O Que é uma Tecnocracia?

Tempo de Leitura: 7 minutos

Por Derrick Broze

[Retirado de Contraeconomia: Fugindo das Garras Tecnocráticas do Estado, parte 1, cap. 1]

No início do século XX, um movimento começou a se desenvolver em torno de uma teoria política conhecida como Tecnocracia, um sistema em que a gestão de governos é feita por especialistas técnicos, muitas vezes envolvendo soluções focadas em tecnologia. Os defensores da Tecnocracia afirmaram que o conceito levaria a uma melhor gestão dos recursos e proteção do planeta. No entanto, este sistema de governança por especialistas em tecnologia e sua tecnologia também envolveria uma perda de privacidade, centralização e gerenciamento de todo o comportamento humano. Embora o termo pareça ter sido amplamente esquecido, a filosofia tecnocrática e sua influência podem ser vistas em todo o nosso mundo digital moderno.

Um dos defensores mais influentes da Tecnocracia foi um homem chamado Howard Scott, um escritor que fundou a Technical Alliance na Cidade de Nova York em 1919. Scott acreditava que os proprietários de negócios não tinham as habilidades e dados necessários para reformar suas industrias e, portanto, o controle deveria ser entregue para engenheiros. Em 1932, Scott e seu colega tecnocrata, Walter Rautenstrauch, formaram o “Comitê de Tecnocracia” na Universidade de Columbia. O grupo acabaria se separando, com Scott liderando a Technocracy Incorporated e com o tecnocrata Harold Loeb no comando do Comitê Continental de Tecnocracia.

Em 1938, a Technocracy Incorporated lançou uma publicação que delineou sua visão para uma Tecnocracia (ênfase minha):

A tecnocracia é a ciência da engenharia social, a operação científica de todo o mecanismo social de produção e distribuição de bens e serviços a toda a população deste continente. Pela primeira vez na história da humanidade, isso será tratado como um problema científico, técnico e de engenharia. Não haverá lugar para Políticas ou Políticos, Finanças ou Financiadores, Baderna ou Baderneiros. A tecnocracia afirma que este método de operar o mecanismo social do continente norte-americano é, agora, obrigatório, porque passamos de um estado de real escassez para o estado atual de abundância potencial em que estamos, agora, sujeitos a uma escassez artificial que nos é imposta a fim de continuar um Sistema de Preços que só pode distribuir bens apenas através de um meio de troca. A tecnocracia afirma que preço e abundância são incompatíveis; quanto maior a abundância, menor o preço. Em uma abundância real, não pode haver preço algum. Somente abandonando o controle de preços interferente — e substituindo-os por um método científico de produção e distribuição — pode ser alcançada uma abundância. A tecnocracia distribuirá por meio de um certificado de distribuição disponível a cada cidadão, do nascimento à morte. O Technate abrangerá todo o continente americano, do Panamá ao Polo Norte, porque os recursos naturais e os limites naturais dessa área a tornam uma unidade geográfica independente e autossustentável.”

Os tecnocratas divulgaram sua visão de um mundo centralmente planejado com livros, discursos, clubes e partidos políticos. Isso resultou em um breve período de popularidade nos Estados Unidos e Canadá nos anos que se seguiram à Grande Depressão de 1929. Enquanto políticos e economistas buscavam uma solução para a calamidade financeira, os tecnocratas imaginavam um mundo em que políticos e donos de negócios fossem substituídos por cientistas, engenheiros e outros especialistas técnicos para gerenciar a economia.

No entanto, na década de 1940, o interesse dominante no movimento da Tecnocracia pareceu se dissipar. Alguns pesquisadores atribuem isso à falta de uma teoria política coerente para conseguir mudanças, enquanto outros dizem que o presidente Roosevelt e o New Deal forneceram uma solução alternativa para as dificuldades financeiras. Independentemente disso, a Tecnocracia deixou de ser um tópico do discurso político dominante, mesmo quando a revolução industrial estimulou novas tecnologias e riquezas nunca vistas para aqueles no controle da referida tecnologia.

As ideias que sustentavam a visão tecnocrática receberam um endosso notável em 1970, quando o cientista político Zbigniew Brzezinski lançou seu livro Between Two Ages: America’s Role in the Technetronic Era (Entre Duas Eras: O Papel da América na Era da Tecnetrônica). Brzezinski é conhecido por pesquisadores de longa data da elite governante. Até sua morte em 2018, Brzezinski era um diplomata que fazia parte dos mesmos círculos do ex-secretário de Estado e acusado criminoso de guerra, Henry Kissinger, e David Rockefeller. Brzezinski serviu como conselheiro de vários presidentes — de Jimmy Carter a Barack Obama. Brzezinski também foi membro do Atlantic Council, do National Endowment for Democracy e do Council on Foreign Relations.

