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Por Murray Rothbard

[Este trecho foi retirado do nono capítulo do segundo volume do livro “História do Pensamento Econômico; Uma Perspectiva Austríaca, o download do primeiro volume está disponível aqui]

9.1 Comunismo Primitivo

Por séculos o suposto ideal de comunismo veio ao mundo como um credo messiânico e milenarista. Vários videntes, especialmente Joachim de Fiore, profetizaram o estágio final da humanidade como um de perfeita harmonia e igualdade, no qual todas as coisas são de propriedade comum, onde não há necessidade de trabalho ou necessidade de divisão de trabalho.

No caso de Joachim, claro, problemas de produção e de propriedade, em realidade de escassez no geral, eram “resolvidos” por homens que não mais possuíam corpos físicos. Como espíritos puros, homens como iguais e harmoniosas entidades psíquicas gastando todo o seu tempo cantando louvores a Deus podem até fazer certo sentido.

Mas a ideia comunista aplicada a uma humanidade física que ainda precisa produzir e consumir é um assunto completamente diferente. Em qualquer caso, o ideal comunista continuou sendo repassado como uma doutrina religiosa e milenarista.

Vimos no volume I a sua grande influência na vertente anabatista da reforma no século dezesseis. Sonhos milenaristas e comunistas também inspiraram várias secções marginais protestantes durante a Guerra Civil Inglesa no meio do século dezessete, particularmente os Diggers, os Ranters e Os Homens da Quinta Monarquia.

O precursor mais importante do comunismo marxista entre esses Protestantes sectários da Guerra Civil era Gerrard Winstanley (1609-60), o fundador do movimento dos Diggers e muito admirado por historiadores marxistas.

O pai de Winstanley era um mercador têxtil, e o jovem Gerrard se tornou um aprendiz da troca de tecidos, crescendo para ser um mercador têxtil independente. Entretanto, o negócio de Winstanley faliu e ele se viu decaindo socialmente, e virou trabalhador agrícola de 1643 até 1648.

Enquanto a Reforma Protestante escalava no final dos anos de 1640, Winstanley começou a escrever panfletos expondo o messianismo místico. Ao final de 1468, Winstanley teve que expandir sua doutrina quiliástica para abraçar o mundo comunista igualitário, o qual todos os bens são de posse comum.

Sua base teológica era a herética e panteísta ideia de que Deus está em todos os homens e mulheres, e não é uma divindade pessoal externa ao homem. Esse Deus panteístico decretou a “cooperação”, que para Winstanley significava comunismo compulsório ao invés da economia de mercado, ao passo que que a crença antiética no Diabo glorificava o egoísmo individual.

No esquema de Winstanley, Deus, isso é a Razão, criou a terra, mas o Diabo mais tarde criou o egoísmo e a instituição da propriedade privada. Winstanley adicionou a visão absurda de que a Inglaterra aproveitava a propriedade comunista antes da Conquista Normanda em 1066, e que essa conquista criou a instituição da propriedade privada. Seu chamado, então, era para retornar ao suposto sistema comunista original.[1]

Ao fim, a versão quase completamente desenvolvida de seu sistema, A Lei da Liberdade em uma Plataforma, ou verdadeira magistratura restaurada (1652), Winstanley anteviu uma sociedade altamente agrária, onde todos os bens são comumente possuídos, e onde todo salário por trabalho e comércio ou troca seriam proibidos.

De fato, toda venda ou compra de bens seria punível com a morte como traições ao sistema comunista. Dinheiro seria claramente desnecessário uma vez que não haveria trocas, e presumidamente isso seria proibido também.

O governo estabeleceria armazéns para coleta e distribuição de todos os bens, e penalidades severas seriam aplicadas em “ociosos”. A essa altura, o panteísmo de Winstanley começara a desaparecer no ateísmo, pois todos os clérigos profissionais seriam ilegais, não haveria santificação do sábado, e “ministros” seriam escolhidos pelos eleitores para darem aquilo que seriam sermões seculares, ensinando as virtudes comunistas a todos.

Educação seria gratuita e compulsória, e a maioria das crianças seriam entregues a ofícios úteis — um prenúncio da crença da educação progressiva. O conhecimento teórico, o qual o inculto Winstanley acreditava ser muito inferior à habilidade vocacional prática, seria desencorajado.

A guia estratégica de Winstanley para a vitória comunista foi para vários grupos de seus seguidores, ou Diggers, para se moverem pacificamente às terras desperdiçadas ou da comunidade, e estabelecerem comunidades comunistas sobre elas.

O primeiro grupo Digger, liderado por Winstanley, se moveu para as terras desperdiçadas perto do sul de Londres em abril de 1649, e então os assentamentos de Diggers foram ali estabelecidos durante o próximo ano.

Apenas 30 Diggers se mudaram para a primeira comuna, e apenas algumas centenas criaram comunidades pelo país. A ideia era que esses assentamentos comunistas igualitários fossem inspirar as massas a abandonarem seus trabalhos assalariados ou propriedade privada e se movessem aos assentamentos de Diggers, desta maneira causando o definhamento do mercado e da propriedade privada.

Na realidade, as massas trataram as comunidades Diggers com grande hostilidade, causando sua supressão em um curto período de tempo. Por ocasião de seu magnum opus em 1652, Winstanley estava clamando em vão ao ditador, Oliver Cromwell, para impor seu querido sistema por cima. A ideia da ação direta de massas para o estabelecimento de seu sistema foi rapidamente abandonada frente à realidade.

Outra seita comunista ainda mais mística durante a Guerra Civil Inglesa era a dos meio loucos Ranters. Os Ranters eram antinomianos clássicos, isto é, acreditavam que todos os seres humanos estavam automaticamente salvos pela existência de Jesus, e portanto todos os homens são livres para desobedecer a toda lei e desprezar toda regra moral.

