Um Futuro de Paz e Capitalismo – Murray N. Rothbard

Tempo de Leitura: 17 minutos

Este texto foi extraído e traduzido do livro “Economic Controversies” de Murray N. Rothbard. A versão completa desse livro será disponibilizada pela nossa editora (Editora Konkin), em breve! Siga nas redes sociais para não perder esse e outros lançamentos austrolibertários!!

Para discutir o “futuro do capitalismo”, precisamos primeiro decidir qual é realmente o significado do termo “capitalismo”. Infelizmente, o termo “capitalismo” foi cunhado por seu maior e mais famoso inimigo, Karl Marx. Realmente não podemos contar com ele para um uso correto e sutil. E, de fato, o que Marx e escritores posteriores fizeram foi agrupar dois conceitos e ações extremamente diferentes e até contraditórios sob o mesmo termo valise. Esses dois conceitos contraditórios são o que eu chamaria de “capitalismo de livre mercado” por um lado e “capitalismo de estado” por outro.

A diferença entre o capitalismo de livre mercado e o capitalismo de estado é precisamente a diferença entre, de um lado, a troca pacífica e voluntária e, de outro, a expropriação violenta. Um exemplo de troca de livre mercado é minha compra de um jornal na esquina por dez centavos; aqui está uma troca pacífica e voluntária benéfica para ambas as partes. Compro o jornal porque o valorizo mais altamente do que os dez centavos que renuncio na troca; e o jornaleiro me vende o jornal porque, por sua vez, valoriza mais altamente os dez centavos do que o jornal. Ambas as partes da troca se beneficiam. E o que nós dois estamos fazendo na troca é a troca de títulos de propriedade: eu renuncio à propriedade de meus dez centavos em troca do jornal, e o jornaleiro realiza a mudança de título exatamente oposta. Essa simples troca de dez centavos por um jornal é um exemplo de ato de livre mercado unitário; é o mercado em funcionamento.

Em contraste com esse ato pacífico, existe o método da expropriação violenta. A expropriação violenta ocorre quando vou ao jornaleiro e tomo seus jornais ou seu dinheiro na mira de uma arma. Nesse caso, é claro, não há benefício mútuo; eu ganho às custas do jornaleiro vitimado. No entanto, a diferença entre essas duas transações — entre a troca mútua voluntária e o assalto à mão armada — é precisamente a diferença entre o capitalismo de livre mercado e o capitalismo de estado. Em ambos os casos, obtemos algo — seja dinheiro ou jornais — mas os obtemos de maneiras completamente diferentes, maneiras com atributos morais e consequências sociais completamente diferentes.

Aqui, não posso resistir à tentação de apontar que tenho uma interpretação totalmente diferente de Jefferson e de Hamilton daquela do professor Averitt. Não considero Jefferson como uma espécie de primeiro tipo de Franz Boas, um dos primeiros antropólogos de esquerda. Ele não era. Minha leitura de Jefferson é completamente diferente; na minha leitura, Jefferson era bem precisamente a favor do capitalismo laissez-faire, ou de livre mercado. E essa foi a verdadeira discussão entre eles. Não que Jefferson fosse contra as fábricas ou indústrias per se; o que ele era contra era o desenvolvimento forçado, isto é, taxar os fazendeiros por meio de tarifas e subsídios para construir a indústria artificialmente, o que era essencialmente o programa de Hamilton.

Jefferson, incidentalmente, junto com outros estadistas de sua época, era uma pessoa muito erudita. Ele leu Adam Smith, leu Ricardo, estava muito familiarizado com a economia clássica laissez-faire. E assim seus programas econômicos, longe de serem a expressão da bucólica nostalgia agrária, foram uma aplicação muito sofisticada da economia clássica ao cenário americano. Não devemos esquecer que os classicistas laissez-faire também eram contra tarifas, subsídios e desenvolvimento econômico forçado.

