Uma Resposta ao Expulsionismo

Tempo de Leitura: 7 minutos

Este texto é uma resposta ao artigo Uma Alternativa No Debate Sobre O Aborto: O Expulsionismo publicado aqui na Universidade Libertária.

O expulsionismo é uma proposta de solução para a questão do aborto criada por Walter Block. O argumento consiste, em resumo, nos seguintes pontos (responderei a algumas defesas ao expulsionismo ao final da exposição dos pontos):

  1. Todos os indivíduos têm direitos de autopropriedade, isso inclui os fetos e demais estágios do desenvolvimento humano.
  2. A questão do aborto seria uma questão que surge do conflito entre a mãe e a ‘criança’ (tomemos esse termo, para facilitar a explicação), sendo, segundo Block, Rothbard e outros, direito da mãe autoproprietária decidir se o indivíduo pode ou não permanecer em seu corpo.
  3. O expulsionismo conclui que a mãe não tem a obrigação positiva de manter o bebê até o final da gestação, mas também não pode simplesmente assassinar o bebê. Ela deve, portanto, se estiver certa que não deseja o feto em seu ventre, retirá-lo da forma mais gentil possível. Ela deve recorrer aos meios que ela possui para retirar o bebê com vida de seu ventre. Se não for possível tecnicamente, e apenas se não for possível, ela pode realizar a retirada do bebê, mesmo que isso cause a morte dele. Entretanto, mesmo neste caso, deve ser feito de tudo para se tentar manter a vida do filho.

Em um cenário em que a tecnologia esteja desenvolvida o suficiente para manter a vida de um feto fora da barriga da mãe, ou de se fazer o transplante para a barriga de uma outra mãe que deseje receber o feto, o aborto seria proibido em praticamente todos os casos.

Alguns argumentos em prol do expulsionismo e suas respostas:

Um argumento comum, externo a esse conflito, é o de que determinada pessoa que fez grandes contribuições para o mundo não teria nascido se tivesse sido abortada. Este argumento pode até ser válido do ponto de vista da moral (o considero válido nesse sentido), mas do ponto de vista ético não. Primeiro, do ponto de vista utilitário, o mesmo argumento serviria para pessoas que causaram grandes danos ao planeta, uma vez que não sabemos o futuro no momento em questão. Em segundo, do ponto de vista da ética libertária como uma postura deontológica, não faz sentido definir a eticidade de uma ação pelas suas consequências, mas sim pela ação em si.

Creio que se com isso o autor se refira à questão da causalidade, isso é terminantemente falso. O argumento é que se alguém é responsável causal por algo, essa pessoa é uma agressora, se você mata alguém, ou aperta um botão que faz com que alguém morra, ou envie uma caixa com uma bomba para alguém por um carteiro e essa pessoa abre, e por conta disso, é morta, isso continua sendo um assassinato em todos os três casos, do contrário o botão seria o culpado, ou no caso da caixa, o carteiro que foi usado de meio, ou mesmo a pessoa que abriu a caixa, afinal ela poderia não o ter feito, não é mesmo?

A questão toda se revela sobre o que podemos analisar e dizer com alto grau de certeza sobre a causalidade de algo, uma mulher que dá a luz a Hitler é parcialmente responsável pelo holocausto? Ora, em parte, podemos dizer que sim, já que sem sua gravidez isso não teria ocorrido, mas ela é culpada (num sentido de ter cometido um ato per se anti ético) pelo holocausto? Ora, obviamente que não, ela não empregou seu filho de meio para criar o holocausto, todas as decisões de seu filho foram causalmente responsáveis pelo que se seguiu, isso é análogo ao caso do carteiro que entregou a bomba: ele é responsável? Sim, ele pode ser punido ou ser criminalmente culpado? NÃO.

Agora, quando falamos da mãe, podemos, com certeza, dizer que o que ela fez foi um ato deliberado, ela escolheu ter relações sexuais, ela escolheu assumir esses riscos, não foi o acaso que a obrigou a tal, essa é a crucial diferença entre a mãe que dá a luz a um filho que deliberadamente escolhe cometer um ato anti ético, e a mulher que deliberadamente escolhe ter relações sexuais e concebe um filho.

