O Que é Para ser Feito?

Tempo de Leitura: 20 minutos

por Murray Rothbard*

ESTRITAMENTE CONFIDENCIAL

É a tese deste memorando que o problema de tática e de estratégia para o avanço da causa libertária-individualista está em uma encruzilhada crítica, uma encruzilhada no desenvolvimento histórico dessa corrente de pensamento, transcendendo até mesmo os problemas importantes de estabelecer um possível instituto libertário ou de decidir como canalizar fundos educacionais de vários becos sem saída em que eles caíram. Muitos de nós dedicamos uma grande parcela de tempo para avançar e desenvolver o próprio pensamento libertário e individualista, para torná-lo consistente, aprofundar e redescobrir suas implicações, etc. Mas nenhum de nós dedicou tempo para pensar sobre uma teoria de estratégia e de tática para avançar a causa dessa doutrina. E é, portanto, para esse fim que este artigo é modestamente oferecido. Precisamos, mais do que qualquer outra coisa, de um diálogo frutífero e de pesquisas sobre todo esse problema. Isso não quer dizer, é claro, que o próprio desenvolvimento do pensamento libertário deva ser negligenciado.

Rumo a uma teoria da Estratégia Revolucionária

Estou aqui usando o termo chocante “revolução” não no sentido de revolução violenta, ou até mesmo não violenta contra o Estado. Eu significo de “revolução” o efetuar de uma revolução ideológica na estrutura de ideias mantidas pela maior parte de nossos companheiros. Somos, nesse sentido, revolucionários — pois estamos oferecendo ao público uma mudança radical em suas visões doutrinárias e a estamos oferecendo a partir de uma base de princípios firmes e consistentes que estamos tentando difundir entre o público. (Em grande parte, este sistema abrangente é “libertário”, i.e., o sistema libertário puro ou, como um passo para isso, o sistema laissez-faire. Mas também abrange outros aspectos do pensamento “individualista”. Um exemplo é o bom trabalho que Volker e seu Conselho de Educação Básica têm feito contra a educação progressista. Enquanto apenas como libertários, não temos nenhuma contenda com a educação progressista, oferecida de forma privada. Mas, como individualistas e racionalistas, como pessoas que desejam ver a excelência intelectual individual e os princípios morais promovidos na sociedade, favorecemos a educação intelectual, em oposição à educação “progressista”.)

Aqui nós estamos, então, um “núcleo rígido” de “revolucionários” libertários-individualistas, ansiosos não apenas para desenvolver nosso próprio entendimento desse maravilhoso sistema de pensamento, mas também ansiosos para espalhar seus princípios — e suas diretivas — para o resto da sociedade. Como vamos fazer isso?

Acho que aqui podemos aprender uma grande parte com Lenin e com os leninistas — não tanto, é claro, porque os objetivos leninistas são o oposto dos nossos — mas particularmente a ideia de que o Partido leninista é o principal, ou mesmo o único, princípio moral. Não estamos interessados ​​em tomar o poder e em governar o Estado e, por isso, proclamamos, não apenas aderimos, tais valores como a verdade, a felicidade individual, etc., que os leninistas subordinam à vitória do seu partido.

Mas, de um aspecto da teoria de Lenin da estratégia, podemos aprender muito: o estabelecimento do que “revolucionários” podem fazer para promover seus princípios, em oposição aos contrastantes “desvios da linha correta”, que os leninistas chamaram de “sectarismo de esquerda” e de “oportunismo de direita”. (No nosso caso, a terminologia seria invertida, talvez para: “oportunismo de esquerda” e “sectarismo de direita”.)

Os estrategistas sectários (e.g., as seitas trotskistas correntes) são aqueles que distribuem panfletos nas esquinas, declaram sua completa posição ideológica em todos os momentos e consideram qualquer colaboração em medidas intermediárias como “oportunistas”, “vendedoras da causa”[1], etc. Eles são, sem dúvida, nobres, mas quase sempre ineficazes.

O “desvio” oposto é o “oportunismo”: a disposição de colaborar com quaisquer meias medidas ou organizações e, com efeito, abandonar os verdadeiros princípios em nome do avanço gradualista, “realismo”, “vida prática”, etc. Esses são os verdadeiros vendedores da revolução e eles, quase sempre, na experiência leninista histórica, acabam por se tornar “reformistas” e por abandonar — de fato e mais tarde até de jure — seus princípios revolucionários. Essas pessoas são ignóbeis e, se são eficazes, não são eficazes na direção revolucionária adequada.