Além disso, o termo “igualdade”, conforme usado por Jefferson e os jeffersonianos, foi empregado no mesmo sentido que o amigo e colega de Jefferson, George Mason, usou quando elaborou a Declaração de Direitos da Virgínia pouco antes de Jefferson escrever a Declaração de Independência: “que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes”. Em outras palavras, “igualdade” não significava então o que frequentemente queremos dizer com igualdade agora: igualdade de condição ou uniformidade. “Igualdade” significava que cada pessoa tem o direito de ser igualmente livre e independente, de desfrutar do direito a “liberdade igual”, como Herbert Spencer diria um século depois. Em outras palavras, novamente o que estou dizendo é que a ala jeffersoniana dos Pais Fundadores era essencialmente capitalista de livre mercado e laissez-faire.

Voltando ao mercado: o livre mercado é realmente uma vasta rede, uma treliça, dessas pequenas trocas unitárias que mencionei antes: tal como trocar dez centavos por um jornal. Em cada etapa do caminho, há duas pessoas, ou dois grupos de pessoas, e essas duas pessoas ou grupos trocam duas mercadorias, geralmente dinheiro e outra mercadoria; em cada etapa, cada um se beneficia com a troca, caso contrário, eles não estariam a fazendo em primeiro lugar. Se for revelado que eles estavam errados ao pensar que a troca os beneficiaria, eles param rapidamente e não fazem a troca novamente.

Outro exemplo comum de livre mercado é a prática universal de crianças trocando cartas de beisebol — o tipo de coisa em que você troca “dois Hank Aaron[s]” por “um Willie Mays”. Os “preços” das várias cartas e as trocas realizadas baseavam-se na importância relativa que as crianças atribuíam a cada jogador de beisebol. Como uma forma de irritar os liberais, poderíamos colocar o caso da seguinte maneira: supõe-se que os liberais sejam a favor de quaisquer ações voluntárias realizadas, como diz o famoso clichê, por “dois adultos consentidos”. No entanto, é peculiar que, embora os liberais sejam a favor de qualquer atividade sexual praticada por dois adultos consentidos, quando esses adultos consentem em comércio ou troca, os liberais intervêm para assediar, aleijar, restringir ou proibir esse comércio. E, no entanto, tanto a atividade sexual consentida quanto o comércio são expressões semelhantes de liberdade em ação. Ambos devem ser favorecidos por qualquer libertário consistente. Mas o governo, especialmente um governo liberal, costuma intervir para regular e restringir esse comércio.

É como se eu estivesse prestes a trocar dois Hank Aarons por um Willie Mays, e o governo, ou algum outro terceiro, devesse intervir e dizer: “Não, você não pode fazer isso; isso é mal; é contra o bem comum. Nós, por meio deste, proibimos essa troca proposta; qualquer troca de tais cartas de beisebol deve ser um por um, ou três por dois” — ou quaisquer outros termos que o governo, em sua sabedoria e grandeza, arbitrariamente desejasse impor. Com que direito eles fazem isso? O libertário afirma, com absolutamente nenhum direito.

Em geral, a intervenção governamental pode ser classificada de duas maneiras: ou como proibindo ou proibindo parcialmente uma troca entre duas pessoas — entre dois adultos consentindo, uma troca benéfica para ambas as partes; ou como forçando alguém a fazer uma “troca” com o governo unilateralmente, na qual a pessoa cede algo ao governo sob a ameaça de coerção. A primeira pode incluir a proibição total de uma troca, a regulação dos termos — o preço — da troca ou o impedimento de que certas pessoas façam a troca. A título de exemplo da última intervenção, para ser fotógrafo na maioria dos estados, precisa-se ser um fotógrafo devidamente licenciado — comprovando que se é de “bom caráter moral” e pagando uma certa quantia de grana ao aparato estatal. Isso a fim de ter o direito de tirar uma foto de alguém! O segundo tipo de intervenção é uma “troca” forçada entre nós e o governo, uma “troca” que beneficia apenas o governo e não a nós mesmos. Claro, a taxação é o exemplo óbvio e evidente disso. Em contraste com a troca voluntária, a taxação é uma questão de invadir e confiscar coercitivamente a propriedade das pessoas sem o consentimento delas.