Uma regra comum em várias legislações é a de que o aborto no caso de estupro é legalizado. Entretanto, como vimos acima, é impossível de diferenciar moralmente um bebê gerado a partir de uma relação consensual de um bebê gerado por um estupro.
Não tendo o bebê qualquer culpa sobre a violação, é impossível fazer essa distinção. Ele é inocente e não pode ser punido pela ação de seu pai, por mais grave que seja o crime cometido. Novamente, a “origem” do bebê não tem relação com o dilema do aborto.

Falso, como apontado anteriormente, a causalidade é o que torna toda a questão sobre decidir sobre a culpa algo legítimo, tendo em vista que se a mãe foi estuprada, isso leva a culpa pelo que ocorre à criança para o pai, que deliberadamente empregou o corpo da mulher para atingir seu fim (ter sexo sem o consentimento da mesma), assumindo esse risco crucial.

Um outro argumento comum contra o aborto é de que a gestação seria um contrato implícito entre a mãe e o pai, que ao entrar em uma relação consensual, assumiram o risco de gerar um bebê e, portanto, seria responsabilidade deles manter o bebê até o nascimento.
O primeiro problema com essa visão é que ela desconsidera os direitos do feto, trata como uma questão que pode ser definida entre a mãe e o pai. E, ao envolver o pai, restringe a autopropriedade da mãe: se a mãe não considera errado realizar um aborto no momento da relação sexual, onde está o consentimento desse “contrato implícito”?
Outro problema com esse argumento é que a responsabilização no formato proposto, além de ignorar os diretos do bebê, gera consequências positivas que não fazem sentido. Por esse argumento, uma pessoa que come muita batata frita, mesmo sabendo que pode ter um ataque cardíaco, não poderia realizar uma angioplastia porque seria “não assumir as responsabilidades pelos seus atos”.
A única exceção seria o caso de a mulher efetivamente realizar um contrato para ter o bebê, seja com o pai, seja com qualquer outra pessoa. Nesse caso ela estaria vinculada aos termos do contrato, o que não cabe nessa discussão.

O primeiro problema desse argumento é partir do pressuposto errado, não se trata de um contrato implícito, não se trata nem mesmo de um contrato, e sim de uma relação causal de eventos que ocorrem por decisões deliberadas e podem ser, com alto grau de objetividade em análise, obtidos.

Em seguida, falando sobre as consequências, temos que a questão dos deveres positivos faz completo sentido, vez que não se trata realmente de um dever positivo, no sentido que isso apenas assume uma formalidade terminológica (que já explicitei ao longo desse texto), um dever positivo, nada mais é do que uma obrigação negativa levada a suas consequências, a obrigação negativa de não violar propriedade, tome o exemplo do lago para uma melhor compreensão da explicação.

O exemplo da batata frita também não faz sentido algum, visto que a questão da responsabilidade causal se refere explicitamente a geração de possíveis atos antiéticos decorrentes de ações deliberadas do agente, alguém que come batata frita não está fazendo nada mais do que assumir riscos sobre algo que pode ocorrer com o próprio corpo, assim como quem corta os próprios pulsos esperando se suicidar, não há ato anti ético aqui.

O Bebê como um Convidado (Indesejado)

Uma comparação normalmente feita é a de que o bebê se trata de um convidado pela mulher, que a relação sexual consentida seria algo como um convite para o bebe adentrar o corpo dela.

Esta discussão não faz sentido do ponto de vista libertário porque mesmo que seja um convite, uma pessoa não tem a obrigação positiva de manter o convidado sob os seus cuidados ou de não mudar de ideia em relação ao convite inicial.

Walter Block dá dois exemplos para demonstrar esse fato.
Imagine que de repente, sem nenhum explicação, se materialize na sua casa uma pessoa em coma (que Block chamou no exemplo de Karen Anne Quinlan, uma americana que entrou em coma na década de 70 e sua família lutou pelo direito à eutanásia passiva durante muitos anos). Você chamou as autoridades, mas ninguém se prontificou a realizar os cuidados necessários.