Na “direita”, tivemos muita experiência com os oportunistas. Se fôssemos obrigados a escolher, certamente o respeito próprio exigiria o curso “sectário”; o “oportunista” é, por sua natureza, “liquidacionista” de verdadeiros princípios. Mas acredito que haja um terceiro curso, “centrista” — certamente difícil de encontrar na prática, mas cujos contornos gerais podem ser esboçados e, então, talvez usados ​​como um guia para nossas atividades futuras. Esse “caminho do meio” (Ugh! Como odeio esse conceito!) pode, por conveniência, ser apelidado de “centrista” ou “leninista” e funciona, creio eu, mais ou menos como segue:

Nosso objetivo é, obviamente, fazer avançar nossos princípios — espalhar o pensamento libertário-individualista (a partir de agora, a ser chamado de “libertário” para abreviar) entre o povo e espalhar suas diretivas na arena política. Esse é o nosso objetivo, que precisamos nunca perder de vista. Precisamos, então, sempre mirar rumo ao avanço do pensamento libertário, tanto em seu desenvolvimento criativo quanto em sua disseminação entre os intelectuais e, eventualmente, entre as “massas”. Essa é a essência última de nosso alvo, esse avanço do “núcleo rígido” do pensamento libertário e dos pensadores libertários. O grupo de pensadores totalmente libertários é, em suma, o “núcleo rígido” ou a “cadre”[2] do movimento amplamente libertário ou quase-libertário.

Em segundo lugar, tendo esse objetivo em mente, devemos trabalhar nos “níveis mais baixos” do pensamento e da ação em direção a um avanço “Fabiano” dos objetivos libertários. Dessa forma, o homem hard-core, o libertário “militante”, opera para avançar não apenas o sistema total, mas todos os passos em direção a esse sistema. Dessa forma, alcançamos a “unidade da teoria e da prática”, rejeitamos as armadilhas do oportunismo vil, enquanto fazemos de nós mesmos muito mais eficazes do que nossos irmãos, os sectários.

Vejamos um exemplo hipotético (puramente hipotético). Suponha que um ou dois libertários hard-cores ingressem em alguma Organização para Revogação do Imposto de Renda. Ao trabalhar para a ORIR, o que o libertário hard-core alcança?

(1) No próprio ato de agitar pela revogação do imposto de renda, ele está empurrando as pessoas na direção da revogação e talvez eventualmente trazendo a revogação — o que, por si só, é um objetivo libertário digno, embora limitado. Em suma, ele está promovendo a causa do libertarianismo no próprio ato de promover a causa da revogação do imposto de renda. Assim, tudo o que ele faz para a ORIR, sendo consistente com o objetivo libertário final, ajuda a avançar esse objetivo, e não o trai.

(2) No curso deste trabalho, o libertário hard-core deve tentar avançar o conhecimento tanto das massas quanto de seus companheiros membros da ORIR, em direção aos ideais libertários mais completos. Em suma, “empurrar” seus colegas e outros na direção do próprio pensamento libertário hard-core. (Em termos comunistas-leninistas, isso é chamado de “recrutamento para o Partido” ou de empurrar colegas, pelo menos de alguma forma, ao longo desse caminho.) O homem hard-core está trabalhando por sua ideia em dois níveis: em um frente “popular” ou “unido” para objetivos libertários limitados, e tentando influenciar seus colegas, bem como as massas, na direção do sistema total. (Essa é a essência da muito mal compreendida teoria leninista de “infiltração”.)

O centrista eficaz evita as armadilhas do “oportunismo” ao manter o objetivo firmemente em vista e, particularmente, ao nunca agir ou falar de uma maneira inconsistente com a posição libertária completa. Ser inconsistente, em nome da “praticidade” é trair a própria posição libertária e é digno da máxima condenação. (Eu diria aqui, aliás, que acho que Baldy Harper foi notável em seguir essa “estratégia” de consistência com o libertarianismo em todos os seus escritos.)

Em nome da praticidade, o oportunista não apenas perde qualquer chance de fazer os outros avançarem em direção ao objetivo final, mas ele próprio gradualmente perde de vista esse objetivo — como acontece com qualquer “vendedor” de princípio. Assim sendo, suponha que alguém esteja escrevendo sobre tributação. Não é incumbido ao libertário sempre proclamar sua posição “anarquista” completa em tudo o que escreve; mas é incumbido a ele que de maneira nenhuma elogie os impostos ou que os tolere; ele deve simplesmente deixar esse vácuo talvez gritante e esperar que o leitor ansioso comece a questionar e talvez venha até você para obter mais esclarecimentos. Mas se o libertário disser: “É claro que alguns impostos devem ser arrecadados”, ou algo do tipo, ele traiu a causa.