De fato, era esperado que seria bom e desejável cometer a maior quantidade de pecados possível para demonstrar a liberdade automática de alguém do pecado, e para limpar a si mesmo da falsa culpa de cometer um pecado.

Ao puro de coração, os Ranters diziam, todas as coisas são puras. Os Ranters, assim como Joachim de Fiore e os Anabatistas da Reforma, proclamaram a era vindoura do Espírito Santo, que mudara todo homem.

A principal diferença do Calvinismo Ortodoxo ou Puritanismo é que nessas crenças mais ortodoxas, as obras do Espírito Santo estão intimamente ligadas à Palavra Sagrada – isto é, a Bíblia. Para os Ranters e outros Grupos da Luz Interior, entretanto, todos os meios eram literalmente selvagens. Os Ranters perseguiram o caminho, também, ao panteísmo: assim um de seus líderes declarou: “A essência de Deus estava tão presente em uma hera venenosa quanto no Anjo mais glorioso.”

Os Ranters, então, misturaram sua crença no comunismo com total liberdade sexual, incluindo a prática do comunismo de mulheres, e orgias comunais homossexuais e heterossexuais.[2]

9.2 Comunismo milenarista secularizado: Mably e Morelly

Durante o caos e revolta causados pela Revolução Francesa, a crença comunista, assim como as profecias milenaristas, apareceram novamente como um novo objetivo glorioso para a humanidade, mas dessa vez a maior ênfase era em um contexto secular. Mas os novos profetas seculares comunistas encararam um grande problema: qual será a ação para essa mudança social?

Em resumo, religiosos quiliásticos nunca tiveram problemas com ação, i.e. como essa poderosa mudança aconteceria. O agente seria a mão da Providência, e em especial ou o Segundo Advento de Jesus Cristo (para pré-milenaristas), ou profetas designados ou grupos de vanguarda que estabeleceriam o milênio em antecipação ao eventual retorno de Jesus (para pós-milenaristas).

João de Leiden e Thomas Müntzer foram exemplos do último. Mas se os milenaristas cristãos tivessem a garantia de que a Mão da Providência inevitavelmente realizaria seu objetivo, como poderiam os secularistas comandarem com a mesma certeza e auto confiança? Pareceu que eles tivessem que recorrer a mera educação e exortação.

 A tarefa secularista ficou ainda mais difícil com o fato de que milenaristas religiosos olhavam para o fim da história e as conquistas de seu objetivo por meios de um apocalipse sangrento. O reinado final de paz e harmonia milenarista só poderia ser obtido no curso de um período conhecido como “a tribulação”, a guerra final do bem contra o mal, o triunfo final sobre o Anticristo.[3]

O que significava que se os comunistas seculares desejassem emular seus antepassados cristãos, eles teriam que atingir seus objetivos através de uma revolução sangrenta –sempre difícil, para dizer o mínimo. Não é acidente, portanto, que os dias estimulantes da Revolução Francesa causaram tamanha aspiração e esperança revolucionária.

Os primeiros comunistas milenares se apresentaram na forma de dois indivíduos isolados da França do meio do século dezoito. O trabalho desses dois homens iria mais tarde desabrochar em um movimento ativista revolucionário em meio a atmosfera de estufa e as revoltas repentinas da Revolução Francesa.

Um era o aristocrata Gabriel Bonnot de Mably (1709-85), o irmão mais velho do filósofo liberal de laissez-faire Etienne Bonnot de Condillac. Em contraste a seu irmão, o distinto filósofo, Mably dedicou sua vida a ser um escritor de vários assuntos distintos.[4] Um homem cujos trabalhos, como Alexander Gray alegremente escreveu, “são deploravelmente numerosos e extensivos”.

Os escritos prolixos e confusos de Mably eram surpreendentemente populares em seu tempo, sua obra completa, pode variar de 12 a 26 volumes, que foram publicados em quatro edições diferentes nos poucos anos após sua morte.

O principal foco de Mably era insistir que todos os homens são “perfeitamente” iguais e uniformes, que todos os homens são um e o mesmo em todo lugar. Ele professou discernir essa suposta verdade entre as leis da natureza.

Deste modo, em seu trabalho principal Doutes proposés (1768), um ataque a teoria libertária dos direitos naturais do Mercier de la Rivière, Mably presume interpretar a voz da Natureza: “Natureza diz a nós… Eu vos amo igualmente”.[5]

Assim como a maioria dos comunistas que o sucederam, Mably se viu confrontado com um dos maiores problemas do comunismo: se toda propriedade é de posse comum e todas as pessoas são iguais, então o incentivo ao trabalho é negativo, uma vez que apenas o suprimento comum seria beneficiado e não o trabalhador individual em questão.

Mably em particular teve que enfrentar esse problema, uma vez que ele também defendia que o estado natural e original do homem é o comunismo, e que a propriedade privada decorre do problema do despojo precisamente por causa da indolência de alguém que deseja viver às custas dos outros.[6]

As soluções propostas por Mably para esse grave problema dificilmente eram adequadas. Uma era encorajar todos a apertarem os cintos, querer menos e se contentarem com a austeridade espartana. Sua outra resposta foi a de criar aquilo que Che Guevara e Mao Tse-Tung mais tarde chamariam de “incentivos morais”: substituir a grosseira recompensa monetária pelo reconhecimento do mérito de um homem por seus irmãos — na forma de faixas, medalhas e etc.

Alexander Gray nota que Mably faz uso de tais “distinções” ou “listas de honras de aniversário”, para estimular todos ao trabalho. Ele segue para pontuar que quanto mais “distinções” são entregues como incentivos, menos elas verdadeiramente irão distinguir, e portanto exercerão menos influência. Além do mais, Mably não diz como ou por quem suas distinções serão concedidas.

