Credo de um Reacionário

Tempo de Leitura: 9 minutos

Por Francis Stuart Campbell (Erik von Kuehnelt-Leddihn)

[Tradução de Credo of a Reactionary por Isaac Soares, retirado de The American Mercury, Vol. 57, N.º 235 (julho de 1943)]

Não hesito em anunciar que sou um reacionário. Tenho um profundo orgulho no fato. Não vejo mais virtude em olhar ansiosamente para um futuro desconhecido do que em olhar para trás nostalgicamente para valores conhecidos e comprovados.

O termo “reacionário”, como eu o uso, não representa um conjunto de ideias definido e imutável. Significa uma atitude mental. Como reacionário, me ressinto e me oponho ao espírito e às tendências da época em que sou forçado a viver e procuro restaurar o espírito que teve sua melhor personificação em períodos passados.

A circunstância de que o termo “reacionário” é aplicado como um epíteto de fascistas e outros tipos de homens modernos, para quem um verdadeiro reacionário possui apenas desprezo, não é minha culpa.

Como reacionário honesto, rejeito naturalmente o nazismo, o comunismo, o fascismo e todas as ideologias relacionadas que são, de fato, o reductio ad absurdum da chamada democracia e dominação de massa. Eu rejeito as suposições absurdas de governo da maioria, truques parlamentares; o falso liberalismo materialista da Escola de Manchester e o falso conservadorismo dos grandes banqueiros e industriais. Abomino o centralismo e a uniformidade da vida de rebanho, o estúpido espírito de turba do racialismo, o capitalismo privado, bem como o capitalismo de estado (socialismo) que contribuíram para a ruína gradual de nossa civilização nos últimos dois séculos. O verdadeiro reacionário de hoje é um rebelde contra as suposições prevalecentes e um “radical” no sentido de que vai até as raízes.

Pessoalmente, sou um reacionário da fé cristã tradicional, com uma visão liberal e tendências agrárias. Enquanto muitos ao meu redor adoram o “novo”, eu respeito formas e instituições que cresceram organicamente durante um longo período de tempo. Os períodos que antecederam as duas grandes tempestades – a Idade Média e o Renascimento, encerrados pela Reforma; e o século XVIII, encerrado pela Revolução Francesa – são ricos em formas e ideias de importância duradoura. A universalidade de um Nicolau de Cues ou de um Albertus Magnus, a glória da Catedral de Chartres e o barroco tardio da Áustria, figuras inspiradoras como Maria Teresa, Pascal, George Washington ou Leibnitz me fascinam mais do que os três “homens comuns” de nosso tempo – Mussolini, Stalin e Hitler – ou o esplendor democrático de uma loja de departamentos, ou o vazio espiritual dos encontros de massa comunistas e fascistas, magnetizadas por mafiosos extasiados.

A nota introdutória a esse declínio da civilização foi escrita por Martinho Lutero, que adorava a nação, exaltava o estado e vociferava contra os judeus; por aquele bárbaro real no trono inglês que suplantou o espírito católico de seu país com um paroquialismo paralisante; pelo primeiro “moderno” – o genebrino que negava a base de toda liberdade filosófica, o Livre Arbítrio – e o outro genebrino que pregava o retorno à selva e à barbárie idílica. Esses quatro cavaleiros – Lutero, Henrique VIII, Calvino e Rousseau – eram apenas os arautos do que ainda de mais fatídico estava por vir. O desastre foi final quando a Revolução Francesa, diante do eterno dilema de escolher entre liberdade e igualdade, decidiu pela igualdade. A guilhotina e os magistrados de Estrasburgo que decretaram a demolição da torre da catedral por ela se erguer acima do nível igualitário de todas as outras casas, são símbolos eternos do modernismo e do perverso “progresso”.

As massas, formando maiorias organizadas com ideias idênticas e odiando uniformemente todos os que ousam ser diferentes, são o produto atual dessas várias revoltas. Sacerdote e judeu, aristocrata e mendigo, gênio e imbecil, o inconformista político e o explorador filosófico – todos eles estão na lista dos proscritos. As massas hoje dominam quase todos os lugares, com diversos meios e sob os mais diversos rótulos. É a essa tirania que me oponho.

II.