Exemplos de “liquidacionistas oportunistas” recentemente: o anfitrião dos supostos “anarquistas” que circulavam dizendo a todos os seus amigos que o bom e velho Dick Nixon é “realmente um libertário”; ou, na mesma campanha, a carta revoltante do Prof. William H. Peterson para o New York Times contra Galbraith, na qual ele disse que, é claro, deve haver algum “setor público”, mas que tal deve ser “equilibrado”. (Presumivelmente, o tamanho do setor público sugerido por Galbraith não foi “equilibrado”? E qual é o seu critério para equilíbrio, Sr. Peterson?) (Isso não significa que eu acredito que qualquer suporte ao Nixon ou ao Kennedy foi necessariamente liquidacionista; é sobre a dada razão absurda — “Dick Nixon é realmente um libertário razoável” — que estou falando. Eu penso, no entanto, que a maioria dos libertários por Nixon estavam sendo, na verdade, liquidacionistas em sua atitude.)

Como um exemplo de abordagem sectária, eu citaria a visão estratégica do Sr. Leonard Read, que acredita que tudo que alguém precisa fazer é ficar longe dos detalhes, continuar repetindo continuamente sobre a liberdade ser uma boa coisa, sobre o número de ingredientes que o livre mercado coloca em um lápis e sobre continuar se aperfeiçoando, que o mundo irá fazer um caminho para sua porta. Deixando de lado o problema de especificidades e de generalidades, acredito que essa visão de estratégia — apenas autoaperfeiçoamento, nunca tentando influenciar os outros — é sem sentido, que não levará a lugar nenhum, particularmente que não levará a lugar nenhum na difusão da influência do núcleo rígido. Pois uma das razões por trás da ideia de “infiltração” é a de que provavelmente nunca podemos ter esperança de que todo mundo seja um homem hard-core, assim como nunca podemos ter esperança de que todo mundo seja um intelectual. Uma vez que o núcleo rígido sempre será relativamente pequeno, sua influência precisa ser maximizada dando-lhe “alavancagem” por meio de “frentes unidas” aliadas e menos libertárias, com pensadores e fazedores menos libertários.

Para reafirmar minha visão da estratégia adequada: precisamos, antes de mais nada, nutrir e aumentar o núcleo rígido; precisamos, então, tentar difundir e promover princípios e ações, o tanto quanto for possível, na direção de doutrinas hard-core. Abandonar o núcleo rígido é liquidacionista; abandonar toda a influência hard-core sobre os outros é permanecer estéril e ineficaz. Precisamos combinar os dois elementos; precisamos, em suma, nutrir e desenvolver um núcleo rígido, que então irá permear e exercer influência sobre os outros.

Como deixarei mais claro mais tarde, acredito que a fraqueza notável dos programas de Volker-Earhart nos últimos anos — que têm sido magníficos em seu impacto — e a fraqueza da teoria de “infiltração” do Sr. Kenneth Templeton é que, embora uma ampla base de intelectuais de “direita” tenha sido desenvolvida e nutrida, isso foi feito com a negligência da tarefa vital de edificar o núcleo rígido. Não pode haver “infiltração” ou “permeação” bem-sucedida, a menos que haja um núcleo hard-core florescente que faça a infiltração. Mas, mais sobre isso em breve.

Para responder à pergunta vital, o que é para ser feito? é necessário (1) estabelecer o arcabouço teórico para uma teoria da estratégia libertária; e (2) engajar em uma breve análise histórica dos dados do caso atual — para ver onde estamos e como chegamos a esse ponto. Tendo tratado o primeiro problema, voltemos agora para uma análise histórica do movimento libertário nos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial.

Das profundezas: Segunda Guerra Mundial e Após

Certamente, o período da Segunda Guerra Mundial foi o nadir do pensamento libertário na América. (Uma das razões pelas quais sou pessoalmente otimista sobre o libertarianismo é que me tornei um libertário durante esse período de depressão absoluta.) Qualquer pessoa com inclinações libertárias se sentia completamente isolada e sozinha; ele acreditava que era o único remotamente a ter essas opiniões. Esse período foi preeminentemente o período de isolamento para o libertário. Eu era um dos dois alunos em todo o campus de Columbia “à direita” de Harry Truman, e outros da minha geração sentiam o mesmo. Não havia, em suma, movimento; não havia, em particular, nenhum centro aberto para um libertário ir, para “entrar no movimento”, para encontrar pensadores compatíveis e com mentalidades semelhantes, etc.

(Irei enfatizar, repetidamente por meio deste memorando, a importância de um “centro aberto” para homens hard-core. Pois uma maneira de desenvolver um homem hard-core é gradualmente — através, em meu exemplo hipotético, do trabalho na ORIR e, então, gradualmente sendo movido para uma posição mais “avançada”. Mas outro caminho importante é um centro aberto onde alguém que já é um homem hard-core ou quase hard-core, pode encontrar seu caminho e entrar. Essa é uma das funções de um centro aberto — e uma das razões, novamente, por que o Partido Comunista sempre quer manter um “Partido aberto”, bem como grupos infiltrantes, etc.)