É verdade que muitas pessoas parecem acreditar que a taxação não é imposta sem o nosso consentimento. Eles acreditam, como disse uma vez o grande economista Joseph Schumpeter, que os impostos são algo como as anuidades de clube, onde cada pessoa voluntariamente paga sua parte das despesas do clube. Mas se você realmente pensa assim, tente não pagar seus impostos algum dia e veja o que acontece. Nenhum “clube” que eu conheça tem o poder de vir e confiscar seus bens ou prendê-lo se você não pagar suas anuidades. Em minha opinião, então, impostos são exploração — impostos são um jogo de “soma zero”. Se existe alguma coisa no mundo que seja um jogo de soma zero, é a taxação. O governo confisca dinheiro de um grupo de pessoas, dá a outro grupo de pessoas e, nesse meio tempo, é claro, corta uma grande parte para suas próprias “despesas de tratamento”. A taxação, então, é pura e imaculadamente um roubo. E ponto final.

Na verdade, eu desafio qualquer um de vocês a se sentar e trabalhar em uma definição de taxação que também não seria aplicável ao roubo. Como o grande escritor libertário H.L. Mencken uma vez apontou, entre o público, mesmo que não sejam libertários dedicados, roubar o governo nunca é considerado no mesmo plano moral de roubar outra pessoa. Roubar outra pessoa geralmente é deplorado; mas se o governo é roubado, tudo o que acontece, como disse Mencken, “é que certos malandros e vadios têm menos dinheiro para brincar do que antes”.

O grande sociólogo alemão Franz Oppenheimer, que escreveu um livrinho magnífico chamado The State, expôs o caso de maneira brilhante. Em essência, disse ele, existem apenas duas maneiras dos homens adquirirem riqueza. O primeiro método é pela produção de um bem ou de serviço e trocá-lo voluntariamente pelo produto de outra pessoa. Esse é o método da troca, o método do livre mercado; é criativo e expande a produção; não é um jogo de soma zero porque a produção se expande e ambas as partes se beneficiam da troca. Oppenheimer chamou esse método de o “meio econômico” para a aquisição de riqueza. O segundo método é pelo confisco da propriedade de outra pessoa sem o seu consentimento, ou seja, por roubo, exploração e saque. Quando você confisca a propriedade de alguém sem seu consentimento, você está se beneficiando às custas dela, às custas do produtor; aqui é realmente um “jogo” de soma zero — não muito parecido com um “jogo”, aliás, do ponto de vista da vítima. Em vez de expandir a produção, esse método de roubo claramente atrapalha e restringe a produção. Assim, além de ser imoral, enquanto a troca pacífica é moral, o método de roubo atrapalha a produção porque parasita o esforço dos produtores. Com brilhante astúcia, Oppenheimer chamou esse método de obtenção de riqueza de “o meio político”. E então ele passou a definir o estado, ou governo, como “a organização dos meios políticos”, ou seja, a regularização, legitimação e estabelecimento permanente dos meios políticos para a aquisição de riqueza.

Em outras palavras, o estado é furto organizado, roubo organizado, exploração organizada. E essa natureza essencial do estado é destacada pelo fato de que o estado sempre repousa sobre o instrumento crucial de taxação.

Preciso comentar aqui novamente sobre a declaração do Professor Averitt sobre “ganância”. É verdade: a ganância tem tido uma péssima publicidade. Francamente, não vejo nada de errado com a ganância. Acho que as pessoas que estão sempre atacando a ganância seriam mais consistentes com sua posição se recusassem o próximo aumento de salário. Não vejo nem mesmo o estudioso mais esquerdista deste país queimando desdenhosamente o cheque de seu salário. Em outras palavras, “ganância” significa simplesmente que você está tentando aliviar a escassez dada pela natureza com a qual o homem nasceu. A ganância continuará até que o Jardim do Éden chegue, quando tudo for superabundante, e não tivermos que nos preocupar com economia. É claro que ainda não alcançamos esse ponto; ainda não chegamos ao ponto em que todo mundo está queimando seus aumentos de salário, ou cheques de salário em geral. Assim, a questão então se torna: que tipo de ganância teremos, “ganância produtiva”, em que as pessoas produzem e trocam voluntariamente seus produtos com outras? Ou ganância exploradora, roubo organizado e predação, em que você obtém sua riqueza às custas dos outros? Essas são as duas alternativas reais.