Between Two Ages, de Brzezinski, pode ter mudado o termo de “Tecnocracia” para “Tecnetrônica”, mas a descrição do futuro é a mesma: um mundo no qual a elite científica e tecnológica planeja centralmente as vidas de toda a humanidade. Essencialmente, um coletivismo-autoritário tecnologicamente avançado, onde as liberdades individuais estão subordinadas às necessidades aparentes do coletivo. Brezinski explica a Tecnetrônica da seguinte maneira:

“A sociedade pós-industrial está se tornando uma sociedade ‘tecnetrônica’: uma sociedade que é moldada culturalmente, psicologicamente, socialmente e economicamente pelo impacto da tecnologia e da eletrônica — especialmente na área de computadores e comunicações. O processo industrial não é mais o principal determinante da mudança social, alterando os costumes, a estrutura social e os valores da sociedade […]

Na sociedade Tecnetrônica, o conhecimento científico e técnico, além de aumentar as capacidades de produção, rapidamente transborda e afeta quase todos os aspectos da vida de forma direta. Consequentemente, tanto a capacidade crescente de cálculo instantâneo das interações mais complexas quanto a disponibilidade crescente de meios bioquímicos de controle humano aumentam o escopo potencial da direção escolhida conscientemente e, portanto, também as pressões para direcionar, escolher e mudar.

Aqui estão mais algumas citações de Between Two Ages: America’s Role in the Technetronic Era, que deixam claro que o objetivo é construir uma Tecnocracia global:

“Outra ameaça, menos evidente, mas não menos básica, confronta a democracia liberal. Mais diretamente ligada ao impacto da tecnologia, envolve o surgimento gradual de uma sociedade mais controlada e dirigida. Tal sociedade seria dominada por uma elite cuja reivindicação ao poder político repousaria sobre um know-how científico supostamente superior. Desimpedida pelas restrições dos valores liberais tradicionais, essa elite não hesitaria em atingir seus fins políticos usando as técnicas modernas mais recentes para influenciar o comportamento público e manter a sociedade sob estreita vigilância e controle. Sob tais circunstâncias, o ímpeto científico e tecnológico do país não seria revertido, mas na verdade se alimentaria da situação que explora.”

“Crise social persistente, o surgimento de uma personalidade carismática e a exploração dos meios de comunicação de massa para obter a confiança do público seriam os degraus na transformação gradativa dos Estados Unidos em uma sociedade altamente controlada.”

“Hoje estamos testemunhando o surgimento de elites transnacionais, mas agora elas são compostas por empresários internacionais, acadêmicos e funcionários públicos. Os laços dessas novas elites ultrapassam as fronteiras nacionais, suas perspectivas não são confinadas pelas tradições nacionais e seus interesses são mais funcionais do que nacionais. Cada vez mais, as elites intelectuais tendem a pensar em termos de problemas globais: a necessidade de superar o atraso, de eliminar a pobreza, de evitar a superpopulação, de desenvolver mecanismos eficazes de manutenção da paz. A preocupação com a ideologia está cedendo à preocupação com a ecologia, a poluição, a superpopulação e o controle de doenças, drogas e clima. Há um consenso generalizado de que o planejamento funcional é desejável e que é a única maneira de lidar com várias ameaças ecológicas.”

“A ficção da soberania claramente não é mais compatível com a realidade. Chegou a hora de um esforço comum para moldar uma nova estrutura para a política internacional. Já existe um acordo amplo sobre o desenvolvimento de forças internacionais de manutenção da paz. A consciência global emergente está forçando o abandono de preocupações com a supremacia nacional e o aumento da interdependência global.”

A visão de futuro de Brzezinski não era mera especulação ou suposição. Ele era um membro da classe dominante que passou sua vida usando os estados-nação — e as pessoas dentro deles — como peões em um jogo de xadrez em que a maioria dos jogadores está perigosamente alheia à realidade que se desenrola ao seu redor. Acredito que o livro de Brzezinski descreve o mundo que está se desenrolando no início da década de 2020. Recomendo enfaticamente mergulhar fundo em seu trabalho para obter outros insights fascinantes sobre onde estamos e para onde podemos estar indo.