Gray adiciona que em uma sociedade comunista real, muitas pessoas que não recebem honras podem e provavelmente irão ser insatisfeitos e ressentidos com a suposta injustiça envolvida, ainda sim seus “zelos não esmorecem”.[7]

Deste modo, em suas propostas de solução, Gabriel de Mably estava depositando esperança em uma transformação milagrosa da natureza humana, aquilo que mais tarde os Marxistas veriam como o advento do Novo Homem Socialista, disposto a moldar seus desejos e seus incentivos às necessidades de, e bugigangas concedidas pelo, o coletivo.

Mas por toda a sua devoção ao comunismo, Mably era no fundo um realista, e então ele não tinha esperança de um triunfo. Ao contrário, o homem é tão imerso no pecado do egoísmo e da propriedade privada que tão somente os paliativos da redistribuição coercitiva e proibições de troca são possíveis. Não é surpresa que Mably não estava equipado para inspirar e estimular o nascimento e desenvolvimento de um movimento comunista revolucionário.

Se Gabriel de Mably fosse um pessimista, o mesmo não pode ser dito do trabalho altamente influente do desconhecido Morelly, autor de Le Code de la Nature (O Código da Natureza), publicado em 1755, e que se partiu em cinco edições adicionais em 1773.

Morelly não tinha dúvidas a respeito da viabilidade do comunismo: para ele não havia o problema da preguiça ou dos incentivos negativos. Não havia necessidade, em resumo, em pôr qualquer culpa na natureza humana ou da criação do Novo Homem Socialista.

Em uma vulgarização de Rousseau, o homem é sempre bom, altruísta e dedicado ao trabalho: apenas as instituições são degradantes e corruptas, especialmente a instituição da propriedade privada. Elimine isso, e a bondade natural do homem irá certamente triunfar. (Questionamento: de onde essas instituições vieram, se não do homem?) Bana a propriedade privada e o crime desaparecerá.

Para Morelly, a administração da utopia comunista também seria fácil. Designar a tarefa de vida de cada pessoa, e também decidir quais bens materiais e serviços irão preencher suas necessidades, também seria aparentemente um problema trivial para o ministério do trabalho ou do consumo.

Para Morelly, tudo isso era meramente um problema de enumeração trivial, de pôr em lista coisas e pessoas. Aqui está o ancestral da indiferença de Marx e Lenin a respeito dos gigantes problemas da administração socialista e alocação meramente como questões de contabilidade.

Mas as coisas, afinal, não são assim tão simples. Mably, o pessimista da natureza humana, estava aparentemente disposto a deixar os problemas para as ações voluntárias dos indivíduos. Mas Morelly, o suposto otimista, estava alegremente preparado para empregar métodos coercitivos de força bruta para manter todos os “bons” cidadãos em linha.

Mais uma vez, assim como em Mably, os decretos do estado proposto seriam claramente escritos pela natureza, como revelado ao seu fundador Morelly. Morelly desenvolveu um complexo design para seus propostos governo e sociedade, tudo supostamente baseado nas claras ordens da lei natural, e a maioria das quais eram imutáveis e eternas – para Morelly, essa era uma parte vital do esquema.

Em particular, não deve haver propriedade privada, exceto para necessidades diárias: toda pessoa deve se manter empregada pelo coletivo, todo homem deve ser forçado ao trabalho, para contribuir com o armazém comunal de acordo com suas capacidades, e então haverá bens designados desses armazéns de acordo com suas necessidades, para serem adquiridos comunalmente, e absolutamente idênticos em comida, roupa e treinamento.

Doutrinas filosóficas e religiosas seriam absolutamente prescritas; nenhuma diferença será tolerada; e as crianças não serão corrompidas por qualquer “fábula, história ou ficções ridículas”. Todas as construções devem ser as mesmas, e agrupadas em blocos iguais; toda roupa deve ser feita na mesma fábrica. As ocupações são limitadas e estritamente atribuídas pelo estado.

Finalmente, essas leis devem ser sagradas e invioláveis, e qualquer um que tente mudá-las deve ser isolado e encarcerado por toda a vida.

Como nas utopias comunistas, de Mably e de Morelly, como Alexander Gray esclarece, são aquelas cujo “nenhum homem são iria, em quaisquer condições consentir em viver, e se ele pudesse possivelmente tentaria escapar”. A razão, a parte da grande falta de incentivo nas utopias para produzir ou inovar, é que “a vida alcançou um estado estático… Nada acontece, nada pode acontecer em qualquer uma delas”.[8]

Deve ser adicionado que essas utopias eram corrompidas e secularizadas versões das visões dos milenaristas cristãos. No milênio cristão, Jesus Cristo (ou, alternativamente, seus substitutos e predecessores) volta para a terra para pôr um fim à história: e presumivelmente, haveria encanto suficiente em glorificar Deus sem se preocupar com a ausência de mudança terrena.

E, como vimos, isso é particularmente verdade para o milênio visionário de pessoas sem corpos terrenos de Joachim de Fiore. Mas nas utopias secularizadas reina, na melhor da hipóteses, uma melancolia cinza e a inércia completamente contrária à natureza do homem na terra.

Enquanto isso, no entanto, o milenarismo cristão também foi revivido nesses tempos turbulentos. Deste modo, o pietista suábio alemão Johann Christoph Otinger, durante a metade do século dezoito, profetizou a chegada de um mundo teocrático, reino dos santos, vivendo comunalmente, sem hierarquia ou propriedade, como membros de uma Comunidade das Nações cristã.

Particularmente influente em meio aos pietistas alemães era o místico e teosofista francês Louis Claude de Saint-Martin (1743-1803), que em seu influente trabalho Des Erreurs et la Verité (Erros e Verdade) (1773), retratou uma “igreja interna dos eleitos” supostamente existindo desde o nascer da história, que tomaria o poder na era que chegaria. Esse tema “Martinista” foi desenvolvido pelo movimento rosa-cruz, concentrado na Bavária.

