentar por si mesma” os outros fatores devem de alguma forma já serem levados em conta pelas expectativas. Além do mais, se a questão das expectativas de juros inelásticas tem tamanhas consequências de longo alcance é claramente nossa tarefa investigar o que causa tamanhas expectativas.

Uma pequena reflexão mostrará que se em um mercado um forte aumento na demanda não leva a qualquer aumento apreciável no preço, não apenas a oferta deve ser extremamente elástica, mas onde grandes estoques são a causa dessa elasticidade, detentores de estoques devem ter uma razão para vender. Eles claramente o farão apenas se tiverem razões para acreditar que a forte demanda presente não é apenas de natureza excepcional, mas de uma natureza transitória, e que por essa mesma razão o preço não irá ser afetado no longo prazo por isso. Se aplicarmos esse raciocínio ao mercado de capital descobrimos que as expectativas de juros são muito prováveis de serem inelásticos em uma situação na qual o mercado de capital, digamos, a maioria dos detentores de títulos, não acreditam na permanência das forças que exercem pressão sobre o mercado e esperam mais para serem capazes de “re-estocar” mais barato. Segue-se que se nós encontramos um caso no qual poupanças aumentadas não causam qualquer queda apreciável na taxa de juros isso indica que o mercado de capital tem sua suspeita – que pode vir a ser completamente injustificada – sobre o permanente caráter de seu súbito aumento na demanda por títulos. Nós somos agora capazes de entender o significado do “nível normal” nas mentes de pessoas cujas expectativas são inelásticas: esse é um nível determinado pelo que se acredita ser forças permanentemente operantes. Um mercado exibirá expectativas inelásticas apenas se se crê que o preço é definitivamente governado por forças de longo prazo, e se há uma justa concepção definitiva do que essas forças são. Um mercado de capital com expectativas de juros inelásticas é então um mercado que se recusa a ser impressionado pela demanda do dia atual por títulos os quais se acreditam ter vida curta. Se, portanto, em uma depressão nós encontramos a taxa de juros de longo prazo permanecendo relativamente inflexivel isso indica que, certa ou erradamente, o mercado de capital acredita na existência continuada das oportunidades de investimento retornando um lucro marginal no nível anterior, oportunidades de investimento que a depressão pode ter obscurecido, porém não obliterado. Pela mesma razão, em tal caso, como o Sr. Harrod previu, uma tentativa de por o mercado de títulos sob pressão por meio de operações de mercado aberto provavelmente se provará um fracasso.

Finalmente, sempre temos que lembrar que sempre que observamos grandes transações aparecendo com pouca mudança nos preços isso indica um caso de expectativas conflitantes. Dificilmente é necessário lembrar o leitor que estamos aqui interessados apenas com a explicação de certas classes de expectativas, não em julga-las à luz de conhecimento ex post o qual as expectativas individuais não possuem. De fato, é bastante óbvio que numa economia dinâmica com rápido progresso técnico e amplas e frequentes flutuações de renda, todas as expectativas baseadas na prevalência de tendencias de longo prazo devem se de um caráter um tanto problemático, mas para nosso presente problema isso é estritamente irrelevante.

Se expectativas inelásticas são realmente tão frequentes e importantes como alguns escritores teriam nos feito crêr, um problema interessante surge a respeito da interpretação da teoria wickseliana, mais particularmente em sua versão austríaca. De acordo com essa doutrina booms e crises são engendradas por bancos diminuindo a “taxa de juros do dinheiro” abaixo de seu “nível natural”, ou a aumentando acima disso. Qualquer que seja o significado preciso desses termos, nós agora sabemos que se bancos são bem sucedidos em alterar a taxa de juros de longo prazo, as expectativas tem de ser muito elásticas. Visto desse ângulo, a teoria wickseliana parece baseada numa forte suposição especial, a saber, de um mercado de capital sem uma atenção muito forte de si mesmo, sempre pronto para seguir um caminho no calor do momento, e facilmente levado a confundir um fenômeno efêmero por um sintoma de uma mudança na estrutura econômica. Sem expectativas razoavelmente elásticas não pode haver, portanto, crises no tipo austro-wickseliano. Mas novamente, antes de podermos aceitar essa teoria nós temos o direito de escutar uma explicação do por que expectativas elásticas deveriam ser dominantes. Um mercado de capital tão ingênuo, deveriamos esperar encontrar em uma economia cuja estrutura é altamente fluida e em que as forças de longo prazo ainda não tiveram tempo de tomar forma. Nós sugerimos de maneira não definitiva que tal estado de expectativas pode ser típica de uma economia nos estágios iniciais da industrialização, ou de uma economia passando por uma “rejuvenescimento” devido ao rápido progresso técnico.