Agora que entendemos um pouco da história da Tecnocracia e algumas das ideias que ela propôs, precisamos examinar o mundo de hoje para notar a influência Tecnocrática (ou Tecnetrônica se você preferir).

Vamos começar examinando as empresas mais ricas e os CEOs mais influentes. Esses indivíduos dirigem empresas que acumularam grandes quantias de riqueza financeira, bem como quantidades insondáveis de dados digitais sobre todos os seus clientes. De Jeff Bezos da Amazon, Bill Gates da Microsoft, Mark Zuckerberg do Facebook, Elon Musk da Tesla e os nomes menos conhecidos do Google, Apple e outros, esses são os tecnocratas do início da década de 2020. Curiosamente, Musk parece estar trilhando um caminho semelhante ao de seu avô, Joshua Haldeman, que era diretor de pesquisas da Technocracy Incorporated do Canadá e presidente nacional do Partido do Crédito Social.

Esses homens e seus colegas em várias indústrias tecnológicas exercem um imenso poder por meio de suas empresas, riqueza e influência cultural. Esses indivíduos têm dinheiro, recursos e conexões suficientes para moldar as eleições, fazer a geoengenharia do clima e causar quedas no mercado de ações, para citar alguns exemplos. Eles são a classe tecnocrata de hoje.

Quero lembrar ao leitor em potencial do futuro que esses nomes podem não significar nada para você neste momento — eles podem de fato ser relíquias de um passado há muito morto. Quaisquer que sejam os nomes das corporações, CEOs e governos que desempenham esse papel, as preocupações e as possíveis soluções permanecem as mesmas. Se a tecnologia continuar a avançar exponencialmente, então é provável que a tendência para a vigilância também continue e, com a diminuição da privacidade, uma diminuição das liberdades gerais. É isso que buscamos superar.

Outro exemplo do mundo Tecnocrático envolve o uso crescente de ferramentas de vigilância como reconhecimento facial, detecção de voz, câmeras de TV em circuito fechado 24 horas por dia, 7 dias por semana, inteligência artificial, manipulação algorítmica, vigilância de telefone celular, monitoramento de mídia social, rastreamento de localização, escuta digital via smart devices (dispositivos inteligentes) e o impulso geral para uma rede inteligente alimentada por 5G. Claro, essas tecnologias não são promovidas como ferramentas de vigilância, mas sim como ferramentas de segurança, conveniência, educação e lucro. Porém, o resultado é o mesmo: indivíduos e empresas promovendo soluções tecnológicas para os males do mundo, resultando na perda das liberdades individuais e no controle mais centralizado.[1]

Claro, a venda da sociedade pela necessidade de um mundo digital completamente interconectado, onde tecnólogos e especialistas científicos organizem nossas vidas, pode ser auxiliada por uma boa dose de propaganda do parceiro favorito do Estado no crime, a mídia corporativa. Between Two Ages, de Brzezinski, fornece mais informações sobre o plano tecnocrático:

“Na sociedade Tecnetrônica, a tendência parece ser rumo a agregar o apoio individual de milhões de cidadãos desorganizados, que estão facilmente ao alcance de personalidades atraentes e magnéticas, e explorar efetivamente as mais recentes técnicas de comunicação para manipular a emoção e controlar a razão.

Juntos, os tecnocratas (também conhecidos como Big Tech), seus amigos obedientes na mídia e seus parceiros no governo estão se tornando o que chamo de Estado Tecnocrático. O resto deste trabalho é dedicado a abrir buracos neste Estado Tecnocrático e explorar suas fraquezas. Conforme mencionado na introdução, aqueles que desejam manter a privacidade e a liberdade devem estar dispostos a se adaptar às tecnologias constantemente emergentes com o potencial de libertar ou aprisionar nossos corações e mentes. Acredito que a chave para resistir à Tecnocracia pode ser encontrada no trabalho de Samuel Konkin III e sua teoria da Contraeconomia.


[1] N.T.: É importante ressaltar que esse texto foi escrito no começo de 2020, ou seja, antes da pandemia do Sars-COV-2. Não é difícil notar que as medidas de vigilância e opressão citadas por Broze aumentaram em níveis astronômicos a partir do surto do vírus. Usar a doença para aumentar o monitoramento foi a desculpa perfeita, mas como o próprio autor comentou, o resultado é sempre o mesmo: perda das liberdades individuais e controle centralizado.

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