Originalmente místicos alquimistas durante os séculos dezessete e dezoito, os Rosacrucianistas bavários começaram a acentuar a tomada do poder mundial pela igreja interior dos eleitos que está por vir, durante o nascer da era milenarista. O autor rosacruciano bavário mais influente, Carl Von Eckartshausen, expôs esse tema em dois trabalhos amplamente lidos, Informações Sobre a Mágica (1788-92) e Sobre a Perfectibilidade (1797).

No último trabalho, ele desenvolveu a ideia de que a igreja interior dos eleitos existiu subdesenvolvida nos tempos de Abraão, e se encaminhou para um governo mundial que deve ser governado por esses guardiões da luz divina. Essa terceira e final parte da história, a era do Espírito Santo, estava iminente.

O iluminado eleito destinado a governar o novo mundo comunal era, razoavelmente óbvio, a própria Ordem da Rosa-Cruz, uma vez que sua maior evidência para o nascer da terceira era, era a rápida disseminação do Martinismo e do próprio rosacrucianismo.

E esses movimentos estavam de fato se espalhando durante os anos de 1780 e 1790. O Rei da Prússia Frederico Guilherme II e uma grande porção de sua corte foram convertidos ao rosacrucianismo no final de 1780, assim como a Rússia do Czar Paulo I uma década mais tarde seria convertida, baseada em sua leitura de Saint-Martin e Eckartshausen, ambos os quais ele considerava transmissores da revelação divina.

Saint-Martin também era influente através de sua liderança do Rito Escocês da Maçonaria em Lyons, e era a principal figura naquilo que pode ser chamado de ala cristã apocalíptica do movimento maçônico.[9]

9.3 A Conspiração dos Iguais

Inspirado pelos trabalhos de Mably e especialmente Morelly, um jovem jornalista de Picardy decidiu, em meio à confusão da Revolução Francesa, fundar uma organização revolucionária e conspiracionista para estabelecer o comunismo. Estrategicamente, esse era um avanço sobre ambos os fundadores, que não tinham ideia de como, além da simples educação, atingiriam seu objetivo.

François Noël (‘Caius Gracchus’) Babeuf (1764-97), um jornalista e comissário dos deveres da terra em Picardy, foi a Paris em 1790, e assimilou a atmosfera altamente revolucionária. Em 1793, Babeuf se comprometeu para com a igualdade econômica e para com o comunismo. Dois anos depois ele fundou a secreta Conspiração dos Iguais, organizada em volta de seu novo jornal, A Tribuna do Povo.

A Tribuna, como a Iskra de Lênin um século mais tarde, era usada para definir uma linha coerente para sua cadre assim como para seus seguidores públicos. Como James Billington escreveu, A tribuna de Babeuf “foi o primeiro jornal na história a ser o braço direito de uma conspiração revolucionária extralegal”.[10]

O ideal supremo de Babeuf e de sua Conspiração era a igualdade absoluta. Natureza, diziam eles, clama por perfeita igualdade; toda desigualdade é injustiça: portanto, a propriedade da comunidade deveria ser estabelecida.

Como a Conspiração proclamou enfaticamente em seu Manifesto dos Iguais – escrito por um dos principais apoiadores de Babeuf, Sylvain Marechal – “Nós demandamos igualdade real, ou a Morte: isto é aquilo que devemos ter”. “Por sua causa”, o Manifesto seguiu, “nós estamos prontos para qualquer coisa; estamos dispostos a varrer tudo. Deixar todas as artes desaparecerem, se necessário, contando que a igualdade genuína permaneça para nós”.

Na sociedade comunista ideal almejada pela Conspiração, a propriedade privada seria abolida, e toda a propriedade seria comunal, e mantida em depósitos comunais. Desses depósitos, os bens seriam distribuídos “equitativamente” pelos superiores — aparentemente, deveria haver uma cadre de “superiores” nesse mundo tão “igual”!

Deveria haver trabalho universal e compulsório, “servindo a pátria-mãe com […] trabalho útil”. Professores ou cientistas “devem apresentar certificados de lealdade” aos superiores. O Manifesto reconhecia que haveria uma enorme expansão de oficiais do governo e de burocratas em um mundo comunista, inevitável onde “A pátria-mãe assume controle de um indivíduo desde seu nascimento até sua morte”.

Haveria punições severas consistindo em trabalho forçado de “pessoas de qualquer sexo que deixam um mal exemplo para a  sociedade  ao se absterem de uma mentalidade de deveres cívicos, por ociosidade, ao terem um modo de vida luxurioso ou libertino”. Essas punições, descritas, como um historiador pôde perceber “amorosamente e com grandes detalhes”,[11] consistia em deportações para ilhas prisões.

Liberdade de expressão e imprensa eram exatamente como se poderia esperar. A imprensa não seria permitida a “pôr em risco a justiça da equidade” ou a submeter a República “a discussões interminavelmente fatais”. Ademais, “ninguém poderá pronunciar visões que estão em contradição direta aos princípios sagrados da igualdade e da soberania do povo”. Na realidade, um trabalho só seria publicado “se os guardiões da vontade da nação considerarem que sua publicação pode beneficiar a República”.

Todas as refeições seriam feitas em público em toda comuna, e teriam que, certamente, ser de comparecimento obrigatório para todos os membros da comunidade. Ademais, todos só poderiam obter “suas rações diárias” no distrito em que vivem: a única exceção seria “quando ele está viajando com a permissão da administração”.

Todo entretenimento privado seria “estritamente proibido”, para que a “imaginação, liberada com a supervisão de um juiz estrito não ingrede vícios abomináveis contrários ao bem estar público”. E, para a religião, “toda dita revelação deve ser banida por lei”.

O objetivo do comunismo igualitário de Babeuf não era apenas uma importante influência ao Marxismo-Leninismo tardio, mas também era sua teoria estratégica e prática na organização concreta da atividade revolucionária.