Como reacionário, acredito na liberdade, mas não na igualdade. A única igualdade que posso aceitar é a igualdade espiritual de dois bebês recém-nascidos, independentemente da cor, credo ou raça de seus pais. Não aceito nem o degradante igualitarismo dos “democratas”, nem as divisões artificiais dos racialistas, nem as distinções de classe dos comunistas e esnobes.

Os seres humanos são únicos. Devem ter a oportunidade de desenvolver personalidade – e isso significa responsabilidade, sofrimento, solidão. Não apenas gosto do princípio da monarquia, mas gosto de todas as pessoas que são coroadas. E há todos os tipos de coroas, a mais nobre delas consistindo de espinhos. O Homem Moderno – esse animal dócil, “cooperativo” e urbanizado – não procura um gosto reacionário.

Acredito na família, na hierarquia natural dentro da família e no abismo natural entre os sexos. Amo os velhos cheios de dignidade e os pais orgulhosos, mas também amo as crianças corajosas e íntegras. Em uma hierarquia, o membro mais baixo é funcionalmente tão importante quanto o mais alto. E o abismo entre homens e mulheres também me parece uma coisa boa; não há triunfo em construir uma ponte sobre uma mera poça.

Eu gosto de pessoas com propriedade. Não estou nem um pouco entusiasmado com o sujeito sem raízes em um prédio de apartamentos, com um número de seguro social como sua principal distinção. Detesto o capitalismo que concentra a propriedade nas mãos de poucos, tanto quanto o socialismo que quer transferi-la para esse grande zé-ninguém, a hidra de um milhão de cabeças e sem alma, a Sociedade. Eu gosto de pessoas com sua própria morada, seus próprios campos, seus próprios pontos de vista que os levam à ação independente. Eu temo o rebanho: os 51 por cento que votaram em Hitler e Hugenberg; a multidão uivante que apoiou o Terror Francês; os 55 por cento dos brancos nos estados do sul que mantêm os 45 por cento dos negros “em seus lugares” com a ajuda de maçarico e corda.

Eu temo todas as massas consistindo de homens com medo de serem únicos, de serem pessoas; dando mais valor à segurança do que à liberdade, temendo seus vizinhos ou “comunidade” mais do que Deus e sua consciência. Essas são as pessoas que exigem não apenas igualdade, mas identidade. Eles suspeitam de qualquer um que se atreva a ser diferente. Eles querem apenas “sujeitos comuns e decentes” segundo os britânicos, “caras comuns” segundo os americanos ou “rechte Kerle” segundo o padrão alemão. O homem moderno parece ter apenas um desejo: ver tudo moldado à sua imagem; ele detesta personalidade e quer assimilar. O que ele não consegue assimilar, ele elimina. Toda a nossa época é marcada por um vasto sistema de agências de nivelamento e assimilação que compreende escolas, anúncios, quartéis, bens produzidos em massa, jornais produzidos em massa, livros e ideias. O lado negro desse processo pode ser visto no ostracismo social praticado contra minorias em democracias pseudoliberais; nos matadouros humanos e campos de concentração das nações totalitárias superdemocráticas; nos fluxos intermináveis ​​de refugiados sem-teto vagando sem rumo por todo o mundo. O homem comum em qualquer agregação é impiedoso, totalmente carente de generosidade.

A liberdade, afinal, é um ideal aristocrático. Em Washington, bem em frente à Casa Branca, na Jackson Square, há um símbolo maravilhoso: o monumento ao primeiro igualitário americano cercado pelas estátuas de quatro nobres europeus que vieram para a América para lutar pela liberdade e não pela identidade – o nobre polonês-branco-russo Kosciuszko, Baron von Steuben, o Conde de Rochambeau e o Marquês de Lafayette. O Barão de Kalb é comemorado em outro lugar e o nome do Conde Pulaski enfeita uma rodovia em Nova Jersey e uma estátua em Savannah. Pulaski foi o único general morto no Grande Levante dos Whigs americanos. Nós reacionários (quer saibamos ou não) somos todos Whigs. Nossa tradição, nos países de língua inglesa, repousa na Magna Charta, que só os ignorantes chamarão de “democrática”.

