[Retirado de História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca—Antes de Adam Smith, cap. 15, subcap. 3]
O Iluminismo foi um movimento geral no pensamento europeu no século XVIII que enfatizou o poder da razão humana para discernir a verdade. Geralmente, foi dedicado à lei e aos direitos naturais, embora nos anos posteriores do século começou a se transformar em utilitarismo. Enquanto o escolasticismo era compatível com a ênfase na lei natural e direitos naturais, geralmente tais coisas nele eram descartadas e injuriadas como “superstição” ignorante, junto com a religião revelada. Na religião, assim, os pensadores iluministas tenderam a descartar o cristianismo, atacar a Igreja Cristã, e adotar o ceticismo, deísmo ou até mesmo ateísmo.
Nessa atmosfera corrosiva à fé e aos valores cristãos, é notável que o Iluminismo Escocês estava intimamente ligado com a Igreja Presbiteriana. Como isso ocorreu? Como uma igreja escocesa que, no século XVI, sob a égide de John Knox, tinha sido ardente e militante, tornou-se amolecida em uma igreja que acolheu o Iluminismo, i.e., a lei natural, a razão, e o cristianismo latitudinário, senão cético?
A resposta é que em dois séculos desde John Knox a fé calvinista obstinada enfraqueceu na Escócia. Em particular, após 1752, um poderoso grupo do clero presbiteriano moderado foi capaz de assumir e dominar a Igreja da Escócia, a Igreja estabelecida que, desde a união entre Escócia e Inglaterra em 1707, havia sido estabelecida pela Coroa Britânica, mesmo que ela fosse presbiteriana ao invés de Anglicana, como era a Igreja da Inglaterra.[1] Fervorosamente oposta aos moderados foi o partido evangélico, isto é, o clero fiel à fé calvinista básica. Os bem conectados e educados moderados, fortes nas áreas baixas de Edimburgo e Glasgow, e na costa leste até Aberdeen, foram capazes de formar a elite dominante de poder na Igreja da Escócia depois da década de 1750, mesmo que eles representassem a minoria das igrejas locais.
Os moderados, incorporando uma perspectiva teológica suave e latitudinária, estavam intimamente conectados com os intelectuais de Edimburgo e Glasgow que constituíam o Iluminismo Escocês. A maioria da tática deles foi planejada em reuniões realizadas em tavernas de Edimburgo. A figura dominante entre os moderados foi o Rev. William Robertson (1721-93), um incessante falador e incansável organizador que guiou os moderados desde sua formação em 1752, e que se tornou moderador, ou chefe, da assembleia geral da Igreja da Escócia de 1766 até 1780. Em 1762, além disso, Robertson tornou-se o reitor da Universidade de Edimburgo, e foi sua liderança e administração que saltou Edimburgo para as primeiras colocações das universidades europeias. Robertson foi também o fundador e luz-guia de várias sociedades eruditas, que se reuniam semanalmente para elaborar artigos, discussões e para socialização entre as figuras líderes do iluminismo escocês, incluindo professores de universidade, advogados, e figuras importantes do clero moderado.
Assim, Robertson fundou a Sociedade Selecionada de Edimburgo em 1750. Proeminente durante a década de 1750, a Sociedade Selecionada se reunia semanalmente e incluía em seus lugares tais figuras como Robertson, David Hume, Adam Ferguson e Adam Smith, liberais clássicos advogados como Henry Home (Lord Kames) e Alexander Wedderburn (mais tarde Lorde Chanceler da Grã-Bretanha), e jovem mas proeminentes clérigos, como Robertson, Alexander (“Júpiter”) Carlyle, Robert Wallace, Hugh Blair, John Home e John Jardine. Carlyle foi uma figura carismática assim como um beberrão, assim como muitos clérigos moderados eram naquela época; Wallace era responsável pelo patrocínio da Igreja da Escócia, além de ser capelão real. Wallace, em seus artigos privados, favoreceu o sexo ilícito quase ao ponto da promiscuidade, rapidamente alertando que a atividade teria de ser mantida em segredo. Blair, além de seus deveres no clero, era professor de retórica na Universidade de Edimburgo. Jardine foi um político astuto, cuja filha casou-se com o filho de Lord Kames, que por sua vez foi primo de David Hume. John Home foi um clérigo moderado e secretário de Lord Bute, amigo próximo de David Hume, e um dramaturgo — uma atividade que em si mesma era uma matéria de profunda suspeita para um sério e fundamentalista clero evangélico. Assim, Home escreveu uma peça, Douglas, em 1756, que foi encenada com muitos líderes do Iluminismo moderado atuando na peça, incluindo: o Rev. Robertson, Alexander Carlyle, David Hume, Hugh Blair, e o Rev. Adam Ferguson, professor de filosofia moral na Universidade de Edimburgo.
As opiniões negligentes dos moderados estavam sob constante ataque das forças evangélicas. Alvos particulares foram Lord Kames e especialmente o filósofo David Hume, que foi quase excomungado por heresia pela assembleia geral da Igreja da Escócia, mas foi salvo por seus poderosos amigos moderados. Mesmo suas conexões moderadas de universidade, contudo, não puderam ganhar para Hume qualquer posto em uma universidade escocesa, tão grande era a inimizade dos evangélicos presbiterianos.
Deve ser notado que um dos líderes-chave do partido moderado era ninguém menos que Francis Hutcheson. Assim, os intelectuais, filósofos e economistas do iluminismo da Escócia do século XVIII estavam intimamente conectados com a fortuna e as instituições da ala moderada da Igreja da Escócia. Hutcheson, Hume e Smith, então, enquanto calvinistas pouco ortodoxos, eram presbiterianos dedicados de acordo com suas próprias luzes, e assim seu racionalismo e frouxidão teológica foram, no entanto, infundidas de vez em quando com os valores presbiterianos obstinados.
[1] Tão amargos foram os sacerdotes anglicanos na Escócia com o estabelecimento governamental do presbiterianismo que eles, assim como os católicos romanos, formaram a espinha dorsal dos rebeldes jacobitas dedicados à restauração da monarquia Stuart na Grã-Bretanha.