O desigual, os Babeuvistas proclamavam, deve ser despojado, o pobre deve ascender e saquear o rico. Acima de tudo, a Revolução Francesa deve ser “completada” e refeita: deve haver revolta total (bouleversement total), total destruição das instituições existentes para que um novo mundo perfeito possa ser construído dos destroços.

Como Babeuf apontou, na conclusão de seu próprio Manifesto Plebeu: “Que tudo volte ao caos, e do caos deve emergir um novo e regenerado mundo”.[12] De fato, o Manifesto Plebeu, publicado um pouco antes do Manifesto dos Iguais, em Novembro de 1795, era a primeira linha dos manifestos revolucionários que atingiram um clímax no Manifesto Comunista de Marx meio século mais tarde.

Ambos os manifestos revelaram uma importante diferença entre Babeuf e Maréchal que poderia ter causado uma separação se os Iguais não tivessem sido esmagados logo após pela repressão policial. Pois em seu Manifesto Plebeu, Babeuf começou a se mover na direção do messianismo cristão, não apenas prestando tributo a Moisés e Josué, mas também particularmente a Jesus como, para Babeuf, seu “co-atleta”, e na prisão, Babeuf escreveu Uma Nova História da Vida de Jesus Cristo.

A maioria dos Iguais, entretanto, eram ateístas militantes, liderados pelo Maréchal, que gostava de referir a si mesmo com o grandioso acrônimo L’HSD,  L’homme sans Dieu (o homem sem Deus).

Em adição a ideia de uma revolução conspiracional, Babeuf, fascinado com assuntos militares, começou a desenvolver a ideia de conflito de guerrilha do povo: de uma revolução sendo formada em “falanges” diferentes por pessoas cuja ocupação permanente seria fazer revolução – aquilo que Lênin mais tarde chamaria de “revolucionários profissionais”.

Ele também brincou com a ideia de falanges militares assegurando uma base geográfica, e então trabalhando fora dela: “avançando em pedaços, consolidando na medida em que ganhamos território, nós deveríamos ser capazes de organizar”.

Um círculo conspiracional interno secreto, uma falange de revolucionários profissionais — inevitavelmente isso significa que a perspectiva estratégica de Babeuf para sua revolução envolvia alguns paradoxos fascinantes. Pois no nome de um objetivo de harmonia e igualdade perfeita, os revolucionários deveriam ser liderados por uma hierarquia comandando total obediência; a cadre interna operaria a sua vontade sobre a vontade da massa.

Um líder absoluto, chefiando uma cadre toda poderosa, iria, no momento propício, dar o sinal para inaugurar uma sociedade de igualdade perfeita. A revolução seria feita para acabar com todas as revoluções futuras; uma hierarquia toda poderosa seria necessária para supostamente por um fim a todas as hierarquias para sempre.

Mas certamente, como vimos, não havia nenhum paradoxo real aqui, nenhuma intenção de eliminar a hierarquia. Os hinos à “igualdade” eram uma frágil camuflagem para o objetivo real, uma ditadura permanentemente enraizada e absoluta, na marcante representação de Orwell, “uma bota pisando num rosto humano — para sempre”.

Depois de sofrer repressão policial ao fim de Fevereiro de 1796, a Conspiração dos Iguais se tornou ainda mais clandestina, e, um mês depois, se constituíram como o Diretório Secreto de Segurança Pública.

Os  sete diretores secretos, se encontrando toda noite, tomaram decisões anônimas e coletivas, e então cada membro desse comitê central irradiava atividades para 12 “instrutores” de fora, cada um dos quais mobilizava um grupo insurrecionário cada vez maior em um dos 12 distritos de Paris.

Nesse sentido, a Conspiração mobilizou 17.000 Parisienses, mas o grupo foi traído pelo entusiasmo do diretório secreto a recrutar dentro do exército. Um informante causou a prisão de Babeuf em 10 de Maio de 1796, seguido pela destruição da Conspiração dos Iguais. Babeuf foi executado no ano seguinte.

A repressão policial, entretanto, quase sempre deixa grupos de dissidentes para se levantarem novamente, e o portador da tocha do comunismo revolucionário era um Babeuvista preso com o líder, mas que conseguiu evitar a execução.

Filippo Giuseppe Maria Lodovico Buonarroti (1761-1837) era o filho mais velho de uma aristocrática porém empobrecida família Florentina, e um descendente direto do grande Michelangelo. Estudando direito na Universidade de Pisa no começo de 1780, Buonarroti foi  convertido por discípulos de Morelly no departamento.

Como jornalista e editor radical, Buonarroti então participou em batalhas pela Revolução Francesa contra tropas italianas. Na primavera de 1794, ele foi posto no comando da ocupação francesa na cidade italiana de Oneglia, onde ele anunciou às pessoas que todo homem deve ser igual, e que qualquer distinção entre homens é violação da lei natural.

De volta em Paris, Buonarroti com sucesso se defendeu de um julgamento contra seu uso de terror em Oneglia, e finalmente imerso na Conspiração dos Iguais de Babeuf. Sua amizade com Napoleão o permitiu escapar da execução, e eventualmente ser enviado de um campo de prisão ao exílio em Geneva.

Pelo resto de sua vida, Buonarroti se tornou aquilo que seu biógrafo moderno chama de “O Primeiro Revolucionário Profissional”, tentando organizar revoluções e organizações conspiratórias por toda a Europa.

Antes da execução de Babeuf e outros, Buonarroti havia prometido a seus camaradas a escrever suas histórias completas, e ele cumpriu essa promessa quando, na idade de 67 anos, ele publicou na Bélgica A Conspiração por Igualdade de Babeuf (1828). Babeuf e seus camaradas foram há muito esquecidos, e esse trabalho massivo contou a primeira e mais completa história da saga Babeuvista.