Então, o fato dominante dessa época era o isolamento para o libertário. Aqui e ali, nas catacumbas, desconhecido para nós neófitos em luta, havia pequenos grupos separados de pessoas: em Los Angeles, Leonard Read, Orval Watts e R.C. Hoiles começaram a se mover em direção a uma posição libertária (ou quase-libertária) na Câmara de Comércio de L.A., reimprimindo Bastiat, fundando a Pamphleteers, Inc. Na Cornell Agriculture School, F.A. Harper e vários alunos dele estavam desenvolvendo uma visão libertária. Albert Jay Nock e alguns discípulos georgistas de direita avançaram sua teoria, Nock publicando Memoirs of a Superfluous Man, Frank Chodorov, tendo sido demitido do cargo de diretor da Escola Henry George, estabelecendo sua excelente “pequena revista”, analysis. Nock ganhou um posto de revisor de livros para o Conselho Econômico Nacional e foi sucedido por outra pensadora libertária independente e isolada, Rose Wilder Lane. Garet Garrett, tendo sido deposto na revolução do palácio de esquerda no Saturday Evening Post, estabeleceu um relatório trimestral, American Affairs, no National Industrial Conference Board, sob o olhar benigno do Dr. Virgil Jordan. Isabel Paterson, brilhante e irritadiça, pediu demissão de sua coluna no Herald-Tribune para publicar seu grande trabalho, O Deus da Máquina.

Essas eram, nos anos da Segunda Guerra Mundial, as minúsculas e isoladas correntes que lutavam para serem ouvidas. Essa foi a Fase I do movimento libertário nesta era: “Nas Profundezas.” (Devo acrescentar que Ludwig von Mises, não homenageado e não elogiado, estava ganhando uma ninharia na Escola de Negócios da NYU.) Havia, é claro, publicações mais antigas de influência de massa com visões geralmente “de direita” (muito mais do que hoje): Hearst Press, NAM, etc., mas esses dificilmente poderiam funcionar como líderes de pensamento ou como bases para o crescimento de um movimento. E eles dificilmente eram libertários.

Fase II: A Fundação da FEE

Com a formação da Foundation for Economic Education (Fundação para a Educação Econômica) em 1946, o movimento libertário virou uma esquina e começou sua renascença do pós-guerra. A FEE pode ser atacada em muitos, muitos aspectos — e eu fiz minha parte — mas uma conquista da qual pode se orgulhar: reuniu as muitas vertentes isoladas e soltas dos libertários e criou aquele centro aberto crucial para um movimento libertário. Não apenas disseminou a literatura libertária; forneceu uma porta de entrada, um lugar acolhedor, para todos os libertários até então isolados e neófitos. Ela lançou o movimento.

Esse grande feito da FEE em lançar o movimento libertário é um testemunho da enorme necessidade de um “centro aberto” funcional para os libertários. Pois não só esse centro aberto fornecia um canal e uma porta de entrada para as pessoas entrarem nas fileiras libertárias; sua agitação não apenas converteu alguns e encontrou outros; ela também, ao fornecer uma atmosfera e um “centro” para estudantes de liberdade com ideias semelhantes, forneceu a fagulha atmosférica para o rápido avanço do antigo laissez-faire para 100% de liberdade por parte de muitos de seus funcionários e amigos. Em suma, a FEE, por sua própria existência, exerceu uma enorme influência múltipla na criação, no avanço e na junção das vertentes e das pessoas na causa libertária. Por isso que seja sempre homenageada!

Foi Leonard Read quem, é claro, realizou essa façanha e reuniu na FEE ou perto dela as várias vertentes do movimento: Harper e seus alunos da Cornell; o grupo de Los Angeles; Herb Cornuelle, que fora convertido à liberdade pela quase lendária figura desconhecida “Red Miller” de um serviço do governo municipal de Detroit; Frank Chodorov, etc. E a FEE, desde o início, dedicou-se à tarefa não apenas de espalhar suas ideias, mas também de encontrar e de desenvolver libertários hard-core (pelo menos hard-core segundo suas luzes). Acredito ser seguro dizer que virtualmente todos os libertários no país encontraram seu caminho para as fileiras por meio da FEE, e que quase todos os principais libertários foram, em um momento ou outro, ligados à equipe da FEE.