Seria então você obrigado a cuidar dessa pessoa e prover todos os recursos que ela necessita? Seria muito generoso e virtuoso da sua parte prover os recursos para evitar que ela morra, mas deveria você ter a obrigação legal de mantê-la viva?

Outra metáfora que Block apresenta é o de uma pessoa que acorda e descobre que médicos ligaram cirurgicamente o rim dela ao de um violinista famoso. Este violinista não possui rins e está conectado à essa pessoa através de uma espécie de cordão umbilical, sendo que se retirada essa conexão ele virá a falecer. O “paciente” não sabia da operação e é completamente inocente, sendo os únicos responsáveis os médicos, que desapareceram da cena.

Que obrigações essa pessoa teria com o violinista? Deveria ser obrigada a passar o resto da vida conectada a esse violinista para evitar a morte dele? Se você cortar o pescoço do violinista, ou cortar diretamente o “cordão umbilical”, terá causado a morte dele e, portanto, terá cometido um assassinato. Então o que deve ser feito?

Para Block, deve ser chamado alguém ou alguma associação que possa remover a conexão sem causar a morte dele, como um hospital, “Os Amigos das Vítimas do Rim”, o Exército da Salvação ou a Igreja ou o que seja. Apenas se nenhuma das soluções funcionar é que o corte do cordão não deveria ser interpretado como assassinato.

Esse outro ponto, embora seja irrelevante, dada a explicação do problema real, é importante que seja resolvido, de forma a tornar ainda mais sólida a defesa anteriormente exposta.

Primeiramente, um convite toma em consideração o ato deliberado da pessoa em questão de aceitá-lo, o que não ocorre com a criança, ela é colocada lá a força/sem consentimento.

No primeiro exemplo de Block, a situação de culpabilidade também não se aplica, não houve relação causal de responsabilidade alguma no fato da pessoa se materializar na cabana da pessoa, assim como quando o homem estupra a mulher não existe responsabilidade alguma da mulher sobre a criança, apenas do estuprador, esse exemplo sequer se qualifica como um eficiente contra-argumento a essa defesa.

O segundo exemplo de Block é igualmente débil, desconsiderando novamente a complexidade das relações causais entre os fatos, se a pessoa escolher remover o violinista de sua propriedade ela não está cometendo crime algum, por que em primeiro lugar ela não foi a culpada pelo estado do violinista e de si mesma, foram justamente os médicos.

O Aborto como Expulsar Alguém de um Avião em Movimento sem Paraquedas

Um argumento apresentado por muitos a ideia apresentada até aqui é que essa remoção seria como convidar uma pessoa para um avião e, então, em pleno ar, expulsá-lo do avião sem um paraquedas.

A analogia se mostra mais precisa porque ao contrário do caso da Karen Anne Quinlan e do Violinista, o vôo é temporário (uma comparação com os 9 meses de gestação).

Entretanto, como argumenta Block, quando alguém concorda em entrar em um avião, existe um acordo, mesmo que implícito, de que você será levado até o destino. No caso de um bebê este acordo não é possível, primeiro porque no momento da concepção ele nem mesmo existe e segundo porque ele não tem a cognição necessária para qualquer tipo de acordo.

Agora nesse exemplo ele toma como válida a questão de contratos implícitos? Isso não faz sentido, mas, tomando que posso ter compreendido erroneamente sua visão sobre essa forma de contratos, iremos analisar a questão pela ótica puramente causal.

A questão nunca se tratou do acordo, isso é algo que Block não parece compreender bem, e sim da responsabilidade causal que existe em determinados atos, imagine o caso de uma pessoa que sequestra outra e coloca no avião, por exemplo, essa pessoa possui a mesma obrigação de não jogar sua vítima do avião quanto de não jogar o cliente, justamente por que se ele o fizesse estaria sendo responsável pela morte de alguém (no caso do sequestro, pela morte E sequestro de alguém).

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Um comentário

  1. muito interessante seus conteúdos gostei muito deles. Parabéns 🙂

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