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Por Murray Rothbard

[Retirado de História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca—Antes de Adam Smith, cap. 10, subcap. 1]

Uma forma de pensamento absolutista simplista e militante era dominante no pensamento político inglês do começo do século XVI ao início do século XVII, foi chamada de “teoria de correspondência” ou de “teoria política da ordem”. Essa doutrina realista (royalist) foi moldada para a era Tudor-Stuart na qual o rei lutava para estabelecer seu poder absoluto contra a influência internacional da antiga religião, o catolicismo, e sobre os puritanos calvinistas, que tinham tendências republicanas e populistas bem definidas. Em contraste, Deus supostamente agora falava através do rei inglês e, portanto, através do chefe da Igreja Anglicana.

O fundamento filosófico básico era a “ordem natural” — a “grande corrente do ser” — a qual, desde a Idade Média, havia sido vista como estritamente hierárquica, com Deus na cabeça e o homem como a maior de suas criaturas materiais. Mas, então, veio a metodologia fundamental: a frágil analogia, ou “argumento por correspondência”. Assim como Deus era soberano e superior à várias fileiras de anjos e, finalmente, ao homem e então às outras criaturas terrenas inferiores no “macrocosmo”, do mesmo modo que no “microcosmo” individual, dentro de cada pessoa, a cabeça precisa ser soberana sobre o corpo, e a razão e a vontade dominantes sobre os apetites. Similarmente, o pai é soberano sobre sua família. Mais especificamente e claramente no reino político, o rei, o pai de seu povo, precisa ser soberano sobre o corpo político.

Essa frágil analogia organicista foi levada à grandes extensões. A cabeça no corpo humano “era” o rei no corpo político; a saúde do primeiro constituía o bem-estar social do último; a circulação de sangue era igual à circulação de dinheiro; a liderança da alma racional era a soberania real e assim por diante. O único “argumento” era a correspondência: que a posição “governamental” e social que supostamente existia na esfera celestial precisa ser duplicada no governo terreno e na vida social.

Um problema com o argumento da correspondência é que a libertação da vontade humana irá entrar na vida política e social, mas não o faz em outros campos. É raro para o fígado se “rebelar” contra a cabeça e ainda assim uma importante conclusão dessa filosofia política realista (royalist) era que a rebelião política é tão má e antinatural quanto “rebelião” por parte do fígado. Da mesma forma, súditos individuais precisam obedecer ao monarca divinamente nomeado, do contrário a ordem divina colapsa em anarquia e em desordem, e a corrupção e a decadência então governariam na vida humana.

Enquanto o fígado não tem se rebelado com frequência contra a cabeça, os absolutistas, é claro, tinham uma analogia para recorrer ao governo celestial: a iniqua rebelião de Satã contra a soberania de Deus. Similarmente, o grande fato da história humana foi a Queda de Adão, impulsionada pela rebeldia contra a autoridade divina e pelo presunçoso orgulho de si mesmo.

Deus e o rei; Satã, Adão e os súditos rebeldes; essas eram as analogias e correspondências que os absolutistas reais tentaram levar para casa. Assim, as homilias da Igreja Anglicana sobre a obediência, em 1547 e 1570, chamaram a obediência ao soberano de “a própria raiz de todas as virtudes”, enquanto que “uma iníqua ousadia” é a fonte de todo pecado e miséria. Como as homilias afirmaram: todos “pecados possíveis a serem cometidos contra Deus ou contra o homem estão contidos na rebelião” que “vira(m) toda a boa ordem ao avesso […]”. É dever absoluto de todos os inferiores “sempre e somente obedecer”, assim como o corpo obedece a alma e como o universo obedece a Deus.

Em contraste gritante com os escolásticos, bem como com os calvinistas ou pensadores da liga dos monarcômacos, os pregadores anglicanos pela ordem enfatizaram repetidamente que os súditos precisam obedecer ao rei em toda e em qualquer circunstância, seja ou não o rei ou suas ações boas ou más. Não deve haver resistência alguma, mesmo a príncipes malignos. O rei é o representante divinamente enviado de Deus na Terra por direito hereditário. Questionar, muito menos desobedecer ao rei, portanto, não era apenas traição, mas blasfêmia. Desobedecer ao rei é desobedecer a Deus. Como o influente Espelho para Magistrados, que passou por muitas edições de 1559 a 1587, sustentou: “Deus ordena todos os magistrados”. Portanto, Deus ordena “o bem quando favorece o povo; e o mal quando vai puni-los”. Em suma, bons reis são uma bênção enviada ao povo por Deus; reis ímpios são uma punição igualmente enviada pela divindade. Em ambos os casos, o dever do súdito é a obediência absoluta aos comandos de Deus/rei. “E, portanto, todo aquele que se rebelar contra qualquer governante, seja bom ou mau, se rebela contra DEUS e terá certeza de um fim miserável […]”

Para o pensador realista (royalist), as crescentes reivindicações de liberdade individual e dos direitos naturais de cada indivíduo apenas levaram à destruição da ordem racional de Deus. Assim, Richard Hooker (c. 1554-1600), o principal teólogo anglicano do século XVI, em suas famosas Leis de Regime Eclesiástico (1594-97), atacou qualquer noção de individualismo. Embora, ele mesmo sendo um moderado sobre o absolutismo real, Hooker escreveu que a ideia de todo homem “ser seu próprio comandante” “agita universalmente o tecido do governo, tende à anarquia e à mera confusão, dissolve famílias, dissipa universidades, corporações, exércitos, derruba reinos, igrejas e tudo que agora é através da providência de Deus por autoridade e poder sustentado”.