O Declínio da FEE

No entanto, com sua conquista registrada, a FEE precisa ser considerada como um fracasso trágico quando consideramos o que poderia ter alcançado. Poderia ter sido um grande centro para o pensamento libertário; seus membros tinham o potencial. Mas esse potencial foi aleijado — em grande parte pelas limitações de Leonard Read, intelectuais e outras. Read, em última análise, moldou a FEE à sua própria imagem, que não é muito grandiosa.

Dificilmente apreciativo da escolaridade ou das condições de livre investigação e pesquisa, Read sufocou a produtividade criativa e acadêmica de todos em sua equipe — a ponto de todas as pessoas capazes, uma após a outra, serem forçadas a sair. As publicações da FEE eram cada vez mais direcionadas às donas de casa, em vez dos estudiosos, o que imediatamente jogava fora a importância da “pirâmide de influência” do intelectual para a massa. O avanço do pensamento libertário mais puro não foi apenas desencorajado por Read, mas amargamente atacado.

Mas, as donas de casa, por sua vez, não se interessam muito pela construção de um lápis ou pela história de uma camisa; elas estão, em vez disso, interessadas ​​em detalhes sobre a avaliação de Barry Goldwater ou no problema do auxílio federal. A literatura da FEE em se ater às generalidades — e às generalidades de baixo grau — caiu entre as duas tendências e perdeu, portanto, influência tanto entre os intelectuais quanto entre a “base de massa”.

Leonard Read, observando esse processo de fuga da FEE de seus membros capacitados, racionalizou o processo como sendo um de “treinar” libertários e depois mandá-los para coisas melhores, assim, funcionando como um “colégio” [de ensino médio] de liberdade. Ele, assim sendo, ignora o fato de que poderia ter sido muito mais. Mas um “colégio” ainda é, e provavelmente suas funções mais úteis agora são as de influenciar e de atrair iniciantes na liberdade — especialmente, em verdade, alunos de ensino médio — e ainda “atuar” como uma porta de entrada ao movimento libertário. Mas é apenas uma porta de entrada e não mais, em qualquer sentido, um centro libertário; então a questão ainda permanece: porta de entrada para quê?

Não preciso me alongar aqui na importância primordial dos intelectuais e de acadêmicos na formação de uma cadre libertária. Pois a filiação de ideias e a influência operam como uma pirâmide, dos intelectuais do mais alto nível aos níveis mais baixos, da pós-graduação à faculdade, dos autores de tratados aos jornalistas, passando para dona de casa e para homem da rua. Nessa pirâmide, um acadêmico vale mil donas de casa, em matéria de influência, importância, etc. (Para mais sobre a importância da filiação intelectual e da influência, cf. o memorando “Sugestões para um Programa Geral de Pesquisa para o Volker Fund”, Rothbard para Richard C. Cornuelle, 3 de abril de 1954.)

Até mesmo Claude Robinson reconheceu que o problema com a “direita” é que ela financiou de boa vontade uma grande quantidade de propaganda de influência de massa dirigida ao eleitor médio, enquanto negligenciava seus acadêmicos; o resultado tem sido, inevitavelmente, não apenas um fracasso no crescimento da escolaridade, mas uma falta de influência sobre os próprios eleitores médios. Nenhum grupo, por exemplo, atuou com mais energia na base de massa diretamente do que o antigo Comitê para o Governo Constitucional, e sem nenhum resultado.

Outro perigo que a história da FEE e de outras organizações de direita nos conta: a tendência para o sujeito que pode obter dinheiro estar no controle da política e a tendência corolária de começar a aparar a produção da organização para o que atrairá o dinheiro. Quando o último acontece, a arrecadação de dinheiro passa a ser o fim, não o meio, e a organização passa a assumir a dimensão de uma “falcatrua” [“racket”].

Fase III: O Surgimento do Conceito do Volker Fund

Um novo e vital ponto de virada no movimento libertário pós-guerra foi o surgimento do programa do Volker Fund. Originado por Harold Luhnow, do Volker Fund, foi concretizado por Herbert Cornuelle e seus sucessores Richard Cornuelle e Ken Templeton. O próprio William Volker sempre enfatizou a importância de ajuda-financeira[3] para indivíduos, ao invés de organizações. O conceito do Volker Fund era encontrar e conceder fundos de pesquisa para anfitriões de acadêmicos libertários e de direita e reunir esses acadêmicos por meio de seminários, conferências, etc. Os fundos seriam concedidos para projetos que promoveriam o pensamento libertário; seminários juntariam direitistas e os permeariam com ideias libertárias.

Nessa nova fase, com sua ênfase crucial em escolaridade e pesquisa, o Volker Fund teve um sucesso notável. Libertários foram encontrados e nutridos, e aliados libertários em campos específicos (e.g., recreação, fornecimento de água e uma série de outros) reunidos em atividades informais de “frente popular”. Na verdade, toda a atividade do Volker Fund pode ser considerada uma vasta operação de “frente popular” acadêmica e informal. Além disso, criou “frentes” formais de sucesso, como o Council for Basic Education [Conselho de Educação Básica] ou o National Book Foundation [Fundação Nacional do Livro], para atividades específicas em linhas específicas.