Voltando ao estado e à taxação, gostaria de salientar, aliás, que Santo Agostinho, que não é famoso por ser um libertário, apresentou, no entanto, uma excelente parábola libertária. Ele escreveu que Alexandre, o Grande, havia capturado um pirata e perguntou ao pirata o que ele queria dizer com tomar posse do mar. E o pirata corajosamente respondeu: “O que você quer dizer com apoderar-se de toda a terra; mas porque faço isso com um pequeno navio, sou chamado de ladrão, enquanto você, porque o faz com uma grande frota, é chamado de imperador”. Aqui Agostinho destaca o fato de que o estado é simplesmente roubo em larga escala, em uma escala enorme, mas um roubo legitimado pela opinião intelectual.

Tome, como outro exemplo, a Máfia, que também sofre com a má publicidade. O que a máfia faz em escala local, o estado faz em escala enorme, mas o estado, é claro, tem uma publicidade muito melhor.

Em contraste com a antiga instituição do estatismo, dos meios políticos, o capitalismo de livre mercado surgiu como um grande movimento revolucionário na história do homem. Pois veio a um mundo previamente marcado pelo despotismo, pela tirania, pelo controle totalitário. Emergindo primeiro nas cidades-estado italianas, o capitalismo de livre mercado atingiu sua escala plena com a Revolução Industrial na Europa Ocidental, uma revolução que trouxe uma notável liberação de energia criativa e de habilidade produtiva, um enorme aumento da produção. Você pode chamar isso de “ganância” se desejar; você pode atacar como “ganância” o desejo de alguém que está em situação de pobreza e deseja melhorar sua fortuna.

Isso me lembra um ponto interessante sobre a “ganância” que atravessa o contínuo usual de “Esquerda-Direita”. Lembro-me de quando Russell Kirk lançou o movimento conservador contemporâneo neste país, em meados da década de 1950. Um dos principais jovens conservadores daquela época discursou em uma manifestação e opinou que todo o problema com o mundo, e a razão para o crescimento da esquerda, é que todos são “gananciosos”, as massas da Ásia são “gananciosas”, e assim por diante. Aqui estava uma pessoa que era dona de metade de Montana, atacando a massa da população mundial, que tentava se elevar acima do nível de subsistência, para melhorar um pouco sua fortuna. E ainda assim eles eram “gananciosos”.

De qualquer forma, o capitalismo de livre mercado, a Revolução Industrial, viu uma enorme expansão das energias produtivas, uma expansão que constituiu uma revolução contra o sistema mercantilista dos séculos XVII e XVIII. De fato, o sistema mercantilista é essencialmente o que temos agora. Há muito pouca diferença entre o capitalismo de monopólio estatal, ou capitalismo de estado corporativo, como você queira chamá-lo, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental hoje, e o sistema mercantilista da era pré-Revolução Industrial. Existem apenas duas diferenças; uma é que sua principal atividade era o comércio e a nossa é a indústria. Mas o modus operandi essencial dos dois sistemas é exatamente o mesmo: privilégio de monopólio, uma combinação completa do que agora é chamado de “parceria entre governo e indústria”, um sistema difuso de militarismo e contratos de guerra, um impulso para a guerra e o imperialismo; todo o que está sob consideração caracterizou os séculos XVII e XVIII. A diferença realmente importante é que eles não tinham um aparato de R.P. gigantesco; eles não tinham uma frota de intelectuais alardeando para todo tipo de gente as maravilhas do sistema: como ele promove o bem comum e o bem-estar geral, como isso é o Liberalismo em Ação. Eles disseram: “Estamos empenhados em atrair o público e estamos fazendo isso!” Eles eram muito honestos naquela época. É realmente revigorante, aliás, voltar e ler o material antes de 1914 e deleitar-se na honestidade do período.