O livro provou ser uma inspiração aos grupamentos comunistas revolucionários, e vendeu extremamente bem, a tradução inglesa de 1836 vendeu 50.000 cópias em um curto período de tempo. Pela próxima década de sua vida, o anteriormente obscuro Buonarroti foi idolatrado por toda a ultraesquerda europeia.

Matutando os fracassos revolucionários prévios, Buonarroti advogou pela necessidade de um governo de uma élite de ferro imediatamente após a chegada ao poder das forças revolucionárias.

Em resumo, o poder da revolução deve ser imediatamente dado a uma “forte, constante e iluminada vontade imóvel”, que irá “direcionar toda a força da nação contra inimigos internos e externos”, e muito gradualmente preparar o povo para sua soberania. O ponto, para Buonarroti, era que “o povo é incapaz ou de regenerar por conta própria ou de designar as pessoas que deveriam direcionar a regeneração”.

9.4 O florescimento do comunismo

As décadas de 1830 e 1840 viram o florescimento de um comunismo messiânico e quiliástico e grupos socialistas por toda a Europa; notavelmente na França, Bélgica, Alemanha e Inglaterra. Owenistas, Cabetistas, Fourieristas, Saint Simonianos, e muitos outros germinaram e interagiram, e nós precisamos examiná-los ou a nuance de seus vários detalhes. [13]

Enquanto o galês Robert Owen (1771-1858) foi o primeiro a usar a palavra “socialista” escrita em 1827, e também brincou com a palavra “comunial”, a palavra “comunista” finalmente assumiu o posto de rótulo mais popular para esse novo sistema.

Ela foi primeiramente usada em um trabalho impresso popular, no romance utópico de Étienne Cabet, A Viagem a Icaria (1839),[14] e de lá a palavra se espalhou como um incêndio por toda a Europa, impulsionado pelo desenvolvimento recente do serviço de correspondência por barco a vapor e pela primeira telegrafia.

Quando Marx e Engels, na famosa frase de abertura de seu culminante Manifesto Comunista de 1848, escreveram que “um fantasma está assombrando a Europa – o fantasma do comunismo”, essa foi uma retórica um pouco hiperbólica, mas não estava completamente errada. Como Billington escreveu, a palavra sobrenatural “comunismo” “se espalhou por todo o continente com uma força completamente sem precedente na história de tais epidemias verbais”.[15]

Nessa confusão de grupos e indivíduos, existem alguns interessantes em que podemos focar nossa atenção. O mais novo grupo alemão de revolucionários exilados era a Liga dos Fora da Lei, fundada em Paris por Theodore Schuster, sob a inspiração dos trabalhos de Buonarroti.

O panfleto de Schuster, Confissão de Fé de um Fora da Lei (1834) foi possivelmente a primeira projeção da revolução vindoura como uma criação de foras da lei e párias, aqueles fora do circuito de produção que Marx iria, compreensivelmente, bruscamente rejeitar como “Lumpenproletariat”.

O Lumpen seria mais tarde enfatizado na década de 1840 pelo líder do anarco comunismo, o russo Mikhail Bakunin (1814-76), e por vários esforços da Nova Esquerda do fim da década de 1960 e começo de 1970.

Os Fora da Lei foram a primeira organização internacional de revolucionários comunistas, composta de aproximadamente 100 membros em Paris e quase 80 em Frankfurt am Main. A Liga dos Fora da Lei, entretanto, acabou em 1838, e vários, incluindo Schuster, partiram para a agitação nacionalista.

Mas foi rapidamente substituída pelo grupo maior de exilados alemães, a Liga dos Justos, também sediada em Paris. Os grupos comunistas alemães sempre tendiam mais ao cristianismo que outros. Mais ainda, Karl Schapper, chefe da divisão matriz de Paris, se dirigia a seus seguidores como “Irmãos em Cristo” e chamou a vindoura revolução de “o grande dia da ressurreição do povo”.

Intensificando o tom religioso da Liga dos Justos, estava o proeminente comunista alemão, o alfaiate Wilhelm Weitling (1808-71) que em seu secretamente impresso manifesto para a Liga dos Justos, escreveu, Humanidade, como é e como deveria ser (1838), que apesar de secreto era amplamente disseminado e discutido.

Weitling se proclamou como um “Lutero social”, e condenou o dinheiro como a fonte de toda a corrupção e exploração. Toda propriedade privada e todo o dinheiro deveriam ser abolidos, e o valor de todos os produtos calculado em “horas de trabalho” – a teoria do valor trabalho levada muito a sério.

Para o trabalho em serviços públicos e indústria pesada, Weitling propôs mobilizar um “exército industrial” centralizado, abastecido pela conscrição de cada homem e mulher entre as idades de 15 e 18.

Expulsa da França por problemas revolucionários em 1839, a Liga dos Justos se moveu para Londres, onde também estabeleceu um grupo de frente ainda maior, a Sociedade Educacional de Trabalhadores Alemães, em 1840.

Os três maiores chefes da sociedade, Karl Schapper, Bruno Bauer e Joseph Moll, conseguiram aumentar o total para mais de 1.000 membros até 1847, incluindo 250 membros em outros países da Europa e América Latina.

Um contraste fascinante é apresentado nas pessoas de dois jovens comunistas, ambos líderes do movimento durante a década de 1840, e ambos foram completamente esquecidos pelas gerações futuras — até pela maioria dos historiadores. Cada um representava um lado diferente da perspectiva comunista, e juntos duas linhas diferentes no movimento.

Um era o visionário cristão inglês e sonhador, John Goodwyn Barmby (1820-?). Aos 20 anos, Barmby, até então um Owenista, chegou em Paris com a proposta de organizar uma associação internacional de socialistas por todo o mundo; um comitê provisório realmente foi formado, liderado pelo Owenista francês Jules Gay, mas nada foi concretizado.