Não gosto do “liberalismo” do século XIX, com seu materialismo grosseiro e a crença pagã na “sobrevivência do mais apto”, ou seja, o mais inescrupuloso. Para as condições europeias, sou naturalmente um monarquista, por a monarquia ser basicamente suprarracial e supranacional. Não apenas as instituições livres sobreviveram melhor nas monarquias do noroeste da Europa do que no coração republicano do continente, mas na área etnicamente mista da Europa Central e Oriental deve-se preferir monarcas de origem estrangeira, com esposas estrangeiras, mães, genros e noras a “líderes” políticos que pertencem apaixonadamente a determinadas nacionalidades, classes e partidos.

Sinto-me mais livre sob um homem que não é a escolha de ninguém do que sob a indicação de uma maioria seguindo cegamente suas emoções superaquecidas. Voltaire teve mais chances de influenciar as cortes de Paris, Potsdam e Petersburgo do que um Dawson, um Sorokin, um Ferrero ou um Bernanos tem de influenciar as massas “democráticas”. Os monarcas europeus igualaram-se intelectual e moralmente aos seus epígonos republicanos de cartola. Os Bourbon certamente se comparam favoravelmente aos políticos das três repúblicas francesas. É claro que os Führers da era totalitária foram mais “brilhantes” e bem-sucedidos porque são menos escrupulosos. Apoiados por plebiscitos cuidadosamente encenados, eles se sentem justificados em se entregar a matanças que nenhum Bourbon, Habsburgo ou Hohenzollern teria arriscado. Platão nos disse há mais de dois mil anos que a democracia degenera inevitavelmente em ditaduras e de Tocqueville voltou a enfatizá-lo em 1835. A maioria dos cabeças-duras de ambos os lados do Atlântico continua a confundir democracia com liberalismo, dois elementos que podem ou não coexistir. Uma “proibição” apoiada por 51% do eleitorado pode ser muito democrática, mas é dificilmente liberal.

III.

O que nós reacionários queremos é liberdade e diversidade. Acreditamos que existe até uma força peculiar na diversidade. Santo Estêvão, rei da Hungria, disse a seu filho: “Um reino de apenas uma língua e um costume é tolo e frágil.” Isso é contrário à crença supersticiosa demo-totalitária em nossa época de uniformidade. Os fascistas italianos que destruíram todas as instituições culturais de não-italianos em seu país encontraram imitadores nos otimizados e progressistas tecnocratas que clamavam, uma vez que esta guerra chegasse à América, pelo confisco de toda a imprensa em língua estrangeira.

Como reacionário, gosto dos patriotas, que se entusiasmam com sua pátria, sua terra natal; e não gosto de nacionalistas, que se entusiasmam com língua e sangue. O reacionário defende a ideia de solo e liberdade, ele luta contra o complexo de sangue e igualdade.

Como reacionário, tenho pontos de vista definidos, bem como opiniões provisórias. “Nas coisas necessárias a unidade, nas coisas duvidosas a liberdade, em tudo a caridade” é um belo programa reacionário. Se considero que algo é a Verdade, descarto todas as opiniões contrárias a ela. Mas discordo de certos eclesiásticos medievais ou dos conservadores míopes que acreditavam que o erro pode ser combatido pela força. Qualquer erradicação meticulosa do erro por meios artificiais (sempre dirigidos contra as pessoas, não contra a própria ideia) acaba por tornar a Verdade intragável, obsoleta, pouco atraente. Como reacionário, respeito qualquer pessoa que, corajosa e sinceramente, mantenha pontos de vista errôneos seguindo sua consciência. Tenho infinitamente mais respeito por um fanático anarquista catalão, um judeu ortodoxo, um calvinista obstinado ou um dervixe extático do que um pseudoliberal humanitário com uma secreta veneração pelo estado onipotente. Um verdadeiro reacionário é um homem de fé absoluta e generosidade absoluta. Ele concilia dogma e liberdade.