Um dos conceitos importantes nessa conexão é o de Albert Jay Nock, um grande pensador libertário e seguidor de Franz Oppenheimer. Nock cunhou dois conceitos: o que chamou de “poder social” por um lado e “poder do estado” por outro. O poder social é essencialmente o que venho falando sobre: as energias produtivas liberadas pelo livre mercado, por trocas voluntárias, pessoas interagindo de forma voluntária e pacífica. “Poder do estado” é parasitismo, exploração e o aparato estatal em geral — impostos organizados, regulamentação, etc. E Nock via a história como essencialmente uma corrida entre o poder social e o poder do estado. No período da Revolução Industrial, por exemplo, devido a várias circunstâncias, o poder do estado era mínimo, e isso permitiu que o poder social tivesse uma explosão tremenda para cima. E o que aconteceu no século XX é essencialmente que o poder do estado o alcançou; eles intrometeram-se na sociedade e começaram a incapacitá-la mais uma vez.

Qual é, então, minha visão do “futuro do capitalismo” — nosso tópico para hoje? Minha visão do futuro é altamente otimista. Eu realmente acho que o capitalismo de livre mercado, embora supostamente uma instituição neandertal e reacionária, é a onda do futuro. Por um lado, foi a onda do futuro há cem anos e há duzentos anos, e o que temos agora é apenas uma reversão reacionária ao sistema anterior.

O sistema atual não é realmente “progressista”. Em segundo lugar, foi descoberto por Ludwig von Mises em 1920 que o socialismo — a outra alternativa polar para o nosso atual neomercantilismo — não pode administrar um sistema industrial.

Um sistema agrícola pode ser administrado indefinidamente por quase qualquer pessoa, desde que você deixe os camponeses vivos. Você pode ter quase qualquer tipo de sistema tirânico sobre os camponeses. Mas em um sistema industrial, você precisa de muito mais do que isso: você precisa de um mercado, precisa de testes de lucros e prejuízo, você não pode administrar o sistema ao acaso. E Mises provou que um sistema socialista não pode calcular economicamente, porque não tem um sistema de preços para bens de capital e, portanto, o socialismo não será capaz de administrar um sistema industrial.

Todos os livros-texto dizem que Mises foi rapidamente refutado por Oskar Lange e outros, mas ele realmente não foi refutado. Não tenho tempo para entrar no argumento teórico. Mas, na prática, o que aconteceu é que, em resposta à industrialização, houve uma tremenda mudança nos últimos quinze anos nos países socialistas da Europa Oriental, afastando-se do socialismo em direção a um livre mercado. Para quem acredita na liberdade e no livre mercado, essa mudança é um dos desenvolvimentos mais empolgantes das últimas duas décadas. Agora, existem apenas duas interpretações desse desenvolvimento: ou você tem que dizer, como fazem os chineses, que os iugoslavos, os poloneses, os tchecos, os eslovacos, os húngaros, todos se venderam ao capitalismo — eles foram em segredo à embaixada americana e receberam seu pagamento. Ou você tem que dizer que algo mais profundo está acontecendo, que o que está essencialmente acontecendo é que eles tentaram o socialismo e não funcionou, especialmente quando as economias começaram a se industrializar. Eles descobriram na prática, pragmaticamente, sem ler Mises (embora haja evidências de que tenham lido Mises nessa época) e Hayek e outros, que o socialismo não pode calcular, eles próprios chegaram a essa conclusão. Lênin, de fato, chegou a essa conclusão muito cedo, quando o “Comunismo de Guerra” foi desfeito em 1921.

O “comunismo de guerra” foi uma tentativa, logo após a Revolução Bolchevique, de saltar para o comunismo pleno, para uma economia sem dinheiro e sem preços, na qual todos deveriam — e na prática foram forçados a — apresentar seus bens ao monte comum, e retirar dessa pilha para satisfazer suas necessidades.

O sistema do comunismo de guerra provou ser um desastre total — não por causa da Guerra Civil (essa racionalização só veio muito mais tarde), mas por causa do próprio sistema comunista. Lênin logo percebeu o que estava acontecendo e rapidamente instituiu a Nova Política Econômica, que era essencialmente um retorno a um sistema de quase livre mercado.