A proposta, entretanto, realmente prefigurou a Primeira Internacional. Mais importante, em Paris, Barmby descobriu a palavra “comunista”, e a adotou e espalhou com grande fervor. Para Barmby, “comunista” e “comunitário” eram termos intercambiáveis, e ele ajudou a organizar pela França, aquilo que reportou aos Owenistas Ingleses como “banquete(s) Social da escola Comunista ou Comunitária”.

De volta na Inglaterra, o fervor de Barmby não havia diminuído. Ele fundou a sociedade da propaganda comunista, que logo se chamaria a Sociedade Universal Comunitária, e estabeleceu um jornal, o Prometeico ou Apóstolo Comunitário, cedo renomeado para A Crônica Comunista.

Comunismo, para Barmby, era tanto a “ciência societária” quanto a religião final da humanidade. Seu Credo, apresentou o primeiro problema do O Prometeico, reconheceu que “o divino é comunismo, e o demoníaco é o individualismo…”.

Após esse começo brilhante, Barmby escreveu hinos e orações comunistas, pediu pela construção de comunitários, tudo dirigido por uma comunarquia suprema liderada por um comunarca eleito e sua comunarquesa.

Barmby repetidamente proclamava “a religião do comunismo”, e garantiu começar com o pé direito ao se nomear como “Pontífice da Igreja Comunista”.

O subtítulo da Crônica Comunista revela seu messianismo neo-cristão: “O apóstolo da Igreja Comunista e a vida Comunitiva: Comunhão com Deus, Comunhão dos Santos. Comunhão dos Sufrágios, Comunhão do Trabalho e Comunhão de Bens”.

A luta por comunismo, declarou Barmby, era apocalíptica, destinada a acabar com a reunião mística de Satanás a Deus: “na santa Igreja Comunista, o demônio será convertido para Deus […] E essa conversão de Satã faria Deus chamar o povo […] para a comunhão dos sufrágios, do trabalho e dos bens tanto materiais quanto espirituais […] para esses dias mais tardios”.[16]

A chegada de Wilhelm Weitling em Londres em 1844 o levou de encontro com Barmby para colaborar na divulgação do cristianismo comunista, mas ao fim de 1847, eles haviam perdido e o movimento comunista estava se movendo na direção do ateísmo.

A virada crucial veio em Junho de 1847, quando os dois grupos comunistas mais ateus: A Liga dos Justos em Londres, e o Comitê Comunista de Correspondência de Bruxelas com apenas 15 homens, liderados por Karl Marx, se uniram para a formação da Liga Comunista.

Em seu segundo congresso em Dezembro, problemas ideológicos dentro da liga foram resolvidos quando pediram a Marx para que escrevesse a declaração para o novo partido, que se tornaria o famoso Manifesto Comunista.

De qualquer forma, Cabet e Weitling foram separadamente para os Estados Unidos em 1848, para tentar estabelecer o comunismo lá. Ambos falharam miseravelmente frente a expansiva e altamente individualista sociedade americana.

Os Icarianos de Cabet se estabeleceram no Texas e então em Nauvoo, Illinois, então se dividiram de novo e de novo, até que Cabet, rejeitado por seus antigos seguidores em Nauvoo, saísse para St. Louis e morresse, rejeitado por quase todos, em 1856.

Já para Weitling, este desistiu muito mais rapidamente. Em Nova Iorque, ele se tornou seguidor do esquema de pensamento individualista Ricardiano de esquerda e valor-trabalhista, e em 1854 ele desviou ainda mais para se tornar um burocrata do serviço de imigração dos EUA, passando a maior parte dos seus 17 anos restante tentando promover suas várias invenções. Aparentemente, Weitling, a esmo, havia ao menos “votado com seus pés” para se juntar à ordem capitalista.

Enquanto isso, Goodwyn Barmby se afastou em uma após outra das Ilhas do Canal tentando fundar uma comunidade utópica, e condenou um antigo seguidor por estabelecer um Jornal Comunista mais prático como “uma violação de direitos autorais” da palavra “comunismo”.

Gradualmente, entretanto, Barmby abandonou seu universalismo e se denominou um “Comunista Nacional”, e, em 1848, ele foi à França, se tornou um ministro unitário e amigo de Mazzini e abandonou o comunismo por um nacionalismo revolucionário.

Por outro lado, um importante jovem francês comunista Théodore Dézamy (1808-50), representou um esforço competitivo de militância ateia e uma aproximação rigorosa da cadre. Em sua juventude o secretário pessoal de Cabet, Dézamy liderou a repentina explosão comunista lançada em 1839 e 1840. No ano seguinte, Dézamy se tornou talvez o fundador da tradição Marxista-Leninista de ideologicamente e politicamente excomungar todos os divergentes da linha correta.

De fato, em 1842, Dézamy, um panfleteiro altamente prolífico, se tornou amargo para com seu antigo mentor, Cabet, e o condenou, em seu Calúnias e Política do Sr. Cabet, por seus vacilos crônicos. Em Calúnias, Dézamy, pela primeira vez, argumentou que a disciplina ideológica assim como política era um requisito para o movimento comunista.

Mais importantemente, Dézamy queria expurgar o comunismo francês da influência do código comunista quase religioso, poético e moralista exposto por Cabet em seu A Viagem a Icaria e especialmente em seu Credo Comunista de 1841.

Dézamy tentou ser severamente “científico” e afirmou que a revolução comunista era tanto racional quanto inevitável. Não é surpresa que Dézamy era amplamente admirado por Marx.

Ademais, medidas pacíficas ou graduais devem ser rejeitadas. Dézamy insistiu que a revolução comunista deveria confiscar toda a propriedade privada e todo dinheiro imediatamente. Meias medidas não satisfarão ninguém, ele afirmou, e adiante, como Billington enfatiza, “mudança rápida e total seria menos sangrenta que um processo lento, uma vez que o comunismo liberta a bondade natural do homem…”.[17]

O comunismo revolucionário não seria apenas imediato e total: seria global e universal. No mundo comunista futuro, haverá um “congresso da humanidade” global, apenas uma língua, e somente um serviço de trabalho, chamado “atletas industriais”, que fazem trabalho na forma de festivais da juventude comunal.