Por outro lado, o programa da Earhart Foundation [Fundação Earhart], estruturado em linhas semelhantes, tem tido menos sucesso, principalmente porque os donatários Volker têm sido aqueles cujo impacto preponderante tem sido libertário, levando em consideração seus principais campos, enquanto os donatários Earhart foram virtualmente todos para a direita de Walter Reuther, e a Fundação Earhart refletiu assim um abandono do pensamento estratégico “centrista” em uma direção “oportunista” e liquidacionista. Assim, quando Earhart patrocinou a série de palestras de A.F. Burns em Fordham alguns anos atrás, o efeito líquido disso foi conceder fundos para A.F. Burns deslocar seus líderes de negócios mais para a esquerda do que já estavam: um exemplo particularmente desastroso de estratégia ruim de abraçar quase todos que não são socialistas declarados.

Além de ajudas-financeiras individuais, seminários e simpósios, o Volker Fund também fez um excelente trabalho patrocinando professores influentes de pós-graduação como Mises na NYU e Hayek em Chicago, e concedendo “bolsas de estudo” para estudar com esses homens. Aqui, também, está uma abordagem para uma diretiva de nutrir um núcleo rígido. (A propósito, como um exemplo da importância de estudiosos individuais e de suas influências, virtualmente todo libertário ou até mesmo economista no país foi aluno de Ludwig von Mises, de Frank Knight ou de F.A. Harper.)

Problemas Atuais

A FEE tem estado em existência por quinze anos; o novo programa Volker Fund por mais de dez anos. Esse período de tempo não apenas torna necessária uma reavaliação, mas também surgiram outros problemas que tornam o tempo presente uma importante encruzilhada. Primeiro, a construção da lista Volker de “frente popular” atingiu seu impacto máximo. Conferências e Seminários de verão começaram, inevitavelmente, a repetir seus membros; e a maior parte dos membros lá tem sido “libertários” apenas da maneira mais vaga.

Em suma, a lista do Volker Fund consiste em grande parte de estudiosos individuais que são vagamente simpáticos aos objetivos libertários ou “conservadores”, com outros espalhados que cada vez mais se aproximam do núcleo rígido. Há pouco mais que pode ser alcançado ao alargar a lista; chegou a hora de aprofundar essa lista.

Com a frente popular tendo atingido sua extensão funcional mais ampla, problemas e lacunas surgiram cada vez mais no programa do fundo. E a maior dessas lacunas é o fracasso em construir um núcleo rígido. Mencionei antes sobre a teoria de “infiltração” de Ken Templeton, que, para uma infiltração bem-sucedida, precisa existir um núcleo rígido forte que funciona como um núcleo, um centro do qual emana a infiltração. Não existe, e não existiu, tal núcleo rígido. Sem um centro hard-core forte, o processo de “infiltração” inevitavelmente leva não ao objetivo “revolucionário” de exercer influência sobre pessoas menos avançadas, não a atrair novos membros para o núcleo rígido, mas ao enfraquecimento e à dissolução do próprio núcleo rígido.

O fracasso em nutrir um núcleo forte significa que aqueles que estão inclinados a ser libertários hard-core, conforme trabalham e agem constantemente “no campo” com seus aliados da “frente unida”, começam a perder seus próprios princípios libertários hard-core.

Agir no mundo, agir “praticamente”, então, é algo muito bom, mas fazê-lo sem um forte núcleo hard-core significa a eventual perda de princípio, significa uma rendição ao liquidacionismo e ao “oportunismo”. Isso está fadado a acontecer quando o núcleo rígido não é nutrido e fortalecido, e tem acontecido cada vez mais durante os anos recentes. Acontece quando um William Peterson começa a moldar programas agrícolas para um Dick Nixon, ou tagarela sobre “equilíbrio” no “setor público”; acontece quando um Richard C. Cornuelle insiste em agir “positivamente”, em reprimir o “pensamento negativo” sobre o governo, em tentar desesperadamente competir com o governo no financiamento dos fins que a esquerda decide estabelecer para a sociedade. (Quem pode financiar mais abundantemente e amplamente uma meta fixada pela esquerda, como uma “educação universitária para todos os homens” ou “palácios para idosos”? O governo ou uma fantasia de welfare privada?)