Agora, os países do Leste Europeu, especialmente a Iugoslávia, têm se afastado muito rapidamente desde a década de 1950 do socialismo e do planejamento central e em direção a um sistema de livre mercado. Na Iugoslávia, por exemplo, a agricultura, ainda a principal indústria, é quase totalmente privada; um setor privado próspero existe no comércio e na pequena manufatura; e o “setor público” foi entregue de fato e também de direito pelo estado à propriedade dos trabalhadores nas várias fábricas — funcionando essencialmente como cooperativas de produtores. Além disso, há um mercado substancialmente livre entre as cooperativas desses produtores, com um sistema de preços próspero, testes severos de lucros e prejuízos (quando uma empresa perde dinheiro suficiente, ela vai à falência). Além disso, a reforma econômica iugoslava mais recente, que começou em 1967 e ainda está em andamento, viu uma tremenda queda na taxa de tributação de suas cooperativas — uma queda da taxa anterior de imposto de renda de aproximadamente 70% para cerca de 20%. Isso significa que o governo central iugoslavo não exerce mais controle total sobre o investimento: o investimento, também, foi descentralizado e desestatizado. Na verdade, se alguém ler os economistas comunistas na Iugoslávia — especialmente nas áreas relativamente industrializadas da Croácia e da Eslovênia — eles se parecem muito com Barry Goldwater ou Ronald Reagan. “Por que deveríamos nós, croatas ou eslovenos produtivos”, eles perguntam, “ser taxados a fim de subsidiar aqueles preguiçosos porcalhões em Montenegro?” E: “por que devemos construir fábricas não econômicas (“políticas”)? Todos deveriam se sustentar”, etc. O próximo passo na Iugoslávia é que os bancos — que, a propósito, são cooperativas privadas amplamente competitivas de propriedade de seus clientes de negócios — estão agitando por um mercado de ações em um país comunista, o que teria sido considerado incrível dez ou vinte anos atrás. E o que eles estão propondo chamar esse sistema — literalmente — é “capitalismo do povo socialista”.

Nesse ponto, há alguns anos eu ministrava um curso de Sistemas Econômicos Comparados. Naturalmente, passei o semestre elogiando o livre mercado e atacando o socialismo e o planejamento central. Finalmente, convidei um professor de intercâmbio da Hungria — um eminente economista comunista — para dar uma palestra convidada, e as crianças sentiram: “Ah, pelo menos vamos conseguir o outro lado do panorama”. E o que o economista húngaro fez? Ele passou a palestra inteira elogiando o livre mercado e atacando o planejamento central. Ele disse quase exatamente o que eu disse até então.

Na Europa Oriental, então, acho que as prospectivas para o livre mercado são excelentes — acho que estamos obtendo capitalismo de livre mercado e que seu triunfo é quase inevitável. Nos Estados Unidos, as prospectivas são um pouco mais nebulosas, mas aqui também vemos a “Nova Esquerda” assumindo muitas das posições que nós, “extrema-direita”, costumávamos ter. Muito da posição que costumava ser chamada de “extrema-direita” vinte anos atrás agora é considerada bastante esquerdista. Como resultado, eu, com a mesma posição que tinha então, fui deslocado fisicamente da extrema direita para a esquerda sem nenhum esforço de minha parte. Descentralização; controle da comunidade; ataque ao governo do Leviatã, à burocracia, à interferência do governo na vida de cada pessoa; ataque ao sistema educacional estatal; crítica ao sindicalismo, que é vinculado ao Estado; oposição ao militarismo, à guerra, ao imperialismo e à conscrição; todas essas coisas que a esquerda agora está começando a ver, é precisamente o que nós, “extrema direita”, dizemos o tempo todo. E, no que diz respeito à “descentralização”, não há nada tão descentralizado quanto o livre mercado, e talvez isso também chegue ao conhecimento do público.