Um dos mais extremos absolutistas reais na era Tudor-Stuart era Edward Forset (c. 1553-1630), um dramaturgo, dono da mansão de Tyburn, um juiz da paz e deputado. A magnum opus de Forset era Um Discurso Comparativo dos Corpos Natural e Político (1606), cujo próprio título remete ao argumento por correspondência e à filosofia política da ordem. Em alguns pontos, Forset chegou perto de dizer que um monarca nunca poderia ferir seu povo: em outras palavras, por mais maligno que seus atos possam parecer, eles precisam ser realmente bons, praticamente por definição. De fato, em um ponto, Forset chegou perto da justificação dos atos de um rei por mistério e poder, como no Livro de Jó. Assim, como o Professor Greenleaf coloca em sua discussão sobre a doutrina de Forset: “os atos aparentemente perversos de um governante eram apenas uma aparência cuja real natureza foi mal interpretada pelas mentes falíveis dos cidadãos”.[1] A forte implicação, claro, é que a mente do monarca, em contraste com a dos humildes cidadãos, é infalível.

Provavelmente o mais inteligente e certamente o mais influente dos teóricos da ordem absolutista na Inglaterra do século XVII foi Sir Robert Filmer (1588-1653). Perto do fim de sua vida, esse obscuro nobre de Kent publicou uma série de ensaios absolutistas reais no final da década de 1640 e no início da década de 1650. Então, três décadas depois, Filmer renasceu, seus ensaios coletados sendo publicados em 1679 e sua obra mais famosa, Patriarcha, ou O Poder Natural dos Reis, escrito no final da década de 1630 ou no começo da década de 1640, foi imprimido pela primeira vez no ano seguinte. Filmer, imediatamente e postumamente, tornou-se o principal defensor do absolutismo real a partir da perspectiva mais antiga da teoria da ordem.

Filmer rejeitou furiosamente a ideia de que “pela lei da natureza todos os homens nascem livres” como uma doutrina “pagã”. Vinculando o individualismo e a direção de si mesmo à pecaminosa rebelião contra Deus, Filmer advertiu contra o “próprio desejo por libertação que causou a queda da graça de Adão”.[2]

O mais notável em Filmer foi sua crítica perspicaz à doutrina contratualista emergente, que lançou as bases e, portanto, justificou o estado em algum contrato social original. Thomas Hobbes (1588-1679) passou toda a sua vida a serviço como um tutor, companheiro e guia intelectual dos Cavendish, parentes da família real de Stuart. Hobbes elaborou uma justificativa contratual para o absolutismo durante a década de 1640.

Filmer identificou falhas cruciais na teoria de contrato social de Hobbes que se aplicariam inteiramente à versão libertária de John Locke quatro décadas depois:

“Filmer perguntou o quão provável era, […] que todos os homens fossem concordar com um contrato, como era necessário antes que ele pudesse se tornar universalmente vinculante; ele queria saber como e por que um contrato deveria vincular todas as gerações subsequentes; ele sugeriu que não era razoável invocar a noção ilusória de consentimento tácito. […]”[3]

Filmer também criticou incisivamente a crescente ideia liberal clássica de basear o governo no consentimento dos governados. Governos, ele apontou, não poderiam, então, ser estáveis, pois os governos às vezes poderiam descobrir que esse consentimento foi revogado. Uma vez concedido o poder ao povo de consentir, assim como a lei natural de “liberdade igual de sujeição”, a consequência lógica deve ser o anarquismo. Pois então

“[…] toda pequena companhia tem um direito de criar um reino por si mesma; e não apenas cada cidade, mas cada vila, cada família, ou melhor, cada homem em particular, uma liberdade de escolher a si mesmo para ser seu próprio Rei, se assim o desejar; e ele era um louco que, sendo por natureza livre, escolheria qualquer homem, exceto ele mesmo, para ser seu próprio governante. Assim, para evitar ter apenas um Rei de todo o mundo, devemos correr para a liberdade de ter tantos Reis quanto homens no mundo, o que, nesse ponto, é não ter rei algum, mas deixar todos os homens em sua liberdade natural.”[4]

Deve ser notado que Filmer e outros absolutistas da era encontraram grande inspiração no teórico francês Jean Bodin, que foi considerado o escritor político mais favorável e mais frequentemente citado na Inglaterra durante a primeira metade do século XVII.


[1]     W. H. Greenleaf, Order, Empiricism and Politics: Two Traditions of English Political Thought (Londres: Oxford University Press, 1964), p. 52.

[2]     Na paráfrase do Professor Greenleaf, op. cit., nota 1, p. 92.

[3]     Greenleaf, op. cit., nota 1, p. 93.

[4]     Em Patriarcha and Other Political Works of Sir Robert Filmer, editado por Peter Laslett (Oxford: Basil BlackweJI, 1949), p. 286. Citado em Carl Watner, “Oh, Ye are for Anarchy!”: Consent Theory in the Radical Libertarian Tradition”, Journal of Libertarian Studies, VIII (Inverno de 1986), p. 119.

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