Na realidade, é claro, expectativas de grande variedade de graus de elasticidade se juntam. Pode ser possível reconciliar teorias aprentemente irreconciliáveis ao reduzir suas diferenças a diferentes suposições sobre o tipo prevalescente de expectativas. Mas a história não termina aqui. Em um Mundo de Mudança nenhum tipo de expectativa pode ser dependente para fornecer estabilidade. Nem um mercado de capital ingênuo nem um obstinado, nem, podemos acrescentar, qualquer variedade intermediária é em si mesma um baluarte contra crises de todos os tipos. Cada um nos fornece proteção contra alguma aflição enquanto nos deixa desprotegido contra outras. Investigar em quais condições quais tipos de expectativas é mais provável de ter uma influência estabilizante ou desestabilizante é sem dúvida uma das proximas tarefas da teoria dinâmica. Nós propomos que não pode ser abordado de forma bem sucedida a menos que expectativas sejam feitas o objeto de explicação causal.


[1] Reimpresso de Economica 10 (fevereiro de 1943).

[2] Ao menos para o “estado de expectativas de longo prazo”, General Theory of Employment, Interest, and Money (Nova York: Harcourt, Brace & World, 1936), pp. 147-49.                

[3] “VoIlkommene Voraussicht und wirtschaftliches Gleichgewicht”, Zeitschriftfur Nationalokonomie 6 (Setembro de 1935): 337-57.

[4] Monetary Equilibrium (Londres: W. Hodge & Company, 1939).

[5] “The Coordination of the General Theories of Money and Price,” Economica 3 (Agosto de 1936): 257-80.

[6] Erik Lundberg, Studies in the Theory of Economic Expansion (Estocolmo e Londres: P. S. King & Son, 1937), p. 175.

[7] J. A. Schumpeter, Business Cycles, 2 vols. (Nova York: McGrawHill, 1939), 1: 140.

[8] Ibid., p. 55

[9] Felizmente não sem exceção. Enquanto, por exemplo, a teoria do equilíbrio toma a forma das funções produção como garantidas. A teoria de Inovação do Professor Schumpeter, que é realmente uma teoria de ação empreendedorial, explica como no curso de um desenvolvimento econômico uma função produção vem a suplantar outra.

[10] J. R. Hicks, Value and Capital (Oxford: Clarendon Press, 1959), p.205.

[11] “Eu defino a elasticidade da expectativa de uma determinada pessoa sobre o preço da mercadoria X como a razão do aumento proporcional em preços futuros esperados de X ao aumento proporcional em seu preço atual.” Ibid., p 205.

[12] “As expectativas de algumas pessoas parecem realmente ser de fato bastante estáveis; elas não perdem a convicção na manutenção de um nível estável de preços com a qual estão interessadas; de forma que, quando esses preços variam, sua interpretação natural da situação é que o preço atual se tornou anormalmente baixo, ou anormalmente alto. Mas existem outras pessoas cujas expectativas são muito mais sensíveis, que facilmente se convencem de que qualquer mudança nos preços que eles experienciaram é uma mudança permanente, ou até mesmo que os preços irão continuar mudando na mesma direção.” Ibid., p. 271.

[13] General Theory, pp. 168-72.

[14] E. F. M. Durbin, The Problem of Credit Policy (Londres: Chapman & Hall, 1935), p. 103.

[15] R. F. Harrod, The Trade Cycle (Oxford: Clarendon Press, 1936), pp. 124-25.

[16] J. R. Hicks, op cit., p. 282.

[17] Ibid., p. 282.

[18] Th. Wilson, Fluctuations in Income and Employment (Londres: I. Pitman, 1948), Cap. II, pp. 16-26.

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