E então, estou muito otimista sobre o futuro do capitalismo de livre mercado. Não estou otimista sobre o futuro do capitalismo de estado — ou melhor, estou otimista, porque acho que eventualmente chegará ao fim. O capitalismo de estado cria inevitavelmente todos os tipos de problemas que se tornam insolúveis; como Mises mais uma vez apontou, uma intervenção no sistema para tentar resolver problemas apenas cria outros problemas, que então demandam outras intervenções, etc., e assim todo o processo continua aumentando rapidamente até que você tenha um sistema totalmente coletivista e totalitário. A propósito, é muito parecido com a escalada no Vietnã; o princípio, como todos sabemos a esta altura, é que a intervenção governamental no Vietnã cria problemas que exigem uma escalada ainda maior, etc. A mesma coisa acontece na intervenção interna, sendo o programa agrícola um exemplo esplêndido desse processo. Tanto no Vietnã quanto na intervenção governamental interna, cada passo de escalada crescente apenas cria mais problemas que confrontam o público com a escolha: ou prosseguir com mais intervenções ou revogá-las — no Vietnã, retirar-se do país. Agora, na Iugoslávia e no resto da Europa Oriental, eles tomaram o caminho oposto: de de-escalada progressiva, de revogação contínua de uma intervenção após a outra e em direção ao livre mercado. Nos Estados Unidos, até agora temos trilhado o caminho de intervenções cada vez mais aceleradas, de cada vez mais obstrução do livre mercado. Mas está começando a ficar evidente que o sistema misto está rompendo, que não funciona. Está começando a se ver, por exemplo, que o Estado de Bem-Estar Social não tributa os ricos e dá aos pobres; tributa os mais pobres para dar aos mais ricos, e os pobres, em essência, pagam pelo Estado de Bem-Estar Social. Está começando a ser visto que a intervenção estrangeira é essencialmente um método de subsidiar corporações americanas favorecidas, em vez de ajudar os pobres nos países subdesenvolvidos. E agora está se tornando evidente que as políticas keynesianas apenas tiveram sucesso em nos levar ao atual impasse de inflação cum recessão, e que nossos economistas olímpicos não têm mesmo como sair da confusão atual, exceto cruzar os dedos e seus modelos econométricos e orar. E, é claro, podemos esperar outra crise de balanço de pagamentos em alguns anos, outro episódio de crise inflacionária em alguns anos, outro episódio de histeria de escoamento de ouro.

Portanto, temos muitas crises surgindo na América, algumas a caminho, outras iminentes ou já aqui. Todas essas crises são os produtos da intervenção e nenhuma delas pode realmente ser resolvida por mais intervenção. Mais uma vez, acredito que no final iremos eventualmente inverter nosso curso atual — talvez tomando a Iugoslávia como nosso paradigma. A propósito, o Professor Averitt mencionou a Grande Depressão. A Grande Depressão sempre foi considerada o produto do capitalismo de livre mercado da década de 1920. Foi o resultado de uma intervenção governamental muito forte nos anos 1920, uma intervenção, aliás, que é muito semelhante à intervenção atual. Na década de 1920, tínhamos o recém-imposto SIstema de Reserva Federal, que todos os economistas do establishment da época nos garantiam que eliminaria todas as depressões futuras; o Sistema de Reserva Federal, doravante, manipularia os preços e a oferta monetária e passaria a limpo os ciclos econômicos para sempre. Mil novecentos e vinte e nove e a Grande Depressão foram os resultados dessa manipulação guiada pelas mãos sábias da economia do establishment — eles não foram os resultados de qualquer coisa como o capitalismo de livre mercado.

Em suma, o advento do industrialismo e da Revolução Industrial mudou irreversivelmente o prognóstico para a liberdade e o estatismo. Na era pré-industrial, o estatismo e o despotismo podiam permanecer indefinidamente, contentes em manter o campesinato em níveis de subsistência e viver de seu excedente. Mas o industrialismo quebrou as velhas tabelas; pois tornou-se evidente que o socialismo não pode administrar um sistema industrial, e está gradualmente se tornando evidente que o neomercantilismo, o intervencionismo, a longo prazo também não pode administrar um sistema industrial. O capitalismo de livre mercado, a vitória do poder social e dos meios econômicos, não é apenas o único sistema moral e de longe o mais produtivo; tornou-se o único sistema viável para a humanidade na era industrial. Seu triunfo final é, portanto, praticamente inevitável.

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