Na Segunda Guerra Mundial, como eu disse antes, o perigo e o desespero do libertário hard-core individual era seu isolamento. Agora, em 1961, com os movimentos libertários e de direita aparentemente florescendo e crescendo rapidamente, em níveis acadêmicos e mais populares, ele está, mais uma vez, cada vez mais em perigo de ficar isolado. Exceto que dessa vez, o perigo é menos aparente e mais insidioso. Pois é o perigo do libertário hard-core ser inundado por uma massa crescente de pensadores “conservadores” e de direita.

Embora os libertários, sob a égide — primeiro da FEE e depois de Volker —, tenham crescido em número e em influência, uma reversão começou a se estabelecer, uma reversão causada por uma confusão de todos na direita, um apagamento crescente das linhas importantes que separam o libertário hard-core do “conservador”. O resultado da ênfase exclusiva no trabalho de frente popular, significou que um acúmulo da “direita” em geral, diluiu o núcleo rígido, tornou o público, e a própria direita, cada vez mais inconsciente das diferenças cruciais entre um libertário hard-core e um simples conservador. Com a FEE não mais sendo levada a sério como um centro, e com Volker não tendo fornecido tal centro, o movimento libertário hard-core — a essência e a glória do que se trata a luta — está em perigo de morrer na videira.

Assim, qualquer dado seminário do Volker Fund terá apenas um ou dois homens hard-core para uma dúzia de conservadores “confusos”. Isso é inevitável, dada a fraqueza numérica do núcleo rígido. Mas, se não houver um centro hard-core, nenhum núcleo firme e bem nutrido, os homens hard-core terão pouca influência sobre os conservadores, que os superam em número; a própria força do hard-core será diluída e desaparecerá; e todo o propósito será perdido.

Além disso, o programa do Volker Fund de dar concessões aos professores onde eles estão começa a sofrer exatamente do mesmo conjunto de problemas. Isso, também, é uma atividade de frente-popular. Aqui, também, um professor libertário da Universidade de Keokuk permanecerá, para sempre, um professor libertário na Universidade de Keokuk. Estando isolado em sua universidade, ele terá pouca ou nenhuma influência. Em menor número que os colegas do corpo docente, ele será ridicularizado por professores e alunos como um “maluco” isolado. Ele não irá, então, gerar nenhuma influência, já que estará isolado e cortado do intercâmbio produtivo com outros homens hard-core (especialmente, uma vez que aqueles que ele pode encontrar em seminários de verão serão geralmente muito menos claramente libertários do que ele mesmo), e ele irá, então, eventualmente, perder seu impulso libertário, se não seus próprios princípios libertários.

O perigo crescente de “inundação” do intelectual libertário — que por si só é inerente quando o núcleo rígido não é nutrido, fomentado e reunido como um núcleo — tem sido enormemente redobrado pela transformação que tem sido efetuada na própria ala direita. Essa transformação, liderada pelos teóricos da National Review, tem transformado a direita de um movimento que, pelo menos grosseiramente, acreditava antes de tudo na liberdade individual (e seus corolários: liberdades civis domesticamente e paz e “isolamento” nas relações exteriores) em um movimento que, em um todo, se opõe à liberdade individual — que, na verdade, glorifica a guerra total e a supressão da liberdade civil, bem como a monarquia, o imperialismo, o racismo polido e uma unidade da Igreja e do Estado.

Tendo a direita assumido cada vez mais esse tom e aparência, é ainda mais vital para o movimento libertário ser dissociado, em vez de aliado, do grosso da ala direita. O principal problema agora com a teoria da “frente popular” é que essa “frente” tem sido amplamente infectada com inimigos da liberdade, ao invés de amigos. Felizmente, o próprio programa do Volker Fund sofre muito menos do que outros (Earhart, Richardson, etc.) com esse problema, porque a concentração do fundo tem sido em economistas, que, em sua qualidade enquanto economistas (Escola de Chicago, etc.), têm sido, pelo menos no balanço líquido, os proponentes da liberdade. Mas em qualquer outro campo, exceto na economia, o perigo é realmente grave.

O atual estado precário da “direita” torna imperativo, na minha opinião, uma abordagem negativa para qualquer envolvimento de fundos com organizações de “ação direta” da direita: isso significa não apenas organizações diretamente políticas como o Young Americans for Freedom, mas também organizações como a Intercollegiate Society of Individualists, que tem, cada vez mais, sido uma mão-na-luva com o impulso da direita para a guerra e para o “anticomunismo”. E embora haja oportunidade para uma síntese filosófica, em alguns aspectos, entre libertários e conservadores (e.g., o acréscimo ao libertarianismo de lei natural, princípios morais, etc.) não há oportunidade real para uma síntese política. 