Como reacionário, gostaria de ver concretizadas neste país mais ideias antidemocráticas dos Pais Fundadores. De fato, poucos escritores europeus fulminaram mais fortemente contra os demos do que Madison, Hamilton, Marshall, John Adams ou mesmo Jefferson, que defendeu uma aristocracia de mérito, não um governo de massa. No entanto, o centralismo de Hamilton é basicamente esquerdista. Nem aqu, nem na Europa deve prevalecer. O que precisamos em ambos os lados do Atlântico é mais de uma atitude pessoal. O colossalismo e o coletivismo são os inimigos. O agricultor Schmidt de Hindelang, por exemplo, deve primeiro se orgulhar de ser o chefe de uma família, o dono de uma propriedade e, depois, de ser um morador de Hindelang. Após uma reflexão mais aprofundada, ele deveria se orgulhar de ser um camponês do vale de Allgäu e também de ser um bávaro. Seu germanismo deveria ser uma unidade mística no próprio horizonte de seus pensamentos. Mas a tendência moderna é estabelecer a hierarquia das lealdades ao contrário. A ênfase nazista nos noventa milhões de alemães, a ênfase soviética nas “massas”, a identificação geral de “maior” com “melhor” mostram nossa degradação expressa na adoração da quantidade, nosso desprezo pela pessoa, todo nosso desespero moderno em singularidade.

Sustento que o estado, os negócios e a manufatura são os grandes senhores de escravos de nossos tempos. John Doe trabalha como seu ancestral espiritual, o servo medieval, um dia e meio por semana para seu senhorio. Dos quatro cheques semanais, ele entrega pelo menos um à empresa que lhe aluga o habitat. Não fazer isso resultaria em desapropriação, uma ameaça desconhecida para o vilão do século XIII. Na fábrica, ele trabalha como escravo, ao contrário do membro da guilda, para investidores desconhecidos, bem como para líderes trabalhistas corruptos, se não, como na URSS, para uma combinação de leviatã de Estado e Sociedade. Os trabalhadores devem possuir as ferramentas de produção; não há nenhuma razão terrena para que eles não devam possuir as fábricas no sentido literal ou serem os detentores de todas as ações distribuídas após uma determinada cota. Uma planta fabril poderia ser uma comunidade viva tanto quanto uma oficina medieval.

Gosto de pessoas livres que são muitas vezes pessoas “atrasadas”, como os tiroleses, os montanheses suíços, os escoceses, os navarros, os bascos, os sombrios camponeses dos Bálcãs, os curdos. Eles escaparam do mal menor da servidão na Idade Média e do mal maior da urbanização nos tempos modernos. Eles são muito reacionários, conservadores, amantes da liberdade. Eles podem se dar ao luxo de ser conservadores pelo fato de sua cultura estar desafinada com os tempos modernos; o que eles têm, vale a pena preservar. O conservador urbano, por outro lado, nada mais é do que um “progressista” inibido.

Acredito no homem de excelência, no homem de dever contra o Homem Comum cuja única força reside nos números, cuja manifestação política é a submissão a “convicções” pré-fabricadas ou a “líderes” que, ao contrário dos “governantes”, não diferem das massas, mas personificam todos os seus piores traços.

Hoje, um punhado de reacionários genuínos carrega o peso da luta contra o superprogressismo em sua forma totalitária. Eles sabem que a democracia como força não pode lidar com os totalitários; formas embrionárias não podem ter sucesso contra suas manifestações mais maduras. Platão, de Tocqueville, Donoso Cortès, Burckhardt, todos sabiam disso. A democracia progressista, como o pseudoliberalismo, não passa de uma Gironde, uma precursora do Terror.

Entre esse punhado estão Winston Churchill e o conde Galen, o conde Preysing e von Faulhaber, Niemöller e Georges Bernanos, Giraud e d’Ormesson, o conde Teleki, Calvo Sotelo, Schuschnigg e Edgar Jung. Nenhum deles transigiu com a perversidade da Gironda ou do Terror em suas formas modernas; mortos ou vivos, eles não cederão. Eles não acreditam, e não necessariamente acreditaram em um Admirável Passado Antigo em oposição a um Admirável Mundo Novo, mas eles viram as calamidades do presente como crescendo dos erros do passado para as catástrofes do futuro. Estão isolados pela desconfiança que os cerca. São considerados desmancha-prazeres por não aderirem ao panegírico universal do Progresso. Eles se tornaram inflexíveis e apaixonados. Eles levarão suas bandeiras até a morte, e suas bandeiras são muito antigas,

A verdadeira fonte de nossos sofrimentos tem sido nossa timidez. Temos medo de pensar. Sentimos relutância em examinar os fundamentos de nosso privilégio e até que ponto temos um direito indiscutível de exigi-los, contra todo o poder de autoridade na terra.

– John Adams: A Dissertation on the Canon and Feudal Law, 1765.

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