Além disso, o novo “país universal” aboliria não somente o nacionalismo “estreito”, mas também tais lealdades divisoras como a família. Em contraste bruto e prático com sua própria carreira como excomungador ideológico, Dézamy proclamou que sob o comunismo, conflitos seriam logicamente impossíveis: “Não pode haver divisão entre comunistas; nossos confrontos contra nós mesmos só podem ser confrontos de harmonia, ou de raciocínio…”, uma vez que “princípios comunitários” constituem “a solução para todos os problemas”.

Em meio a esse ateísmo militante, havia, entretanto, um certo fervor religioso e até mesmo fé. Pois Dézamy falou sobre “essa sublime devoção que constitui o socialismo”, e encorajou os proletários a reentrar “na igreja igualitária, fora da qual não há salvação”.A prisão e julgamento de Dézamy em 1844 inspiraram comunistas alemães em Paris, tal como Arnold Ruge, Moses Hess e Karl Marx, e Hess começou a trabalhar em uma tradução alemã do código de Dézamy, sob o encorajamento de Marx, que proclamou o código ser “socialista científico, materialista e verdadeiramente humanista”.


[1]           A maioria dos grupos protestantes, por outro lado, mantiveram a diferentíssima, e essencialmente correta, visão de que a Conquista Normanda impôs estamentos de terra do tipo feudal e criados pelo estado em uma Inglaterra que tinha sido mais próxima de ser um idílio de genuína propriedade privada.

             Engels e outros historiadores e antropólogos também viram o comunismo primitivo original, ou Era de Ouro, nas sociedades tribais-primitivas pré-mercado. A pesquisa antropológica moderna, no entanto, tem demonstrado que a maioria das sociedades tribais e primitivas eram baseadas na propriedade privada, dinheiro e economias de mercado. Assim, consulte Bruce Benson, “Enforcement of Private Property Rights in Primitive Societies: Law Without Government”. Journal of Libertarian Studies, 9 (Inverno 1989), págs. 1-26.  

[2]           Algo deveria ser dito aqui sobre o mais proeminente desses grupos radicais, os Quintos Monarquistas. Enquanto não necessariamente comunistas, eles eram familiares aos anabatistas da Reforma no sentido de que eles eram pós-milenaristas que acreditaram que somente eles, os eleitos, seriam salvos. Além disso, eles acreditaram que era missão histórica deles destruir todos os outros no mundo, de modo a libertar o mundo do pecado, e apressar a iminente Segunda Vinda de Jesus e o estabelecimento do Reino de Deus na Terra.

[3]           Estamos simplificando aqui as frequentemente assustadores complexidades do pensamento milenarista. Por exemplo, nas doutrinas pré-milenaristas altamente desenvolvidas do “fundamentalismo” do século XX, o período da tribulação serão sete anos muito frenéticos, a “septuagésima semana” do Livro de Daniel, na qual não somente o Anti-Cristo (“A Besta”), mas também “O Dragão” (o Anti-Deus), o “Falso Profeta” (o Anti-Espírito), a “Mulher Escarlate”, e muitos outros entes do mal serão superados. Desse modo, veja George M, Marsden, Fundamentalism and American Culture: The Shaping of Twentieth Century Evangelicalism: 1870-1925 (Nova York: Oxford University Press, 1980), pp. 58-9.

[4]           Em seus dias e posteriormente, Mably foi frequentemente referido como um “abade”, mas ele deixou o clero ainda jovem.

[5]           Citado e traduzido em Alexander Gray, The Socialist Tradition (London: Longmans Green, 1946), p. 87.

[6]           Ibid., p. 88.

[7]           Ibid., pp. 90-91.

[8]           Ibid., pp. 62-3.

 [9]          Sobre Saint-Martin, Eckartshausen e a influência deles, veja o esclarecedor artigo de Paul Gottfried, “Utopianism of the Right: Maistre and Schlegel”, Modern Age, 24 (Spring 1980), pp. 150-60.

[10]         James H. Billington, Fire in the Minds of Men: Origins of the Revolutionary Faith (Nova York: Basic Books, 1980), p. 73.

[11]         Para essa frase e outras citações traduzidas do Manifesto, veja Igor Shafarevich, The Socialist Phenomenon (Nova York: Harper & Row, 1980), pp. 121-4. Veja também Gray, op. cit., nota 5, p. 107.

[12]         Billington, op. cit., nota 10, p.75. Veja também Gray, op. cit., nota 5, p. 10Sn. Como Gray comenta, “o que é desejado é a aniquilação de todas as coisas, confiando que das poeiras da destruição uma cidade justa possa surgir. E balizado por tal esperança, o quão alegremente iria Babeuf esperar pela névoa”, Ibid. p. 105.

[13]         Exceto que a contribuição importante da “luta de classe” dos Saint Simonianos será lidada abaixo.

[14]         Cabet (1788-1856) tinha sido um distinto advogado e procurador-geral francês da Córsega, mas foi deposto por atitudes radicais em relação ao governo francês. Depois de fundar um jornal radical, Cabet fugiu para o exílio em Londres durante a década de 1830 e praticamente se tornou um Owenista.

Apesar da nacionalidade de Cabet, o livro foi originalmente escrito e publicado em inglês, e uma tradução francesa foi publicada no ano seguinte. Um comunista pacífico em vez de revolucionário, Cabet tentou estabelecer comunas utópicas em vários projetos fracassados nos Estados Unidos, de 1848 até sua morte.

[15]         Billington, op. cit., nota 10, p. 243.

[16]         Billington, op. cit., nota 10, p. 257.

[17]         Billington, op. cit., nota 10, p. 251.

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