(Mesmo filosoficamente, o conservadorismo tem tantas coisas erradas que uma tentativa de síntese distorce a natureza real do conservadorismo: visto que precisa ignorar a hostilidade dos conservadores à liberdade pessoal, o impulso à guerra, reverência por um estado teocrático enquanto ele for “tradicional”, suporte ao imperialismo colonial, oposição à razão, etc. E aqui eu quero registrar como lamentando meu próprio artigo recente na Modern Age, como distorcendo a natureza do conservadorismo ao me deter quase exclusivamente em suas características favoráveis.)

É desnecessário dizer, que qualquer suporte a órgãos como a National Review é contraindicado, e isso se estende até mesmo ao órgão muito melhor, Modern Age. Eu cheguei à conclusão de que, para o pensamento libertário sobreviver, uma ruptura brusca com o “conservadorismo” precisa ser empreendida, e mesmo a nova e aprimorada Modern Age está muito crivada de conservadorismo para ser satisfatória. Já é muito tarde para uma frente popular.

Acho importante declarar o que não estou defendendo. Estou quase certo de que não estou defendendo que o Volker Fund abandone seu grande programa de ajuda a estudiosos individuais. Essa concepção esplêndida precisa ser continuada e expandida. Mas precisa haver, além disso, uma concentração muito maior em nutrir um centro libertário hard-core. Lamento dizer que, neste ponto, não tenho nenhuma panaceia concreta para oferecer. Qual forma essa nutrição deve assumir ainda não está clara. Acredito que um instituto libertário acadêmico, em nível de pós-graduação, uma contraparte do Institute for Advanced Study, seria a solução ideal. A ideia seria reunir acadêmicos libertários de ponta, ter equipes permanentes e também temporárias (este último por meio de companheirismos), etc. Isso não seria uma concessão de diploma e, portanto, evitaria as enormes armadilhas enfrentadas por qualquer operação de escola de pós-graduação, como a “American School of Economics” de Sennholz.

Na falta de uma quantidade considerável de fundos exigidos para tal instituto de Estudos Avançados, existem outras medidas parciais que podem ser tomadas, que podem eventualmente levar a um instituto. Um libertário sugeriu uma contraparte do Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais, que canalizaria doações, criaria seminários, talvez algum dia fundasse um instituto ou sociedade de companheiros egressos, etc. Outra sugestão é ter uma espécie de contraparte libertária da Mont Pelerin Society, com artigos anuais lidos, um jornal acadêmico, etc. Certamente, um modesto passo seria expandir o número de professores apoiados pelo Volker Fund, com bolsas para estudantes, como está sendo feito agora no caso de Mises e Hayek.

Isso não iria, é claro, proporcionar um grande centro libertário, mas pelo menos estimularia bolsas para estudar sob boas pessoas. Os problemas do presente programa são (1) que Mises está lecionando em uma escola de negócios, com o resultado de que seus estudantes são quase todos de baixo nível e, quando se formam, não ensinam ou pesquisam e, portanto, não têm o “efeito de influência” que é o propósito principal de promover o trabalho intelectual. É importante ter programas estabelecidos nos departamentos de artes liberais, em vez de escolas de negócios, que são desprezadas pelo mundo intelectual de qualquer maneira e muitas vezes com bons motivos. (2) O programa de Pensamento Social de Hayek está em um departamento “incomum” que, em vez de integrar todas as disciplinas humanas, ensina muito pouco e quase não exige dos estudantes; além disso, o resultado disso é que um Ph.D. do pensamento social tem pouco ou nenhum peso acadêmico.

Lamento não ter mais sugestões concretas a oferecer. Minha tese pode ser resumida dizendo que nesta encruzilhada na história do movimento libertário é vital tirar a ênfase drasticamente das frentes populares com a “direita” conservadora, para nutrir e construir o movimento libertário hard-core com alguma forma ou formas de núcleos ou centros, e enfatizar estudiosos e intelectuais libertários principalmente, e, se uma ação mais direta for desejada, publicitários e trabalhadores libertários exclusivamente. O grande perigo para o movimento libertário agora é a inundação por um movimento conservador de rápido crescimento (nos níveis intelectuais e “práticos”) que apresenta mais uma ameaça à liberdade do que um apoio. A grande tarefa que nos encara é o resgate do movimento libertário desse perigo.

Notas

[1] N.T.: Aqui, Rothbard usa a expressão “selling out the cause”, que é uma expressão figurada, traduzida literalmente como “vender a causa” e figurativamente como “traição da causa”. E a partir de tal ponto, quando “vendedor” aparecer, é a tal termo (traidor) que se está referindo.

[2] N.T.: Um grupo chave de pessoas qualificadas e treinadas, capazes de formar, de treinar e de liderar outros para um propósito e também capazes de disseminar a pedagogia oficial.

[3] N.T.: Aqui, pode-se entender como doações ou auxílios de estudos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *