Professor Shackle sobre a Significância Econômica do Tempo

Tempo de Leitura: 15 minutos

Por Ludwig M. Lachmann

[Tradução de Professor Shackle on the Economic Significance of Time por José Aldemar, retirado de Capital, Expectations, and the Market Process, parte 2, cap. 3]

1.

Na primeira das Palestras de De Vries, feita no ano de 1957 em Amsterdã[1], o Professor Shackle desenvolveu ainda mais aquelas ideias sobre o papel do tempo na teoria econômica que os estudantes de sua obra conhecem de seu artigo “A complexa natureza do Tempo como um conceito na Economia”[2]. Essas ideias são importantes por ao menos três razões:

  1. Como o professor Shackle explica no fim de sua primeira palestra, elas incorporam as pressuposições nas quais toda sua obra sobre expectativas repousa. A fim de discutir Decision and Uncertainty (os objetos de sua segunda palestra) nós devemos assumir, ele nos conta, um mundo no qual decisões significativas, que não são meramente respostas mecânicas a determinadas situações, ou como ele diz, “decisões tendo conteúdo e interesse”, são possíveis. Em sua primeira palestra, o Professor Shackle defende nossa crença em tal mundo e contra o determinismo na ação humana.
  2. Essas ideias têm uma óbvia relevância na possibilidade da teoria dinâmica na Economia, em particular nos modelos de tipo micro e macroeconômico. De fato, o Professor Shackle vai ainda mais longe e parece negar a possibilidade, numa configuração dinâmica, de qualquer coisa além de uma teoria de equilíbrio da tomada de decisão isolada individual, tal como ele nos deu em Expectations in Economics.
  3. A abordagem tem implicações de longo alcance na metodologia da economia e na das ciências sociais em geral. Pois o Professor Shackle argumenta de fato que a noção de tempo como um “espaço”, como um continuum homogêneo, como as ciências naturais o usam, não pode ser aplicada ao fenômeno da ação humana, porque, para o indivíduo agindo num dado momento, o tempo não é homogêneo. Trata-se, portanto, de uma questão que diz respeito a todas as ciências sociais.

Nesse artigo nós iremos nos restringir a uma discussão dos problemas listados em 2) e 3). Sem nenhuma significância atribuída a nossa desconsideração da questão 1). Nós simplesmente tomamos por garantido que o que o Professor Shackle diz sobre a estrutura lógica e pressuposições de sua própria obra está correto.

Mas toda obra importante, tal como a presente, aponta para além de si mesma. São as implicações das visões do Professor Shackle sobre o progresso da ciência econômica que nos interessam primordialmente.

Esse artigo, portanto, divide-se em duas partes. Na primeira, examinaremos as visões do Professor Shackle sobre o caráter econômico do tempo. Na segunda, consideraremos algumas implicações mais abrangentes, para a metodologia das ciências Econômicas e sociais, da inaplicabilidade de certos conceitos que as ciências naturais podem tomar, e tomam, como certos.

O ponto de partida natural para ambas é a crítica do autor acerca do conceito naturalístico de tempo aplicado aos fenômenos da ação humana.

“Na dinâmica clássica do físico, o tempo é meramente e simplesmente uma variável matemática. A essência de seu esquema de pensamento é a completamente abstrata ideia de função, a ideia de alguma regra de funcionamento ou procedimento codificado que, aplicado a qualquer valor particular e especificado ou conjunto de valores de uma ou mais variáveis independentes, geram um valor de uma variável dependente. Para a variável independente em uma construção mental desse tipo, tempo é um equívoco. O tempo, como o parecemos experienciar, possui um caráter profunda e radicalmente diferente daquele que uma mera abstração algébrica capaz de ser adequadamente representar pelo símbolo de uma grandeza escalar” (p.23). Como, então, nós experienciamos o tempo?

“Na experiência de indivíduos humanos, cada um desses momentos é, num certo sentido, solitário. Para nós, existe um momento-existente (momento de senso de realidade), que é o locus de toda experiência sensorial, cada pensamento, sentimento, decisão e ação” (p.13).

“O momento-existente ocorre, por assim dizer, ao longo do eixo do calendário, e então sempre nos transporta, quer queira ou não, para recentes pontos de vista temporais. Denominarei isso de movimento dinâmico no tempo” (p.15).

A mente humana pode, é verdade, transcender o presente momento na imaginação e memória, mas o momento-existente, todavia, permanece sempre autocontido e solitário.

“Qualquer ponto do eixo do calendário dentro da maior parte do suposto tempo de vida do indivíduo pode, por expectativa ou memória, ser trazido para as relações de cada estação sucessiva do momento-existente. Mas cada relação, em outro sentido, subsiste inserida dentro do momento-existente. Expectativas e memórias não fornecem um meio de comparar a atualidade do momento-existente de uma de suas estações com aquela de outro local distinto no eixo do calendário, por estarem juntas, pois a natureza do ‘presente’, a essência do momento-existente é um isolamento autossuficiente inexpugnável” (p. 16).

Daí se segue que é impossível comparar ações humanas empreendidas em diferentes momentos do tempo. Pela impossibilidade de dois momentos estarem juntos “existindo”, “a realidade de um nega e exclui a realidade do outro, não há ‘terreno comum’ no qual eles possam ser trazidos face a face. A tentativa de comparar os reais sentimentos dos indivíduos em t0 com os sentimentos em t2 é para ele impossível e não faz sentido” (pp. 18-19).

Em outras palavras, ao descrever os fenômenos da ação humana, o tempo não pode ser usado como uma coordenada, porque nos falta um objeto identificável que “passe através do tempo”. Os homens, com seus “sentimentos”, preferências, e o conteúdo de suas consciências, mudam de forma imprevisível. O autor sustenta que isso implica a impossibilidade de qualquer dinâmica intertemporal ou interpessoal. Sua dinâmica “busca mostrar a estrutura interna de um único momento”, que é “privado e subjetivo”. Isso é válido por um indivíduo num ponto do tempo. Ele está correto em, portanto, restringir o escopo da teoria dinâmica?

2.

Ele está certamente correto em questionar a utilidade da noção naturalística do tempo (como um continuum) para a análise econômica. As ciências naturais lidam com mudanças nas propriedades de objetos, que são previsíveis porque eles são uniformemente ligados às mudanças em outras variáveis, e.g. a movimentação no espaço, o passar do tempo, ou forças emanando de outros objetos. Mas não há modo de contar de que maneira as preferências de um dado indivíduo mudarão ao longo do tempo, mesmo quando expostas a determinadas condições.

Mas se nós assumíssemos a tese do Professor Shackle literalmente, não poderia haver testes quanto ao sucesso dos planejamentos, nenhuma revisão dos planejamentos, nenhuma comparação entre ex ante e ex post. De fato, ação planejada não faria o menor sentido. Tampouco poderia haver um mercado no qual as “dinâmicas privadas e subjetivas” das trocas dos indivíduos se tornariam socialmente objetivadas na forma de preços de mercado e quantidades de bens trocados. A experiência comum nos conta que esses fenômenos de fato existem. O que, então, há de errado com a tese de nosso autor?

Nos parece que enquanto sua tese se aplica aos fins humanos, dos quais somos incapazes de postular qualquer existência contínua no tempo, a mesma não se aplica ao nosso conhecimento da adequação dos meios aos fins. Mas a ação econômica se interessa tanto pelos meios quanto pelos fins. A descontinuidade dos fins humanos, enfatizada pelo Professor Shackle, não implica a inexistência de toda e qualquer tipo de continuidade na ação humana.

Se nenhuma comparação intertemporal dos estados do conhecimento de um homem fosse possível, a maioria das examinações seria sem propósito. Certamente na medicina e ciência aplicada, toda examinação envolve comparações intertemporais acerca do conhecimento da adequação dos meios aos fins. Nós podemos aprender, e ocasionalmente aprendemos, com a experiência. Seja lá o que for descontínuo em nós, a mente humana é contínua. Os atos da mente dos quais nossa vida consciente consiste, seguem-se cada um incessantemente. Bergson e Husserl mostraram que o conteúdo de nossa consciência é melhor considerado como um fluxo contínuo de pensamento e experiência.

Sem dúvida o Professor Shackle não desejaria negar tudo isso. Seria irônico de fato se ele, que se propôs a defender o livre arbítrio e autonomia da mente humana, no fim tivesse que negar a continuidade da mente. Mas, de vez em quando, ele chega perigosamente perto de sustentar tal posição.

Em nossa visão, ele está indo longe demais numa direção e não suficientemente longe em outra. Ele está indo longe demais acerca da descontinuidade, que é uma propriedade simplesmente de nossos fins, e incorretamente reivindica o status de uma categoria universal da ação humana.

Mas nós podemos ao menos imaginar um mundo no qual as preferências dos indivíduos não mudam por um tempo, e por longos períodos mudam com uma lentidão quase imperceptível. Para tal mundo, uma teoria dinâmica seria, mesmo na exibição do Professor Shackle, possível. A continuidade dos fins garantiria isso. Mas mesmo em tal mundo, a tese geral do Professor Shackle sobre o poder criativo da mente e nossa inabilidade em prever seus atos permaneceria, porque os homens interpretariam experiências, se manteriam adquirindo conhecimento, planejando e revisando planejamentos. Somos capazes de imaginar um mundo no qual gostos não mudam, mas somos incapazes de imaginar um no qual o conhecimento não se difunde de algumas mentes para as outras. Mesmo a continuidade dos fins não implicam uma invariância no padrão de meios-fins; os homens ainda ansiariam por fazer melhor uso dos meios disponíveis. Tempo e conhecimento estão atados. Os atos criativos da mente não precisam ser refletidos em preferências mutáveis, mas eles não podem deixar de ser refletidos em atos que apreendem a experiência e constituem objetos de conhecimento e planejamentos de ação. Todos os atos levam a marca da individualidade do agente.

A forte ênfase do Professor Shackle sobre a natureza subjetiva da ação econômica, portanto, merece todo apoio, mas nossa preferência e nossa interpretação do mundo ao redor de nós pertencem a diferentes camadas de experiência. Nosso autor falha em distinguir adequadamente entre o subjetivismo da utilidade e o subjetivismo da interpretação.[3]

Comparações intertemporais são, assim, possíveis, exceto em casos onde mudanças fundamentais surgem em um sistema individual de preferências. Mas mesmo a possibilidade desse tipo de comparação intertemporal não significa, é claro, que podemos prever o futuro. Enquanto podemos dizer que um certo plano tem até agora sido bem-sucedido, nós nunca podemos dizer se a ele será dado prosseguimento. Novas formas de usar os recursos empregados, ou novos e melhores modos de alcançar o objetivo dos planos podem ser descobertos nesse intervalo, o que tornará desaconselhável continuar com o plano original, por mais bem-sucedido que tenha sido.

3.

O modelo apresentado pelo Professor Shackle no Expectations in Economics, e para o qual ele agora forneceu uma base metodológica, é um modelo de Robinson Crusoé. Trata-se do equilíbrio do indivíduo isolado e os atos mentais pelos quais é alcançado. Isso não nos diz nada sobre processo de mercado, nada sobre trocas e transmissão de conhecimento. Mas devemos parar aqui? Não há elo entre a dinâmica solitária de Robinson Crusoé e uma teoria de mercado dinâmico?

O problema central de tal teoria pode ser afirmado brevemente. Ele versa sobre a distribuição e transmissão de conhecimento numa economia de mercado. Homens usam os recursos uns dos outros e satisfazem suas necessidades. Como, em um mundo em mudança, eles adquirem o conhecimento exigido sobre esses recursos e necessidades em mudança? Não há resposta simples, uma vez que o conhecimento de hoje pode ou não se tornar obsoleto amanhã. Mas a experiência comum sugere que o “acompanhamento” dessas mudanças é possível e exige uma contínua sequência dos tais atos de interpretação, como mencionamos acima. Homens diferentes não serão igualmente bons nisso.

Professor Shackle admite que além de seu tipo de dinâmica, a dinâmica privada e subjetiva do indivíduo isolado, pode haver outras, e. g. a pública e objetiva dinâmica dos construtores de modelos econométricos. “Entre esses dois tipos de dinâmica, nós talvez possamos imaginar um terceiro, no qual deveríamos supor um observador externo a ser simultaneamente informado por todos os indivíduos que compõem todo o sistema econômico quanto ao conhecimento, pensamentos, desejos, expectativas e decisões, fazendo o conteúdo de cada mente individual em algum momento, um momento localizado no mesmo ponto do eixo do calendário para todos os indivíduos” (pp. 25-26).

No mercado, no entanto, nós temos essa agência externa, que, além disso, não simplesmente registra decisões, mas também informa a participação dos indivíduos no mercado acerca delas. Quão concretamente um mercado serve a essa função depende, é claro, de um número de fatores, tais como sua extensão e graus de perfeição. Os mercados pelos serviços dos fatores de produção fornece, como regra, informação de qualidade acerca dos planejamentos de produção.

Mercados por produtos, por outro lado, fornecem informação apenas onde vendas antecipadas são possíveis. Um mercado intertemporal perfeito, no qual todos os produtores vendem seus produtos antes que sejam produzidos, forneceria informação completa sobre todos os planejamentos de produção. Mas é claro, enquanto um mercado antecipado pode fornecer informação e trazer consistência aos planejamentos das produções umas com as outras, e juntamente aos planejamentos dos consumidores, ele não pode prever o futuro. Aqui, o Professor Shackle está bastante correto ao falar de seu “observador externo”, “Mas mesmo se ele pudesse fazer isso, não seria capaz, em nossa hipótese de que cada indivíduo é um tomador de decisão no sentido real, ir além dessa primeira e imediata interação de decisões e prever a posterior evolução do sistema. Pois ele não poderia prever quais seriam as próximas decisões” (p. 26).

Assim, uma teoria de mercado dinâmica, que mostra como as expectativas e planejamentos de vários indivíduos são trazidos à consistência uns com os outros, é possível. É possível transcender as dinâmicas “privadas e subjetivas” do indivíduo e alcançar a dinâmica “social e objetiva” do mercado, desde que nosso mercado seja um mercado antecipado. As dinâmicas interpessoais e intertemporais estão atadas. A teoria de equilíbrio de indivíduos isolados não é necessariamente a última palavra em dinâmica.

4.

Precisamos agora nos voltar para as implicações mais amplas das ideias do Professor Shackle na metodologia das ciências Econômica e sociais em geral. Nosso ponto de partida é, novamente, sua demonstração de que o conceito naturalístico de tempo como um continuum homogêneo não pode ser aplicado a um indivíduo fazendo seus planejamentos. Nós também temos que considerar as implicações de sua tese de que, em economia, previsão é impossível.

Não pode haver, é claro, dúvidas quanto ao status da economia como uma ciência. Assim como outros cientistas, economistas tentam formular generalizações sistemáticas acerca dos fenômenos observáveis. Assim como outros cientistas, eles formulam hipóteses que se destinam a refletir certas características da realidade, e que se sustentam ou fracassam por esse teste.

Se por “método científico” nós queremos dizer nada além disso, nenhum problema metodológico surge. Mas agora parece que devemos estar em guarda contra a adoção acrítica de certos axiomas auxiliares e noções que podem ser úteis para cientistas naturais, porém um tanto menos para nós, como “tempo” como um continuum ou “o sistema fechado” dentro do qual apenas determinismo e previsões são possíveis.[4]

Isso significa que a economia precisa de uma metodologia sui generis, ao menos até onde ela tem que lidar com atos criativos da mente, com o estabelecimento de objetivos e a interpretação de experiência, que não possuem contrapartida na natureza. É claro que não há dúvida de que não podemos apresentar aqui nem mesmo um esboço de tal metodologia. Mas algumas dicas podem ser descartadas e algumas observações podem ser feitas.

Sobre previsão, as conclusões do Professor Shackle são bastante definidas e, em nossa visão, convincentes. “Uma previsão completa exigiria do previdente saber em completo detalhe no momento de fazer sua previsão, primeiro, todo o avanço ‘futuro’ do conhecimento e invenções, e segundo, toda decisão ‘futura’. Saber de antemão no que uma invenção consistirá é evidentemente realizar a invenção” (pp. 103-104).

“Previsibilidade da história futura do mundo implica previsibilidade de decisões, e isso é ou uma contradição em termos ou uma abolição do conceito de decisão exceto num sentido perfeitamente vazio” (p. 104). E“Um homem previsível é menos que um humano, um homem previdente é mais que um humano”.

Mas qual uso, pode-se perguntar, tem a economia se economistas são incapazes de prever? A resposta, pensamos, é que as generalizações sistemáticas dos economistas nos permitem melhor compreender certos impasses do passado e do presente. A principal função social dos economistas é fornecer ao historiador e ao estudante de eventos contemporâneos um arsenal de esquemas de interpretação. Além disso, há algo como “previsão negativa”. Frequentemente é possível que o economista preveja que determinada política esteja fadada ao fracasso devido a suas contradições inerentes, e.g. uma política elaborada para aumentar o investimento financiado em deficit e, ao mesmo tempo, mitigar a inflação. Mas nesse caso sua previsão é baseada num argumento puramente lógico, não em nenhum conhecimento de circunstâncias específicas, do presente ou futura. Essa possibilidade de fazer previsões negativas é, portanto bastante consistente com as conclusões do Professor Shackle.

Economistas deveriam, em nossa visão, abertamente admitir que eles são incapazes de fazer previsões positivas sobre o mundo. A esse respeito, eles são inferiores aos cientistas naturais. Mas, por outro lado, em certos outros aspectos das ciências sociais eles são superiores, uma vez que podem, de forma que as ciências naturais não podem, dar uma descrição inteligível do mundo com o qual eles estão lidando. Nós temos que nos lembrar que as ciências naturais, nos séculos de sua evolução, têm descartado um número de questões com as quais seus métodos não podem dar nenhuma resposta, e.g. questões acerca de propósito e causa.

O motivo pelo qual os homens têm duas pernas enquanto cães tem quatro, as velocidades da luz e do som são o que são, uma certa flor exala determinado aroma, etc, são questões com as quais as ciências naturais modernas não se preocupam. Mas por que a economia moderna tem desenvolvido um certo tipo de sistema de dinheiro e crédito, ou as instituições do “Estado de Bem-Estar”, são questões relevantes e significativas as quais respostas podem ser dadas.

A essência do problema é que a ação humana é planejada, apesar, é claro, de alguns poucos planos poderem vir a ser bem-sucedidos. É sempre possível comparar o resultado com o plano, o ex post com o ex ante, o resultado observável com a, originalmente puramente mental, causa. De fato, é impossível dar uma descrição inteligível da ação humana de outra forma. As ciências naturais podem ter tido boas razões para descartar o conceito de “causa” e para se ater à observável “uniformidade de sequência”. Não há razão para as ciências sociais segui-las nisso. Causas sociais têm que ser encontradas nos atos criativos das mentes humanas. A Economia explica que as razões pelas quais preços são pagos e quantidades de bens produzidos, tem de ser buscadas nas escolhas feitas pelos consumidores e decisões feitas pelos produtores. Tal gênese causal é uma preocupação legítima das ciências sociais, que não apresenta contrapartida na natureza. Isso garante o emprego de esquemas genético-causais de interpretação que fazem surgir problemas metodológicos sui generis.

Agora, umas poucas palavras têm de ser ditas sobre a relação entre conhecimentos e expectativas. A impossibilidade de previsão em economia segue do fato de que a mudança econômica está ligada a mudança no conhecimento, e o conhecimento futuro não pode ser obtido antes de seu tempo. O conhecimento é gerado pelos atos espontâneos da mente. Nós podemos perguntar o que lidar com isso tem a ver com a teoria de expectativas. Como as expectativas são formadas? Como a prognose está relacionada com a diagnose? Ao responder essas questões, nós iremos nos permitir reafirmar brevemente o que dissemos em outra ocasião.[5]

Toda prognose que é mais do que mera adivinhação deve ser ligada a diagnose de uma situação existente. O homem de negócios que forma uma expectativa está fazendo precisamente o que um cientista faz quando formula uma hipótese. Ambas hipóteses, de expectativas de negócios e científicas, servem ao mesmo propósito; ambas refletem uma tentativa de cognição e orientação em um mundo de imperfeito conhecimento, ambas incorporam conhecimento imperfeito a serem testados e aprimorados por experiências posteriores. A diferença entre eles é que, diferente de muitos cientistas, o homem de negócios não pode repetir experimentos em condições que ele pode controlar. Testes precisam ser feitos num mundo o qual não simplesmente muda, mas cuja mudança não é governada por qualquer lei conhecida.

Enquanto isso não elimina todo o valor desses testes, significa que, em negócios, ainda mais que na ciência, uma boa parcela dependerá da interpretação da experiência, i.e. dos atos criativos da mente, e que o conhecimento acumulado será imperfeito.

Por outro lado, cada expectativa não se sustenta por si mesma, pois é o resultado cumulativo de uma série de expectativas anteriores que tem sido revisadas à luz de experiências posteriores, e essas revisões passadas são a principal fonte de qualquer conhecimento presente que nós temos. Nossa expectativa presente, a ser mais tarde revisada pelas experiências acumuladas, não é apenas a base de qualquer plano de ação que podemos contemplar, mas também uma fonte de um mais aperfeiçoado conhecimento futuro. A formação de expectativas é então um processo contínuo, um elemento de um processo maior de transmissão de conhecimento, o processo pelo qual o homem adquire conhecimento sobre as necessidades e recurso uns dos outros.

Se segue que qualquer experiência feita nos transmite conhecimento apenas na medida em que se encaixa, ou não, em um molde preexistente de conhecimento. Mas o molde de conhecimento em termos do que nós interpretamos como uma nova experiência é sempre “privado e subjetivo”. Conhecimento sempre pertence a uma mente individual. Quando nós falamos da transmissão de conhecimento, usamos isso como uma expressão metafórica para um processo de interação de mentes. O conhecimento se espalha de mente para mente, não flutua de um indivíduo para outro, como um pedaço de madeira flutuando numa correnteza. Sua aquisição exige participação ativa no processo social. Seguindo um caminho diferente, nós chegamos, assim, a mesma conclusão do Professor Shackle, viz., que as expectativas e o conhecimento que refletem são sempre subjetivos. Mas isso não significa que o equilíbrio dos indivíduos isolados é sempre a última palavra em dinâmica.

Finalmente, nós podemos ver a dinâmica subjetivista do Professor Shackle na perspectiva da história do pensamento econômico. Na história de nossa disciplina, tendências objetivistas e subjetivistas têm predominado em variados períodos, mas o mais notável progresso da economia tem sido ligado à ascensão do subjetivismo.

A escola clássica, fiel a sua origem do século dezoito, buscou os determinantes definitivos da vida econômica em certas “forças naturais” como aquelas refletidas na lei Malthusiana e a diminuição da fertilidade do solo, forças que se pensava moldar a distribuição de renda e estabelecer limites do progresso econômico. Uma teoria “objetiva” do valor com horas de trabalho (não qualificado) como sua medida coroou o edifício clássico.

Mas, por volta da metade do último século, o subjetivismo tornou-se muito bem-sucedido. Como era gradualmente percebido que a engenhosidade humana pode superar os obstáculos apresentados pelas forças clássicas, a mente humana e suas manifestações, escolha e decisão, ocuparam o centro do palco econômico. A “revolução subjetiva” da década de 1870 apresenta apenas um dos aspectos dessa mudança, mas a resume bem. Veio a ser percebido que o valor de um bem não reside em quaisquer propriedades mensuráveis que ele possa ter, mas constitui uma relação entre uma mente avaliadora e o bem em questão.

A introdução das expectativas na economia nesse século, a percepção daquilo que os homens farão em dada situação depende grandemente de suas interpretações sobre ela e da direção de sua imaginação, foi simplesmente um passo adiante ao longo da mesma rota. O problema das expectativas, implícito na obra de Knight e Schumpeter, encontrou reconhecimento explícito por Keynes e os pupilos de Wicksell na Suécia. O Expectations in Economics do Professor Shackle prontamente encontra seu lugar dentro dessa tradição. Time in Economics, como vimos, é uma afirmação mais explícita da pressuposição metodológica de sua abordagem.

Um problema permanece aberto. Podem as expectativas serem introduzidas numa teoria de dinâmica geral? Os sistemas de equilíbrio estático de Walras e Pareto, as maiores conquistas da economia neoclássica, contém, ambos, elementos subjetivos e objetivos, gostos e quantidades de recursos. Isso é possível devido ao caráter atemporal desses sistemas. Uma vez que os indivíduos revelaram suas preferências, essas se tornam “dados” como todas as outras.

Indivíduos são livres para escolher, mas uma vez tendo escolhido, eles não são livres para mudar suas mentes: literalmente “não há tempo” para isso.

Mas expectativas não podem ser tratadas dessa forma se nós quisermos fazê-las elementos de um sistema dinâmico. Tão logo permitimos o tempo passar, devemos permitir o conhecimento mudar, e o conhecimento não pode ser considerado função de nada além disso. Não é a natureza subjetiva das expectativas, mais do que as preferências individuais, que as tornam elementos inadequados de teorias dinâmicas, é o fato do tempo não poder passar sem modificar o conhecimento que aparenta destruir a possibilidade de tratar as expectativas como dados de um sistema de equilíbrio dinâmico.

Essa conclusão não afeta a possibilidade de uma teoria de mercado antecipado, no qual indivíduos revelam suas expectativas ao engajar em transações antecipadas da mesma forma que indivíduos revelam suas preferências ao comprar e vender num mercado ordinário.


[1] G. L. S. Shackle, Time in Economics (Amsterdam: North Holland Publishing Co., 1958).

[2] Em Economia Internazionale, vol. VII, no. 4.

[3] Ver L. M. Lachmann, “The Role of Expectations in Economics as a Social Science,” Economica 10 (Fevereiro, 1943): 15.

[4] É claro, o que torna um conceito útil sempre depende com qual problema concreto nós temos de lidar. Quando temos de descrever uma sucessão de eventos numa ordem cronológica, seja na sociedade ou natureza, o tempo como um continuum é uma noção indispensável. Nós não podemos exceto admirar o sistema Walrasiano, apesar de podermos lembrar as dificuldades que Walras teve ao tentar mostrar como o equilíbrio é alcançado em um processo real de mercado.

[5] Cf. L. M. Lachmann, Capital and Its Structure (London: London School of Economics, 1956), pp. 23-34.

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